Tag: Terror

  • Crítica | Fragmentado

    Crítica | Fragmentado

    A carreira de M. Night Shyamalan é bastante irregular, com um começo mainstream de indiscutível qualidade – em especial O Sexto Sentido e Sinais – e alguns filmes cuja qualidade é discutida até hoje – A Vila e A Dama na Água – e uma fase claramente decadente – Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois Da Terra. Há pouco tempo, houve uma melhora considerável em seus trabalhos individuais, com A Visita sendo esse um filme absolutamente elogiado, inclusive por quem execrava o realizador. O drama Fragmentado buscava ser um retorno as origens ainda maior, com uma história complexa, envolvendo questões mentais como múltiplas personalidades, ao passo que o orçamento da produção também era mais modesto, fato que permitiria ao cineasta ser mais criativo e inventivo, como no começo de sua carreira.

    A história acompanha a rotina de três adolescentes que são sequestradas por um estranho homem careca. Este é Kevin (James McAvoy), um sujeito que tem um transtorno dissociativo de identidade, fato que o faz ser capaz de alternar para suas personalidades acessórias de maneira incalculável, sendo essas um total de 23. O perfil do raptor varia entre a hostilidade e docilidade, de acordo com qual individuo está no comando de sua psique e os infortúnios das moças começam por não saber o que esperar de seu raptor.

    A quase ausência de trilha sonora no início ajuda a se criar uma atmosfera de pânico, com o suspense sendo sustentado principalmente através das expressões de temor das raptadas, em especial Casey (Anya Taylor-Joy, a mesma que protagonizou A Bruxa). Em alguns momentos por volta da primeira hora do longa há um sem número de situações muito parecidas entre si. Tal aspecto faz o filme parecer moroso para os olhares menos atentos, ainda que o intuito do texto seja mostrar o quão desesperadora é a rotina de quem é mantido preso quanto sua vontade e o quanto a reprise de momentos chaves pode ser incômoda e terrível para quem já está em uma situação limite por um tempo considerável, como ocorre com Casey.

    Fragmentado mistura thriller com filme de monstro, evocando os porões da alma humana como fonte do seu terror. Mostra a personalidade mais cruel como a de um intolerante fanático religioso, em uma cena próxima do final que faz lembrar ótimos momentos dos jogos eletrônicos de survival horror, em especial Silent Hill e Resident Evil. O desfecho une vítima e o infligidor do mal em uma rede sentimental que faz sentido para quem assiste, ainda que essa associação seja absolutamente macabra e preocupante sob o ponto de vista sociológico, sem dar quaisquer chances de chamar tal interação de Síndrome de Estocolmo, ao menos não na conclusão final.

    O filme em alguns momentos carece de um ritmo mais dinâmico, mas os instantes finais fazem lembrar os bons predicados de Shyamalan, no sentido de criar tensão, sem dessa vez precisar de um plot-twist genial para chamar a atenção de seu público, ainda que haja uma bela surpresa na cena pré-créditos. A atuação de McAvoy rivaliza com o bom nível de suspense como aspecto mais positivo do longa, que certamente é uma retomada audaciosa a filmografia que explora os mistérios da alma e mente humana, com Shyamalan costumava fazer, resgatando também o espírito The Twilight Zone típico de suas obras mais antigas.

  • Resenha | Cujo – Stephen King

    Resenha | Cujo – Stephen King

    Este é o primeiro livro de Stephen King que leio. Ou melhor, que leio por completo. Comecei a ler Sob a Redoma, no Kindle, mas a leitura está parada há meses – mais adiante comento sobre os possíveis motivos. Havia lido um conto, “Milha 81”, e gostado bastante. Quando surgiu a oportunidade de ler esta edição linda de Cujo, não pensei duas vezes.

    “Frank Dodd está morto e a cidade de Castle Rock pode ficar em paz novamente. O serial-killer que aterrorizou o local por anos agora é apenas uma lenda urbana, usada para assustar criancinhas. Exceto para Tad Trenton, para quem Dodd é tudo, menos uma lenda. O espírito do assassino o observa da porta entreaberta do closet, todas as noites. Você pode me sentir mais perto… cada vez mais perto”.

    O trecho acima, que consta da sinopse oficial, não-intencionalmente gera um mal-entendido na cabeça do leitor, pois parece indicar que a história tem a ver com possessão demoníaca ou algo assim. Mas esse mal-entendido não é culpa de quem escreveu a sinopse. O próprio King, de certa forma, “desencaminha” o leitor no início da trama ao dar ênfase ao monstro no armário do pequeno Tad. Mas basta avançar um pouco mais para perceber que foi uma forma de introduzir e apresentar ao leitor os personagens da família Trenton – Vic, Donna e Tad. Pois exceto pela insinuação vaga de que talvez o espírito de Dodd tenha possuído Cujo, não há nada de sobrenatural na história, que se passa na cidade fictícia de Castle Rock, no Maine, onde moram a família Trenton, a família Camber e mais alguns personagens secundários.

    Algo sobre a escrita de King que eu já havia reparado ao ler Sob a Redoma é que ele é prolixo. Porém não num sentido pejorativo já que, diferente da maioria dos textos prolixos, o de King é agradável de ler. Parece supérfluo. Pode até ser supérfluo em alguns casos. Mas é interessante. Sempre. Neste livro, principalmente no início, há várias páginas discorrendo sobre assuntos que pouco agregam à história, mas que ainda assim se apresentam atraentes ao leitor, que dificilmente fica com vontade de saltar parágrafos. E, apesar desses trechos ou, aproveitando-se desses trechos, King vai inserindo uma tensão na narrativa que prende o leitor. Ele consegue isso, entre outras coisas, usando com muita eficiência a ironia dramática. Como Lemony Snicket explica muito bem no segundo volume de Desventuras em Série:

    “Em poucas palavras, a ironia dramática ocorre quando uma pessoa faz um comentário inocente, e outra pessoa que o escuta está sabendo de alguma coisa que faz com que esse comentário tome um sentido diferente, em geral desagradável”.
    (A sala dos répteis – pag.37)

    No que tange à literatura, trata-se daquela situação em que o leitor sabe mais do que os personagens. O autor dá ao leitor informações extras, que fazem com que ele, na maioria das vezes, tema pela segurança e pelo bem estar de um ou mais personagens. E King faz isso magistralmente ao incluir trechos em que descreve o que acontece com Cujo, o são-bernardo da família Camber. A narrativa, estrategicamente, é feita em terceira pessoa por um narrador onisciente, intercalando os dissabores da família Trenton, o cotidiano fastidioso dos Cambers e as reações de Cujo depois de ter sido mordido por um morcego infectado com raiva. O leitor vai lendo e inferindo o que irá acontecer, enquanto os personagens estão ali, inocentemente vivendo suas linhas narrativas sem desconfiar de nada. Quem lê sabe que vai acontecer alguma coisa, só não sabe quando nem como nem quem será a primeira vítima. Tem como largar o livro antes de descobrir isso?

    E chega-se a esse ponto mais ou menos ao final do primeiro quarto do livro. Quando acontece aquilo para que o autor estava preparando o leitor desde o início, não há como não se indagar: “Será que vai ficar enchendo linguiça por mais 300 páginas?”. Mas não. King cria outra expectativa. E continua fazendo o que faz de melhor – deixando o leitor na beira da poltrona de tanta ansiedade.

    “Latindo com fúria, Cujo deu início à perseguição. Embora o coelho fosse muito pequeno, e Cujo, muito grande, a possibilidade de conseguir trouxe uma dose extra de energia para as patas do cão. Cujo chegou perto o suficiente paraagarrar a presa, mas o coelho fez um zigue. Cujo se virou pesadamente, com as garras revolvendo a terra negra do prado, perdendo terreno de início, logo voltando à carga. Pássaros saíram voando ao ouvir o latido alto e ofegante. Se um cachorro pudesse sorrir, Cujo estaria sorrindo naquele momento. O coelho fez um zague e seguiu direto para o campo. Cujo partiu atrás, já suspeitando que não conseguiria ganhar aquela corrida.”
    (pag. 29)- grifo meu

    “Dormiram juntos, mas pela primeira vez a cama king-size pareceu pequena demais para Vic. Dormiram virados, e o espaço entre os dois parecia uma terra de ninguém coberta com cuidado por lençóis. Ele passou as noites de sexta e de sábado em claro, já que morbidamente percebia todas as mudanças de posição de Donna, ouvindo o som da camisola contra o corpo da esposa. Ficou imaginando se ela também estava acordada, no outro lado do vazio que separava os dois.”
    (pag. 119)

    É inevitável fazer um pré-julgamento dos livros de King baseado na referência que se tem dos filmes inspirados em suas obras. E dois pontos saltam à vista. A primeira constatação – óbvia – é que os livros são melhores que os filmes. Ok, são duas mídias diferentes que devem ser analisadas diferentemente. Mas a riqueza de informações que o livro oferece é sempre inigualável, mesmo o filme contando com o recurso adicional da imagem para narrar a história. A segunda constatação é que King é muito mais do que um expert em criar suspense. Ele faz isso realmente muito bem. Contudo como se pode perceber pelos dois trechos acima, sua escrita vai além disso. O primeiro mostra King brincando com as palavras, e há vários trechos no decorrer do livro escritos assim. Pode até soar contraditório – pois, como afirmado acima, King é prolixo – mas os dois trechos ilustram que o autor pratica muito bem o “show, don’t tell”. Há muitas coisas não ditas nas cenas acima que são explicitadas seja pelo jogo de palavras seja pelas figuras de linguagem.

    Nesta edição da Suma de Letras, ao final do livro há uma entrevista com o autor, concedida ao repórter da revista The Paris Review. Nela, há algumas pérolas que deveriam servir de guia para escritores iniciantes:

    “ENTREVISTADOR: Cujo é incomum porque o livro inteiro é um único capítulo. Você planejou isso desde o início?

    KING: Não, Cujo era um livro normal em capítulos quando foi concebido. Mas eu me lembro de pensar que queria que o livro atingisse o leitor como se fosse um tijolo jogado pela janela. Sempre achei que o tipo de livro que eu escrevo – e meu ego é grande o bastante para pensar que todo escritor devia fazer isso – devia ser uma espécie de agressão pessoal. Devia ser alguém pulando por cima da mesa, devia agarrar e intimidar o leitor. Devia provocá-lo. Devia incomodá-lo, perturbá-lo. E não só porque ele ficou com nojo. Quer dizer, se alguém me mandar uma carta e disser que não conseguiu jantar, o que eu penso é: ‘Ótimo!’”

    Em outro trecho, em que King fala sobre seus livros e a forma como ele os “separa” em dois tipos, ficou claro para mim por que Cujo me agradou tanto e Sob a Redoma, nem tanto – a ponto de a leitura não avançar:

    “ENTREVISTADOR: Quando você reflete sobre seus livros, faz alguma distinção entre categorias?

    KING: Eu tenho dois tipos diferentes de livros. Acho que livros como A Dança da Morte, Desespero e a série A Torre Negra são livros que vão para fora. E livros como O Cemitério, Misery, O Iluminado e Eclipse Total vão para dentro. Os fãs normalmente gostam ou dos para fora ou dos para dentro, mas não de ambos.”

    Interessante essa divisão dele. Eu particularmente nunca tinha pensado em thrillers sob esse aspecto. E inclusive o entrevistador o questiona sobre isso. Pois como praticamente todos os livros do autor têm terror psicológico, se não seriam classificados como “para dentro”. E King explica que leva também em consideração a quantidade de personagens. E aí está, nas palavras do próprio Stephen King, o motivo de Sob a Redoma não me agradar tanto, já que é um livro “para fora”.

    Vale reparar como King pega uma trama simples – um cão raivoso perseguindo moradores de uma cidade pequena – e a transforma em algo que mexe com o âmago do leitor. Quem disse que thrillers tem de ser apenas entretenimento?

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • O Terror Japonês e seus Remakes

    O Terror Japonês e seus Remakes

    Gore Verbinski começou a trilhar um caminho praticamente sem volta para o cinema hollywoodiano, ao aceitar filmar o remake americano de Ringu. Talvez aquela altura o diretor do Tennessee não soubesse o mal que haveria de liberar, uma vez que o estúdio Dreamworks ainda não tinha certeza de que o seu O Chamado seria o sucesso que foi, especialmente por ser lançado em 2002, um ano antes da cinessérie Piratas do Caribe, sucesso máximo da carreira do cineasta.

    É ponto pacífico que Hollywood perdeu grande parte de sua inspiração nas últimas décadas, e é mais notório ainda que haja remakes de produtos estrangeiros para o mercado doméstico. Mesmo Martin Scorsese havia trazido à tona seu Os Infiltrados, uma versão do primeiro filme da trilogia Conflitos Internos, de Siu Fui Mak e Wai Keung-lau. Para entender o fenômeno recente de migração do cinema asiático japonês para o estadunidense, é preciso se debruçar sobre a obra de Hideo Nakata, diretor do primeiro Ringu e dono de um estilo de filmagem próprio, que valoriza o suspense e o mistério, e que se vale muito do sobrenatural e o desconhecido para valorizar sua obra. Foi assim também com Água Negra, que também ganhou adaptação pelo cinema mainstream americano.

    Nakata era um bom diretor, mas não inventou nada sozinho. Sua escola é semelhante a de Kiyoshi Kurosawa, cineasta por trás de Kairo (ou Pulse, na tradução dos EUA), Doppelganger e o recente Creepy, e claro, Takashi Shimizu, de Almas Reencarnadas e Ju-On – O Grito. Ambos se munem de todo o ideário japonês que trata da morte como um evento corriqueiro resultante do processo final da vida, sem necessariamente produzir uma fobia comum ao ocidente. Algo se perdeu nessa tradução, em especial no filme que coube a Verbinski, uma vez que o início de O Chamado não consegue ser nada sutil, mesmo que imite o filme original em praticamente todos os seus aspectos.

    A Duologia “O Chamado”

    A transposição dos filmes americanos além de revelar a falta de ideias por parte dos estúdios, mostra também um desespero tremendo em sua composição. Naomi Watts faz a personagem Rachel Keller, uma jornalista atormentada por uma questão familiar e obcecada para entender o que ocorreu com sua sobrinha recém-falecida, situação idêntica à vista com Reiko Asakawa no filme de Nakata. Watts já era famosa mundialmente, assim como Sara Michelle Gellar, de O Grito, e Jennifer Connelly, em Água Negra.

    Verbinski pouco acrescenta em sua versão da maldição da fita, exceto por algumas cenas conceituais no tal vídeo maldito. Tal paradigma seria também seria repetido não só em versões de filmes do Japão, mas também nos importados da Europa, vide o exemplo de REC/Quarentena e nas duas versões de Martyrs, ambos filmes de terror que fizeram sucesso recentemente e tiveram adaptações para o público americano.

    Três anos depois, os produtores da franquia americana imitariam o ocorrido com O Grito chamando o diretor japonês Hideo Nakata para conduzir a continuação de O Chamado 2, com a função prioritária de não adaptar o texto de sua versão de Ringu 2, já que a continuação citada seria muito diferente do primeiro capítulo do filme original. Ainda que houvesse esse pedido, percebe-se na verdade um resgate de muitos dos conceitos da sequência japonesa, já que todo o mote do roteiro envolve a perseguição da vilã Samara e sua maldição ao menino Aidan (David Dorfman), com Rachel tentando desbaratar a situação.

    Alguns desdobramentos dramáticos até soam criativos, mas a redução da maldição a uma trama de possessão demoníaca é pobre e bem condizente com a mediocridade em que estava inserido o cinema de horror hollywoodiano à época. Outro fator terrível é Nakata se repetindo, ao pôr detalhes de seu outro filme, Água Negra (ou Honogurai mizu no soko kara ), que também ganhou uma versão americana, pelo brasileiro Walter Salles.

    Entre os principais problemas da duologia O Chamado, estão a substituição da sutileza e alto suspense que Nakata fez no fim dos anos noventa em comparação com o uso excessivo de CGI e efeitos especiais pirotécnicos dos filmes americanos. Os personagens são menos humanizados, no caso dos adultos, enquanto as crianças são imbecilizadas. Esses defeitos se repetiriam nos demais filmes deste artigo.

    O Grito: Shimizu e sua transição em dois mercados

    Em 2002, o diretor Takashi Shimizu levou aos cinemas o começo da franquia O Grito (Ju-On no original). Já haviam versões dessa mesma saga dois anos antes, na televisão, mas a popularização do mito de Toshio e Kayako só ocorreu mesmo quando chegou aos cinemas asiáticos. A história, bastante simples em sua abordagem, não perde tempo explicando os estranhos acontecimentos que se encenam em frente às câmeras. Basicamente se conta uma história de ligação via redes, onde a primeira pessoa tem contato com um espírito desencarnado que, quando vivo, sofreu um enorme castigo e retorna do além para perturbar os vivos. Como uma doença, essa condição se espalha e várias pessoas relacionadas a morte anterior também perecem, formando assim uma rede de abusos e mortes que parece não ter fim.

    Os sustos do filme não são frequentes e não são gratuitos. O macabro se manifesta por meio de monstros que antes eram vítimas, fator que diferencia a história das demais contadas na década de 2000. A aura de mistério e suspense é levada por um conjunto de elementos com cores claras, outro fator diferencial em meio ao horror mais recente, e os efeitos especiais apesar de datados e baratos, causam espanto e pioram a sensação de perigo imediato.

    A cor pálida dos mortos remete obviamente a vida recentemente tirada, mas essa configuração de imagens unidas aos ruídos balbuciantes que eles emitem fazem lembrar os mortos vivos dos filmes de George A. Romero, em especial os de O Despertar dos Mortos e Dia dos Mortos. A movimentação dos amaldiçoados acabou sendo bastante imitada nas versões de Verbinski e Nakata em seus “Chamados”, mas claramente sem o mesmo brilhantismo utilizado aqui.

    As sequências finais são elucidativas e dão um destino digno para cada um dos desafortunados. Não demorou para a Ghosthouse Productions comprar os direitos, e em 2004, com produção de Sam Raimi, O Grito (The Grudge) chegava aos cinemas norte-americanos, também conduzido por Shimizu, e com uma boa parcela do elenco e produção formada por japoneses, uma vez que o próprio diretor não falava inglês.

    Sarah Michelle Gellar é insossa, ao contrário de dos personagens originais – que, vale lembrar, não tem um único protagonista – mas ao menos o filme acerta em reprisar o tom de extremo pessimismo do original, e até pouco explicativo se comparado aos tantos outros remakes americanos discutidos aqui.

    O Grito, como O Chamado tornou-se uma franquia rentável, com uma continuação americana, também conduzida por Shimizu, e um reboot japonês, que inclui um crossover entre Sadako (a Samara da versão japonesa) e Kayako (de Ju-On). Como parte do legado de Ringu há o uso da criança como catalisador do horror, a questão de uma criatura vingativa e injustiçada retornando do mundo dos mortos para assombrar os vivos, além do mesmo aspecto empalidecido. Por ter um único diretor esse se torna o ponto fora da curva em questão de independência artística e criativa, fato que faz até a cinessérie americana ser melhor construída do que seus primos, ainda que prossiga inferior ao material asiático. O maior dos méritos certamente é a tradução não só de cenas, mas também de atmosfera e espírito, ainda que permaneça bizarra a necessidade de se fazer todo um novo filme para dizer exatamente o que já foi dito antes.

    Pulse: Tecnologia, depressão e suicídio no cinema de Kurosawa e seu correspondente americano

    Antes até de Ju-On, o diretor Kiyoshi Kurosawa trazia a luz Kairo, que no resto do mundo ficou conhecido como Pulse. O roteiro, do próprio Kurosawa aborda o mal moderno da ausência de aceitação, usando a questão do suicídio como avatar do sentimento depressivo. Um grupo de jovens encontra um amigo enforcado em sua residência e aparições dele ocorrem nas telas dos computadores. Depois disso uma onda de mortes ocorre, sempre com a mesma característica, jovens se suicidando.

    Kurosawa utiliza muito bem os tons sombrios nos locais onde ocorrem as mortes, deixando o cenário com lascas pretas voando, que se assemelham a resquícios de objetos queimados, além de silhuetas de cor negra, no formato dos corpos nas paredes dos recintos onde estão as vítimas.

    O final de Kairo é dúbio, pois dá esperanças, embora essa esperança seja discutível. O estreante em longa Jim Sonzero capitaneou um remake de Pulse, em 2006, com um elenco repleto de atores teen e famosos, entre eles Kristen Bell, de Veronica Mars e futuramente Heroes, Ian Somerhalder que fez Lost e mais tarde faria The Vampire Diares, e Samm Levine, integrante do carismático Freaks and Geeks.

    O fato do elenco ter vários famosos, assim como em O Chamado, atrapalha a inserção do público no filme, mas o fator mais irritante é sem dúvida a troca do mote de horror, saindo a questão psicológica para restar somente uma perseguição de um monstrengo horrendo, de cor branca e múltiplos braços. Toda a sugestão é transformada em um texto fraco, bobo e óbvio. Uma pena, visto o potencial que essa versão carregava.

    Água Negra: Walter Salles e sua estréia em Hollywood

    Ainda em 2002 estreava no Japão o horror Água Negra (Honogurai Mizu No Soko Kara), também de Hideo Nakata. Nele, acompanhamos uma mulher que se divorciou recentemente – Yoshimi Matsubara (Hitomi Kuroki) – e se muda para um apartamento com sua filha Ikuko (Rio Kanno). Após alguns momentos de suspense gratuito, levados a tela através de uma televisão que registra as imagens de uma câmera de segurança, finalmente começa um drama simples, mostrando mãe e filha incomodadas com uma goteira que provém de uma infiltração já existente no apartamento antes mesmo de se mudarem.

    O original tem o ritmo um pouco lento no início, fato que dura até a primeira hora de filme. O ideal tencionado é estabelecer empatia entre espectador e personagem por meio de cenas comuns e corriqueiras, sem grandes alardes ou sustos falsos, mostrando o desespero de uma mãe que vê sua filha sofrendo a ameaça de um ser espiritual.

    O uso da água e da figura fantasmagórica infantil e feminina como elementos de horror já haviam sido vistos em Ringu, mas aqui o paradigma é mais importante e intensificado. O clichê da vilania de crianças é elevado a um nível maior nesta, com uma exposição da criatura em cenas com ângulos bem abertos, que demonstram o quão barata é a produção em especial na confecção do vilão.

    Já na versão estadunidense – dirigido pelo brasileiro Walter Salles – há um abuso do uso de famosos, a começar por Jennifer Connelly, que faz a protagonista, uma mãe também recém-divorciada que, contudo, tem uma sub-trama boba acompanhando a si, uma vez que se gasta muito tempo de tela, e consequentemente da paciência do espectador, com a disputa da guarda de sua filha, junto ao seu ex, vivido por Dougray Scott. Nesse ponto, a trama se distancia ainda mais do livro de Kôji Suzuki – também autor do livro que deu origem a O Chamado – que era mais voltado a trama e menos em conflitos entre os personagens.

    Ainda há participações de Pete Postlethwaite como um zelador de origem estrangeira cujo sotaque estranho é a marca, há também o uso de John C. Reilly em uma participação muito genérica, e de Tim Roth, que faz um advogado que recebe seus clientes em seu carro, soando caricato ao extremo. Nesses personagens, não há trabalho sobre nuances ou características únicas, o diferencial das pessoas entre si não ultrapassa a questão de arquétipos, fato que faz irritar ainda mais a porca imitação que Salles conduz.

    A discussão de questões como a vida da mulher solteira e menções a estupro também soam desrespeitosos, uma vez que só são mencionadas, sem a mínima reflexão sobre os temas. Mas apenas pincelados, fazendo-nos perguntar se o motivo desses assuntos serem abordados é por puro sadismo de roteiristas e produtores.

    A única personagem trabalhada é a Dahlia de Connelly, que é mostrada como uma moça cujo passado esconde um abandono materno. A intenção de tornar grave o background da personagem soa interessante, mas a condução faz todo o trabalho explicativo demais, portanto, desnecessário. Como nas outras versões americanas, se pasteuriza o tema, para tornar mais palatável ao público dos Estados Unidos.

    Uma Chamada Perdida: A violência de Takashi Miike e sua versão ocidental

    Era 2003, portanto, o filme mais antigo da lista. Coube ao prolifico Takashi Miike conduzir Uma Chamada Perdida, ou Chakushin Ari no idioma original. A história é simples, e mostra uma moça que recebe uma mensagem na sua caixa de voz no celular. O conteúdo é apenas de um grito desesperado, e aos poucos ela investiga a origem dessa ligação. Como em O Chamado, Miike se vale da tecnologia que se tornou recentemente popular entre os mais jovens, com o uso de telefones móveis, como catalisador do medo e horror, transmitindo a maldição como se fosse uma doença venérea, apelando então para outro clichê do gênero terror, aqui muito bem empregado.

    Mais uma vez não se explica o porquê do mal que assola os vivos, e a construção da tensão é lenta e gradual, só ocorrendo a exposição de mortes com quase uma hora de tela, mostrando então um nível agressivo de gore, típico do trabalho do cineasta. O diretor posiciona sua câmera de modo estratégico, com closes nos personagens amaldiçoados, que fazem lembrar os ângulos usados no western spaghetti, desde Sergio Leone a Gianfranco Parolini, normalmente escondendo o terror atrás desses personagens, mas sem correr o risco de revelar demais, uma vez que a mostra das criaturas perseguidoras é bem tímida, expondo pouco até o clímax.

    Os mortos são representados com cores acinzentadas, voltadas para tonalidades mais escuras e aspecto úmido. Graficamente, a criatura atemorizante é a melhor construída dentre os cinco exemplares analisados, com um aspecto gore que remete visualmente a literatura clássica, com influências de contos de terror japoneses antigos, passando por H. P. Lovecraft e Mary Shelley.

    Em 2008, era lançada a versão norte americana, dirigida por Eric Valette, o mesmo de Sinais do Mal. Já no começo as manifestações de terror são absolutamente sensacionalistas, e a tal maldição é mostrada através de perseguições a atores jovens, bonitos e que faziam papéis bem pequenos em seriados populares.

    A montagem que remete a um videoclipe e o roteiro raso não conseguem fazer jus ao trabalho de Miike e poucas tentativas de discussão se salvam, como o uso de uma visão crítica sobre os programas pseudo religiosos que abarrotam os canais abertos dos Estados Unidos, equivalentes aos “Fala Que Eu Te Escuto”, ainda que esses tenham um apelo midiático maior que o programa que passa nas madrugadas brasileiras. O problema é que até esse acerto demora a acontecer, visto que Bethe Raymond (Shannyn Sossamon), a mocinha da vez, é completamente incrédula em relação a isso, retardando portanto o contato de outra vítima, Taylor (Ana Claudia Talancón) em aceitar participar do programa. Nessa sequência há o uso das lacraias gigantes – que já apareciam com os mortos que recebiam as ligações mortais – em  imagens e ídolos católicos. O deboche a charlatanice pode ser confundido com desrespeito religioso, ainda que não tenha reprise disso no texto final, e se esse aspecto for invalidado, não há mesmo nada que salve o filme.

    As mortes ocorrem de maneira criativa, imitando a franquia Premonição, e não há aura de suspense, ou atmosfera de terror, soando portanto como um produto genérico, que pega emprestado alguns elementos do original, como as ligações, e ainda insere um aspecto bobo, que são pequenos doces vermelhos, que lembram pedras semipreciosas, que por sua vez caem da boca dos que perecem. A versão apela para aparições de fantasmas, que lembrariam em excesso o vindouro Sobrenatural, de James Wan, também há menções a crianças macabras, mostrando que a produção americana atira para qualquer estereótipo de terror.

    Conclusão

    O terror japonês e asiático é incrivelmente bem construído há tempos, vide o exemplo de Hausu, filme de Nobuhiko Ôbayashi, que em 1977 já antecipava todo o horror de Poltergeist – O Fenômeno e Amityville, além também da coletânea Kwaidan – As Quatro Faces do Medo, de Masaki Kobayashi, que em 1964 já juntava pequenas histórias de terror em um único filme. De Onibaba – O Sexo Diabólico a Tetsuo: O Homem de Ferro, há influências do cinema de horror e ficção-científica japonesa sobre o mainstream hollywoodiano, mas não de maneira tão literal quanto esse período do começo dos anos 2000.

    A maioria dos filmes analisados não tiveram grandes continuações, tampouco se tornaram franquias, exceção claro a Uma Chamada Perdida, que teve continuações de sucesso moderado, e claro, O Grito e O Chamado, que já sofreram reboots no Japão, transformados em espécimes mais explícitos e que fazem um uso terrível de CGI e demais efeitos de computação, retomando para si a influência do terror americano, perdendo a aura de suspense e de sustos por meio da atmosfera. A fórmula se desgastou, ao ponto de ter um evento recente de crossover, batizado de Sadako vs Kayako, ou Chamado vs O Grito, ao pior melhor (ou pior…) estilo Freddy vs Jason e Alien vs Predador.

    A fonte não secou, uma vez que Takashi Miike ainda faz bons filmes de terror, em meio aos milhares de exploitation que homenageia em sua filmografia, Kurosawa fez o já citado Creepy, enquanto Shimizu e Nakata tentam reprisar os bons momentos de seus cinemas, mas é fato que o terror americano conseguiu superar a entre-safra, produzido boas coisas, desde os produtos de James Wan – que é malaio – como Sobrenatural e Invocação do Mal, e outros como Corrente do Mal, A Bruxa entre outros. Ainda há um uso exacerbado de refilmagens de grande franquias americanas, mas a reserva moral para produtos autorais tem um bom destaque, superada finalmente essa onda de versões de produtos asiáticos, ao menos por enquanto. Talvez o único serviço indiscutivelmente bom que os cinco objetos analisados fizeram foi atrair a atenção do publico ocidental sobre o horror oriental, não tão popular quanto deveria, dada sua qualidade indiscutível.

  • Crítica | O Chamado 3

    Crítica | O Chamado 3

    Quinze anos após o primeiro filme da franquia, O Chamado 3 parece uma grande oportunidade desperdiçada. A história de Samara Morgan (a contorcionista Bonnie Morgan), explorada na estreia do diretor F. Javier Guetierrez, pode até ser interessante, mas peca pela falta de ritmo e indecisão na escolha do tom. A cena inicial no avião não se conecta com o resto do filme, servindo apenas para introduzir a maldição dos “sete dias” e frustrar o espectador, que não verá algo tão grandioso durante o restante da projeção.

    Talvez o problema dessa terceira incursão seja a expectativa criada e não aproveitada. O primeiro filme é extremamente dependente de tecnologias já ultrapassadas nos dias de hoje. A fita VHS com falhas no tracking e a estática dos televisores de tubo davam a atmosfera tensa que essa produção não consegue reproduzir. Criar um arquivo no computador está longe de ter o charme quase que fetichista de copiar uma fita no videocassete, e o toque do celular está longe do mistério de se atender a um telefone sem identificador de chamadas.

    Na trama, Johny Galecki interpreta Gabriel, professor universitário que compra um antigo aparelho de videocassete que contém a fita amaldiçoada, cujo antigo dono havia morrido no acidente de avião do começo do filme. Gabriel, uma versão mais séria de Leonard – personagem de Galecki em The Big Bang Theory – desenvolve uma pesquisa através do conteúdo da fita que deveria provar a existência da vida após a morte, desenvolvendo uma rede de alunos universitários que voluntariamente assistem a fita (agora um arquivo de vídeo), fazem uma cópia e passam a um “seguidor”. Paralelamente, conhecemos o casal protagonista. Julia (Matilda Lutz) e Holt (Alex Roe), que tentam manter um relacionamento à distância enquanto o rapaz vai para a faculdade em outra cidade. Após certo tempo sem receber notícias do namorado, Julia vai até o campus investigar e descobre que Holtz está envolvido na pesquisa de Gabriel. A garota também assiste ao vídeo, mas a princípio se recusa a passá-lo a um seguidor. Ela acaba tendo visões que revelam o passado da garota morta no poço e o casal segue uma linha de investigação até encontrar o verdadeiro vilão da história, digna de um episódio de Scooby Doo.

    A impressão que se dá é que cada um dos três atos são filmes diferentes, colados para dar forma a uma história mais ou menos razoável. O final, estragado tanto pelo trailer quanto pela premissa que não cumpriu, daria uma excelente história de terror caso houve maior ousadia do diretor espanhol ao invés da aposta no mais do mesmo que se tornou o miolo do filme. Sustos previsíveis, casal de protagonistas sem química nenhuma e um roteiro arrastado e fortemente calcado em coincidências para fazer a história andar, fazem do filme uma verdadeira decepção. A história da gestação de Samara e a identidade de seu pai biológico torna-se algo interessante em meio a tanto marasmo, mas não o suficiente para que o terror ou o suspense decole.

    O Chamado 3 é claramente um caça-níquéis que não se importa em manter a qualidade e aposta que seus fãs sejam o suficiente para gerar uma boa bilheteria. Para aqueles que realmente gostam da franquia, seria melhor assistir ao crossover japonês O Chamado vs O Grito – pelo menos a diversão (e alguns sustos) parece mais garantida.

  • Sai de cena William Peter Blatty, escritor e roteirista de o Exorcista

    Sai de cena William Peter Blatty, escritor e roteirista de o Exorcista

    William Peter Blatty, que escreveu o lendário romance Exorcista, de 1971, faleceu ontem com 89 anos de idade. Segundo o The Associated Press reports a causa da morte foi informada por sua esposa Julie foi um tipo de câncer no sangue. Após trabalhar em Hollywood como roteirista, Blatty escreveu o agora icônico livro que depois se tornaria roteiro e um dos maiores clássicos da nova Hollywood em 73 com a ajuda do diretor William Friedkin.

    O Exorcista foi uma completa mudança de tom do seu trabalho inicial, Blatty que começou como roteirista de comédia, esboçando bordões para astros como Peter Sellers muito tempo antes de elucubrar a obra definitiva de terror do nosso tempo. Até o dia de hoje, seu romance e sua sequência se mantêm como seu trabalho mais memorável: “Não posso negar O Exorcista”, comentou Blatty ao Washington Post um pouco antes da comemoração ao seu aniversário de 40 anos em 2013. “Ele fez tanto para mim e para minha família. E acabou me dando muita liberdade criativa de escrever o que eu queria”.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Talentos ascenderam, carreiras acabaram, os prodígios tiveram seu tempo e, quem sobreviveu, viu os holofotes virar sobre febres e tendências corriqueiras, aqui, dez anos depois. Tudo mudou mesmo? A seguir, dez filmes cuja qualidade permanece inalterada, talvez até mesmo elevada após suas revisões, contudo, muito além do tempo que nos rege.

    Zodíaco, de David FincherÉ possível quase tocar na rede de suspense que vai se fechando ao longo do filme, traçada tal degradé de pintura num jeito cirúrgico só pra ser desconstruída, e revirada num ponto, e reconstruída constantemente na excelência da projeção. David Fincher realizou um dos mais icônicos filmes americanos dos anos 90, e aqui não fica pra trás.

    O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del ToroTodo mundo queria pelo menos uma vez na vida escapar da realidade. Guillermo Del Toro, no auge de sua criatividade, nos dá essa chance com esse filme, driblando a linha tênue de quando acaba e começa tais dimensões, apelando para uma pretensão irresistível, típica e solidária à sua filmografia e indiscutivelmente própria – e linda.

    Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood

    Melhor e melhor a cada revisão, sem dúvida é um dos melhores já dirigidos pelo Clint cineasta. As cores do mundo projetadas pelo artista estimulam ainda mais a essência de uma história quiçá necessária no que tange os dois lados de uma guerra. Uma procura artística tão ambiciosa e impecável quanto lúcida em sentido.

    Volver, de Pedro AlmodóvarO filme definitivo sobre as mulheres, as divas, os arquétipos de Pedro Almodóvar projetados em suas Atenas de cenário quente e alma feminina. Nunca o cineasta encontrou um hibridismo tão forte e saudável entre história e filme, intenção e encenação, com limites inexistentes no caos das relações humanas. A linguagem de Almodóvar no ápice.

    Miami Vice, de Michael MannUma dupla história de amor invariavelmente trágica e impossível, caçada em êxito na tela por imagens digitais belíssimas que capturam e expandem nossa fascinação pelo todo; uma desculpa para o cineasta de Fogo contra Fogo retratar os absurdos, incoerências e as alienações impregnadas numa realidade, enfim, real. Dos melhores do seu ano.

    Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain ResnaisMuitos podem dizer que é, e acusam o filme, de fato, sobre ser apelativo, mas sem a sua elevada carga emocional seria superficial, e com certeza, não seria a obra-prima sobre os fundamentos e as reflexões de uma sociedade que é. Ambicioso e singelo na medida certa, tanto se apropria do mundo para convertê-lo em drama, trama e fantasia, quanto para provocar e estender nosso fascínio pela enorme e singela abertura crítica que o filme carrega; mais um filmaço para a conta de Alan Resnais, mestre francês morto em 2014 e vivo em seu legado de proporção gigantesca.

    O Hospedeiro, de Joon-ho BongNotem que os clássicos sempre reinventam a roda e sempre de maneira diferente; aqui, um “filme de monstro” datado pelo uso do objeto de terror, jamais pelo abuso do mesmo. Estilizado, quase cult, numa história que se apropria do drama de uma família para retratar a força da instituição, da união, e da natureza enfim do próprio cinema, fadado ao combate eterno entre o realismo e o surrealismo artísticos inerentes à forma. Eis o filme mais cinematográfico de 2006.

    O Céu de Suely, de Karim AïnouzO desejo de representar a solidez de um universo brasileiro esquecido por Deus e lembrado pelo Cinema encapsula a angústia e a agressividade árida do cosmos das Suelys, dos Josés e seus cães Baleias. À quem e sobre quem é resultado de um terceiro mundo implacável, numa perícia audiovisual cuja improvisação no método da representação torna o filme poderoso. Um Brasil sem condição para escolher lado político e visto pela ótica do real que não merece ser fábula.

    Filhos da Esperança, de Alfonso CuarónNum projeto desses, o esforço de um cineasta ganancioso (no bom sentido) tal Alfonso Cuarón – ímpeto incerto até o ponto-chave que sucumbimos no universo distópico onde ninguém mais engravida – é o de conseguir extrair o caos de uma situação como essa, e convertê-lo numa nova e possível esperança. É o triunfo concretizado de um artista no domínio da essência científica de uma ficção justificada por cada imagem construída.

    Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, de Larry CharlesA comédia da década, adiantando vícios culturais do novo milênio que, em 2006, ainda não estavam tão em voga assim. Borat é o puro suco do mamilo verde em termos do humor globalizado de hoje em dia: Explícito, polêmico, hiper-crítico consigo mesmo e sem pudores no estilo doa a quem doer, numa escala ainda mais impressionante devido ao talento descomunal dos humoristas envolvidos. High Five!

  • Crítica | A Maldição da Floresta

    Crítica | A Maldição da Floresta

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    Um “filme de terror” requer novos critérios para acompanhar esses novos tempos, em especial critérios de comparação com outros do gênero. Na tradição mais básica do movimento, o medo se manifesta em saltos quânticos de terror e compaixão, seja pela arte do susto ou de um gênero fadado ao fascínio de uma plateia que paga, que devota tempo (e fé na arte) para sentir na pele uma experiência amedrontadora que pode – ou não – ser a exceção em relação a quantidade de filmes ruins de terror lançados nos últimos anos. Hoje em dia, em tempos que um curta-metragem como Lights Out de 2014 é a tal da exceção, assustando mais que boa parte dos longas.

    Tal forma de avaliação vem sendo o terror de críticos ao redor do mundo, com medo de se distanciar do material e acabar incorporando simetrias perigosas não ao pensar, mas ao sentir: Ora, se o critério principal de uma comédia é se ela nos faz rir ou não, um filme de terror tampouco cumpre seu papel se não nos perturbar, chegando ao ponto de fazer nossa criança interior dormir com as luzes acesas. A comparação ganha pontos na crítica neste sentido, pois se os outros ‘monstros’ de Hellraiser já tiraram o sono de muita gente, e é também isso que o torna um bom filme, o que as criaturas de A Maldição da Floresta conseguem fazer conosco?

    Apologia a violência e vulgarização dos seus mitos já era algo esperado, enquanto o filme de Corin Hardy chega à beira da banalização como tantos outros exemplos recentes no Cinema ao se distanciar, cada vez mais, do horror expressivo e contido que o Nosferatu de F. W. Murnau carrega, neste exemplo bem básico, cuja omissão de elementos antes da hora do showtime só aumenta o nosso horror presenciando o fúnebre vampiro! Num filme bem mais explícito, sangrento e cheio de vísceras como A Maldição da Floresta, mais é sempre mais, pois o exercício do olhar é reinante e o contrário apenas afasta a história de seu propósito original: Chocar! Impressionar!, e é apenas isso que os monstros aqui nos produzem: Zero empatia e muita exclamação!

    Nota-se, porém, antes de exibir seus monstros (um bando de zumbis cor-pastel que parecem uma massa de pão derretida) a obra produz muito mais calafrios do que quando, de fato, os expõe: Sinta como o cenário e a luz opaca, na cena das fotos no jardim, nos faz sentir que algo pode pular a qualquer momento, de qualquer lugar, brincando com o lado horripilante da construção audiovisual da expectativa num filme que não trai seu gênero, respeita (de forma barata) seus elementos e nos impõe receio pela escuridão. Tudo isso, pelo menos, antes do mais banal dos finais.

    Contudo, sabotamos a necessidade de comparação com outros filmes, a partir de agora, com uma ótima frase do mestre Eduardo Coutinho que sempre vem a calhar, em especial num filme de horror/terror/suspense: O que é invisível não deve ser mostrado (uma paráfrase do mestre brasileiro, na verdade, com a frase de outro pensador europeu). O que vale, então, na arte do escancarar? Do tudo ao nada, o trash e o terrir sempre acharam berço e acolhimento no exagero do sangue jorrado, na marginalidade sem medo de rasgar esse medo e tocar sua fonte. O escancarar, aqui, é preciso e valorizado, mesmo se pensarmos brevemente. Porém, nota-se como o desenvolvimento da história, nesse filme, é traído em partes pela enorme responsabilidade de assustar livremente, e duma forma como só um filme não-comercial consegue assustar (vide Encarnação do Demônio), o que não é o caso aqui.

    É claro que o relacionamento de uma família que se muda para uma floresta e começa a ser atormentada por demônios que vivem no local poderia ser mostrado de forma mais sofisticada se o tempo na tela, da relação entre eles, enriquecesse a trama, e não o contrário – apenas nos importamos com a família quando começam a ser submetidos à influência maligna dos monstros, o que jamais deixa de ser um tiro no pé da dramaticidade almejada. Pai, mãe e bebê entram numa espiral de carma, correria e gritaria que só nos assusta porque nos importamos mais com o bebê que com a ameaça dos ‘zumbis’. Uma forma mais que garantida de manipular as nossas fundações éticas e nossos níveis de tolerância com o drama alheio, tudo em torno de uma recepção artística.

    E mesmo quando, no caso, os artistas não reconheçam o poder do gatilho que têm em mãos. Hardy dirige sem dificuldades mais uma página do terror e torna-a despretensiosa, entendendo em partes o que a história precisa, e fazendo um filme que agrada os fãs menos exigentes do gênero, já que boas cenas aqui e ali dão conta do recado. A concepção de medo nos é apresentada de forma regular, até certo ponto, quando o filme tenta entender seus demônios, e assim, perto do fim, tira seu mistério, seu fascínio; desmitifica-os, e isso, A Maldição da Floresta nunca poderia fazer. O que a obra representa na sua arte? Mais uma página, um tanto dispensável, é verdade, de um livro com outras páginas (e capítulos!) bem mais saudáveis a quem se importa com o que consome.

     

  • Crítica | Quando as Luzes Se Apagam

    Crítica | Quando as Luzes Se Apagam

    imagesSabe quando você tenta apagar aquele borrão na roupa, e acaba sujando mais? Quando as Luzes se Apagam, de David F. Sandberg, também tenta nos assustar, mas tenta tanto que por isso mesmo falha, longe do caráter experimental de um A Bruxa de Blair, o que seria bem-vindo demais aqui; Blair, vale afirmar, sendo o último grande filme de terror americano, brincando com nossas noções de perigo e instintos naturais mais básicos de uma forma realmente autêntica. A psicologia nos diz, e repete a cada sessão que não temos medo do escuro: Receamos o que pode estar escondido lá. A maioria das pessoas, pra não dizer todas teve medo de dormir sozinha, e algumas até pavor quando a única esperança de uma noite tranquila de sono, a luz do corredor, se apaga. Nós evoluímos, mas nossas paúras, não. Em caráter universal, tudo se adapta à região, mas certos gatilhos tão nossos continuam incorruptíveis de geração, à geração: Medo de bruxaria (Suspíria), do demônio (A Noite do Demônio), de fantasmas (Onibaba) ou da solidão (O Iluminado); calafrios tão inevitáveis quanto ódio e amor, iconicamente bem explorados na cadência inesquecível dos títulos mencionados acima, na licença de desenhar aqui uma certa harmonia histórica nos gêneros de horror, terror e suspense mundiais.

    Ok, então qual é a desse Quando as Luzes se Apagam, o longa, em pleno 2016, quando a realidade das coisas se mostrou mais aterrorizante que dois Chuckys montados nos ombros do Jason? Fica claro várias coisas (ironicamente) na projeção, mas principalmente uma: Como o terror que invade o ambiente doméstico provoca mais pânico que qualquer outra coisa, um pretexto imortalizado com O Exorcista e, recentemente, no regular O Homem das Trevas; se o horror dos ladrões que invadem a casa do “pobre cego” se constrói na subversão dos acontecimentos (o ceguinho não é tão impotente, como parecia), logo na primeira esquete de clubinho do terror que o filme habita, toda a desculpa que ele usa (e abusa) para nos botar medo é exposta como num dia de sol, e do jeito mais sem graça e vulgar possível, o que é pior. Assim, o filme ocupa o mesmo nível de quase tudo que M. Night Shyamalan fez desde O Sexto Sentido, já que A Visita, ótimo suspense de 2015 promoveu certa esperança.

    Subestimar a representação crescente do elemento que aterroriza que habita uma história sem pé, nem cabeça: Pecado mortal num filme mais fraco que a sua premissa – apague as luzes e uma mistura de Samara com Freddy Krueger aparece. Quando as Luzes se Apagam vem, aos trancos e barrancos, repleto de ecos do fantástico cinema de horror sul-coreano, incompatível pela qualidade com o que se faz hoje em Hollywood, arquétipos e esteriótipos que não pregam medo em ninguém, mais, são vomitados na tela sem nenhum preparo, ou cerimônia. Pior ainda é os personagens, perdidos numa atmosfera anti-climática, não acreditarem no começo na entidade que os perturba, mas mesmo assim manifestarem um medo que só se concretiza no final do filme, quando a coisa degringola de vez para uma sucessão deselegante e barulhenta de scare jumps, choro e aparições repentinas no escuro; tudo bem Supercine, ou igual aqueles vídeos com resolução 360p do YouTube. Uma tentativa inválida à beira do nonsense, com cenas que lembram Creepyshow 3, aquele terror meia-boca que só assustava crianças na década de 90. Triste.

    A melhor cena do longa oriundo do curta homônimo (e sem-graça) de 2014, surpreendentemente, vem da encenação artificial num microambiente mais parecido com um inferno neon, pontuado assim por objetos que os personagens usam no cenário cheio de manequins e sombras onde, certamente, algo irá no assustar – e assusta, num jumpscare óbvio, mas que nos faz lembrar como adoramos sentir medo, colocar a mãozinha na frente dos olhos e tudo mais… e é por isso que o filme inteiro falha, por ser um conjunto de situações onde sabemos que o pulo na cadeira, ou o grito da mulher é previsível, e portanto, não nos assusta. É como o monstro atrás de você avisar que vai te assustar- inútil, exceto se o monstro for uma ameaça pavorosa mesmo, o que não é o caso aqui, lógico, ou quando o terror é calcado tanto na imagem, quanto no som, afinal nenhum gênero consegue usufruir tão bem da capacidade audiovisual completa do Cinema tal aquele que arrepia a nossa espinha. Lembrou de Babadook, né?

     

  • 10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

    10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

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    O filme “The Eyes of my mother” lançou seu segundo trailer há algumas semanas e parece apresentar uma trama interessante e mais uma vez um retorno por opção a fotográfia em Preto e Branco.

    É interessante que filmes como Frankenweenie, Blancanieves e Frances Ha vão na contramão do que parece o óbvio a se fazer hoje e apostam novamente na velha maneira de se fazer cinema. Até o diretor de Mad Max: Fury Road, George Miller está lançando esse mês em DVD/Blu-ray e cinemas nos EUA a versão em “Black and Chrome” de Estrada da Fúria (será que vem pro Brasil essa?) Pensando nisso talvez, o diretor estreante de Eyes of My Mother, Nicolas Pesce, lançou no facebook oficial de seu filme de estréia um top 10 filmes de terror preto e branco que foram influência para sua produção e com pequenos comentários. Confira abaixo:

    10 – Eraserhead – David Lynch (1977)

    “Não há ninguém melhor para manipular o clima de uma situação que David Lynch. E não há nada mais aterrorizante que sentir algo estranho e não saber porque”

    9 -Titicut Follies – Frederick Wiseman (1967)

    O Diretor Frederick Wiseman registrou em 67 um hospital para doentes mentais e o tipo de vivência diária que eles passavam, o documentário foi alvo de processos e sua exibição foi proibida até o inicio dos anos 90.

    8 – Repulsa ao Sexo – Roman Polanski (1965)

    “Ele é impecavelmente simples mas faz uso de efeitos práticos de uma maneira bela e surreal. Não importa quão estranho a trama fica, no seu âmago tudo é sobre solidão e ansiedade. E sempre foi dessa maneira que eu absorvi ele.”

    7 – Almas Mortas – William Castle (1964) 

    “Um poster com Joan Crawford segurando um machado? Por favor né … O visual se encaixa entre um mundo hiper estilizado do cinema noir com todo o gótico que existe no expressionismo alemão, adoro esse filme!”

    6 – Desafio do Além – Robert Wise (1963)

    “Esse é aquele filme que eu vi adulto e me assustou de verdade. Você nunca vê nada assustador e essa é a melhor parte.”

    https://www.youtube.com/watch?v=YWU9zRb4RPY

    5 – Psicose – Alfred Hitchcock (1960)

    “Psicose é como uma cartilha pra mim. Além do seu mérito técnico e artesanal, eu amo como Hitchcock faz com que o público simpatize com um assassino. Acho que não existe nada mais assustador que isso.”

    4 – A Casa Mau Assombrada – William Castle (1959)

    “A voz de Vincent Price vai ecoar eternamente no meu cérebro sempre que pensar em horror gótico, e é por causa desse filme. A voz dele no monólogo de abertura é assustadora e e icônica. “

    3 – O Mensageiro do Diabo – Charles Laughton, Robert Mitchum (1955)

    “Esse é a maior influência para meu filme. Eu amo como o conto gótico minimalista se contrasta com as qualidades de uma fantasia com momentos de terror autênticos.”

    2 – O Solar das Almas perdidas – Lewis Allen (1944)

    “Vi esse filme com minha mãe quando ainda era criança. Foi minha primeira experiência com filmes de terror e foi a primeira vez que eu vi muitos maneirismos que viraram mais tarde trunfos de direção.”

    1 – A Sétima Vitima – Mark Robson (1943)

    “Com um clima pesado, luz atmosférica, e uma femme fatale gótica, é um conto pulp mas ao mesmo tempo um elegante cult de horror. Como não gostar?”

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | A Casa dos 1000 Corpos

    Crítica | A Casa dos 1000 Corpos

    House Of 1000 Corpses - poster

    A descrença agiu a favor de Rob Zombie. Quando o roqueiro anunciou uma dupla jornada profissional, agora como diretor de cinema, havia dúvidas quanto a um bom resultado. Imaginou-se que a direção seria um hobby passageiro e sem compromisso. Então, A Casa dos 1000 Corpos foi lançado.

    Escrita e dirigida por Zombie, a produção é, simultaneamente, uma homenagem explícita aos filmes antigos de terror e uma paródia que ri dos clichês mais absurdos do gênero. Com uma narrativa exagerada, destacada por personagens estranhos e histriônicos, a trama compõe uma espécie de retalhos que atravessa diversos estilos do terror.

    A premissa básica é aquela conhecida pelo público fiel do gênero: jovens adolescentes partem para uma viagem, e em algum momento da estrada o carro apresenta problemas, fazendo-os obrigados a pararem no local mais próximo para abastecer e reparar os problemas. Movidos pela curiosidade, interessam-se por uma lenda da região, um assassino em série chamado Sr. Satã e, enquanto aguardam uma peça do veículo chegar de outra cidade, permanecem na casa de uma família bizarra, a qual o público reconhece de antemão, formada por insanos, sádicos e outros tipos de desvio de personalidade característicos do cinema.

    Dentro deste cenário fundamental e excêntrico, a história transborda fundamentos do terror: adolescentes presos em casa à mercê de uma família de sádicos; rituais de bruxaria e sacrifício; possíveis canibais insaciáveis. Um exagero cênico que causa incômodo e demonstra como o terror possui regras próprias que, quando mostradas ao extremo, soam risíveis mas que, ainda assim, são diversão pura para o público.

    Intercalando cenas tradicionalmente filmadas com outras com excesso de distorções e efeitos especiais, a trama parece configurar duas visões da mesma história: uma aparentemente séria e um contra-filme que ri dos exageros cênicos comuns ao terror, formando, camada após camada de personagens assustadores, uma provável interpretação do título. 1000 corpos com 1000 maneiras diferentes de matar, de uma família que seria capaz de unir toda a bizarrice do terror em um só local. Neste cenário, há tanto cenas de morte bem dirigidas e impactantes quanto outras da vertente do terrir (o riso propositado, ou não, em meio aos sustos), com cenas em câmera lenta ao som de canções lentas, além de outros absurdos que demonstram a intenção da paródia.

    Zombie compõe um roteiro eficiente exercendo uma função tripla: homenagear o cinema das décadas passadas, rir de certos clichês do gênero, e ainda desenvolver uma boa história de Terror, com uma família de sádicos tão notável que inspirou uma sequência, Rejeitados pelo Diabo. Para um homem que se destacou pelo rock pesado, nascia um diretor com boa percepção técnica e uma interpretação suficientemente autoral para iniciar uma carreira no cinema e se destacar no gênero, com eficiência suficiente para impactar a indústria e ser convidado para realizar a boa releitura de Michael Myers em Halloween: O Início.

    A Casa dos 1000 Corpos é um épico do terror em sua mais alta potência. Sanguinolento, desenfreado e, consequentemente, também engraçado. A forma e contra-forma do estilo em um mesmo produto.

  • Crítica | A Última Premonição

    Crítica | A Última Premonição

    A Ultima Premonição - poster

    O Terror permanece como gênero popular no país. Tanto no cinema, quanto em home vídeo, novas produções, mesmo sem atores consagrados, são lançados, provando o prazer do público brasileiro pelo medo. No cinema, a Playarte Pictures faz do estilo uma das bases para suas estreias: em fevereiro, o austríaco Boa Noite, Mamãe entrou em circuito. Em Março, Adrian Brody estrelava Visões do Passado. Por mais que o interesse se mantenha em alta, o público cativo sabe normalmente o que esperar de uma produção do estilo. Há pouca novidade narrativa no gênero, dando vazão a uma repetição temática explícita que abusa de conceitos visuais de filmes anteriores, com um uso limitado para compor os mesmos tipos de susto.

    Dirigido por Kevin Greutert (Jogos Mortais 6 e Jogos Mortais – O Final), A Última Premonição com Isla Fisher não foge desta regra de pouca novidade, reciclando conceitos antigos em um roteiro simples e semelhante a outras histórias. Na trama, Fisher é uma jovem mulher que sofre um grave acidente. Enquanto se recupera, começa a ter estranhos pesadelos descritos pelos médicos como um trauma devido ao acontecimento. À procura de novos ares, a moça e seu marido se mudam para uma antiga vinícola e, sentindo a culpa pelo acidente, as visões voltam a aparecer deixando-a em risco.

    Em local naturalmente diferente da cidade em que viveram, inicialmente, a história suscita suspeitas e possíveis ganchos amedrontadores vindo deste ambiente desconhecido. O roteiro se mantém no limite entre uma possível loucura da personagem central e a referida premonição do título, recurso explorado em excesso em diversas produções mas normalmente mal realizado. Aqui a suspeita permanece no trauma da esposa e em uma possível alteração sensível devido à gravidez, fator cuja intenção é ampliar a fragilidade da moça.

    O argumento central, envolvendo as visões, é fraco, sem nenhuma nuance para causar sustos. Em uma história diminuta, a trama se esforça ao máximo, esticando seus ganchos até, inevitavelmente, inserir uma reviravolta após falhar em promover qualquer sensação de suspense. Novamente, a reviravolta se revela como um outro recurso repetido ao extremo atualmente, e necessário em certos filmes de terror como um apelo desesperado para causar alguma comoção no público. Nele se revela uma contradição no argumento, demonstrando que não haveria nenhuma necessidade de inserir uma premonição. A reviravolta, embora exagerada, tem maior força narrativa, embora inserida somente para causar certo suspense depois de uma trama fraca. Talvez se esta história fosse desenvolvida desde o início, o filme seria uma obra melhor.

    A Última Premonição demonstra o desgaste dos clichês do Terror e a necessidade de uma trama mais afiada para que o propósito inicial da trama, o medo, seja funcional. O enredo não é tão desequilibrado como outras obras recentes, mas não apresenta nenhum elemento que a destaque. Um destes filmes de fácil absorção e esquecimento breve.

  • TOP 10 | Vilões de Um Cinema Recente

    TOP 10 | Vilões de Um Cinema Recente

    TOP 10 - Vilões de Um Cinema Recente

    Nossos malvados favoritos dos últimos anos. Alguns são vilões por acaso, mas outros amam compartilhar o mal por ai, parece que vivem para isso. Faltou algum(a), abaixo? Só denunciar os vacilos da lista nos comentários, e vamos lá:

    10. Sr. Deveraux (Bem-Vindo a Nova York, Abel Ferrara) – “Você sabe com quem está falando?”

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    Personificação do capitalismo e a doentia cultura highlight, do tipo mais cruel e injusto possível, incorporando corpo a ponto de não ter mais alma num magnata impiedoso com seus (des)semelhantes, todos apenas vivendo para servi-lo e ser julgados, lá do alto da pirâmide. Um asqueroso e realista senhor do mundo, vendo todos como objetos ou obstáculos.

    9. Rosa (O Lobo Atrás da Porta, Fernando Coimbra) – “Ninguém vai fazer mal pra ela.”

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    A amiga querida, a vizinha que já é de casa, a falsa próxima e íntima demais para fazer mal a uma mosca, só que não. Incapaz de amar como uma verdadeira femme fatale faria, Rosa é o avesso das musas dos filmes noir americanos, é a mocinha que dorme com atestado de sociopatia debaixo do travesseiro e pior: Não reconhece sua própria loucura.

    8. Anton Chigurn (Onde os Fracos Não Têm Vez, Joel e Ethan Coen) – “Você está me vendo?”

    8

    É a cobra que mata sem fazer barulho, e mesmo sob pele humana, é aquém de sentir o peso do mal que acomete tal vivesse pra isso. Anton Chigurn, tal no livro de Cormac McCarthy, serve ao destino sem qualquer carga emocional sobre o bem e o mal além do instinto cavernoso de autopreservação; tudo sem prazer ou remorso nenhum… Será, mesmo?

    7. Coronel Hans Landa (Bastardos Inglórios, Quentin Tarantino) – “Bingo! Não é assim que vocês falam, bingo?”

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    Quando o poder ri dos seus próprios abusos cometidos, idolatrando a possibilidade de se auto-idolatrar. Hans Landa é a caricatura bilateral do poder que rege o mundo, ontem e hoje, sem prestar contas a ninguém, exceto ao destino que ajuda a conduzir, sem ao menos perceber, muito além da política que torna politicagem ao morder, risonho, sua própria cauda.

    6. Capitão Vidal (O Labirinto do Fauno, Guillermo Del Toro) – “É melhor você dizer a verdade…”

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    E se o outro abusa do poder, este é consciente da moral e ética que seu posto embute, e as estupra mesmo assim, sem dó nem piedade. Vidal não é caricatura: É a realidade filtrada pela ficção, tão desalmada quanto, às vezes, tratando de uma vilania em forma de unidade, soberba e totalitarismo como qualquer ditadura que se preze neste ou qualquer mundo.

    5. Daniel Plainview (Sangue Negro, Paul Thomas Anderson) – “Eu detesto a maioria das pessoas.”

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    Eis o predador que cai neste mundo para caçar, aproveitando dos recursos e da ambição humana naturais para erguer seu império de petróleo, negro e vermelho-sangue. Plainview é o Cidadão Kane sem medo de matar a anaconda e mostrar a árvore milenar que precisou destronar pra talhar seu arco e flecha. Casamento inevitável do mal com o poder.

    4. Kyung-Chul (Eu Vi o Diabo, Kim Jee-woont) – “Acho que vocês estão bem azarados.”

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    Típico personagem de Sergio Leone, sem passado nem futuro, inserido no reino asiático donde jorra o sangue sul-coreano, num vigor satânico para vingar uma vida de rancores, para enfrentar as mortes que o espreitam a cada vítima sequestrada… Para acalmar um espírito sujo pelo sangue coagulado que já o afogou num abismo existencial eterno.

    3. Mary (Preciosa, Lee Daniels) – “Quem mais iria me amar?”

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    A figura materna, segundo Freud e muitos por ai, motivo para tantos distúrbios a quem se submete à sua figura… Aqui, Preciosa teria tudo para se tornar a próxima Rosa dessa lista. Mary, sua adorável mamãe, sente uma fome insaciável de vingança do bebê que nutriu, indo além: Sangue do seu sangue, pra ela, é a pior danação que uma mulher pode carregar.

    2. Mad Dog (Operação Invasão, Gareth Evans) – “Não gosto de revólveres, essas são minhas armas. Minhas mãos… meus punhos!”

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    Quando você olha para ele, suado, machucado e olhos negros, vocês sabe que coisa boa não é. Quando ele prova em 3 segundos o que é capaz, um Jet-Li demoníaco vindo das profundezas, você entende porque o pequeno é chamado de Mad Dog. Com seu coração certamente retirado a sangue-frio do peito, quase imortal, sua perversidade chega a ser indecente.

    1. O Coringa (O Cavaleiro das Trevas, Christophen Nolan) – “Eu sou um homem de palavra…”

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    Justiça, por favor. O vilão máximo da cultura pop, num uníssono opinativo de clamor por um simbolismo que comprime, mesmo após tantas revisões, um brilho ao maléfico que torna verossímil a presença de um mal absoluto, corrompendo todos os outros vilões desta e de tantas outras listas. O Coringa é a resposta do inferno ao tédio das harpas do paraíso.

  • Crítica | Demon

    Crítica | Demon

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    Galgando pela história dos gêneros cinematográficos, os filmes de terror tiveram um papel de extrema importância na afirmação popular do medo como objeto quase palpável, a favor de uma experiência válida para entender todas as veredas de uma arte, e não apenas as mais confortáveis. Mediante a eterna luta entre público e crítica, é do conhecimento geral da nação que poucas produções conseguiram atingir o respeito e a volúpia generalizada que o diretor William Friedkin conseguiu garantir a O Exorcista, o grande legado de sua exímia carreira de teoremas e provocações. A história da jovem menina, aos poucos possuída espiritualmente, só ganha força à medida que o gênero, e o cinema em geral, ganhou mais rapidez em produzir um sem-número de filmes de qualidade similares, tais que 40 anos depois continuam a tentar copiar (e até mesmo superar) o triunfo cultural e extra-tela de 1973.

    Uma nota histórica é válida: O Exorcista veio para formar e principalmente influenciar uma geração inteira de grandes nomes, mundo afora, que não titubeiam em reafirmar isso. Talvez a proeza do clássico se reside mais acolá, na importância maior do aprimoramento da arte, elitizado ou não, do que no debate de seu valor – para alguns discutível, para muitos absolutista. É por isso que, quando um filme como Demon, banalizado pelos próprios temas que tenta discutir (e não consegue, pois sua ficção e mitologias baseadas em símbolos do horror e suspense já não convencem há algum tempo) nasce e vem ao público, tentando fazer barulho como fez A Bruxa, de 2016 (um horror bem acima da média), já reconhece suas limitações, sua incapacidade de reciclar conceitos numa história fraca, e aposta no estilo de cinema tradicional mais previsível possível para não se comprometer demais, e passar vergonha depois, é claro.

    A surpresa, mesmo, e o que faz valer a pena de assistir a Demon vem só depois da metade do filme, antes lotado de diálogos bobos e expositivos que não chegam a lugar nenhum, quase, apenas estabelecendo contexto para as situações-chave do filme: uma visão fria e congelada de um inferno familiar (em parte, oriunda da graça de uma fotografia inteligente). Um filme que demora para explorar seu potencial, como praticamente todo terror dos anos 2000, vide exceções, tais como Martyrs, Atividade Paranormal, o sueco Deixa Ela Entrar ou o brasileiro A Encarnação do Demônio, do retumbante mestre Zé do Caixão.

    Porém, quando o tal demônio do título realmente se manifesta numa festa de casamento, com personagens saídos de algum dos sombrios filmes de Roman Polanski, um interessante e semi-desconfortável estudo de gênero começa a se formar, fluindo entre o drama, a comédia e o suspense de um filme que cresce, mas cresce às custas e à medida que aposta no poder da abordagem, ou seja, quando assume o experimentalismo formalista que o diretor Marcin Wrona propõe para uma história – de clima realmente frio, de dar calafrios – curiosa e muitas vezes religiosa e socialmente desafiadora – depende muito do tipo de espectador que você ainda é. Talvez seja esse o verdadeiro horror dos anos 2000: desafiar os valores da plateia que não se assusta mais com demônios ou banhos de sangue, mas ainda se escandaliza com a desvalorização de uma família ou cultura considerada imperturbável e eterna.

  • Resenha | O Vilarejo – Raphael Montes

    Resenha | O Vilarejo – Raphael Montes

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    Depois de seus dois thrillers, Suicidas – bom, mesmo com as falhas naturais de um autor iniciante – e de Dias perfeitos – cujo final boa parte dos leitores achou detestável – Raphael Montes apresenta ao leitor uma coletânea de contos de terror numa estrutura fix-up. A denominação é gringa mas quer dizer simplesmente que os contos são independentes entre si, mas interligados por um ou mais elementos, podendo ser lidos na ordem que o leitor preferir. Realmente, podem ser lidos em qualquer ordem, mas em O Vilarejo o mais indicado é deixar o último por último mesmo.

    São sete histórias curtas, cada uma delas enfocando um dos moradores do vilarejo e tratando de um dos sete pecados capitais. Montes faz uso de um recurso narrativo já conhecido, mas sempre interessante, afirmando que traduziu manuscritos em que constava referência a um teólogo alemão – Peter Binsfeld – que realmente existiu e escreveu sobre a classificação dos pecados, relacionando-os a demônios.

    “De acordo com seu trabalho, cada um dos demônios, os Sete Reis do Inferno, era responsável por invocar um pecado capital nos seres humanos: Asmodeus (luxúria), Belzebu (gula), Mammon (ganância), Belphegor (preguiça), Satan (ira), Leviathan (inveja) e Lúcifer (soberba).”
    (pag.8)

    Obviamente é uma honra ter seu nome citado junto ao de Stephen King na mesma frase (na capa), porém, sem querer desmerecer o autor, exceto pelo fato de partilharem do mesmo gênero, o terror, a comparação com King é um tanto quanto exagerada. Seja pela produção de Montes, parca em relação a de King, seja pelo estilo. Enquanto King é bastante descritivo, quase prolixo, Fontes é bem mais econômico nas palavras, tem um texto mais seco e, portanto, mais dinâmico, sem delongas.

    Os demônios nomeiam os capítulos, que tratam do pecado a eles relacionado. É interessante perceber como as histórias se entrelaçam, como o caminho dos personagens se entrecorta. Sob esse ponto de vista, as narrativas estão bem estruturadas. Contudo, em relação à construção de cada conto há algumas lacunas que poderiam ter sido melhor “preenchidas”, isto é, trabalhadas. Em três deles, o desfecho pode ser apreendido bem antes de revelado pelo autor – algo que, num texto tão curto, chega a ser brochante. Mas no geral, os textos se completam bem e algumas passagens são bastante chocantes, para não dizer indigestas.

    Vale destacar o projeto gráfico. As gravuras de Marcelo Damm que ilustram cada conto são impressionantes e complementam o clima sombrio das histórias. É um livro que possivelmente agrada mesmo aos leitores não habituados ao gênero.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | O Demonologista – Andrew Pyper

    Resenha | O Demonologista – Andrew Pyper

    O demonologista – Andrew Pyper

    O primeiro destaque que chama a atenção em O Demonologista foi o design do livro. A editora Darkside Books teve um cuidado absurdo em sua apresentação: a capa que simula uma encadernação artesanal que sofreu a exposição ao tempo, as folhas de rosto e páginas de ilustração, tudo aquilo me encheu os olhos no primeiro contato e foi se tornando melhor a partir do momento em que percebi que havia um diálogo estreito com a história a ser contada. Na trama de Andrew Pyper, O protagonista David Ullman denomina a si mesmo como o homem dos livros velhos. Especialista em mitologia cristã, ele leciona literatura na Universidade de Colúmbia e passa horas debruçado sobre O Paraíso Perdido de John Milton.

    Logo de início fica evidente que o momento em que se passa a história não é um recorte qualquer de sua vida, mas simplesmente a pior crise que já enfrentou. Dono de uma natureza inegavelmente prática, David tem que enfrentar a ruína de seu casamento, as dificuldades em relação à filha adolescente e a morte iminente de sua melhor amiga. A personagem não se sente confortável na própria pele. Um cético que se entrega a encontrar a lógica em narrativas de fé, um homem prático defendendo ideários românticos, alguém amargurado e deprimido que não quer aceitar a derrota em seus relacionamentos mais significativos.

    O terror intensamente presente no livro é representado enfocando um homem que perde tudo o que lhe é caro, inclusive sua mente, do que na figuras de demônios capazes das maiores proezas. Nem por um segundo acreditei que o protagonista estivesse mesmo em contato com estas forças ocultas, e me perguntei várias vezes se essa leitura da obra se devesse apenas por eu ser extremamente cética. De qualquer forma, a sutileza de Pyper parece privilegiar essa interpretação mais realista da história de Ulmman, o demonologista do título.

    Mas não se engane: dizer que o autor é sutil não significa que você não vá temer e ter calafrios. Embora não tenha desenvolvido medo repentino dos caminhos escuros, os recônditos de minha mente nunca me pareceram tão assustadores. Com a elegância de um musicista, o autor faz de cada capítulo mais sombrio e perturbador, explorando os medos mais elementares: ser traído, ficar sozinho, não conseguir se conectar com quem lhe é caro, perder as mais duras convicções. Os terrores diante da inevitabilidade da morte, da ameaça constante da loucura, da força inesperada de uma decepção, são dignos demônios que fazem dessa narrativa tão impactante. Outro diferencial da narrativa são os momentos de grande emoção. Foi uma surpresa me conectar tanto com os personagens de uma narrativa de terror a ponto de chorar com eles constantemente.

    Apesar de O Demonologista ser o primeiro livro publicado no Brasil, Pyper já lançou seis livros, entre eles o aclamado Lost Girls (1999), vencedor do Arthur Ellis Award e The Killing Circle (2008), eleito o melhor romance policial do ano pelo New York Times. Três romances de Pyper tiveram seus direitos vendidos para adaptação no cinema, inclusive esta obra, que deve chegar ao cinema com a direção de Robert Zemeckis, responsável pela trilogia De Volta Para o Futuro, o que me faz ter esperança que logo veremos mais publicações do autor no Brasil.

     Compre: O Demonologista – Andrew Pyper

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | A Entidade 2

    Crítica | A Entidade 2

    A Entidade 2 - poster

    Dando sequência a narrativa de A Entidade, produção de 2012 com Ethan Hawke no elenco, a abertura deste novo filme mantém o conceito do anterior ao apresentar uma cena de assassinato ritualístico como primeiro impacto, demonstrando que ambos os são parte de um mesmo produto.

    A trama de Entidade 2 tenta fugir da repetição da formula anterior desenvolvendo um personagem central em paralelo com a nova família que será perseguida pela divindade sobrenatural. O detetive (James Ransone), presente na primeira história como um coadjuvante que ajuda o escritor Oswalt (Hawke) em sua pesquisa, retorna para dar continuidade as investigações a procura de descobrir quem é a figura misteriosa presente em diversas cenas de crime. Reconhecendo estar diante de uma entidade sobrenatural, o ex-policial tenta romper a maldição destruindo as casas que foram palco dos assassinatos e, em uma delas, encontra Courtney, uma mãe solteira que foge de um marido agressivo com seus dois filhos gêmeos.

    Mesmo evitando a repetição temática, o roteiro cai em outra armadilha do gênero ao ampliar a mitologia do personagem sobrenatural apresentando um grupo de crianças mortas que dialogam com os gêmeos da moça. São eles que convidam os garotos a assistirem os filmes com os assassinatos anteriores para iniciá-los. Porém, os filmes apresentados são diferentes daquelas da primeira produção, bem como o projetor que os exibe, fazendo-nos inferir que se trata de uma outra entidade, ou um grupo da mesma entidade, ou de um ser capaz de trabalhar simultaneamente em sua sede de almas juvenis.

    O referido Boggie Man nem mesmo aparece em cena, como se esta produção fosse um roteiro de terror genérico adaptado para esta sequência como chamariz do público, afinal, um produto já conhecido anteriormente tem sempre maior aceitação do que um inédito. Se na primeira história o escritor investigava e descobria o ser sobrenatural, nesta, a qual o público já o conhece, as crianças são o fio condutor que leva até a entidade.

    Além de apresentar incongruências quanto à linha temporal destes assassinatos, um fato bem fundamentado anteriormente, a ampliação da mitologia exagera ao colocar como padrão outros elementos além dos explorados. Uma situação que faz um rádio com uma gravação antiga surgir em cena para provocar sustos, demonstrando como esta nova história parece um produto qualquer que foi formatado para se tornar uma sequência.

    Como também acontece com continuações, as mortes se tornam mais elaboradas. Os vídeos assistidos pelas crianças trazem mais violência e tortura nas mortes e, embora tais encenações sejam eficientes e assustadoras, contém uma incoerência natural se refletirmos como tais mortes foram feitas, filmadas e nunca houve nenhuma investigação a respeito.

    A tentativa de fugir do conceito da primeira produção traz um argumento levemente modificado que falha por suas incoerências em relação aos fundamentos da primeira história. Sem a presença de nenhum grande ator, A Entidade 2 se beneficia somente pelo pouco prestígio que conquistou anteriormente mas é incapaz de assustar um público que sabe em quais momentos surgirá picos de tensão.

  • Crítica | A Entidade

    Crítica | A Entidade

    A Entidade - Poster

    O terror psicológico se tornou a principal demanda no gênero de terror no cinema americano, com uma gama de lançamentos anuais que transitam pelo mesmo tema de sustos fáceis com argumentos semelhantes entre si. Dirigido por Scott Derrickson, cuja carreira é predominantemente dedicada ao gênero com Lenda Urbana 2, O Exorcismo de Emily Rose e uma sequência de Hellraiser no currículo, A Entidade obtêm certo destaque devido a presença de Ethan Hawke.

    Na trama, Ellison (Hawke) é um escritor de romances policiais baseados em casos reais de assassinato. Há anos sem lançar um best seller, o autor se muda com a família para um casa que foi palco de um crime. No sótão da casa, descobre antigos rolos de filmes com rituais de assassinato em que um estranho símbolo está presente em todas as cenas.

    A primeira metade da produção se desenvolve mais próxima de uma investigação com um escritor a procura de seu novo romance de ficção explorando uma série de crimes interligados. A história que entrelaça-os é bem conduzida pelo estranhamento da situação e os registros antigos de cada crime, possibilitando uma boa trama policial se esta fosse a intenção. Como se trata de um filme de terror, o espaço para o misticismo entra em cena ao abordar um deus pagão da Babilônia que se alimenta da alma de crianças.

    Com um figurino que não deve nada a um vocalista de Death Metal, a personagem é inferida para causar o medo sobrenatural na trama, uma entidade de condução que surge aos poucos até arrebatá-las, dando margem para as cenas padrão de portas se movimentando, crescente paranoia da personagem central até o momento dramático das mortes.

    A produção demonstra que o cinema de terror atual está longe de preferir predadores reais mesmo que o argumento possa ser crível para tal – um assassino serial ou uma seita assassina, por exemplo. A tendência evidencia que é preferível inserir elementos mitológicos e malévolos para que o medo venha do desconhecido que deturpa a realidade. Até mesmo a execução das fitas antigas é outra tendencia atual, fazendo dos registros amadores uma espécie de plot twist, revelando assassinatos, possessões e afins.

    Como o impacto é sempre necessário, a trama fecha seu enredo mas também insere um possível argumento para uma sequência, um plano estabelecido para, caso o público receba bem a produção, seja mais fácil realizar um segundo filme.

    Compre: A Entidade (Dvd | Blu Ray)

  • Crítica | Atividade Paranormal: Tóquio

    Crítica | Atividade Paranormal: Tóquio

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    Declaradamente uma versão asiática do filme de estreia de Oren Peli, Atividade Paranormal – Tóquio se inicia momentos após o primeiro filme, com a chegada de Haruka Yamano (Noriko Aoyama), uma estudante cadeirante que fez intercâmbio em San Diego e que voltaria a sua terra, o Japão. O filme, lançado em paralelo com o segundo, teve lançamento primeiro no oriente, e mostra um curioso irmão, chamado Koichi, vivido por Koi Nakamura, cujo hobby inclui filmar toda a rotina familiar.

    O grande “vilão” do spin-off é a ausência paterna, já que os jovens são praticamente abandonados pelo patriarca, mesmo com a recuperação de sua filha, que somente conseguiria voltar a andar depois de seis meses. A perda maior em comparação com o original é a completa falta de química entre os pretensos irmãos, não havendo sequer a desculpa de assistir a um casal recém-unido como atrativo para prender a atenção do público.

    Toshikazu Nagae dirige o longa, que visaria o revide às muitas adaptações de terror que cruzam o mundo, entre Japão e América do Norte. Mas a ideia de revanchismo não passa da premissa e se apresenta fraca e repetitiva, com pouco a acrescentar além do original. O único aspecto realmente diferencial do filme executado no ano anterior é a utilização de uma segunda câmera, posta no quarto do rapaz, que ajuda a estabelecer uma bifurcação narrativa que se demonstra vergonhosa pela completa falta de nuances no comportamento dos personagens.

    Com o passar das horas, as cenas se repetem, aparentemente só sendo filmadas para ocupar o tempo mínimo de tela para ser considerado um longa-metragem. Logo Koichi se lança em pesquisas na internet a respeito do “diabo”, um conceito não presente no ideário japonês em praticamente nenhuma das religiões conhecidas entre o povo. A solução de arranjar uma cruz para executar uma espécie de expulsão das más influências é fácil, banal e estúpida, combinando em nada com a proposta de terror comumente vista nos filmes do país.

    Não há acréscimo de quase nenhum espectro de susto ou temor. Os vidros se estilhaçam sozinhos, madeiras entram em auto combustão, os corpos dos possuídos permanecem inertes, as câmeras são jogadas pelo chão. Não há perspectivas de novidade, tampouco de melhora do nível de qualidade tanto de trama quanto de direção. Ao que se assiste, é uma cópia ruim de um produto já enfraquecido, que não permite sequer atemorizar o espectador.

    Compre: Atividade Paranormal: Tóquio

  • Crítica | Goosebumps: Monstros e Arrepios

    Crítica | Goosebumps: Monstros e Arrepios

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    A começar por um drama tipicamente adolescente, Goosebumps: Monstros e Arrepios, filme do diretor de animações Rob Letterman (responsável por Monstros vs. Alienígenas e Espanta Tubarões) adapta o seriado homônimo que tem como foco histórias infantis de antologia envolvendo elementos de histórias de terror com uma abordagem para um público muito moço.

    Zach Cooper (Dylan Minnette) acaba de se mudar com sua mãe para uma nova cidade pequena, pessimista em relação ao que o futuro lhe reservava. Logo, ele se interessa pela bela Hannah (Odeya Rush), sua vizinha, filha de R. L. Stine – autor real dos livros de Goosebumps, interpretado pelo mesmo Jack Black que protagonizou o filme As Viagens de Gulliver, também dirigido por Letterman. Logo, mistérios começam a ganhar a tela, como as criaturas que atormentavam os infantes nos livros de Stine, e Cooper junto ao seu novo amigo, o atrapalhado Champ (Ryan Lee), começa a suspeitar de Stine, primeiro achando-o um charlatão, para depois perceberem um segredo ainda mais bizarro.

    A  reverência que o filme presta à figura do autor é merecida, já que além de escritor dos livros, e consequentemente colaborador de roteiros e argumentos, Stine ainda servia de host do programa de TV que ia ao ar nos 1990. A trama mostrada em tela é repleta de piadas pueris, não agressivas em sua maioria para o público um pouco mais adulto, mas também não tão engraçada para as crianças. A trama segue morna, até a chegada da primeira meia hora, quando finalmente é percebida toda a motivação do chamado da aventura, já que Stine guarda as criaturas que protagonizam seus escritos dentro dos originais que esconde no porão.

    A construção em torno do protagonista mais velho é interessante, amarra bem os demônios de seu passado, aderindo a si uma aura de complexidade poucas vezes vistas em comédias rasgadas. As criaturas mágicas são muito bem construídas, com efeitos especiais excelentes. Quase todas acrescentam camadas interessantes à trama, muito além da simples desculpa visual para executar qualquer loucura, especialmente a figura do boneco Slappy, presente no seriado e também dublado – maravilhosamente – por Jack Black, que em quase todas as suas participações consegue fugir do histrionismo que o tornou insuportável em seus últimos filmes.

    Apesar de conter alguns problemas de ritmo, o filme funciona muito bem como comédia em torno da paródia biográfica, concentrando graça e carisma em seus vilões e nos personagens veteranos, quase compensando a falta de Zach e sua namoradinha. Até o recurso metalinguístico barato, presente no embate entre Zappy e seu “criador” e próximo do desfecho, soa interessante.

    A escolha de palavras para as emoções conflitantes de Stine é mal pensada, pois não deveria ser a revolta que o fez criar seus monstros, e sim a rejeição que sentia desde a infância. Tirando esse mal elemento, a motivação das duas faces do personagem de Black é plenamente crível, resultando em um acerto poucas vezes visto. O desfecho do famigerado casalzinho é tosco, brega e possui uma solução muito fácil e já esperada, mas o resultado final vale o esforço, com um gancho para uma continuação cumprindo a proposta do professor Stine, de que toda a história precisa de um início, meio e uma reviravolta, ainda que este último aspecto não seja tão interessante quanto o restante.

  • Resenha | Caixa de Pássaros – Josh Malerman

    Resenha | Caixa de Pássaros – Josh Malerman

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    Mesmo no preâmbulo da história contida em Caixa de Pássaros, não há qualquer menção a tranquilidade. O romance de Josh Malerman utiliza seu ponto de partida como um lugar comum onde a tensão e sensação de tragédia coabitam harmoniosamente, interferindo nos desígnios e prospectivos de vida de Malorie e seus dois filhos. O senso de urgência faz a família fugitiva estar apta para sobreviver, mesmo os infantes sabem exatamente o que fazer, e não demoram a sair da letargia e partir para ação. Tal perspectiva rasga o coração da mãe, que enxergava no comportamento de seus filhos, o ideal de curiosidades com a vida, e não necessariamente o temor por ela.

    O estado do mundo é calamitoso, e aos poucos revelados. O que se sabe no início do conto é que uma violência atroz acomete os humanos que cruzam as ruas sem vendas nos olhos, com atos de violências capazes de causar morte, tumulto e muitos atos de ódio. Após morar um tempo em uma casa abandonada, a beira do lago, Malorie deseja alcançar um lugar seguro, um refúgio, chamado de santuário, mas que está distante demais de sua localidade atual.

    No convívio com outros homens é demonstrado que sua paranoia de Malorie não é algo isolado, ainda que o perigo que os cerca seja ainda não revelado, permanecendo na mente do leitor como um vulto, distante de ganhar contornos reais. O perigo prático deles incorre sobre a dificuldade em manter suprimentos, especialmente aos que sofrem de vícios com bebidas e cigarros, já que em estado de sítio, achar tais bens torna-se uma hercúlea tarefa. Quase tão assustador quando a ação das criaturas, é a condição de completo abandono das cidades e lugares antes habitados. A descrição que Malerman exibe, descreve um retrato semelhante a aridez que predomina em outros cenários póstumos ao fim da civilização, como Mad Max, Livro de Eli e Eu Sou A Lenda, piorado e muito pelo protagonismo materno, que teme por si e principalmente por seus herdeiros, lamentavelmente lançados em um ambiente hostil demais.

    As tentativas de fuga deixam marcas nos personagens, mesmo quando são bem sucedidos. Os hematomas que causam dor nos membros inferiores servem como lembrete da mortandade que se aproxima. A catástrofe paira sobre a cabeça das personagens, usando a gravidez de Malorie como função narrativa para aumentar a urgência na tentativa de escapar daquele cenário hostil, piorando a situação quando um parto se vê prestes a acontecer.

    Caixa de Pássaros se baseia em um terror evocando uma estranha criatura, que ajuda a tornar ainda mais ambíguo o sentimento materno, já que as intenções do “monstro” também são ligadas ao cuidado da cria. O conjunto de alegorias é muito grande, apesar de óbvias, especialmente no que tange o uso das vendas oculares para salientar a alienação do mundo, tanto o particular do livro de Josh Malerman, quanto com a sensação de que o perigo não mais habita a rotina dos personagens, mas que pode retornar a qualquer momento, paralelo fundamental com a realidade contemporânea, em especial a cenários reais que já tiveram em situações catastróficas.

    Compre: Caixa de Pássaros: Josh Mallerman

  • Crítica | O Presente

    Crítica | O Presente

    O Presente - Poster

    Mesmo com a diluição de gêneros cinematográficos, o Terror continua se mantendo firme dentro de sua esfera narrativa e, anualmente, é responsável por diversas produções lançadas em nossos cinemas. Distribuído pela Playarte Pictures, O Presente marca a estreia do ator e roteirista Joel Edgerton na direção. Responsável pela adaptação do roteiro de The Rover – A Caçada, a produção dirigida, roteirizada e estrelada pelo australiano, ao lado de Jason Bateman e Rebeca Hall, segue a fórmula de um estilo característico do Terror: a presença incômoda de um estranho que modifica a rotina familiar.

    Na trama, Simon (Bateman) e Robyn (Hall) se mudam recentemente para Chicago a fim de um recomeço e reencontram um antigo colega da escola de Simon, Gordo (Edgerton). Após um contato inicial amigável, a personagem se torna presença constante na vida do casal, mas é vista como um incômodo. Após pedidos de que se afaste, o conflito se intensifica e um segredo do passado corrompe a relação harmônica do casal.

    Diante de um cenário cuja temática é comum e repetida ao extremo em outras produções, Edgerton tenta contornar a situação modificando o vilão aparente. A primeira hora de produção se desenvolve no conflito entre a família e o estranho que se torna cada vez mais inoportuno. Gordo é representado como a figura parcialmente carismática e irritante que incomoda o casal por se sentir solitário ao mesmo tempo que tem admiração genuína pela relação. O terror, então, cede espaço para um drama que reflete a condição do estranho e o segredo compartilhado entre Simon e ele, analisando a relação de colégio das personagens, onde o bullying foi parte fundamental.

    Este recurso ocupa parte da história e, mesmo gerando um conflito no casal, quebra a barreira plana do terror desenvolvido até então. A personagem de Simon adquire contornos vilanescos e parece evidente a intenção de explorar o efeito dramático da relação anterior das personagens, mesmo que a história seja voltada ao terror com vícios narrativos comuns ao gênero.

    Como um suspense, o roteiro se mantém até esta modificação na história, quando o impacto da personagem se perde e o drama serve somente como conflito entre o casal para uma reviravolta artificial e chocar o público. Sem nenhuma sutileza, o desfecho parece uma obrigação do roteiro, como um pré-requisito para um suspense psicológico, uma história que o espectador assistiu anteriormente em outras versões melhores.