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  • Crítica | Crimes e Pecados

    Crítica | Crimes e Pecados

    A maneira como pequenos fatos podem tomar grandes proporções, afetarem terceiras pessoas ou simplesmente se perderem entre as casualidades da vida são o ponto de partida de uma ideia que viria a acompanhar toda a obra de Woody Allen.

    Talvez Crimes e Pecados não seja o filme mais cultuado da extensa filmografia de Woody Allen, mas sem dúvidas é um dos mais importantes. Sua trama central viria a servir como pilar para algumas outras tramas do diretor: Os Trapaceiros, Match Point e Homem Irracional, por exemplo.

    Nele, Martin Landau apresenta Judah Rosenthal, um oftalmologista bem sucedido, casado com uma filha já educada. Judah se enxerga como um homem de moral irreparável,mas há um porém…  Ele tem uma amante, Dolores. Para ela, essa relação já não se sustenta e não se conforma mais com a situação. Ou Judah deixa sua família para ficar com ela, ou Dolores conta tudo sobre sua relação para a esposa do doutor. É quando então seu Jack, irmão de Judah que mantém vínculos criminosos, oferece uma solução alternativa (e final) para seu imbróglio familiar.

    Como grande maioria dos roteiros escritos por Woody Allen, Crimes e Pecados dispõe de uma extensa árvore genealógica da arte, sendo Crime e Castigo, o livro quase homônimo de Fiodor Dostoiévski, sua principal referência. A partir do momento em que o crime é consumado, a culpa pesa sobre o protagonista que passa a refletir sobre sua vida, criação e a situação confortável e ao mesmo tempo hipócrita que vivia.

    Embora o filme aconteça em duas vias distintas, a história principal do filme é a de Martin Landau: o crime, a culpa e a moralidade entorno do protagonista; enquanto a história de Cliff, o documentarista vivido pelo próprio Woody existe para empregar mais valor aos temas propostos. Isso é feito de maneira bastante assertiva,pois assim também trata dos desdobramentos do amor e da vida de aparências da alta sociedade, que entram em discussão em sua narrativa primária. A culpa de Judah é evocada em abstrações que vão desde conversas imaginárias com um de seus pacientes, que é um rabino, até flashbacks lúcidos que trazem o passado para sua frente. Judah e Cliff traçam histórias diferentes que constroem a ideia que será discorrida no último diálogo do filme, numa espécie de touché que parte do autor.

    Antes de ser um filme sobre um crime, este ainda é um filme de Woody Allen. Então mesmo com um assassinato na trama, o foco do diretor está em pontos subjetivos, em explorar da melhor maneira possível os personagens dentro daquele universo e como eles lidam com as questões morais propostas. Sendo assim, o crime não é mostrado. É revelado pela história com apenas um telefonema.

    Crimes e Pecados é uma das obras mais sombrias dentre todas as de Woody Allen – junto de Interiores, Setembro e A Outra, onde o diretor também se encontra em grande forma filosófica.O monólogo do final do filme, proferido por Cliff é curto e grosso:a ordem natural universo é o caos.Mesmo aqueles que praticam o mal podem acabar recompensados perante a desordem total da vida – onde alguns privilegiados detém maior controle de sua rotina que outros. Sendo assim então, a culpa é uma escolha e é possível sim conviver com ela de alma leve e sono saudável.

    Texto de Gabriel Caetano.

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  • Crítica | Ed Wood

    Crítica | Ed Wood

    Nenhum cineasta que amou de verdade o cinema pode ser o pior dos piores. Todavia, amor não coloca comida na mesa, e as vezes uma certa dose de talento e precisão são necessários para o coração devotado. Entre todos os Tim Burton’s que já tivemos, em mais de quatro décadas de sua carreira,revisitando-se e reafirmando a cada passo dado sua identidade, o Tim Burton pós Alice no País das Maravilhas virou o que muitos profetizaram quando foi divulgado o primeiro trailer da aventura feita sob medida para a Disney: um lego flexível, precificado e que se encaixa fácil, fácil nas diretrizes de um vasto cinemão americano, cheio de intenções e vícios de linguagem. No jogo de Hollywood, e estamos falando especificamente sobre ele, poucos sabem manter casados os fatores qualitativos e identitários a ponto de sua paixão primordial pelo Cinema se manter intacta por todo o caminho, este longo e penoso como sabemos ser para todos os(as) envolvidos(as).

    Olhando para esta pérola, filmada em um belíssimo e invejável preto e branco que lava o mundo das filmografias americanas de tons prata e grafite de forma quase ímpar, o Burton raiz ainda estava vivo, ou melhor, nascendo, no que pode ser chamado seu melhor filme sob a teimosia alucinante dos fãs em eleger Edward Mãos de Tesoura para este pódio. O cineasta ainda foi zeloso o suficiente, após o enorme sucesso de Batman e Batman: O Retorno, para não sobrepor a estética a essência da história por trás da figura amalucada e naturalmente esquisita do “pior cineasta de todos”, Edward Davis Wood Junior, e que por isso mesmo se tornou inesquecível, tal Tommy Wiseau do infame The Room para as audiências modernas, e homenageado em 2017 em O Artista do Desastre. Ed pode ser visto até hoje, e de forma reiterada, como “o alfa e o ômega do subgênero trash”. Filmes que, de tão ruins, ganham uma legião de fãs justamente por seu apelo ridículo, péssimo gosto em todos os sentidos e humor desproposital e insano.

    Sua trajetória na máquina hollywoodiana de sonhos não foi nada engraçada, porém, com Ed experimentado toda a sorte de pesadelos possíveis para realizar suas ‘obras-primas” na Era de Ouro dos grandes estúdios do passado,mas extremamente (no sentido literal da palavra) massacradas e marginalizadas pela crítica especializada e um público que o desprezava, colocando clássicos trash como Glen e Glenda, A Noiva do Monstro, e o mais famoso e ambicioso de todos, Plano 9 do Espaço Sideral (todos disponíveis no YouTube), abaixo de tudo o que se pode imaginar. Amante do macabro e do desconhecido tal qual o seu velho ídolo, Burton viu nos anos 90 a chance perfeita de edificar a cinebiografia do gênio dos anti-sucessos, devotando para isso toda a sua paixão pelos aspectos que o tornaram tão reconhecido, após ter morrido no mais completo e pesado ostracismo nos anos 50, mas não sem antes encontrar sua maior inspiração, um outro gênio da lâmpada, esse sim reconhecido ainda em vida: Orson Welles, o menino prodígio que aos 26 anos rodou Cidadão Kane e reinventou a roda.

    Ironicamente, temos aqui um filme sobre um dos maiores vira-latas de Hollywood em que Burton e Johnny Depp usam de suas charmosas peculiaridades notórias a fim de recriarem, juntos, com toda a elegância e o dinamismo possíveis, uma época onde sonhos ainda eram possíveis e eram mais fortes que tudo, dialogando sobre a própria vontade de produzir esses sonhos de uma maneira tão sólida e bem resolvida que fica difícil encontrar um candidato à altura, desde 1994, dentro ou fora do cinema americano, que nos faça cair inadvertidamente de amores pelo amor de lutar, contra todo um sistema, para se contar história sobre travestis, policiais ou alienígenas – ou tudo junto, misturado, porque não? Depp, um grande ator quando quer ser, e na época mais ator que celebridade, exala a paixão de Ed Wood pela câmera, pela luz, pela ação que movia seus atores; lendas como Bela Lugosi, o primeiro Drácula, do longínquo ano de 1931.

    Wood apenas queria trabalhar, sob o pecado de ser uma criança perdida numa loja de doces – e como ele amava doces, um mais do que o outro. Wood atuava como cineasta de um tempo mais inocente, que Charles Chaplin ainda era um malandro, Walt Disney ainda lutava para ser o mito que é, e tudo não passava de um exercício caro mas unilateral, sem grandes intenções por trás de nada. Cena após cena, Burton e Depp, no auge de ambos, mostram o lado sombrio, ganancioso e duro de se trabalhar na ilusória Hollywood, pois sabiam, após várias experiências, que nos anos 90 o jogo já era outro, completamente oposto ao mundo de sonhos e diversão de um homem que acreditava em seu coração para guiá-lo com suas lentes em um campo cada vez mais tomado por lobos, e que não aceitam ovelhas sentimentais. Ao recriar uma época, Ed Wood recria com força impressionante o espírito de se fazer filmes, sendo um respiro, uma dose de reflexão, e/ou uma ode para qualquer um que sonha em fazer o mesmo, ou que apenas admira os que tem coragem para tanto.

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  • Crítica | Memórias Secretas

    Crítica | Memórias Secretas

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    Associar o novo filme do diretor Atom Egoyan (com roteiro de Benjamin August) ao cultuado thriller de Christopher NolanAmnésia é quase um reflexo do espectador. Em ambos os casos, o protagonista precisa se lembrar todos os dias das tarefas a serem executadas em busca de algo que o complete na missão. Porém, enquanto Leonard faz o tipo durão e jovem, Christopher Plummer entrega Zev Guttman, um frágil senhor beirando os 90 anos com princípio de demência, subvertendo os clichês do thriller de perseguição.

    Guttman e seu companheiro de uma casa de repouso, Max Rosenbaum (Martin Landau), são ambos sobreviventes de Auschwitz. Max, um antigo perseguidor de fugitivos nazistas, consegue rastrear um último comandante do campo de concentração, aquele diretamente responsável pela morte de seus familiares. Então incumbe a Zev a tarefa de encontrar e executar o carrasco de seus parentes, já que o oficial está usando o nome de Rudy Kurlander, um prisioneiro morto na Polônia.

    Após a morte de sua esposa, Zev sai em busca de seu objetivo, e a excelente interpretação de Plummer nos passa a todo momento a fragilidade de um senhor de tal idade em busca de alguma redenção no final da vida. Enquanto Zev viaja, acompanhamos a busca de seu filho Charles Guttman (Henry Czerny) para tentar encontrar o pai.

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    Após rastrear os primeiros Kurlanders, que depois se descobre que não eram quem procuravam, Zev encontra John Kurlander (Dean Norris), o filho de um antigo nazista e saudosista da guerra. O fato de ele e o falecido pai serem nazistas convictos é usado pelo diretor para salientar uma crítica interessante, pois ambos são “colecionadores” de itens nazistas, uma característica de muitos simpatizantes do nacional-socialismo atualmente. A intensa interpretação de Norris como o neonazista John às vezes beira o exagero, mas realiza a função de nos mostrar a dedicação de Guttman em cumprir seu objetivo. Nessa sequência se destaca um dos pontos fortes do filme, a utilização visual e sonora de alegorias aos campos de concentração que sutilmente assustam o protagonista, como alarmes, bombas explodindo em pedreiras, cachorros latindo, dentre outros.

    Ao encontrar o último Kurlander da lista, o filme caminha para seu clímax, com Zev, Kurlander e Charles juntos. Porém, a escolha de subverter a trama e transformar Guttman em um algoz e em objeto de sua própria busca, apesar de ser momentaneamente interessante, enfraquece o próprio personagem antes estabelecido. Somos, em alguns segundos, obrigados a acreditar que aquele cidadão que viveu por décadas nos EUA normalmente, e só agora mostra sinais de demência, havia esquecido completamente quem era. Além disso, o personagem atinge a redenção por um caminho bem conhecido do espectador.

    Enquanto seu amigo Max Rosenbaum se sente realizado pelo seu ardil em se vingar de dois algozes ao mesmo tempo, o espectador talvez não se sinta da mesma forma. Tamanha construção narrativa poderia ter sido utilizada de forma mais interessante se a subversão pela subversão tivesse sido deixada de lado.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.