Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira | @flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral | @filipepereirareal) se reúnem para um bate-papo sobre a série de filmes Os Caças-Fantasmas, ou melhor, Ghostbusters, em especial sobre o filme mais recente. Curiosidades dos bastidores da franquia, as polêmicas do filme de 2016 e os principais acertos do novo longa.
Duração: 64 min.
Edição: Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Há cineastas e produtores das mais variadas pretensões. Desde revolucionar com muita grana o espetáculo cinematográfico que conhecemos (James Cameron, Steven Spielberg, Kevin Feige), até representar a alma efervescente do país e do momento em que enfrenta (Jean-Luc Godard, Glauber Rocha, Roberto Rossellini). Claro que o esforço do primeiro tipo ganha muito mais atenção por parte do público, mas abençoado seja aquele que não perde o foco da sua ambição. No caso de Paul Feig, do sucesso Missão Madrinha de Casamento (inexplicável, até hoje) e o Caça-Fantasmas de 2016 (todos têm um Esquadrão Suicida na carreira, certo?), o cara faz o tipo do entertainer mais clássico que há, o que apenas deseja divertir a plateia, mas diferente dos mestres que tanto nos fizeram rir até mesmo sem falar uma palavra, ele por sua vez vive para apostar o seu (nosso) tempo em produtos fabricados para serem degustados, e afetados pela amnésia que vem na volta a realidade que seus filmes nunca nos conseguem fazer fugir, de verdade.
A primeira dúvida do espectador pode ser aonde está Melissa McCarthy, presente em quase todos os filmes de Feig até agora, e aqui substituída pela doce Anna Kendrick, sempre perfeita para o papel da “inocente” melhor amiga, no caso, da super mulher executiva e rica que conhece, Emily (Blake Lively), quando ambas se cruzam indo buscar suas crianças, na escola. Uma é o contraponto genérico da outra: Stephanie parece ser uma vlogueira prestativa e cheia de coração, enquanto Emily parece seu oposto, avisando-a desde o começo: ‘Você não quer ser minha amiga, querida’. Ambas “parecem ser” porque essa é exatamente a premissa de Um Pequeno Favor. Eis aqui a modelação do que as pessoas parecem ser, seus arquétipos tidos como verdadeiros até certo ponto, e a remodelação disso para expor as suas verdadeiras e surpreendentes identidades. Nisso, a amizade entre duas mulheres vai mudando de tom, e o filme também; muito sutil e inteligentemente.
O que começa como mais uma comédia despretensiosa ganha novos traços que certamente o espectador desavisado nem sonha encontrar, pelo caminho. Feig tem com Um Pequeno Favor o seu melhor filme, leve como sempre, mas desta vez com uma trama baseada no romance de Darcey Bell a investigar, com o mesmo dinamismo de sempre (e toques de um suspense mais que suave) o que, de fato, um rosto angelical ou uma postura competitiva podem resguardar; aquilo que as máscaras do cotidiano escondem de bom e ruim – até certo ponto. É O Discreto Charme da Burguesia sendo descortinado de forma ultra simplificada e adocicada, não só pela boa presença de Kendrick, mas pela construção de um Cinema que não possui debates temáticos e reflexão como seus fundamentos principais, e sim o entretenimento, puro e simples, como principal força, e pulsação. Pela primeira vez, Paul Feig decide inserir algo a mais numa comédia romântica, e o resultado é deliciosamente satisfatório.
Fato novo é um termo bastante usado no futebol – em especial no brasileiro – para justificar qualquer novidade que visa dar uma sacudida no ânimo de um time que está mal. Talvez esse seja o paralelo mais justo com o ocorrido na franquia Caça-Fantasmas, paralisada na produção de filmes oficiais desde o fim da década de 1990, ainda por Ivan Reitman. O escalado para a função de modificar tudo seria Paul Feig, que tem por costume escalar no elenco suas musas Kristen Wiig e principalmente Melissa McCarthy, que já havia feito com ele Missão Madrinha de Casamento, As Bem Armadas e A Espiã Que Sabia de Menos. Antes mesmo do lançamento, o filme esteve envolto em polêmicas para muito além da qualidade de sua trama ou filmagem.
A história se assemelha em alguns pontos ao esqueleto do clássico Os Caça-Fantasmasde 1984, sendo repleto de homenagens e aparições do elenco anterior. A história começa mostrando a acadêmica Erin Gilbert (Wiig), tentando alcançar status dentro da universidade em que trabalha, fracassando graças ao seu envolvimento no passado com Abby Yates (McCarthy): quando juntas, escreveram um obscuro livro sobre estudos paranormais. Aos poucos, aparecem outros personagens, bastante arquetípicos, desde a tresloucada e engraçada Jillyan Holtzmann (Kate McKinnon), que é revelação do longa, até Patty Tolan (Leslie Jonan), que age como a estereotipada mulher negra feita de alívio cômico no papel de Winston Redmore, ainda que suas justificativas sejam ligeiramente mais claras.
O grave problema do filme mora no roteiro de Feig e Katie Dippold cuja parceria esteve presente em As Bem-Armadas e Parks and Recreation, e o montante de coincidências e situações forçadas. Apesar de introduzir melhor a questão da credulidade, opinião pública e dos tecnobables, as piadas nem sempre funcionam, tanto nos momentos em que Wiig tenta ser engraçada quanto nas participações especiais.
Ao tentar tornar a trama verossímil ao mostrar a prefeitura de Nova York agindo para encobrir os eventos paranormais, as qualidades se dividem, sendo positivo ao trazer uma velha questão à tona, que seria o encobrimento de informação, fortalecendo teorias da conspiração, em um bom deboche à paranoia do americano, e negativo quando mostra com simplismo as curvas do destino. Falta conflito, um vilão decente, ainda que sua participação quando tomado seja interessante.
Outro fator a discutir em relação à qualidade é o fato de as melhores piadas estarem com Kevin (Chris Hemsworth), que teve sua figura relacionada aos principais materiais de divulgação, um pouco por seu carisma mas principalmente para tentar evitar o boicote de setores mais conservadores a um filme de aventura majoritariamente escalado por mulheres. No entanto, sua posição é subalterna, como um sujeito inapto e escolhido por seus dotes físicos, invertendo irônica e inteligentemente os arquétipos normalmente exibidos nos filmes mainstream no quesito sexo-objeto.
É um fato indiscutível que Caça-Fantasmas não seja um filme irrepreensível, mas tem uma carga de diversão alta, como o primeiro. Qualquer carga de ódio motivado pelo protagonismo das atrizes é injustificado em matéria de análise fílmica e vergonhoso no sentido ideológico, principalmente por este ser o menos gorduroso e piegas dos filmes de Feig desde Menores Desacompanhados. Não se justificam, em absoluto, as notas e reviews extremamente negativas a seu respeito, visto que a obra não cai na besteira de ser uma refilmagem literal do filme de Reitman, inclusive contando com a presença de espírito de fazer piada com o machismo presente em parte do público.
De nome traduzido bobamente, A Espiã que Sabia de Menos – do original Spy (Espião) – subverte o nome brasileiro da recente adaptação do livro de John Le Carré, ainda que sua base de paródia seja mais próxima aos filmes de espiões britânicos, como 007. Paul Feig retoma a parceria de sucesso com Melissa McCarthy, vista em Missão Madrinhas de Casamento e As Bem Armadas, ainda que toda a qualidade desta empreitada seja discutível.
A primeira cena é tão atrapalhada quanto a premissa do filme, mostrando uma sequência entregue já no trailer, com um Jude Law usando uma peruca fajuta e fazendo trapalhadas gerais enquanto agente. O personagem Bradley Fine, apesar deste momento em particular, é um exímio espião apoiado por Susan Cooper (McCarthy), sua parceira e auxiliar. A dupla funciona apesar de muitos percalços. Apesar de estimar a parceira, Fine (Law) não consegue deixar de subestimar sua conviva graças a seu avantajo físico, algo que faz agravar os problemas com auto estima da moça, o perfeito arquétipo de gordinha mal de vida, um estereótipo relegado a todo momento para a atriz, recurso cada vez mais irritante enquanto gag de humor.
O espectro de girl power aumenta através da opositora Rayna Boyanov (Rose Byrne) que passa por cima de qualquer inexperiência feminina em sequências de ação, mostrando que nem a CIA ou os agentes ingleses lhe são páreos, aumentando o escopo de propaganda feminina ao percebermos que o responsável ideal para a missão de revanche seria uma mulher, recaindo a missão sobre a invisível gordinha.
Ainda que o disfarce inicial de Cooper seja apenas de observar e relatar os fatos – repetindo as mesmas brincadeiras do seriado Mike And Molly –seu trabalho é cortado pela ação de Rick Ford (Jason Statham), um espião mais experiente, que também deseja desmantelar o clã de terroristas e que começa a agir de modo isolado.
Feig continua escatológico, fazendo sua protagonista ter cenas equivalentes a sequência do cocô na pia em Missão Madrinhas de Casamento, também executada por McCarthy. Ao menos, o protagonismo não foge das figuras femininas do elenco, ainda que a miscelânea de sequências toscas aumente com o acréscimo de cada vez mais figuras grotescas. As cenas em que se exige uma maior perícia em ação são bem construídas com corridas, manobras, golpes e parkour bem executados, ainda que seja perceptível os momentos em que os dublês entram em cena, com closes intrusivos nesses profissionais.
Mesmo com os esforços, o diretor prossegue reprisando os mesmos erros de seus filmes anteriores, somente mudando o cenário e melhorando sutilmente o nível das piadas propostas no roteiro. Há que se notar uma evolução em cenas de aventura, as quais a suspensão de descrença não é tão exigida quanto em As Bem Armadas, mas ainda assim, A Espiã que Sabia de Menos não consegue fugir da mediocridade habitual das caras paródias hollywoodianas. Sendo, no máximo, um divertido filme caso o público se permita não ligar para os graves defeitos de concepção da obra.