Tag: sexo

  • Crítica | O Cheiro da Gente

    Crítica | O Cheiro da Gente

    372560

    Larry Clark acredita mais na minha geração do que eu mesmo. Kids e o Cheiro da Gente não só têm a ver com quem está na faixa dos 20 anos, mas também com a molecada que os anos 70 produziu até hoje, desde muito antes das redes sociais, quando o Facebook ficava nas garagens e nos porões cheios de música e gente que fazia mais do que mostrava. Clark filma a juventude que muda de visual mas segue a mesma, sempre em busca ou vivendo as liberdades que aos poucos a vida foi tirando de nossos pais e avós, mas mais do que isso: Clark, tal como Richard Linklater e John Hughes, não se interessa pela transição do tempo de uma sociedade oprimida e opressora, mas prefere focar sua lente na era pós-Woodstock, quando já começamos a poder ser o que sempre fomos: Livres, como Joan Crawford, que já tentava fazer seu intolerante marido entender, em Possuída, de 1931. Filmes que resumem uma época.

    Três amigos corriam à vontade por um museu, no auge da nouvelle vague de Jean-Luc Godard. Um tipo de Cinema sociopolítico, mais por inevitabilidade que proposital, é bem verdade, mas que sobrevive e pulsa forte, tangente à expressão por si só, em cada nível de interpretação que o cinema independente europeu ou mundial já se submeteu. Agora, é tanta maconha, sexo confundido com amor, amor com paixão, impulso, instinto, nuances de Cláudio de Assis e fogo puro que fica difícil não se atrair por O Cheiro da Gente, infestado de um aroma jovial de quem enxerga e admira, no escuro, o brilho do suor de quem vive rápido e morre jovem! Filme de representação bem-sucedido por não caber em rótulos, tipo os recentes TangerineBande de Filles, saladas contemporâneas isentas de explicação ou gênero – mas que ousam ser cinema de qualidade e abrangência inquestionável.

    Para Clark, então, a liberdade é um triunfo sobre os fantasmas do passado que ninguém ainda sabe usar direito, o que pode gerar a tal libertinagem, ou seja, o excesso de ousadia. Quando um mendigo numa pista de skate vira obstáculo para os moleques ultrapassarem, nota-se a indiferença do indiferente, como Luis Buñuel soube tão bem interpretar no clássico Os Esquecidos, à medida que um indigente é agredido num México desigual por um bando de rebeldes sem causa. Essa rebeldia fruto do tudo-ou-nada é a matéria-prima para um cinema tão vivo quanto a sociedade que observa; curioso, que pulsa através de uma arte também revolucionária por essência. Cinema também é primavera, nem sempre precisa de camisinha – ou se importar onde suas flechas acertam. O proibido é proibir nas relações das quais fazemos parte e nos fazem ser quem somos – David Bowie sabia disso e ajudou o mundo a reconhecer o fato.

    Cada vez menos existem “filmes de excluídos”, mas sim “filmes de pessoas”. O tempo moldou essas “obrigações” da arte. E nessa onda, em que só o que é honesto é mostrado, o falso é ignorado e só quem goza a vida tem valor. São filmes que acabam por ser veículos que prestam serviço às novas revoluções ideológicas, racistas e sexuais do presente, pequenas jóias nas quais Bob Dylan e Clark aparecem do nada para nos lembrar de que continuam vivos, sim, vagando relevantes por aí, e tais os verdadeiros ídolos deste mundo, se tornaram incapazes de desaparecer por completo. Porque, no fim das contas, é a importância da liberdade de expressão que explica o porquê de O Cheiro da Gente ser indispensável.

  • Crítica | A Garota Dinamarquesa

    Crítica | A Garota Dinamarquesa

    poster

    E se a Viúva Negra dos Vingadores se assumisse lésbica no meio do filme? Imagina a confusão depois da sessão, e a discussão na fila do McDonald’s, dialogando sobre o que, de fato, quase não se discute. São filmes bonzinhos e comportadinhos como A Garota Dinamarquesa que obrigam a levantar uma pergunta básica: Qual o lugar do “diferente” no cinema comercial? Vamos supor que seja nenhum (a menos que o filme use de esteriótipo para criar polêmica e lucrar com isso), mas então onde, em que lugar um casal gay pode ter sua história contada? Nos filmes de sub-gênero, ou em livros de sebo, tipo O Terceiro Travesseiro e Bom Crioulo, só pra citar um pouco de literatura brasileira LGBT e contemporânea. Basicamente, hoje em dia, a Marvel ainda não lançou um(a) protagonista negro e gay porque o diferente só ganha lugar para uma plateia diferente. Ou quando a Globo abre quotas e encaixa o Félix na novela.

    O universo LGBT luta para não ser heteronormativo, pois luta a favor das diversidades. E não é que no ano do espetacular Tangerina, de Sean Baker, somos obrigados a engolir um filminho brando de Tom Hooper sobre diversidade sexual? Nas mãos sem vida de Hooper, a história da primeira transex do mundo (reconhecida assim, melhor dizendo) foge de qualquer militância, de qualquer riqueza documental sobre o assunto ou estudos estruturais sobre orientação de gênero e identidade sexual, beirando o medo de levantar qualquer interpretação sobre os tópicos, beirando a indiferença, e faz apenas alimentar todos os mitos e todos os vícios baratos do público sobre esse universo, ainda muito, mas muito pouco explorado no Cinema. Um olhar como de Pedro Almodóvar faz falta, já que com Hooper a tal ideologia de gênero, um assunto tão vasto e interessante quanto nossa própria sexualidade, a sexualidade humana, vira quadrinho de feira com moldura chique, toda blasé.

    A pessoa nasce com um pênis e não se vê como homem. Não age e não se sente, pois sabe que o drama dos cowboys de Brokeback Mountain é pequeno perto do dele, numa época que nem o racismo ainda não se discutia, amplamente. A Garota Dinamarquesa é de pobrezas contextuais, referente a seu tempo, costumes datados e ideologias que surpreendem muito mais que suas boas atuações, além de beirar ser um desserviço à representatividade honesta e plural de um recorte social eclipsado o tempo todo. É claro que o casal principal está excelente, dois atores impecáveis atuando com corpo e alma por baixo de belos figurinos, esvoaçantes, sensibilidade no ar, mas que não se vê, se sente. Hooper extrai o sensível de uma situação sensível, ou seja, o óbvio, filmando o superficial (como se essa não fosse sua especialidade) em direção ao lugar-comum. Como cineasta, é um estilista, só que Tom Ford fez um trabalho mais interessante em 2011.

    […] pois, no cinema, não se pode interpretar o papel de um judeu, é preciso ser um!”, esclareceu Carl Dreyer, um dos pais do Cinema falado numa entrevista de 1933. Pois imaginemos um ator transgênero no papel principal feito por Eddie Redmayne, nas vias do cinema naturalista de uma indústria que não exclui as diferenças, mas jamais sai da linha “burguesa-heterossexual-branca”. Por essas e por outras, a partir da impossibilidade escolhida de uma representação social justa e diversificada, A Garota Dinamarquesa é uma caricatura que desconstrói qualquer possibilidade de amplos debates em torno do assunto, maquiando as facetas da sexualidade aquém dos devaneios mais ralos e primários de Sigmund Freud e de seus devotos, todos tateando na escuridão da ignorância.

    Cópia irregular de Laurence Anyways, de Xavier Dolan, numa visão britânica e mais correta, de época, copiando na tela o que é esperado de bonitinho, num mural de tons pasteis e de preguiça, o filme irrita quem não deixa o espírito crítico de lado. Pois sempre se espera mais de um bom livro quando este é adaptado ao Cinema. Porque extrair o elemento frágil de uma natureza em conflito é tão injusto, e insensível, quanto dar ênfase ao lado preto-e-branco das cores. Exceto os poucos bons momentos pincelados que, curiosamente, não dependem de uma trilha-sonora, sorrindo feito imagens livres, o filme joga na senzala dos clichês os destaques que formam a nossa individualidade, e como esses destaques, como esses aspectos sempre vêm à tona, ao longo de uma vida vivida.

    Tom Hooper é a figura típica de uma classe média que defende a consciência humana, ao invés do Dia da Consciência Negra, sem contar o fim das paradas gays. Isso é tão interessante e digno de conversa quanto a hipocrisia de “certos filmes” em relação a temas que nunca alcançam a plenitude total de seu potencial, onde por mais que obras recentes sobre AIDS ou racismo falhem nas suas concepções, nunca que deixam a peteca cair, representando fragmentos de uma sociedade irrevogavelmente fragmentada. Assim, enquanto alguns enxergam a busca por igualdade a favor do respeito aos nossos direitos como motivo de lágrimas, como no filme, numa perspectiva fria e limitada até mesmo sobre a transfobia que o transexual sofre ao ser atacada por homens simplesmente por existir, para muitos é um esforço que merece festa e celebração por não sermos iguais, num mundo de tonalidades, livre de homogeneidades e cheio de diversidades e filmes melhores do que esse. Minha sinceridade também anda de salto.

    – Escrito no Dia Nacional da Visibilidade Trans, dia 29 de janeiro.

     

  • Crítica | Meteora

    Crítica | Meteora

    Os toques da madeira no concreto em ritmo musical acompanhados dos afrescos que preconizam a paisagem que será exibida na tela de Spiros Stathoulopoulos. Passado nas planícies aquecidas da Grécia central, Meteora é focada a partir da visão do monge Teodoros (Theo Alexander) e da freira Uranias (Tamila Koulieva-Karantinaki), que tem como objetivo de vida dar prosseguimento as ritos comuns a sua aldeia, tendo nessa rotina uma missão obrigatória, amarrando sua existência a prática imutável.

    A emoção – ou falta dela – ao realizar as liturgias típicas do culto demonstram como o drama transita entre o máximo respeito congregacional, que não permite expressar muitas emoções e a sensação de vazies, que se analisada com cuidado, poderia ser associada ao conformismo e até com o tédio. O escapismo também  é contemplado em cena, nos momentos em que a encenação de carne e osso varia para sequências em animação, normalmente retratando questões mais lúdicas e ligadas ao mundo sobrenatural, onde é mais fácil mostrar representações do Tártaro.

    A realidade dos membros do mosteiro é ligada a uma comunidade que vive em condições insalubres, e que mesmo diante dos paupérrimos e escassos recursos, ainda conseguem ter em sua existência um resquício de felicidade, ligado muitos a religião, a esperança de dias melhores. Tal prerrogativa curiosamente não serve tanto a Teodoros, que em seus momentos de intimidade, debate “sozinho” a real necessidade de todo aquele aparato cultual e a complicação que existe para tocar ou falar com o Divino. Conforme a fita transcorre com o tempo, mais e mais a necessidade de se cultuar o Deus é exibida, não por movimentos atrozes de rebeldia, mas por vias de gestos bastante comedidos, vindo de um verdadeiro fiel que tem na dúvida existencial o seu norte. O reclame portanto é mais real e pleno do que qualquer brado insurreto poderia ser, pois em todas as nuances, guarda verdade, toda a discrição é mais gritante que a violência.

    As tentações carnais obviamente chegam a tenda dos religiosos, e como homens (falhos) que são, eles se permitem deixar levar pela volúpia, ainda que os estágios a que chegaram sejam bem tímidos, a julgar-se pela movimentação exibida pela câmera. Ainda que a sugestão seja dúbia, a culpa estampada nos rostos dos ermitões, a vergonha por se sentir tentada a dar vazão aos seus sentimentos e impulsos, naturais como qualquer outra manifestação corporal básica, e exibida assim pela sensível direção de Stathoulopoulos.

    Mesmo com toda a abordagem sobre o sexo como algo espontâneo e inevitável, os personagens ainda se veem como seres desasseados e impuros ante a figura de Jesus. Sentem-se como se fossem eles a pregar os cravos nas mãos, estancando o sangue, que jorrava sobre o chão e sobre a multidão, como se a culpa por ocorrer o sofrimento do homem justo, fosse deles. A julgar pela prerrogativa presente no comportamento religioso, a responsabilidade era realmente deles, mas o sentimento não diminuía em nada a necessidade que aqueles dois corpos tinham em estar juntos. Os abismos que os separavam não eram maiores que o desejo mútuo em pertencer um ao outro. Teodoros e Uranias não podiam evitar a lascivo aspiração

    O trânsito entre fantasia e realidade é feito de maneira belíssima, graças demais a fotografia, também realizada por Stathoulopoulos, que consegue passar uma aura de pureza em um assunto considerado completamente pecaminoso pelo microuniverso explorado no guião. O modo como cada elemento é composto ajuda a traçar uma das facetas humanas mais complicadas de catalogar, ligando a fé e a sexualidade como instintos básicos do animal homem, dando igual importância para ambos e claro, sem ignorar qualquer falha de concepção ou falácia comum a ambos assuntos.

  • Crítica | Sex Tape: Perdido Na Nuvem

    Crítica | Sex Tape: Perdido Na Nuvem

    Utilizando o nome original no mercado brasileiro, dada a universalidade do termo, Sex Tape – com o ótimo e autoexplicativo complemento Perdido na Nuvem – toma por base uma narrativa engraçada para argumentar a respeito das interações inerentes a vida de um casal, que tem na rotina o principal motivo para perder o alto nível de estreiteza na relação, distante demais do que ocorria no começo do affair.

    O filme funciona fundamentalmente por sua dupla de protagonistas, que já de início consegue expressar uma química muito intensa, sem qualquer necessidade de preâmbulo dada a qualidade da comunicação e diálogo corporal entre eles. A paixão de Jay (Jason Segel) e Annie (Cameron Diaz) é notória e inegável, até nos momentos em que é mostrado o casamento com os dois filhos dos dois, onde a líbido de ambos é pautada segundo as brechas que os pequenos dão a eles, e ás vezes, nem isto.

    A dificuldade em recuperar a espontaneidade na cama faz o carismático casal se embrenhar em táticas das mais loucas para conseguir algo tão simples quanto o gozo. O momento em que Annie tem a epifania relativa, ocorrida após ingerir um bocado de álcool, a solução encontrada dos seus problemas é salutar o tônico da coragem, e o par enfim decide gravar a si enquanto copula, o que se mostra um erro, já que o vídeo foi elevado a uma rede caseira, onde todos os computadores remoto da comunidade deles teria acesso a isso. A situação se complica quando eles recebem uma mensagem de texto, anônima, dizendo que o resultado da gravação era surpreendente.

    A partir deste ponto começa uma epopeia para recuperar cada um dos dispositivos que armazenam o vídeo, buscando o incógnito piadista, enquanto se quebra todas as barreiras possíveis de moral e decência contidas no tradicional modo conservador do americano médio. O roteiro de Segel, Nicholas Stoller e Kate Angelo segue o modo de comédia que nos últimos anos ficou famoso pelas mãos de Todd Phillips na trilogia Se Beber Não Case, onde os limites do humor físico ultrapassam o bom senso em nome do riso fácil.

    O filme de Jake Kasdan consegue flutuar entre a comédia pautada no constrangimento e a exposição corporal de seus astros, revelando atos erráticos e dionisíacos, com o típico comportamento sexual libertino, claro, sem provocar qualquer discussão em nível de superfície, mas exibindo uma camada de situações não tão comuns e usuais ao cinema mainstream estadunidense.

    O desespero por ter a intimidade evazada ganha proporções dantescas, algumas vezes assemelhando Sex Tape a um filme de terror, claro, lotado de gags cômicas. Apesar da trajetória tresloucada e carregada de entropia, o final é muitíssimo conservador e conciliatório, mesmo que a “sombra”, ditada pelo manual de Joseph Campbell em Herói de Mil Faces, seja na obra uma figura inesperada e de idade precoce, mas isto não garante qualquer ousadia ao filme, visto que até Robocop 2 tinha um vilão infanto-juvenil.

    Talvez o ponto que faz de Perdido na Nuvem uma comédia um pouco superior a tantas semelhantes – da escola Judd Apatow – no humor, esteja no pequeno mergulho na indústria pornô, unicamente posto ali para salvaguardar a mensagem piegas, mas equilibrada, de que a alegria dos dois personagens vem por estarem juntos, manifestando o amor por meio desta união. As linhas engraçadas do guião não são tão genéricas e afeitas ao riso estúpido quanto seus concorrentes, mas também não há qualquer reflexão mais profunda, o que faz com que o filme caia num limbo existencial sem muita identidade quanto ao público o qual é destinado, fazendo este valer quase unicamente pela corajosa e sincera nudez de Cameron Diaz, que não tem mais tanto medo de envelhecer.

  • Review | Masters of Sex – 1ª Temporada

    Review | Masters of Sex – 1ª Temporada

    masters-of-sex-posterExplorando um tema sempre controverso e expondo um tabu de interesse universal, Masters of Sex agrada ao público já em sua ideia original, apoiada em veracidade histórica. Baseado na obra de Thomas Maier, a primeira temporada introduz o protagonista, Dr. William Masters (Michael Sheen), um médico e pesquisador que busca catalogar a rotina sexual das pessoas por meio de estudos científicos.

    Até pela restrição de seu repertório, ele não percebe algo tão costumeiro quanto a falsidade de orgasmo feminino, e aconselhado por uma de suas “ajudantes”, decide vivenciar o que tanto pesquisa. Isso se mostra algo difícil para Dr. Masters, uma vez que a sociedade em que vive é excessivamente moralista e reservada, assim como seu casamento, sustentado pela esperança da felicidade que viria através de um filho que jamais chega.

    Enquanto William busca atualizar seus estudos, entra em cena, uma pesquisadora novata e de ideias essencialmente liberais, Virginia Johnson (Lizzy Caplan), que diferente de outras mulheres da década de 50, olha para as relações sexuais de um modo não tão fortemente ligado ao moralismo. Virgina vê o sexo com um olhar vanguardista para a época, já que ela não se acha inferior aos homens em nada, e busca seu sucesso e satisfação intelectual sem se limitar pela inferiorização sofrida pelas mulheres.

    A postura de Virgina faz com que os homens que a cercam fiquem confusos, já que, seus parceiros sexuais não entendem por que ela age de forma tão indecifrável, buscando a realização de suas fantasias sem a cobrança de outras responsabilidades ou compromissos. Como todos os elementos narrativos predizem, a dupla acaba se auxiliando na difícil pesquisa que Dr. Masters começa para comprovar cientificamente alguns dos maiores clichês da sexualidade – o orgasmo feminino – sem temer represálias. O protótipo de testes proposto pelos pesquisadores não é aprovado pela junta de médica e, por isso, a busca pelas minuciosidades dos resultados é feita de modo clandestino.

    Dr. Masters esconde seus impulsos sexuais sob uma espessa camada de vergonha, em uma espécie de repressão que inspira tantos artistas e sentencia todos os homens a uma hipócrita busca por estar certo e ter razão. Certamente, é a prisão do conservadorismo culposo vivenciado não só por Virginia e William, mas também por seus pares sexuais, que ao poucos, faz com que o doutor mergulhe cada vez mais fundo em sua pesquisa e tenha súbitos desejos pela colega de trabalho. Além disso, o que também aflige sua psiquê é a incapacidade em engravidar a própria esposa, Libby Masters, vivida pela atriz Caitlin FitzGerald.

    Os temas abordados na série são muito complexos porque envolvem a intimidade e a sensibilidade dos personagens,  pessoas reais que vivenciam aflições e decepções, pessoas que têm obsessões ligadas à carnalidade, à sexualidade e até à fertilidade. É peculiar, o modo como os estereótipos são invertidos e como a forma de encarar o orgasmo varia entre as mulheres. A ambiguidade segue também no equilíbrio – e desequilíbrio – entre o que é ciência e o que é fantasia.

    Uma das cenas mais interessantes e engraçadas é a que o Dr. Masters se depara com o orgasmo masculino homossexual, o que ataca diretamente seus preconceitos e eleva a discussão a um nível extremamente pessoal. Essa pessoalidade também é marcada pela vaidade que envolve William e os que o cercam, principalmente sua esposa Libby, que acredita ser estéril e tenta desesperadamente conceber o herdeiro dos Masters, e o também médico Ethan Haas (Nicholas D’Agosto), que busca o seu espaço e sempre vê suas tentativas frustradas pelo ego do mentor. É interessante como a figura do protagonista oscila entre o paladino vestido de branco, defensor da justiça e dos bons costumes, e o anti-herói, ao mesmo tempo em que ele se assemelha demais à vítima de uma complicada trajetória de vida.

    Pouco a pouco os estudos avançam, e os pesquisadores abandonam as pesquisas com profissionais do sexo para estudar espécimes “normativos”, o que, obviamente, gera mais resultados comprobatórios, enriquecendo a tese de Masters. Em meio a isso, o doutor se vê em diversas encruzilhadas morais. Sua forma ríspida de lidar com crianças assusta Libby, especialmente por fazê-la refletir sobre o futuro de ambos como pais. Paralelo a isso, ele se vê diante da decisão de ajudar ou não uma paciente a interromper o ciclo de gravidez, já que seu marido é violento com ela. Aos poucos, questões cotidianas esbarram no idílico mundo ideal de um estudo em perspectiva.

    As tentações enfrentadas pelo médico vão aumentando de nível e pioram quando ele finalmente decide pôr em prática o seu desejo inicial de ser cobaia, colocando a tensão sexual entre ele e Virginia à prova. Entretanto, a máxima de não misturar as relações com sentimentos não são tão respeitadas quanto deveriam, e pioram com o desinteresse de Bill por sua esposa, especialmente após o aborto de seu tão aguardado filho. Apesar da preocupação dos dois cientistas em catalogar tudo e manter o sexo como uma relação profissional, nenhum dos dois sabe lidar direito com essa mudança de paradigma, e a psiquê deles mostra-se confusa, cada um a seu modo.

    Curiosamente, a trama mostra como preceitos morais são quebrados, não somente no quesito sexo, mas também nas óbvias indiscrições conjugais, em alguns casos de subornos, além de propinas e trocas de favores em nome de vantagens dentro da universidade, o que transforma o sexo no menor dos tabus diante dos outros “pecados”. No entanto, é a relação semi-amorosa entre Masters e Johnson que guarda as maiores polêmicas.

    A sequência de altos e baixos pelos quais os dois passam é enorme, e tem início no desprezo mútuo, que na verdade esconde uma situação conflituosa, já que nenhum dos dois está preparado para avançar no descampado terreno da paixão que, certamente, eles nunca irão assumir. Apesar disso, torna-se cada vez maior e incontrolável, o desejo voluptuoso entre os dois, além de uma perfeita interação em simbiose no modo de trabalhar. O entrosamento dos pesquisadores é tamanho, que até as brigas entre os dois são homéricas, como em um autêntico casal, especialmente no que tange à divisão dos méritos do trabalho de pesquisa.

    Bill confunde muito as coisas e acaba ofendendo sua parceira, que decide pôr um fim à união profissional e, consequentemente, também à carnal. Em caminhos separados, os dois estudiosos prosseguem, aprofundando-se nos seus campos de interesse, até o grande dia da apresentação do projeto de Masters.

    Ao final da temporada, algumas das histórias paralelas vão ganhando força, o que aumenta ainda mais o caráter folhetinesco do seriado. Dentre todo os dramas familiares, o que mais se destaca é o do respeitável reitor Barton Scully (Beau Bridges) e sua esposa Margaret (Allison Janney), que vivem uma iminente separação causada pelo mais curioso caso de infidelidade retratado pela série, por tratar-se de uma relação homoafetiva. O modo como as peças se movem no tabuleiro é intrigante, variando de estágios de negação e arrependimento, caindo em tentativas de cura.

    Com cenas intercaladas de personagens secundários, o dia fatídico ocorre com o discurso de Bill na apresentação do projeto. Sua fala começa bem, mas em determinado ponto, é interrompida por perguntas pertinentes à autoria de sua tese. A resposta de que ele fizera todo o estudo sozinho é construída de forma confusa e deixa transparecer sua vaidade e orgulho, até que ele deixa escapar o quanto foi ajudado por Virginia, relevando de modo pouco ortodoxo, mais do que deveria e do que poderia.

    Como era de se esperar, o discurso é um fracasso, pois ao menor sinal de nudez filmada, a plateia entra em estado de protesto, movidos, a priori, pelo conservadorismo e pelo medo, mas também, segundo a mente de William, movidos pela inveja de não ter um currículo tão extenso quanto o dele, tampouco seu instinto para o pioneirismo. Mais uma vez a guerra de vaidades atrapalha o avanço científico, fazendo deste um dos melhores motes do seriado.

    A derrocada de William Masters acontece paralelamente ao sucesso estadunidense na corrida espacial, uma vitória para a nação soberana, comprovada de modo empírico. Ocorre também, ao mesmo tempo que o nascimento de seu filho, evento ofuscado por todo o conflito vivenciado pelo derrotado.

    É sem qualquer possibilidade de vitória que Bill, enfim, assume sua situação para Virginia, dizendo o quão importante ela era, tanto para o trabalho, quanto para ele, começando assim, de modo oficial, o “romance” entre os dois, que anos mais tarde acarretaria em um casamento que durou décadas.

    Masters of Sex consegue contar de modo agridoce o começo da trajetória do casal que foi pioneiro no estudo do sexo, inserindo mil elementos novelísticos, típicos da fórmula da HBO (vista em Boardwalk Empire e Game of Thrones), mas não comete o pecado de deixar que suas tramas tornem-se piegas ou sejam de fácil digestão, mantendo a vontade do público em consumir os seus episódios, sempre terminados com ganchos incríveis.

    A despeito do espinhoso tema debatido, a série consegue ser leve, e até tem chances de conquistar a atenção do espectador que não está acostumado a tramas mais elaboradas ou calcadas em temas controversos. Além de exibir atuações memoráveis de Michael Sheen e Lizzy Caplan, numa química dificilmente encontrada em duplas de casais, a série tem equilíbrio ao tocar em feridas sociais tão fortes e presentes na sociedade atual, sem precisar de um discurso descaradamente político. Isso  faz com que a singularidade do seriado seja ainda mais notada, transformando-o em um destaque entre seus pares, outras séries da ótima safra que é exibida na televisão em canais fechados.

    Compre aqui:  Livro | Dvd

  • Resenha | Garotas de Tóquio

    Resenha | Garotas de Tóquio

    Garotas de Tóquio é uma HQ erótica publicada em 2006 pela editora Conrad, que reúne sete breves histórias, escritas e desenhadas pelo mangaká francês Fréderic Boilet. A maioria publicado originalmente pela revista japonesa Manga Erotics.

    Nas histórias o leitor é colocado como voyeur daquelas situações e aventuras sexuais. Observando não só o sexo, mas também o exibicionismo do autor sobre seu processo de criação, ao nos mostrar como ele consegue as modelos, como ele as deixa no controle da situação, talvez até numa tentativa de poupar o seu esforço criativo para a hora de transpor o material fotografado ou filmado para o nanquim. Mas também aproveitando as fantasias das jovens, e a espontaneidade da interação, juntamente com a tão comum fixação do artista por suas musas inspiradoras.

    Existem boas diferenças na parte sexual de cada história, algumas mais explícitas, outras mais sutis, com poesia e sentimento, além de passagens apenas emocionais. Nesse ponto também é interessante notar o uso dos diálogos, pois dão o tom de intimidade entre os pares, quanto mais as pessoas falam entre si e se expressam verbalmente, menos intimidade e sentimento há entre elas e vice-versa.

    O ponto alto do álbum fica para a arte, com desenhos que mantém uma “linha mestra” do autor, mas que variam bem de estilo entre cada um dos contos. Alguns com muitas cores fortes e marcantes, outras com tons mais frios, predominando azul e cinza. Alguns com traços mais sutis e levez, outras com o traço mais fino e marcado, puxando o desenho para o realismo com cores mais claras e vivas.

    Envolvido ainda com a arte, há um aspecto interessante sobre as mulheres que servem de inspiração e populam as páginas, pois o autor não usa super gostosas com atributos perfeitos, saídas de algum reality show ou programa de humor de domingo a noite. Nada de peitões, bundas enormes em posições sexuais acrobáticas para incitar o erotismo. Mas sim, mulheres comuns, com imperfeições, sutilezas com uma pitada de timidez, em situações cotidianas como um passeio no parque ou uma conversa com a parceira na cama. Isso tudo torna não só as histórias, como também aquelas jovens, críveis, fazendo com que a carga de erotismo fique por conta do leitor. E não explícita pelo artista forçosamente.

    Garotas de Tóquio é uma boa escolha num gênero de HQ não muito difundido no Brasil, talvez a extensão do livro deixe um pouco a desejar, fazendo com que queiramos mais. Porém, o preço de R$ 9,00 é bastante acessível para um álbum no formato 21,5 x 27,5, com papel e impressão impecáveis, fazem valer a compra e a leitura.