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  • Crítica | Cats

    Crítica | Cats

    A versão de Tom Hooper para o clássico música conhecido mundialmente graças a Broadway já se demonstra complicado em seu início, em uma cena digna de um show televisivo infantil do canal Discovery Kids. Cats começa com o abandono de um animal, em um movimento mais que natural nas cidades grandes, mas não há qualquer universalidade na Nova York montada pela obra, pois não é apenas os efeitos especiais em cima dos atores que prima por uma bizarra configuração, mas também os cenários e a arquitetura urbana.

    Há até um fôlego de qualidade presente na potência vocal dos atores como Robbie Fairchild, Francesca Hayward , Laurie Davidson, mas mesmo Jellicles Cats é apresentada de uma forma estranha aos olhos e as demais sensações corporais. A captura de movimento fica em um limbo incomodo entre os movimentos humanos e felinos, sem conseguir imitar bem nenhuma delas.

    É difícil avaliar a atuação do estrelado elenco, dado que quase nada que aparece em tela é propriamente deles, e isso se agrava quando entram as danças mais complexas. Nem mesmo Munkustrap (Fairchild) e Victoria (Hayward) que tem muito tempo de tela desde o início conseguem traduzir qualquer química, até porque parecem animais deformados. O momento em que os Gatos Gumbie são introduzidos faz tudo piorar, pois as escalas se confundem demais, e fica mais evidente que os felinos variam de tamanho conforme o humor dos produtores assim quer. Os momentos que Rebel Wilson é introduzida assustam, sua personagem Jennyanydots deveria ser engraçada, mas só causa espanto e agonia pela artificialidade de sua introdução.

    Há uma clara intenção de tentar revitalizar e reciclar o clássico, misturando escolas coreográficas diferenças, apelando para balé, dança moderna e até hip hop, mas o fato de serem bonecos digitais, que meramente imitam o balanço típico do corpo humano e que tentam ser um híbrido, se perde toda a força da mistura. As tentativas de soar algo inédito esbarra na presunção e arrogância das péssimas escolhas de diretor e produção, e nem mesmo as participações de Jennifer Hudson, Ian McKellen e Judi Dench salvam o longa de uma apresentação patética.

    O filme também possui um ritmo que faz o espectador cansar rápido. Os números musicais tem poucos respiros entre eles, fato que faz zerar o impacto em quem assiste eles pela primeira vez, piorando muito quando o espectador já viu outras versões da obra. Os momentos finais tentam resgatar um pouco do sentimentalismo e dignidade do que Cats deveria ser, mas Hudson não consegue repetir o sucesso que Anne Hatheway em Os Miseráveis, até porque por mais que Hooper force, as suas duas obras sejam completamente diferentes em abordagem, forma e conteúdo.

    Praticamente nada se salva em Cats, e possivelmente a versão ainda sem retoques digitais – a segunda versão só chegou aos cinemas pós estréia, e foi apelidada carinhosamente de versão DLC, em atenção a um termo de mudanças comuns aos vídeo games – ainda seria mais difícil de consumir com essa. A opção por tentar reproduzir tudo em computação gráfica está longe de ser o único defeito cabal do filme, há outros tantos equívocos, ausência de carisma dos personagens, pressa em apresentar todos os dramas e números, o próprio fato de ter pouco mais de 100 minutos é um indício de que algo deu errado, e em ultima analise, talvez fosse melhor que este fosse mais curto mesmo, até para diminuir o martírio dos poucos que apreciaram este.

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  • Crítica | A Garota Dinamarquesa

    Crítica | A Garota Dinamarquesa

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    E se a Viúva Negra dos Vingadores se assumisse lésbica no meio do filme? Imagina a confusão depois da sessão, e a discussão na fila do McDonald’s, dialogando sobre o que, de fato, quase não se discute. São filmes bonzinhos e comportadinhos como A Garota Dinamarquesa que obrigam a levantar uma pergunta básica: Qual o lugar do “diferente” no cinema comercial? Vamos supor que seja nenhum (a menos que o filme use de esteriótipo para criar polêmica e lucrar com isso), mas então onde, em que lugar um casal gay pode ter sua história contada? Nos filmes de sub-gênero, ou em livros de sebo, tipo O Terceiro Travesseiro e Bom Crioulo, só pra citar um pouco de literatura brasileira LGBT e contemporânea. Basicamente, hoje em dia, a Marvel ainda não lançou um(a) protagonista negro e gay porque o diferente só ganha lugar para uma plateia diferente. Ou quando a Globo abre quotas e encaixa o Félix na novela.

    O universo LGBT luta para não ser heteronormativo, pois luta a favor das diversidades. E não é que no ano do espetacular Tangerina, de Sean Baker, somos obrigados a engolir um filminho brando de Tom Hooper sobre diversidade sexual? Nas mãos sem vida de Hooper, a história da primeira transex do mundo (reconhecida assim, melhor dizendo) foge de qualquer militância, de qualquer riqueza documental sobre o assunto ou estudos estruturais sobre orientação de gênero e identidade sexual, beirando o medo de levantar qualquer interpretação sobre os tópicos, beirando a indiferença, e faz apenas alimentar todos os mitos e todos os vícios baratos do público sobre esse universo, ainda muito, mas muito pouco explorado no Cinema. Um olhar como de Pedro Almodóvar faz falta, já que com Hooper a tal ideologia de gênero, um assunto tão vasto e interessante quanto nossa própria sexualidade, a sexualidade humana, vira quadrinho de feira com moldura chique, toda blasé.

    A pessoa nasce com um pênis e não se vê como homem. Não age e não se sente, pois sabe que o drama dos cowboys de Brokeback Mountain é pequeno perto do dele, numa época que nem o racismo ainda não se discutia, amplamente. A Garota Dinamarquesa é de pobrezas contextuais, referente a seu tempo, costumes datados e ideologias que surpreendem muito mais que suas boas atuações, além de beirar ser um desserviço à representatividade honesta e plural de um recorte social eclipsado o tempo todo. É claro que o casal principal está excelente, dois atores impecáveis atuando com corpo e alma por baixo de belos figurinos, esvoaçantes, sensibilidade no ar, mas que não se vê, se sente. Hooper extrai o sensível de uma situação sensível, ou seja, o óbvio, filmando o superficial (como se essa não fosse sua especialidade) em direção ao lugar-comum. Como cineasta, é um estilista, só que Tom Ford fez um trabalho mais interessante em 2011.

    […] pois, no cinema, não se pode interpretar o papel de um judeu, é preciso ser um!”, esclareceu Carl Dreyer, um dos pais do Cinema falado numa entrevista de 1933. Pois imaginemos um ator transgênero no papel principal feito por Eddie Redmayne, nas vias do cinema naturalista de uma indústria que não exclui as diferenças, mas jamais sai da linha “burguesa-heterossexual-branca”. Por essas e por outras, a partir da impossibilidade escolhida de uma representação social justa e diversificada, A Garota Dinamarquesa é uma caricatura que desconstrói qualquer possibilidade de amplos debates em torno do assunto, maquiando as facetas da sexualidade aquém dos devaneios mais ralos e primários de Sigmund Freud e de seus devotos, todos tateando na escuridão da ignorância.

    Cópia irregular de Laurence Anyways, de Xavier Dolan, numa visão britânica e mais correta, de época, copiando na tela o que é esperado de bonitinho, num mural de tons pasteis e de preguiça, o filme irrita quem não deixa o espírito crítico de lado. Pois sempre se espera mais de um bom livro quando este é adaptado ao Cinema. Porque extrair o elemento frágil de uma natureza em conflito é tão injusto, e insensível, quanto dar ênfase ao lado preto-e-branco das cores. Exceto os poucos bons momentos pincelados que, curiosamente, não dependem de uma trilha-sonora, sorrindo feito imagens livres, o filme joga na senzala dos clichês os destaques que formam a nossa individualidade, e como esses destaques, como esses aspectos sempre vêm à tona, ao longo de uma vida vivida.

    Tom Hooper é a figura típica de uma classe média que defende a consciência humana, ao invés do Dia da Consciência Negra, sem contar o fim das paradas gays. Isso é tão interessante e digno de conversa quanto a hipocrisia de “certos filmes” em relação a temas que nunca alcançam a plenitude total de seu potencial, onde por mais que obras recentes sobre AIDS ou racismo falhem nas suas concepções, nunca que deixam a peteca cair, representando fragmentos de uma sociedade irrevogavelmente fragmentada. Assim, enquanto alguns enxergam a busca por igualdade a favor do respeito aos nossos direitos como motivo de lágrimas, como no filme, numa perspectiva fria e limitada até mesmo sobre a transfobia que o transexual sofre ao ser atacada por homens simplesmente por existir, para muitos é um esforço que merece festa e celebração por não sermos iguais, num mundo de tonalidades, livre de homogeneidades e cheio de diversidades e filmes melhores do que esse. Minha sinceridade também anda de salto.

    – Escrito no Dia Nacional da Visibilidade Trans, dia 29 de janeiro.

     

  • Crítica | Os Miseráveis (2012)

    Crítica | Os Miseráveis (2012)

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    Em 2001, com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, os musicais ganhavam novamente destaque nas produções Hollywoodianas, com uma história amorosa que inovava no estilo cinematográfico e ainda era repleto de referências ao pop. Talvez não seja exagero afirmar que, ao lado do Western, é o gênero que mantém suas características próprias, sem diluir-se em uma mistura de gêneros que normalmente situam-se as produções contemporâneas que sempre dão espaço para o humor, ao drama, a ação, perdendo parte dos referenciais de outrora.

    Embora muitos não apreciem o gênero, parte da Era de Ouro do cinema americana foi fundamentada em torno de musicais. O Mágico de Oz, primeiro filme colorido, é uma aventura musical, um exemplo entre tantos outros filmes que transformaram suas canções em sucessos, ganhando força além deles.

    O musical é o gênero mais teatral. Quebra a ideia da verossimilhança a favor da arte. A procura de uma maneira de se expressar com maior intensidade, além da interpretação física e da modulação da fala prosódica. Ao utilizar a música como representação, o público reconhece o distanciamento da vida real, mas, por sua força, aproxima-o pelo elemento emotivo.

    Dirigido por Tom Hooper, do vencedor do Oscar de Melhor Filme Discurso do Rei, Os Miseráveis traz ao cinema a versão do musical da Broadway do romance do francês Victor Hugo. Um dos maiores sucesso do famoso teatro trouxe um conceito inédito ao se filmar o gênero. É o primeiro em que as canções foram realizadas direto da cena, sem a gravação prévia em um estúdio. As interpretações das canções mantem-se a favor da emoção das personagens e do desejo dos atores, mas falham se o ator não possui um bom gogó para conseguir refletir o que sente.

    Na trama, acompanhamos o ladrão Jean Valjean, que após roubar um pão e ser preso, decide redimir os erros de sua vida. Mas aos olhos da lei e do inspetor Javert, nenhuma mudança transformaria sua marginalidade. O que faz o inspetor persegui-lo durante a vida toda. Mesmo tornando-se um homem melhor, Valjean não reconhece o sofrimento de uma de suas trabalhadoras que cai em desgraça após ser demitida. É um novo sinal para recuperar sua crença e prometer que cuidará de sua filha, Cosette.

    A história trabalha, em toda sua magnitude que abrange o século XIX como um todo, o viés do tempo e das mudanças históricas. Acompanhando a vida de personagens que foram marginalizados tanto pelas misérias da vida como pela situação da França como país, aqui situado entre a grande batalha de Waterloo e a Revolução.

    Críticas mencionaram o exagero dramático da produção, mas é necessário pontuar desde já que um musical potencializa as ações representadas com maior intensidade e o próprio romance de Victor Hugo é uma narrativa romântica por sua construção sensível e representação crítica da sociedade.

    O grande pecado do filme é não saber diferenciar que o teatro tem formato diferente do cinema. No espetáculo da Broadway, pode ser funcional uma história de 160 minutos em que quase todas as falas são ditas de maneira cantada. No filme, o efeito soa artificial como se as personagens estivessem obrigadas a dizer suas falas somente dessa maneira. Até os musicais mais antigos se pautavam de maneira equilibrada entre números de dança ou voz e partes faladas que dão sequência a ação. Em uma história que permanece demais sequenciando canção após canção, a força das mesmas se perde. Ainda mais quando a gravação foi feita no decorrer da cena, evidenciando quem tem talento e quem fez aulas específicas para as filmagens.

    O astro da produção é seu protagonista, Hugh Jackman, que expõe seu talento vindo da tradição do teatro e, portanto, familiarizado com o estilo. O algoz da personagem, Russell Crowe, parece desconfortável em cantar, ainda que realize uma boa canção solo. O Oscar dado a Anne Hathaway é uma das premiações que se valeu de sua intensa cena solo, da canção mais famosa da trama, I Dream a Dream. Nas outras personagens coadjuvantes, Sacha Baron Cohen, em seu segundo filme musical, demonstra segurança tanto na interpretação como na voz e parece diferenciar sua carreira entre as produções próprias com personagens excêntricos  e aquelas mais tradicionalista que realiza com outros diretores.

    Tentando manter a fidelidade com o musical da Broadway, mesmo não sendo um espetáculo filmado, Os Miseráveis perde parte de sua alma como uma produção cinematográfica. A inovação de cantar do próprio estúdio não salva excessos que poderiam ser evitados se a adaptação não se apoiasse somente no espetáculo teatral, esquecendo que a sétima arte tem um formato diferente.