Tag: Anna Kendrick

  • Crítica | Um Pequeno Favor

    Crítica | Um Pequeno Favor

    Há cineastas e produtores das mais variadas pretensões. Desde revolucionar com muita grana o espetáculo cinematográfico que conhecemos (James Cameron, Steven Spielberg, Kevin Feige), até representar a alma efervescente do país e do momento em que enfrenta (Jean-Luc Godard, Glauber Rocha, Roberto Rossellini). Claro que o esforço do primeiro tipo ganha muito mais atenção por parte do público, mas abençoado seja aquele que não perde o foco da sua ambição. No caso de Paul Feig, do sucesso Missão Madrinha de Casamento (inexplicável, até hoje) e o Caça-Fantasmas de 2016 (todos têm um Esquadrão Suicida na carreira, certo?), o cara faz o tipo do entertainer mais clássico que há, o que apenas deseja divertir a plateia, mas diferente dos mestres que tanto nos fizeram rir até mesmo sem falar uma palavra, ele por sua vez vive para apostar o seu (nosso) tempo em produtos fabricados para serem degustados, e afetados pela amnésia que vem na volta a realidade que seus filmes nunca nos conseguem fazer fugir, de verdade.

    A primeira dúvida do espectador pode ser aonde está Melissa McCarthy, presente em quase todos os filmes de Feig até agora, e aqui substituída pela doce Anna Kendrick, sempre perfeita para o papel da “inocente” melhor amiga, no caso, da super mulher executiva e rica que conhece, Emily (Blake Lively), quando ambas se cruzam indo buscar suas crianças, na escola. Uma é o contraponto genérico da outra: Stephanie parece ser uma vlogueira prestativa e cheia de coração, enquanto Emily parece seu oposto, avisando-a desde o começo: ‘Você não quer ser minha amiga, querida’. Ambas “parecem ser” porque essa é exatamente a premissa de Um Pequeno Favor. Eis aqui a modelação do que as pessoas parecem ser, seus arquétipos tidos como verdadeiros até certo ponto, e a remodelação disso para expor as suas verdadeiras e surpreendentes identidades. Nisso, a amizade entre duas mulheres vai mudando de tom, e o filme também; muito sutil e inteligentemente.

    O que começa como mais uma comédia despretensiosa ganha novos traços que certamente o espectador desavisado nem sonha encontrar, pelo caminho. Feig tem com Um Pequeno Favor o seu melhor filme, leve como sempre, mas desta vez com uma trama baseada no romance de Darcey Bell a investigar, com o mesmo dinamismo de sempre (e toques de um suspense mais que suave) o que, de fato, um rosto angelical ou uma postura competitiva podem resguardar; aquilo que as máscaras do cotidiano escondem de bom e ruim – até certo ponto. É O Discreto Charme da Burguesia sendo descortinado de forma ultra simplificada e adocicada, não só pela boa presença de Kendrick, mas pela construção de um Cinema que não possui debates temáticos e reflexão como seus fundamentos principais, e sim o entretenimento, puro e simples, como principal força, e pulsação. Pela primeira vez, Paul Feig decide inserir algo a mais numa comédia romântica, e o resultado é deliciosamente satisfatório.

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  • Crítica | Scott Pilgrim Contra o Mundo

    Crítica | Scott Pilgrim Contra o Mundo

    Adaptação de quadrinhos que foi malfadada no quesito bilheteria, Scott Pilgrim Contra o Mundo talvez seja o passo mais pretensioso e grandioso da carreira do cineasta Edgar Wright, ao menos até então, já que contava com participações de muitos atores que ganhariam notoriedade com o passar dos anos, além de também possuir uma necessidade grande de cenas em CGI, caraterística normalmente driblada na parte britânica da carreira do diretor.

    O filme conta a história de Scott (Michael Cera), um jovem de 22 anos, sem muitas perspectivas de futuro, que gasta seu tempo tocando com a sua banda, além de colecionar decepções amorosas, entre elas, uma relação com uma menina que ainda está no colegial. As suas experiências são mostradas como as de um fracassado inveterado, que mal percebe o tempo passar, sensação essa maximizada pelas caricatas (e estilizadas) passagens de tempo que seu diretor escolhe empregar entre uma cena e outra.

    As razões para o insucesso financeiro do longa são até hoje misteriosas. Um dos fatores ditos é que nos quadrinhos Scott Pilgrim, de Bryan Lee O’Malley, as referencias aos videogames podiam ser mais explicitas, enquanto o produto da Universal não poderia mostrar os mesmos easter eggs, em razão de questões envolvendo direitos autorais. Outro motivo levantado é o excesso de cores utilizados nos figurinos e cabelos dos personagens, com tons gritantes, fator que reafirma o clima e a atmosfera camp do produto, e lhe conferem um charme. De certa forma, Wright prevê uma tendência dos futuros blockbusters, e paga pelos pecados medíocres de seus contemporâneos.

    A edição dinâmica e moderna ajuda a aplacar até o que seria um defeito do filme, que é a maratona de dramalhões adolescentes. O caráter lúdico das sequências dos sonhos de Pilgrim envolvendo especialmente sua amada inalcançável, Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead). Tal ideal o faz enfrentar alguns guardiões, desde suas próprias decisões mal pensadas, assim como alguns de seus ex-namorados. Os embates são estilizados, tanto as lutas quanto as provações que o herói sofre.

    A mistura presente nas piadas é sensacional, em especial quando se coloca em cheque a questão dos vegetarianos serem considerados pessoas evoluídas em comparação com todo o resto – arquétipo esse explorado no personagem de Brandon Routh. As referências a cultura pop também soam afiadas quando se trata de seu personagem, Todd Ingram, principalmente graças as comparações dele com a versão do Azulão que Routh executou, em Superman: O Retorno.

    O fato de Michael Cera exalar um ar de homem patético só acresce ao filme, mesmo que Pilgrim não seja exatamente um fracassado na sua versão original. A escolha por mostra-lo como um loser é acertada, uma vez que abrevia questões como a insegurança enorme que acomete o herói falido. O embate que ele tem com o último dos interesses amorosos de Ramona, Gideon Graves (Jason Schwartzman) é não só ideológico, e mirado na garota ideal, mas serve também ao propósito da jornada de autoconhecimento.

    As lutas entre Scott e os adversários da liga dos ex-namorados de Ramona servem não só para Writght exorcizar seus demônios, podendo finalmente colocar em tela toda sua admiração por produtos pop antigos que normalmente são subestimados – em especial Buffy: A Caça-Vampiros e os filmes de ação dos anos oitenta que se valiam de flashs, cores vibrantes e neon – além é claro de servir ao propósito básico de mostrar a evolução do personagem título, que deixa a tela mais maduro do que era no início. A cafonice de Scott Pilgrim Contra o Mundo é proposital e confere ao filme um charme nostálgico, sendo um belo manifesto de um cineasta que consumia a iconografia visual da TV e cinema durante as décadas de 1980 e 1990.

  • Crítica | Trolls

    Crítica | Trolls

    Transformers, Lego, G.I. Joe (Comandos em Ação para os brazucas) são franquias de brinquedos que se tornaram filmes recentemente. Trolls é mais um desses exemplos. Lembram-se daqueles duendezinhos de cabelos arrepiados e coloridos que eram febre anos atrás? Pois é. Viraram filme pelas mãos do estúdio Dreamworks. Um filme bem bacana, por sinal.

    Na trama, os Trolls vivem alegres e saltitantes e tem três objetivos muito simples na vida: abraçar, cantar e dançar. Podemos dizer que eles vivem somente para ser estupidamente felizes. Porém, próximos a eles vivem os Bergens, monstros que são o oposto dos Trolls. Pra piorar, eles acreditam que a felicidade só vem ao transformar um troll em seu prato principal. Após um grupo dos duendes cabeludinhos fofos ser capturados pelos monstrengos depressivos, a princesa Poppy (voz original de Anna Kendrick) se junta ao amargurado Tronco (voz original de Justin Timberlake) – sim, ele é um troll triste – para resgatar a turma. Para conseguir a proeza, eles ainda vão buscar a ajuda de Bridget (dublada por Zooey Deschanel), uma assistente de cozinha bergen que é apaixonada pelo príncipe da tribo das estranhas criaturas tristonhas.

    O visual do filme é muito bonito. O colorido da tribo Troll em contraponto com a predominância de tons foscos e acinzentados da tribo Bergen provoca um interessante contraste. Mais ainda, enquanto os primeiros possuem traços fofinhos e arredondados, os últimos são bem tronchos, remetendo a algumas criaturas de animações de Tim Burton. É inegável o extremo apuro técnico dos estúdios Dreamworks.

    O roteiro de Jonathan Aibel e Glenn Berger baseado em uma história de Erica Rivinoja recicla algumas idéias dos filmes de Shrek, principalmente no que tange à busca da felicidade dentro de si mesmo e se aceitar da maneira que é. Não à toa, os diretores Mike Mitchell e Walt Dohrn já trabalharam na saga do ogro verde. Tal aspecto fica bem explícito pela personagem Bridget, a Bergen que funciona como uma espécie de antítese das personagens de conto de fadas. Ingênua em demasia, autodepreciativa e desajustada, a estranha cozinheira é de longe a personagem mais cativante de toda a história. A dublagem inspirada de Deschanel ajuda a acentuar o carisma dela. Os outros protagonistas do filme, o troll triste Tronco e a Princesa Poppy, são mais genéricos e sucumbem até a alguns maniqueísmos ao longo da projeção, mas nada que seja prejudicial à película.

    Talvez o grande acerto do filme esteja na escolha da trilha sonora. Composta por sucessos como “The Sound of Silence” de Simon e Garfunkel, “Move Your Feet” da banda Junior Senior, “September”, do Earth Wind and Fire; Cyndi Lauper e “True Colors”; e até mesmo a ultra melosa “Hello” de Lionel Richie, a trilha se incorpora ao filme pontuando várias cenas importantes e entrando até mesmo de forma imprevisível. Em alguns momentos, as músicas aparecem ao pé da letra, em outros aparecem com leves corruptelas, mostrando o ótimo trabalho de Justin Timberlake como produtor executivo musical e “Can’t Stop the Feeling!”, canção original composta pelo próprio Timberlake em parceria com Max Martin e Shellbeck e indicada ao Oscar de melhor canção original é uma música alto astral que capta bem a essência do filme.

    Trolls apesar de todas as qualidades que possui, soa infantil demais em alguns momentos, coisa que pode desagradar a alguns espectadores adultos. Entretanto, mostra-se uma ótima animação e um excelente divertimento para os pequenos.

  • Crítica | Os Caça-Noivas

    Crítica | Os Caça-Noivas

    Após o fim de High School Musical, o ator Zac Efron tem se esforçado para tirar de si a impressão de somente fazer papéis de bons moços. Sua filmografia recente inclui filmes densos como Obsessão e comédias adultas como Vizinhos e Tirando o Atraso. Os Caça-Noivas se encaixa na segunda categoria, sendo uma comédia rasgada dirigida por Jake Szymanski que conta a historia de dois irmãos Strengle, Dave (Efron) e Mike (Adam DeVine) que são obrigados a arrumarem acompanhantes para o casamento de uma parente, a fim de que não estraguem festa de cerimônia, como normalmente fazem.

    O mote do roteiro faz lembrar uma versão repaginada de Penetras Bons de Bico, ainda que haja uma preocupação maior da parte dos protagonistas masculinos em se adequar a uma realidade mais normativa e menos baladeira. A busca por parceiras de casamento vai mal, ao ponto dos dois irem a televisão fazer um apelo, que é atendido por Tatiana (Aubrey Plaza) e Alice (Anna Kendrick), duas meninas tão tresloucadas quanto a dupla masculina.

    A viagem rumo ao enlace no Hawaii produz algumas surpresas no público, como a inversão de expectativa relativa ao humor. A comédia parecia pender para um lado mais machista e de exposição de corpos femininos subverte isso. As acompanhantes não são presas fáceis para os homens e a exploração de sexualidade são todas pró mulheres, seja através da personagem prima de ambos Terry (Alice Wetterlund), que flerta com uma das moças, ou nas piadas com o orgasmo feminino. De certa forma, o filme acerta onde Missão Madrinha de Casamento falhou, em ser um escracho repleto de estrogênio que soa tão oportunista quanto o filme de Paul Feig, que bebia da fonte de Se Beber Não Case.

    O terço final é ligeiramente mais reflexivo e nele, os futuros noivos Jeanie (Sugar Lyn Beard) e Eric (Sam Richardson) tem um choque de realidade, que os faz reavaliar todo os sentimentos que tem um pelo outro, e reconsiderar os votos de casamento. O choque de culturas tão diferentes produz um desfecho de história adocicado e clichê, que é salvo da completa mediocridade graças ao carisma das personagens femininas, tendo atenção especial as atuações de Kendrick e Plaza, que possuem uma química interessante e apresentar nuances mesmo em personagens estereotipados.

  • Crítica | O Contador

    Crítica | O Contador

    Em 2013, Gavin O’Connor chegou ao ponto mais alto de sua carreira ao dirigir o drama de ação Guerreiro, que contava um pouco da história da família Conlon (Nick Nolte, Joel Edgerton e Tom Hardy) ambientada durante uma competição mixed martials arts, o que acabou rendendo a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante a Nolte. Três anos depois, O’Connor retornou com o discreto e inofensivo western Em Busca de Justiça, com Natalie Portman, e mais recentemente, O Contador, com Ben Affleck.

    O longa acompanha a história de Christian Wolff (Affleck), um misterioso contador, portador da Síndrome de Asperger, fato este que dificulta a capacidade de sociabilização do protagonista, contudo o torna mais familiarizada a resolver qualquer problema matemático posto à sua frente, que costuma trabalhar lavando dinheiro para organizações criminosas ao redor do mundo, e por conta disso se torna alvo frequente desses mesmos criminosos numa tentativa de queima de arquivo mal-sucedida, já que não imaginam que o silencioso contador é também um assassino profissional. As coisas parecem mudar na vida de Wolff quando ele tem seus serviços requisitados para a auditoria de uma empresa de tecnologia, e decide aceitar um trabalho legal e que possivelmente não lhe trará grandes riscos, contudo rapidamente ele percebe que o trabalho tem mais podres do que ele imagina.

    Em contrapartida, acompanhamos a subtrama encabeçado pelo diretor do Tesouro Nacional Ray King (J.K. Simmons) e a agente Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson), designada por King para investigar e encontrar o misterioso contador responsável por uma trilha de assassinatos de terroristas e chefes do crime organizado pelo mundo.

    Partindo de uma trama simples e sabendo utilizar os clichês ao seu favor, a começar pelo típico estereótipo do gênio antissocial, cheio de segredos e capaz de realizar coisas incríveis por conta de seu autismo, o roteiro de Bill Dubuque apesar de didático funciona muito bem na proposta de O’Connor, deixando de lado monólogos e diálogos desnecessários, e apostando ainda num sub-texto em alta dentro de Hollywood, o mercado financeiro. A construção das personagens e o universo que os rodeia é adequado a atmosfera existente em O Contador, além de ainda conseguir achar espaço para uma crítica à Wall Street e uma mensagem importante, apesar do psicologismo barato, a respeito do tratamento de doenças que envolvem distúrbios neurológicos e comprometem a interação social de seus portadores.

    O trabalho de direção de O’Connor se mostra eficiente durante as cenas de ação, no entanto, perde o ritmo quando retrata o passado de Wolff por meio de flashbacks desnecessários e que interrompem o dinamismo do longa e servem de muleta narrativa para um desenvolvimento mais fluido do anti-herói vivido por Affleck. Um trabalho de montagem mais apurado daria conta desses problemas.

    Contudo, o filme se mostra um thriller de ação bastante eficiente no que se propõe. Affleck se mostra bastante à vontade em seu papel, apesar de sua limitação técnica de atuação, o ator tem escolhido bem seus papéis já há alguns anos, optando por personagens mais soturnos, como ocorre em Hollywoodland, ArgoGarota Exemplar,  já em O Contador, Affleck parece uma junção de John Wick, personagem de Keanu Reeves em De Volta ao Jogo, com Raymond Babbitt, personagem vivido por Dustin Hoffman em Rain Man. Simmons novamente rouba cena, interpretando um agente cheio de ambiguidades, enquanto Anna Kendrick funciona muito bem ao lado de Affleck em cenas pontuais de humor dentro da ação desenfreada do cineasta.

    O Contador cumpre o que se propõe, um thriller de ação preciso, eficiente e escapista que não se apresenta como algo além disso.

  • Crítica | A Escolha Perfeita

    Crítica | A Escolha Perfeita

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    É sintoma claro de velhice o uso do passado como referencial único e inquestionável para avaliação cultural. Tal engajamento com o passado leva a crer que hoje em dia não há obras equivalentes àquelas que definiram e representaram gerações passadas, tal como o cultuado Clube dos Cinco. Em novos tempos, novos interesses e anseios, não cabe mais aos novos representantes da juventude a rebeldia ingênua de outrora, ao menos não nos mesmos moldes. Desde temas tristemente sérios como em As Vantagens de Ser Invisível e Juno, a celebração ingênua da felicidade de Pequenas Miss Sunshine e Super Bad, filmes marcam e desenham o mapa desta geração, e com A Escolha Perfeita não é diferente.

    Na história, Beca (Anna Kendrick) é uma garota indisposta com relação à tudo que se refere à ter seu futuro desenhado por outras pessoas. A aspirante à DJ frequenta a universidade por pressão de seu pai. No outro lado do campus, a equipe feminina de acapella tenta quebrar a hegemonia da equipe masculina na competição. Após um fracasso escatológico durante a final da última competição associado não à incompetência, mas sim devido à pressão em serem bonitas talentosas e multifuncionais, a equipe se desfaz e junto com ela o sonho das Bellas de Barden de mostrar que são capazes. Tal pressão faz com que a equipe frequentemente evite se expor ou ousar em suas apresentações, de modo à ser aquilo que esperam delas. Qualquer semelhança com as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seus dia-a-dia não é mera coincidência.

    Na tentativa de revitalizar a equipe, os moldes desta se alteram. Das meninas de corpos perfeitos e voz de princesa da Disney, dá-se lugar à personagens desajustadas, como a própria Beca e àquela que rouba a cena em cada um de seus segundos em tela: Amy Gorda( Rebel Wilson). Assim ela se anuncia, de forma assertiva ao demonstrar que tem consciência daquilo que dizem dela pelas costas, mas que nem por isso iria esconder-se dentro de si, usando a intenção jocosa daqueles que olham torta para sua aparência como uma ferramenta de autoafirmação. Ela é gorda, não se importa e sabe disso. Sabe também que é muito mais do que seu “design” aponta. Aliado à isso, Rabel Wilson tem a capacidade de transmitir uma agressividade ingênua em seu olhar e fala, fazendo de suas piadas que poderiam facilmente serem consideradas como de gosto duvidoso uma forma de exaltar-se, mas sem necessariamente rebaixar alguém.

    Produzido por Elizabeth Banks, que atua como uma das comentaristas do disputado torneio universitário de Acapella, dando o contraste ideal para os comentários misóginos de seu parceiro John (John Michael Higgins) e assim relevando o tom de crítica das piadas que surgem ao longo do filme, deixando claro ser uma obra que tem como objetivo discutir o papel feminino no mundo de forma séria, mas sem deixar de fazer ser uma comédia.

    Se de um lado o humor age como uma forma de debochar do outro sob o verniz de que “É apenas uma piada”, o uso deste deboche para ressaltar a contradição ética que é ser machista é um dos grandes acertos de A Escolha Perfeita.

    O feminismo protagonizado aqui releva uma abordagem realmente interessante ao evitar o máximo possível ser maniqueísta, e abandona os desejos de competição Masculino vs Feminino em prol de um discurso de abertura de oportunidades e respeito nas relações. Muito diferente dos filmes das décadas de 1990 e 2000, onde a menina feia era incapaz de se mostrar como quem era, usando óculos gigantes e cabelos amarrados apenas à espera de um rei do baile que pudesse mostrar para ela a sua verdadeira beleza mesmo que sua motivação seja apenas vencer a aposta de levar a desajeitada da escola para o baile. Esse template foi reproduzido em diversas ditas comédias românticas sem se dar conta de sua atmosfera machista, onde a mulher só poderia revelar-se ao mundo sob o papel de fêmea, limitando-se à ser uma costela do homem e vencer por sua beleza e fragilidade. Inclusive, tal coisa surge como piada entre Beca e seu interesse amoroso, Jesse (Skylar Astin) relevando a consciência do filme de que o romance não precisa ser evitado e nem mesmo ser um objetivo, só precisando fazer sentido e ser saudável.

    A Escolha Perfeita surge em 2012 como representante feminino dos filmes que relatavam as relações de extrema amizade dos meninos, conhecido como “bromance”, enquanto as meninas eram representadas como seres insensíveis às necessidades dos meninos. E assim, com suas músicas pop e o uso de brincadeiras pretensamente destinadas às meninas, como a brincadeira do copo, —Que originou uma das grandes demonstrações da representatividade que este filme alcançou com o clipe Cups— A Escolha Perfeita trata de um momento histórico de extrema importância na cultura pop onde a mulher é a verdadeira protagonista.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

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    Apontando a desistência da vida como mote para a mudança de postura, o filme de Daniel Barnz mostra um grupo de apoio mútuo formado por mulheres, em sua maioria depressivas, que sofrem dores intensas devido a doenças raras. Juntas, elas lamentam o suicídio de uma das integrantes mais novas, Nina (Anna Kendrick). O ato quase teatral é valorizado através das ações de uma desfigurada Jennifer Aniston, que abre mão de sua intensa beleza para interpretar Claire Simmons, uma mulher desesperançada, que guarda em sua face marcas e sinais de descuido próprio, que em suma representam as muitas feridas que ainda manifestam-se dentro de si.

    Assistida somente por sua serviçal Silvana (Azana Bezerra), Claire não tem qualquer alento em sua rotina. Mesmo os poucos sentimentos passionais a que tem direito são frutos do comércio, com visitas noturnas de um amante que sequer entra pela porta da frente. Do alto de seu desespero sentimental, a protagonista não aparenta dar muito valor à mulher que a ajuda, suprimindo até seus vícios ilícitos. O momento primário em que a heroína, falida e monotônica, demonstra qualquer reação destemperada é quando esta assiste à própria piscina. A despeito de seu ateísmo, a protagonista vê boiando a figura de Nina, trajada de maneira sensual, conversando com ela através do além-túmulo.

    Sem ter certeza se a aparição era fruto de um delírio após o uso das substâncias das quais lançava mão, Claire começa a se interessar pelo dia a dia de Nina, chegando a ponto de dar vazão à agressividade que já era anunciada anteriormente ao ameaçar a organizadora do grupo, pedindo os dados e o endereço da menina que viu. Na antiga casa da moça, ela encontra Roy, interpretado por Sam Worthington, o marido da falecida, o qual permite que a depressiva mulher dê vazão ao seu comportamento tresloucado.

    Toda a compreensão que Claire não achava nas forçadas reuniões, ela passa a achar nas interações com Roy, unidos pela dor, desespero e também por interesses sexuais – que, ao próprio entender destes, significam intenções escusas – de ambas as partes. Trabalhando a culpa pelos atos ainda não praticados, um vê no outro a chance de finalmente se reabilitar, trabalhando os traumas de uma forma que, em algum dia, ambos possam finalmente dar prosseguimento a sua existência.

    O que se vê na segunda metade do filme é uma jornada de combate ao medo, onde a confiança de ambos é posta à prova, envolvendo os seres que dependem deles, como o filho de Nina e Roy, o pequeno Casey  (Evan O’Toole). É bastante curioso observar o quão tacanho é o flerte entre ambos e o quão pesado é o modo de lidar com seus fantasmas. Quando está começando a mostrar alguma melhora, Claire tem um terrível encontro com a figura de Leonard (William H. Macy), que seria o catalisador de sua angústia existencial. O dramático reencontro faz a protagonista ter uma recaída nos seus antigos erros.

    As “visitas” de Nina seguem crescentes, manifestando, entre outros sentimentos, a vontade de suicídio, além do profundo remorso por estar roubando da defunta a possibilidade de uma boa vida, sentimentalmente plena, apesar das dores. O desespero aumenta de tal forma que os espíritos, da delirante mulher e da personagem espectral, quase se encontram.

    A trajetória vista no roteiro de Patrick Tobin é de total reconstrução, de moral e autoestima através de ações espontâneas. Um panorama que não demonstra compadecimento de suas personagens, tampouco aplaca ou suaviza a mensagem para o espectador, ainda que todo o conteúdo se baseie em conceitos do senso comum. O mérito maior certamente está na atuação de Jennifer Aniston, ainda que não seja algo tão digno de nota quanto foi alardeado, especialmente pela proximidade de outra obra em que se destaca o desempenho de Juliane Moore, em Para Sempre Alice. Em Cake – Uma Razão Para Viver, sobressai uma atuação de sua maior estrela  conduzida na monotonia de um espírito único, sem liberdade para nuances.

  • Crítica | Caminhos da Floresta

    Crítica | Caminhos da Floresta

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    Não é incomum que as pessoas guardem certo ranço pelo musical como gênero cinematográfico. Uma das alegações mais recorrentes diz respeito à dificuldade de envolvimento devido ao uso narrativo da música. É, no entanto, interessante que Disney e Broadway desde seus primórdios lancem mão deste recurso em suas obras, as quais, eventualmente, sejam tão bem aceitas pelo público em geral – como a clássica Hakuna Matata (O Rei Leão) e a recente Let it Go (Frozen – Uma Aventura Congelante) – mas cuja aceitação não seja a mesma quando o gênero é aplicado no formato live action ou o material encenado fora dos palcos. Entre tantos outros exemplos, Caminhos da Floresta encaixa-se na categoria dos que merecem ser vistos sem este tipo de filtro.

    Vindo na esteira de uma leva de filmes propondo reformulações menos monocromáticas nos contos de fadas, como ocorreu com Malévola e o já citado Frozen, Caminhos da Floresta maximiza essa tendência e une os principais contos de fada recontados ou elaborados pelos irmãos Grimm em um mashup capaz de unir, mais do que suas tramas, as discussões morais e éticas já presentes desde sempre nestes contos. Para tal tarefa, a Disney chamou o veterano Rob Marshall, diretor de Nine e Chicago, para reunir todas essas tendências e criar uma paleta mais sutil e atual com o uso de charmosas canções.

    O que vemos aqui é uma única história contada de maneira fracionada com o uso de personagens, de comportamento tipicamente maniqueísta, mas que unidos tornam-se mais profundos. Nos contos originais, a trama desenrola-se a partir do erro ingênuo da jornada dos heróis (chamado de Hermátia, que pode ser traduzida do grego como “Errar o Alvo”). Mas o que Rob Marshall faz com esse material é uma discussão sobre a real inocência deste erro e como ele pode afetar a vida de todos, e faz isso usando como fio condutor o conto de Rapunzel – ironicamente, deslocado e abandonado de acordo com a conveniência do roteiro -, levando adiante a história de sua origem ao nos apresentar as consequências adquiridas pelas próximas gerações do conto.

    A apresentação dos personagens é feita através da narração de suas ocupações e de uma canção que permeia os cenários dos protagonistas exibindo seus desejos e aflições. Neste ponto, podemos separar os protagonistas como alegorias para “O mundo”; a floresta como “A vida”; e a Bruxa (Meryl Streep, merecidamente indicada ao Oscar novamente) como “Os percalços da vida”. E assim está posta a mesa sobre os dilemas da vida, o que faz todo o sentido neste contexto, já que todos os contos de fada usados são “arquétipos universais”, assim chamados por reproduzirem-se mesmo em culturas distintas e não relacionadas entre si.

    Apesar da proposta ambiciosa de buscar o sentido da vida – ou o sentido da floresta -, a produção frequentemente peca pela literalidade com que aborda boa parte de suas teses, o que é uma pena, pois, quando consegue se desfazer deste cacoete, sempre acerta, como na cena de renascimento de Chapeuzinho Vermelho, ou de sua transformação interna com a substituição de sua capa vermelha de menina por uma capa de mulher, fruto de seus erros que será carregada para que possa enfrentar o mundo.

    Com uma metragem maior do que deveria, o filme tropeça em algumas ambiguidades por ceder à falácia do meio-termo como situação ideal, mostrando os extremos e então forçando-os a alcançar um ponto de equilíbrio dito ideal, como quando, após expor o machismo dos contos e dos cafonas príncipes encantados, a adúltera é punida pela vida sem a menor cerimônia; ou, quando fala sobre onde colocar nossos desejos sexuais, argumenta a possibilidade de que no fundo a moça sabia que não deveria ter provocado ou se excitado.

    Mas não adianta buscar culpados apenas, pois afora passar por esta floresta e seus caminhos – pela falta de caminhos, atalhos ou estradas – passa pela aceitação do outro como parte da resolução, assim como foi parte do problema, tendo o sentido de pertencimento como essencial para lidar com os defeitos do mundo, a vida e seus problemas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Marcados para Morrer

    Crítica | Marcados para Morrer

    A onda de filmes com o estilo handcam parece longe de acabar. Depois de virar praticamente o padrão em produções de terror, e algumas tentativas em outros gêneros, como Poder Sem Limites e Projeto X, a bola da vez é o policial Marcados Para Morrer. David Ayer, roteirista de filmes como Dia de Treinamento e o primeiro Velozes e Furiosos, escreve e dirige o longa sobre uma dupla de jovens policiais de Los Angeles (vividos por Jake Gylenhaal e Michael Peña). Apesar desta já ser a terceira vez de Ayer na direção, a impressão é que o negócio dele é só escrever mesmo.

    Ao optar pela estética de câmera na mão, o diretor parece ter apenas seguido uma modinha, e não tentado oferecer uma experiência até então inédita no gênero ação. Os problemas começam quando não apenas os policias gravam seu dia-a-dia (a desculpa que é o projeto acadêmico de um deles), mas os bandidos também se filmam só pra tirar onda. Então não há uma única filmagem, e sim uma colagem de várias só pra possibilitar que outros ambientes sejam mostrados sem quebrar a proposta. Até aí, nada demais, vários filmes fazem o mesmo. Só que em vários momentos temos ângulos de handcam que não fazem o menor sentido considerando as câmeras presentes no local. E em outros, uma câmera assumidamente convencional toma conta, ou seja, fugindo da ideia inicial. Essa esquizofrenia da direção, também aplicável à edição, aliás, acaba privando o filme daquilo que o estilo câmera na mão oferece de melhor, a imersão total na narrativa. Ficam somente os aspectos negativos, como qualidade de imagem inferior e lacunas na história.

    Caso tivesse sido filmado inteiro de maneira convencional, Marcados Para Morrer poderia ter sido um ótimo filme. Isso porque o roteiro é muito bem trabalhado, em especial em relação aos protagonistas. Amigos de infância, praticamente irmãos, os dois policiais revelam toda sua humanidade de modo bastante crível. Durante as patrulhas, eles conversam sobre tudo de suas vidas pessoais com um tom de intimidade e camaradagem que só parceiros de longa data poderiam ter. Alternando-se a isso, as situações tensas e até macabras que o trabalho joga diariamente pra cima deles, e como ambos reagem, lutando pra não serem afetados mais do que o suportável.

    A dura realidade impacta diretamente na visão romântica, principalmente de Brian (Gylenhaal), de que eles são super-heróis que vão salvar o mundo. Patrulhando as regiões mais barra-pesada da cidade, os personagens acabam se destacando e entrando na mira de um perigoso cartel mexicano. A presença violenta de gangues latinas, em conflito com os já estabelecidos negros, criou um cenário bem interessante e inclusive realista. Pena que isso, até pelo tempo e proposta, não foi tão desenvolvido.

    Em relação aos atores, os dois se saíram muito bem, há uma inegável “química” (totalmente heterossexual) entre eles. Gylenhaal se esforça e consegue convencer como durão, mas seria exigir demais dele a ausência de sua marca registrada: o olhar de cachorrinho triste está lá, nas cenas mais emotivas. Peña, não tão famoso de nome mas com um rosto reconhecível (de filmes como Invasão do Mundo, Crash, Torres Gêmeas, etc.) teve um trabalho consideravelmente mais fácil, viver um latino expressivo e tagarela. O resto do elenco está dentro do esperado no pouco espaço que tem, apelando pra estereótipos do gênero. Vale destacar a presença de Anna Kendrick, que já provou ser uma atriz competente, apesar de estar na Saga Crepúsculo.

    Naquilo que pretendia inovar, Marcados Para Morrer sinaliza que handcam talvez não combine com filmes de ação. Contudo, se enquanto experiência do ponto de vista técnico, o resultado não foi dos melhores, não deixa de ser uma boa pedida por cumprir a função básica do cinema: contar boas histórias.

    Texto de autoria de Jackson Good.