Tag: cinema grego

  • Crítica | Meteora

    Crítica | Meteora

    Os toques da madeira no concreto em ritmo musical acompanhados dos afrescos que preconizam a paisagem que será exibida na tela de Spiros Stathoulopoulos. Passado nas planícies aquecidas da Grécia central, Meteora é focada a partir da visão do monge Teodoros (Theo Alexander) e da freira Uranias (Tamila Koulieva-Karantinaki), que tem como objetivo de vida dar prosseguimento as ritos comuns a sua aldeia, tendo nessa rotina uma missão obrigatória, amarrando sua existência a prática imutável.

    A emoção – ou falta dela – ao realizar as liturgias típicas do culto demonstram como o drama transita entre o máximo respeito congregacional, que não permite expressar muitas emoções e a sensação de vazies, que se analisada com cuidado, poderia ser associada ao conformismo e até com o tédio. O escapismo também  é contemplado em cena, nos momentos em que a encenação de carne e osso varia para sequências em animação, normalmente retratando questões mais lúdicas e ligadas ao mundo sobrenatural, onde é mais fácil mostrar representações do Tártaro.

    A realidade dos membros do mosteiro é ligada a uma comunidade que vive em condições insalubres, e que mesmo diante dos paupérrimos e escassos recursos, ainda conseguem ter em sua existência um resquício de felicidade, ligado muitos a religião, a esperança de dias melhores. Tal prerrogativa curiosamente não serve tanto a Teodoros, que em seus momentos de intimidade, debate “sozinho” a real necessidade de todo aquele aparato cultual e a complicação que existe para tocar ou falar com o Divino. Conforme a fita transcorre com o tempo, mais e mais a necessidade de se cultuar o Deus é exibida, não por movimentos atrozes de rebeldia, mas por vias de gestos bastante comedidos, vindo de um verdadeiro fiel que tem na dúvida existencial o seu norte. O reclame portanto é mais real e pleno do que qualquer brado insurreto poderia ser, pois em todas as nuances, guarda verdade, toda a discrição é mais gritante que a violência.

    As tentações carnais obviamente chegam a tenda dos religiosos, e como homens (falhos) que são, eles se permitem deixar levar pela volúpia, ainda que os estágios a que chegaram sejam bem tímidos, a julgar-se pela movimentação exibida pela câmera. Ainda que a sugestão seja dúbia, a culpa estampada nos rostos dos ermitões, a vergonha por se sentir tentada a dar vazão aos seus sentimentos e impulsos, naturais como qualquer outra manifestação corporal básica, e exibida assim pela sensível direção de Stathoulopoulos.

    Mesmo com toda a abordagem sobre o sexo como algo espontâneo e inevitável, os personagens ainda se veem como seres desasseados e impuros ante a figura de Jesus. Sentem-se como se fossem eles a pregar os cravos nas mãos, estancando o sangue, que jorrava sobre o chão e sobre a multidão, como se a culpa por ocorrer o sofrimento do homem justo, fosse deles. A julgar pela prerrogativa presente no comportamento religioso, a responsabilidade era realmente deles, mas o sentimento não diminuía em nada a necessidade que aqueles dois corpos tinham em estar juntos. Os abismos que os separavam não eram maiores que o desejo mútuo em pertencer um ao outro. Teodoros e Uranias não podiam evitar a lascivo aspiração

    O trânsito entre fantasia e realidade é feito de maneira belíssima, graças demais a fotografia, também realizada por Stathoulopoulos, que consegue passar uma aura de pureza em um assunto considerado completamente pecaminoso pelo microuniverso explorado no guião. O modo como cada elemento é composto ajuda a traçar uma das facetas humanas mais complicadas de catalogar, ligando a fé e a sexualidade como instintos básicos do animal homem, dando igual importância para ambos e claro, sem ignorar qualquer falha de concepção ou falácia comum a ambos assuntos.

  • Crítica | Miss Violence

    Crítica | Miss Violence

    O começo do fim. O fim de uma família. Uma árvore cortada não por meio de força externa, mas corroída por um invasor cupim que, em um segundo de posse de suas raízes, começa aos poucos a degradação da prejudicada estrutura interna. A primeira denúncia são os frutos que caem em direção ao solo, agora desnutridos, e se espatifam no chão, a polpa estourando – imaginem a cena. A queda junto a decadência marca o declínio de qualquer germinação, sendo assim uma questão de tempo (curto) para a árvore da vida, a partir dai, ostentar apenas o epitáfio já anunciado.

    Miss Violence deseja mexer com seu psicológico. Aos despreparados, vai e consegue bem, porque choca e seu intuito principal é o choque com um verniz de estudo financeiro e social da atual crise que a Grécia ainda enfrenta, com sua população refém de um sistema incrédulo às demandas públicas. O que acontece dentro de uma árvore, um ser vivo à beira do abismo? não é a pergunta certa. Aonde ela assegura suas raízes para resistir a queda total é a pergunta a qual o filme de Alexandro Avranas investiga inteligentemente com poucas palavras, movimento em quadro ou extra-diegeses, dissecando o valor positivo ou negativo das ramificações familiares em tempos de cegueira e emergência existencial. Não há otimismo ou pessimismo.  Não há filosofia ou canções de ninar, gosto de fábula; nada. É desse nada que surge a força do não verbal transformando a atmosfera de cada close ou dose de silêncio em objeto quase  palpável, cortante, visível.

    É o exercício mudo de se assistir três tigres tristes se debatendo numa jaula. Aguenta quem pode. Uma espiral de reviravoltas com base nutrida pela claustrofobia vivida e suportada longe de olhos públicos, sempre entre quatro paredes, no qual tudo o que é visível tem uma importância tão grande quanto o poder da palavra em filme de Woody Allen. O poder neste caso repousa em detalhes: as cortinas sempre fechadas, o silêncio que exclama feito buzina de caminhão e a realidade na mesa do jantar que nos toca por alcançar os personagens, vítimas de si mesmos, com o poder de um jato em rasante no céu.

    Se Miss Violence é gratuito, frio e denso demais, prevendo a opinião da maioria dos espectadores que assisti-lo, o contato com a depressão de uma realidade burlada por uma câmera (que tenta ser invisível mas não consegue atingir tal efeito) também dita de forma extrema e sem meias verdades a impressão do público. Contudo,  nada na projeção omite a certeza quanto a sensibilidade do autor, imerso até o primeiro chacra num miserável cotidiano, árvore que jamais será a mesma, e que pode existir no vizinho ao nosso lado, universalmente. Destaque para as atuações: Sete tigres tristes à flor da pele. Um comediante morreu em Nova York. Uns dizem que foi suicídio. Vai saber.