Começando como um arquivo em vídeo em formato web que parece não estar totalmente funcional, Amizade Desfeita é um longa-metragem de terror dirigido pelo cineasta da Georgia Leo Gabriadze, que depende bastante do seu formato como conversa da internet para funcionar. O mote do roteiro se baseia na invasão de privacidade e evasão de informação pela Internet.
O início do filme mostra conversas de adolescentes via skype, primeiro de um casal se desnudando na frente um do outro, para depois tornar-se uma vídeo-chamada em grupo, onde seis adolescentes falam sobre as bizarrices escolares, focando especialmente no caso de Laura Barns, uma menina que teve um vídeo íntimo vazado e que se matou após isso. Aparentemente os perfis de redes sociais dela foram hackeados, o que causa furor em meio aos adolescentes, piorando quando percebem que seu avatar no Skype está na conversa, e quando fotos privadas dos mesmos começam a cair nas redes sociais abertas.
Aos poucos a situação se agrava, com o desaparecimento dos jovens um a um, e um mistério que consegue driblar inclusive a vigilâncias das webcams que estão sempre ligadas. Problemas técnicos de má conexão ajudam a manter a aura de suspense acesa e cenas grotescas e violentas ocorrem, vitimando os juvenis bem ao estilo dos slasher movies.
Com o decorrer do longa, a confiança dos amigos começa a ser minada entre eles mesmos, através de uma temática baseada no falso moralismo e no conservadorismo que supostamente não deveria estar no comportamento deles, mas que se torna gritante diante dos segredos descobertos. O stress causado pelas revelações joga os rapazes em um nível de passionalidade absurdo, algo que é agravado pela abordagem semelhante a de Jogos Mortais.
Amizade Desfeita é um filme que depende fundamentalmente de seu formato para ser certeiro, se valendo de uma fórmula bastante barata, que se apropria de uma história simples e que não precisa sequer de muito aprofundamento nos personagens, já que se utiliza apenas de arquétipos.
A gravidade não está no filme em si, mas na possibilidade de se tornar uma franquia como a de Atividade Paranormal, onde basicamente se reciclam os mesmos elementos rumo a eternidade, sem nada a acrescentar, nem a proposta e nem ao ideário de filmes de horror. A produção é um exercício de suspense interessante de Grabiadze, com um frescor que está bastante em falta no cenário de terror mainstream atual.
Repetindo a mesma estrutura narrativa de outros filmes do gênero, com câmeras filmadas de maneira amadora, estilo found footage, A Possessão do Mal apresenta poucos elementos inéditos mas se destaca pelo personagem central, Michael King, uma figura descrente de qualquer religião e, por consequência, possessões e outras manifestações diabólicas.
Após perder a esposa em um acidente, King questiona os fatos que levaram à morte da esposa, principalmente devido a um conselho dado por uma cartomante de não realizar uma viagem programada e permanecer na cidade. Questionando-se se existe uma visão superior ou outros planos, a personagem realiza experimentos à procura de contactar espíritos de alguma maneira possível.
Documentando 24 horas por dia, a personagem vai até especialistas diversos à procura de contato, partindo desde referências visuais de objetos que popularmente configuram como assombrações a possíveis iniciados no ocultismo e necromancia. Após estes contatos, King nota mudanças em sua vida, uma falta de controle que cresce cada vez mais sem explicação.
A incredulidade é o melhor argumento desta história, produzindo um personagem reticente, tentando lutar contra essas forças e registrando cada sensação nova, como vozes, manifestações sonoras e outros recursos conhecidos dos clichês de terror. Mesmo sem acreditar em possessões, Michael sabe que está sendo afetado por algo inexplicável. A brevidade do filme e a intenção de sempre promover cenas de suspense ou ação mantêm a atenção do telespectador, mesmo que este reconheça que qualquer estilo dessa fita já foi visto em produções anteriores. Como uma história feita, basicamente, por um único personagem, o público se torna o mensageiro de suas gravações e compartilha a aflição de não compreender as manifestações físicas que aumentam cada vez mais, fazendo-o perder o domínio de suas ações e do próprio corpo.
Não há nenhuma intenção em promover alguma novidade e, talvez pela ausência de tentar qualquer grande narrativa, a história cumpre seu papel com os aspectos primordiais do terror, provocando tensão e susto de maneira eficiente. Não será um filme a ser lembrado a longo prazo, mas ao menos não entrega uma história apática como muitos outros lançamentos do gênero.
Raras são as produções de terror que não somente fazem uso dos clichês naturais de um repertório como são capazes de potencializar seu fracasso em uma mistura de argumentos diferentes entre si mal vendidos pelo material de divulgação.
Em Renascida do Inferno, o roteiro de Luke Dawson (Imagens do Além) e Jeremy Slater (Quarteto Fantástico – 2015) parece unir dois argumentos distintos em uma mesma narrativa. A divulgação promocional vendeu a produção como um terror de possessão, a qual uma entidade, após a morte acidental da pesquisadora Zoe (Olivia Wilde, atriz de maior calibre da produção) e uma fórmula experimental que a traz de volta a vida, de alguma maneira, modifica sua personalidade. Na realidade, porém, a história justifica as transformações do soro por uma reconstrução cerebral que ampliaria a percepção do paciente e, com isso, lhe daria poderes sobrenaturais como telecinésia e outras capacidades limitadas ao humano comum.
O Lázaro do título original, refere-se ao personagem bíblico ressuscitado por Jesus Cristo. Além da personagem central católica e de um pesadelo recorrente com um incêndio devido a um trauma da infância, não há nenhuma outra inferência que permitira o inferno no título brasileiro, se não a demonstração de como a produção foi vendida equivocadamente para distribuição mundial.
O cruzamento de signos sem significado tentam explorar vertentes distintas do terror sem nenhuma eficiência. Não há nenhuma possessão na trama, mas muitas cenas são compostas a semelhança de outras possessões vistas no cinema: olhos que se tornam enegrecidos, modulações de voz, contorções comporais. Efeitos que não produzem sentido direto com o que a própria narrativa postulou anteriormente. Como se ao unificar dois conceitos dispares o elemento amedrontador seria exponencialmente ampliado. Porém, falha em dobro.
Mais assustador que a história em si é observarmos como um argumento mal delineado conseguiu se tornar um lançamento cinematográfico. Mesmo que o terror seja a manipulação direta de uma emoção primitiva, a execução destes sustos devem ser apoiadas em uma trama, mesmo que mínima. Não só a qualidade das produções contemporâneas dá margem para reflexão sobre o mercado atual como a qualidade de seus roteiristas, afinal, como Slater foi convocado para colaborar no roteiro do novo Quarteto Fantástico se parece desconhecer propriedade básicas e fundamentais para o desenvolvido de uma história? Nem mesmo a duração de 1h23 faz esta experiência mais agradável.
O game jogado pelo pequeno Griffin Bowen (Kyle Catlett) precede a mensagem que seria o mote da nova versão do clássico dos anos oitenta de Steven Spielberg e Tobe Hooper, Poltergeist: O Fenômeno. O incômodo principal começa pela enorme duração desta versão, além de artifício que resulta em uma fita que banaliza por completo o gênero de terror.
A cena citada logo no início desvela não intencionalmente o quão contraditória é a covardia do filho do meio, sendo o rapaz peça-chave de uma engrenagem familiar mal construída e repleta de clichês. Ao invés de situar o público em arquétipos universais, o roteiro de David Lindsay-Abaire se mostra confuso, com dificuldade em dar importância aos dramas alheios. A experiência do escritor em filmes como A Lenda dos Guardiões e Robôs ajuda a explicar a extrema infantilidade, os sustos e a inocência das cenas de ação.
Sam Rockwell faz Eric Bowen, um patriarca deprimido, resignado e desempregado, que pilota a nave familiar rumo a uma casa suburbana, em um bairro mal quisto pelos moradores da cidade, se isolando de praticamente todos os familiares, amigos e possíveis colegas de trabalho. Mais estranho do que esse background é a quantidade de cor saturada que predomina nos cenários, além do excessivo humor nos trejeitos de Rockwell, como no contexto da obra em geral, que reduz o espectro do medo a quase zero.
A parte assustadora se concentra na desenfreada gritaria do menino, um personagem irritante, chato e escandaloso, ainda mais covarde e fraco que o rapaz do filme original. Seu discurso gera tanto enfado que todos os seus reclames são prontamente ignorados, mesmo quando os espíritos formam equivalentes a castelo de cartas com revistas em quadrinhos.
Sam Rockwell e Jared Harris falham ao tentar dar credibilidade ao remake, especialmente pela pouca inspiração de ambos e pela total displicência com o argumento final. Ambos se mostram apáticos em relação ao drama das personagens, e o elenco parece coadjuvante diante dos muitos aparatos tecnológicos, que fazem lembrar um comercial publicitário bem pobre.
O abusivo uso de CGI, em cenas sem o menor impacto visual aumenta a sensação de que o filme é uma paródia mal feita, orquestrada pelos irmãos Wayans. Gil Kenan já havia feito uma animação de tema semelhante, até mesmo em A Casa Monstro ele consegue emular mais elementos de terror do que neste. Sequer o argumento antigo, unindo a possibilidade dos pais lançarem mão de alucinógenos, é inserido nesta versão, resultando em um filme de horror para toda a família, por mais contraditório que isso seja.
Falta alma e substância. Mesmo os péssimos filmes de Marcus Nispel, e mesmo o novo Carrie: A Estranhaconseguem trazer mais novidades que essa versão. O desfecho mostra uma explicação sobre o modo de operar dos espíritos, evocando novas diretrizes, jamais vistas e nunca provadas. Poltergeist: O Fenômeno mais parece um pastiche do original, já que até sua cena pós-crédito remete à comédia, resultando em um dos espécimes mais patéticos do cenário de filmes de terror.
Em seu terceiro e último ato, o diretor Tom Six – a mente doentia por trás da criação da centopeia humana -, leva sua trama de horror grotesco para outro patamar. Se o primeiro filme era uma história simples de um médico louco vivendo em local distante para realizar experiências, e A Centopeia Humana 2 caracterizava uma leitura desta trama com um sádico tentando recriá-la, A Centopeia Humana 3 novamente corrompe as percepções entre realidade e ficção, espelhando-se nas histórias anteriores.
Os atores Dieter Laser e Laurence R. Harvey novamente estrelam a produção retornando em outros papéis. Demonstrando que a série garantiu prestígio, novos atores participam da história, como Eric Roberts e outros coadjuvantes que, eventualmente, podem ser conhecidos pelo público. Além de uma participação do próprio Six interpretando uma versão de si mesmo. A grande diferença dessa produção para a outras é fazer uma narrativa que vai além do enfoque estrito da grotesca centopeia humana. Ao criar uma breve história para justificar seu objeto mais conhecido, a trama ganha em qualidade e não perde a vertente bizarra.
Não há espaço para personagens normais neste contexto. Todos são propositadamente estereotipados ou representando tipos sociais exagerados. Em destaque, o delegado da prisão, Bill Boss, dono de uma gama quase infinita de qualidades negativas: vil, agressivo, preconceituoso, chauvinista, racista, estuprador, canibal, e assim segue a lista. Laser amplia a interpretação do médico do primeiro filme em uma interpretação ainda mais afetada, que transforma o overacting em um símbolo cômico. Com evidentes sinais de stress e problemas cardíacos, tudo é motivo para gritos exagerados e contínuos que, propositadamente, vão destruindo a linha do grotesco acrescentando humor à história. A esta altura, após duas obras, o público sabe do exagero de uma centopeia humana, e a trama ri do bizarro focando a raiva desta personagem, um feito eficaz que justificava por que o diretor não respeitado pelos prisioneiros decide puni-los de uma maneira radical.
Quebrando mais uma vez a linha entre realidade e ficção, Six se insere na história como o diretor dos dois filmes anteriores e um consultor informal, curioso para ver a composição da centopeia humana. Ao mesmo tempo que deseja comprovar a veracidade de seus filmes, a personagem Six se incomoda com a criação do bicho grotesco, como se estabelecesse um diálogo representando seu público. Mesmo sabendo que a história é absurda, ninguém desvia os olhos da escatológica história que criou.
Afinal, é necessário assistir a esta trilogia ciente de que o bizarro é uma de suas linhas gerais e que, nesta parte, se transformou em um misto de sequência e paródia. As vítimas continuam sofrendo mas não se trata de um drama sobre o sofrimento humano ou as condições prisionais: o mundo real foi deixado de lado, fora da exibição, para a incursão de um universo bizarro e sádico que desenvolve um final mais coeso do que o início, e meio de sua aventura de construir um animal costurando humanos uns aos outros.
Após brindar o público com muitas cenas escatológicas em sua segunda parte, Centopeia Humana 3 tem maior apoio narrativo, resultando em um filme de terror cômico que mantém sua essência – afinal, a centopeia humana estará presente, não se preocupem, com direito a uma evolução deste animal – e ainda faz a história fluir para focar personagens bizarros que provocam um riso nervoso no expectador. Um final, realizado com eficiência de uma das trilogias mais estranhas e sádicas do terror contemporâneo.
Tomando por base a fúria urbana, mostrada através de um perigoso assalto a uma lanchonete, e sem qualquer introdução, O Biscoito Assassino inicia-se com um fugitivo da lei chamado Millard Findlemeyer (do sempre canastrão Gary Busey), que ouve vozes do além, supostamente de sua falecida mãe. O vilão tem em sua mira uma família inteira, mas após assassinar um pai e um filho, ele opta por permitir que Sarah Leigh (Robin Sydney), a moça mais nova, viva, ignorando as ordens de sua mãe, que se comunica mentalmente com ele, como um Norman Bates mal instruído. Claro, sem que isso seja esclarecido jamais.
O aspecto paupérrimo faz a fita parecer oriunda dos anos 70, mesmo que tenha surgido em 2005. Um entregador de capuz e capa preta deixa uma caixa de papelão, cujo conteúdo é incógnito, e misteriosamente vai parar dentro do estabelecimento, o que mostra que a personagem Sarah está fadada a sofrer. Neste momento, ela surge como uma confeiteira de mão cheia, que seguiu junto a sua “pinguça” mãe Betty Leigh (Margaret Blye) em uma padaria de pequeno porte.
Nesse ínterim, percebe-se que Findlemeyer foi condenado à cadeira elétrica e, por isso, pereceu. Aliviados, os Leigh podem enfim concentrar-se em seus problemas mais flagrantes, que é o advento de uma megaestrutura, que feriria o público da panificadora, atrapalhando demais o sustento da família. É uma ode ao micro empresariado e uma crítica à globalização, mas feito nos moldes das esquetes cômicas do Chespirito, ainda que a defasagem de O Biscoito Assassino seja de três décadas posteriores.
O padeiro abre a caixa da discórdia, que contém um saco de farinha deveras suspeitos. Após se cortar, gotas de sangue caem sobre o pó, em uma velocidade reduzida, num esforço do diretor Charles Band em emular um movimento sacro, de origem sobrenatural. Dentro da massa, em meio à batedeira gigante surge uma mão, preconizando o monstro que atacaria as pessoas dentro de muito pouco tempo.
Após uma série de acontecimentos escabrosos, Sarah faz um biscoito com aquela massa, e a põe dentro do forno – que aliás é grande o suficiente para comportar ao menos dez pessoas. No entanto o patrimônio dos Leigh está bem mal, os amigos de Sarah atentam para isso, insistindo para que ela olhe para uma reforma do local. A moça prontamente diz algo, mostrando estar ciente dessa situação e de tantas outras: “não é só aqui que precisa de reforma, nossas almas também, mamãe voltou a beber”. Por onde passam os personagens, encontram-se garrafas e mais garrafas de Jack Daniels.
O gestual das atrizes se assemelha muito às peças tipicamente encenadas em teatros de colégio. Todo o rami-rami tipicamente adolescente envolvendo Sarah, Lorna Dean (Alexia Aleman), e Amos (Ryan Locke), namorado da última é absolutamente desprezível e desinteressante. Um raio atinge o forno gigante para dar vida à massa assassina, que começa a atacar os pobres meninos.
A continuidade do filme inexiste. Não há qualquer compromisso por parte da produção em fazer quaisquer as situações mostradas em tela terem lógica ou sentido. Repentinamente, um biscoito de pão e gengibre ganha vida graças ao raio, à farinha e graças a um roteiro completamente louco e que não explica nenhuma motivação para que essas coisas ocorram. Pior do que isso é quando o tal assassinato, com seu espírito preso ao tal alimento, passa no meio de todos os homens sem ser impedido em momento algum.
Os personagens entram e saem sem justificativa e morrem do mesmo modo louco com que são apresentados. Mas isso é desimportante, uma vez que Sarah pretende reatar a relação antiga com Amos, eliminando a friendzone existente e deixada em segundo plano há anos. Na prática, ela guardou sua virgindade para um sujeito que não sabe nem ligar um gerador de energia, e que é péssimo de conta, já que sua principal fala é “não erro duas vezes” – frase proferida exatamente após disparar para o ar três tiros.
Sem qualquer razão aparente, o padeiro Brick Fields (Jonathan Chase) retorna para acabar com Fiflemeyer, mas o ocaso se inverte e ele se torna o assassino de gengibre para logo depois ser assassinado, dentro do forno gigantesco. Impressiona como, apesar da curta duração (60 minutos, fora os créditos enormes de 11 minutos), todo o conteúdo da fita é muitíssimo enfadonho e pouco divertido. No quesito trash, há pouco gore, as atuações são tacanhas, claro (ponto positivo), e nem há tantas mortes. Havia um potencial enorme do filme em dar certo por seu caráter bronco e agreste, mas a obra não se mostrou tão exitosa quanto o esperado, nem em matéria de comicidade involuntária.
V/H/S 2 foi lançado sob muita expectativa. O trailer que o promoveu era interessantíssimo, e havia a promessa de que o filme fosse uma grande produção de horror, trazendo contos que superariam o original. Ocorre que, após o sucesso de seu antecessor, V/H/S, o projeto – novamente sob responsabilidade do criador do site Bloody Disgusting, Brad Miska –, mesmo tentando inovar em certos aspectos, perdeu fôlego, não por repetir a mesma fórmula do filme original, mas por, talvez, ouvir as críticas negativas relativas a detalhes técnicos que a fita tenha recebido – a qualidade técnica do primeiro filme é de fato precária, mas não atrapalha em nada a diversão.
Ainda assim, V/H/S 2 conta com um dos contos mais insanos já escritos e filmados, superando todas as histórias restantes, inclusive os contos do filme anterior.
TAPE 49
Como dito, Brad Miska repete a fórmula que o consagrou, trazendo uma história principal que intercala com os outros contos. Aqui, Simon Barret escreveu e dirigiu Tape 49, que conta a história de um casal de detetives investigando o sumiço de um jovem. Ao adentrar a casa do rapaz, eles se deparam com diversas fitas VHS, às quais passam a assistir em busca de provas.
Assim como no primeiro filme, a história é vazia e sem graça, não atraindo o espectador em nenhum momento, principalmente aqueles que já estão familiarizados com a franquia.
PHASE I: CLINICAL TRIALS
Logo de início, o primeiro conto propriamente dito já mostra o motivo de V/H/S 2 ser menos interessante que o seu antecessor.
A fita dirigida por Adam Wingard e escrita por Simon Barret se inicia exatamente quando a câmera é ligada. e logo se percebe que o protagonista perdeu um olho e está fazendo um tratamento inovador que consiste na instalação de uma câmera atrás de uma prótese ocular realista, fazendo com que seu cérebro receba as imagens daquilo que a câmera está captando. E não preciso nem dizer que a câmera do rapaz capta mais do que deveria.
O mais interessante em Clinical Trials são os truques de cinema utilizados em todas as vezes que o protagonista se olha no espelho, pois, teoricamente, a câmera está dentro de seu olho direito e, realmente, parece estar.
Os pontos negativos se repetem por quase todos os contos, e consistem na qualidade das imagens, todas elas muito nítidas, contradizendo com o padrão (hoje) precário das fitas VHS, além das cenas de susto virem acompanhadas de sons altos de interferência ou trilha sonora, o que mostra certa falta de cuidado com o conteúdo da história, uma vez que usar esse tipo de artifício é como jogar um jogo de videogame com códigos de invencibilidade e munições infinitas. Totalmente sem graça.
A RIDE IN THE PARK
Dirigido pela dupla que, respectivamente, dirigiu e produziu o sucesso A Bruxa de Blair, Eduardo Sánchez e Gregg Hale, e escrito por Jamie Nash, A Ride In The Park é uma produção totalmente azarada por um único motivo: The Walking Dead. Talvez, se o grande sucesso apocalíptico zumbi não existisse, esse passeio no parque seria mais interessante. Trazendo um conceito interessante que mostra um ciclista (com sua GoPro acoplada no capacete) sendo atacado por um zumbi, podemos acompanhar sua transformação e o ataque a uma festa de aniversário sob o ponto de vista da câmera no capacete. Porém, todos os zumbis do conto são muito mal feitos, deixando qualquer membro da Zombie Walk aqui no Brasil totalmente orgulhoso de sua maquiagem.
SAFE HAVEN
De longe, Safe Haven é o melhor e mais insano conto de toda a franquia V/H/S, E não é por menos, uma vez que a fita é dirigida pelo louco Gareth Evans, responsável pelo premiado filme indonésio Operação Invasão. As cenas de violência que consagraram Evans permanecem intactas, sendo que as cenas de luta dão lugar à mente doentia do roteirista Timo Tjahjanto que, junto com diretor, mostra a história de um grupo de cineastas que estão filmando um documentário sobre uma estranha seita religiosa indonésia, cujo líder – um cidadão muito sinistro, por sinal, está sendo acusado de promover abusos sexuais às crianças da seita entre os demais membros do grupo.
Para o azar da equipe de filmagem, eles se descobrem exatamente no meio do “juízo final”, a chamada “redenção” dos membros da seita. Sangue. Muito sangue. Assassinatos, suicídios coletivos, pessoas explodindo e uma cena de parto que deixa encabulado até o mais cético.
Se você não se interessou pela franquia V/H/S, procure por Safe Haven na Internet. É obrigatório.
SLUMBER PARTY ALIEN ABDUCTION
Hollywood parece sentir falta de filmes de suspense/terror com temática de abdução por alienígenas, e Slumber Party Alien Abduction, de certa forma, tenta (sem sucesso) preencher o vazio deixado após o lançamento de grandes clássicos como Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Fogo no Céu.
O segmento se parece bastante com o clássico B de abduções Estranhas Criaturas, de 1998. Com o sucesso de A Bruxa de Blair, o filme, em found footage, conta a história de uma família que, durante o jantar do feriado de Ação de Graças, recebe em sua propriedade a visita de seres extraterrestres nada amigáveis.
O conto, dirigido pelo talentoso Jason Eisener, diretor de Hobo With a Shotgun, mostra de forma muito inteligente a invasão da residência e consequente abdução de uma família sob o ponto de vista do cachorro da casa, que teve uma câmera acoplada em sua coleira durante uma festa do pijama.
Mesmo que o filme seja urgente e frenético, os bons momentos da fita são atrapalhados pelo auxílio de sons impertinentes que buscam causar sustos, o que de certa forma deixa o espectador irritado. Numa produção assim, espera-se que a própria trama, aliada a um roteiro e uma direção competente, cause medo por aquilo que está acontecendo em tela, e não por causa de um barulho alto quando se menos espera.
Mas, em que pesem todos os aspectos negativos, o saldo de V/H/S 2 ainda é positivo, porque além de trazer Safe Haven, possui ótimos momentos, fazendo com que o fã do terror se sinta agraciado com histórias de qualidade criadas e dirigidas por diretores conhecidos ou promissores do cinema underground, sendo exatamente esse o conceito de toda a franquia.
Dez anos após os acontecimentos de A Mulher de Preto, lançado em 2012, com Daniel Radcliffe, a mística do terror sobrenatural incorporado em uma misteriosa mulher em trajes pretos retorna aos cinemas. Mulher de Preto 2 – Anjo da Morte estreou simultaneamente nos cinemas e também como romance literário, escrito por Martyn Waites com base em um conceito da autora do original, Susan Hill, e no roteiro desenvolvido por Jon Crocker.
Durante a guerra, Londres vive sob bombardeios diários que destroem famílias, deixando órfãos como sobreviventes. Decididas em afastar os infantes desses horrores, uma governante e uma professora reúnem um grupo de crianças e levam-nas para um local pacífico. O momento precário sem muitas opções faz com que o grupo se hospede na Mansão do Pântano, conhecida desde o filme anterior como a morada da mulher de preto. Dentre o grupo de órfãos, o pequeno Edward ainda vive o luto da perda dos pais e, traumatizado, não pronuncia nenhuma palavra. O garoto evidentemente será a conexão estabelecida com o sobrenatural. É uma representação tradicional do infante puro, porém traumatizado, que por sua formação ainda primária chama a atenção do espírito.
As câmeras subjetivas são o primeiro indício de uma força oculta presente na casa. Porém, a figura título é tão enigmática que mal aparece em cena. Raramente vemos inferências de sua presença em cenas rápidas ou nos detalhes em close, como mãos e a mortalha utilizada como figurino. Não fosse a obra uma sequência, a trama poderia envolver outra entidade tamanha ausência da personagem, que supostamente deveria conduzir o medo tanto para o enredo do filme como também aos espectadores.
Há uma descrença da própria situação por parte dos personagens. Após as primeiras manifestações de sons e objetos se movimentando, e do estranhamento natural diante de tais situações, a personagem central, a professora Eve Parkins, modifica sua postura e não mais parece angustiada por um elemento desconhecido. Como se soubesse exatamente do que se trata a presença espiritual, e esta não mais lhe amedrontasse. Em nenhum momento, porém, o grupo parece conhecer a história anterior do advogado Arthur Kipps, que também passou por apuros na primeira produção graças a esta manifestação espiritual. Há uma breve investigação sobre a origem da mulher e a perda de um filho, mas este argumento não é suficiente para que se compreenda a motivação, se é que há uma, da entidade. E muito menos porque ela não é mais assustadora para a referida personagem da professora.
O pequeno Edward, responsável por manifestar o ente, é um garoto nada empático. Mesmo uma trama envolvendo crianças, elevando o apelo assustador pelo perigo contra inocentes, este elemento não favorece a história devido à falta de carisma do garoto. É nele que reside o desejo de morte da mulher espírito. Porém, falta ao garoto cativar o público para que torçamos por sua salvação.
O sucesso do primeiro filme, com 110 milhões em bilheteria arrecadados ao redor do mundo, sendo o terror britânico com mais público em em 20 anos, proporcionou a produção desta sequência, que se utiliza da mesma atmosfera original, porém com uma personagem assustadora que mal entra em cena, e adultos em dúvida se temem ou não as manifestações desconhecidas. Assim, esvai-se a sensação de que esta produção se aproveita do sucesso da anterior, regida apenas pela exigida demanda de continuações, sem nenhuma intenção de ser uma obra de terror ao menos razoável. Um terror que não provoca medo. Isso, sim, um fato assustador.
H.P. Lovecraft acreditava que “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo”, linha de pensamento que, acredito, explica o curioso fato de que, a despeito das grandes e às vezes intransponíveis diferenças existentes entre as nações espalhadas mundo afora, alguns mitos macabros parecem ser universais, contando com versões próprias nas mais distintas culturas. Lendas relacionadas a fantasmas e mortos-vivos, por exemplo, parecem ser familiares aos folclores de quase todos os lugares. Os vampiros também estão entre as criaturas fantásticas que povoam o imaginário de povos distintos, e, apesar dos muitos produtos de qualidade duvidosa que vem deles se utilizado nos últimos tempos, a exemplo da SagaCrepúsculo e de The Vampire Diaries, esses seres ainda nos rendem histórias interessantes, como prova Kaori – Perfume de Vampira, de Giulia Moon.
Publicado em 2009 pela Giz Editorial, o livro marca a primeira investida da autora paulista no campo romance. À época, no entanto, Moon já ganhara algum respaldo como contista, tendo lançado três coletâneas próprias – Luar de Vampiros, de 2003, Vampiros no Espelho & Outros Seres Obscuros, de 2004, e A Dama-Morcega, de 2006 – e participado de uma antologia, publicada em 2008 e intitulada Amor Vampiro, na qual também se encontravam trabalhos de outros seis autores. Foi nesta última obra, à qual submeteu o conto Dragões Tatuados, que os personagens Kaori e Samuel Jouza, protagonistas do romance que chegaria às livrarias no ano seguinte, foram apresentados ao público pela primeira vez.
Provavelmente em razão dos muitos anos dedicados à fórmula do conto, o romance de estreia de Giulia Moon segue um modelo fragmentado, dividido em dois tempos narrativos bastante distintos: o Japão do Período Tokugawa e a São Paulo do ano de 2008. Assim, em vez de uma única história de longo fôlego, que no decorrer de suas 371 páginas correria o risco de cansar o leitor, Kaori é uma obra construída por pequenos, porém intensos sopros de tramas intercaladas.
No primeiro cenário, a personagem-título, cujas nuances de caráter conhecemos por meio de sua interação com o artista José Calixto, tenta sobreviver no Edo bakufu, entre samurais, casas de prostituição, jogos de poder e outros aspectos que marcaram esse sangrento período da história japonesa. Fugindo do ideal infanto-juvenil que, como já mencionado, tomou conta das produções com temática vampiresca mainstream nos últimos anos, a escritora, mais alinhada com as ideias sombrias de criadores como Anne Rice e André Vianco – talvez o expoente máximo da atual ficção especulativa nacional – constrói um enredo que tem a violência e o sexo como ingredientes importantes.
Ainda em se tratando da porcentagem da história que se desenrola no Oriente, importante frisar o trabalho de pesquisa realizado pela autora, que representou de modo natural, por meio de expressões e hábitos culturais, uma evolução de mais de dois séculos na sociedade nipônica, uma vez que o livro abrange o Xogunato desde 1647 até 1856. Contudo, faço uma ressalva ao uso exacerbado de expressões idiomáticas japonesas, que, embora venham sempre acompanhadas das necessárias notas de rodapé, por vezes soam dissonantes, incômodas em meio à prosa em português.
Falando em português, a segunda metade da trama se passa na capital paulista e tem Samuel Jouza, que possui o estranho ofício de observar e catalogar espécies de vampiros, no centro da ação. Embora, ao menos para mim, essa fração urbana da aventura seja um tanto desinteressante em relação à parte do livro que se passa no Japão feudal, uma vez mais devo elogiar a ambientação feita pela autora. Não, a São Paulo vista no livro não é aquela em que vivo, e os personagens que por ela transitam certamente não falam como paulistanos típicos. Porém, não vejo isso como um defeito, pois acredito que uma das grandes falhas da literatura fantástica brasileira seja sua aparente incapacidade de retratar o cotidiano nos grandes centros e a fala coloquial de seu povo; quando tentam, o resultado usual é um amontoado de gírias e palavrões que soam artificiais, quando não, ridículos. Bem, Giulia Moon não incorre nesse erro. Sua linguagem é formal, por vezes “travada”, mas, assumindo-a como tal, o resultado obtido é uma leitura muito mais fluída que o pastiche de português “despojado” que povoa as páginas de algumas publicações.
Intercalando esses dois tempos narrativos sem gerar confusão ou desgaste, a obra prova ser um romance de estreia bem-sucedido, capaz de fazer mesmo alguém como eu, naturalmente preconceituoso em se tratando de literatura fantástica, e mais ainda no tocante a sua vertente nacional, ficar interessado por suas continuações, Kaori 2 – Coração de Vampira e Kaori e o Samurai sem Braço, de 2011 e 2012, respectivamente. Em suma, Kaori – Perfume de Vampira não é muito mais que uma história competente de terror e suspense. Mas, tendo a proposta em mente, o que mais poderia querer?
Valendo-se do pensamento tipicamente repressor predominante no Sul dos Estados Unidos, aproveitando a estrada do clássico hitchcockiano Psicose, e também tendo em comum a base da história real de Ed Gein, O Massacre da Serra Elétrica foi o pioneiro dos slasher movies nos anos 70, uma obra responsável por elevar seu realizador Tobe Hooper a habitar o seleto hall de mestres do terror ao lado de JohnCarpenter, GeorgeRomero, Wes Craven, MarioBava e DarioArgento, graças a uma abordagem transgressora de um conto interiorano.
As fotos exibindo as partes putrefatas revelam a corrosão e decomposição de espírito dos humanos que seriam mostrados em tela, uma ruína de alma abissal. Os corpos empilhados ou em pé causam sustos imediatos no espectador, inserindo o público no terrível drama que será visto adiante. O vermelho profetiza o caráter sanguinolento do roteiro de Hooper.
A câmera por trás dos arbustos funciona na trama como uma observadora anônima, a inserção do público na história, representando os olhos normais perante o mundo bizarro. Mesmo os menores incidentes são tratados pelas lentes como eventos trágicos. O velho bêbado tenta avisar aos soberbos rapazes das estranhezas típicas do lugarejo, mas eles não lhe dão ouvidos.
O grupo de jovens, liderados por Sally Hardesty (Marilyn Burns), teria uma surpresa horrenda durante a psicodélica road trip que fazem. Tencionando uma viagem repleta de libertinagem, eles atravessam o Texas com sua van. Ao estacionar o veículo, o grupo é abraçado pela tradição familiar pervertida pelo canibalismo, que tem em Leatherface o seu maior expoente no quesito físico, sendo o braço forte dos facínoras, cuja intenção de matar é uma correção dos sacrilégios que os jovens fariam. Ao menos era essa a ótica do ultramoralista clã texano.
Até a falta de talento dramático do elenco ajuda a assinalar a estranheza daquele microuniverso tão distante da realidade e do mundo comum. Os cortes rápidos, variando entre um personagem e outro, denotam pressa, uma sensação que se sobrepõe à prudência. Mesmo com todos os avisos, os moços vão em direção ao matadouro. O anseio pelas obras da carne pesaria em seus destinos. O macabro lugar, repleto de móveis feitos à base de ossos humanos, logo lembraria aos imberbes moços e moças da efemeridade da vida, chegando a um destino infernal.
Ao analisar a plateia do cinema, notam-se risos involuntários que revelam o quão sádica é esta nova geração. O grupo de vilões, cretinamente caricatos, aumenta a aura fantástica e bizarra da trama, tornando o desespero que toma os irmãos Hardesty, plausível. O tal “sentimento” não seria nada diante do horror que viria, com Leatherface cortando Franklin (Paul A Partain) em frente à câmera e aos olhos de Sally.
Diante do medo de sucumbir, a “virgem” promete se entregar aos malfeitores, fazendo o que eles queriam. Sally corre desesperada, atravessando a propriedade, se jogando na caçamba de uma picape para fugir dos demônios que a perseguiam. O corte seco que Hooper dá na gargalhada desesperada da moça resume toda a perversidade contida no clássico, com o sangue escorrendo sobre a pele da scream queen, lamentando-se por uma existência certamente traumática para os terríveis dias que a acompanhariam até o seu falecimento.
Indo contra a corrente do cinema de terror mainstream e sem se ater a clichês imensos, I am a Ghost, do realizador H. P. Mendoza, trata a lentidão da abordagem de seu filme como principal fator de suspense, levando o público vagarosamente para o estado de completo apavoramento. A história contida na fita mostra Emily (Anna Ishida), uma moça que tem insights curtos, aparecendo em diversos cômodos de sua residência, sem uma explicação mínima do porque tudo em sua vida se repete.
A câmera manipulada por Mendoza é intrusa, adentrando a intimidade de Emily de modo invasivo, quase como se ela não tivesse uma identidade bem formada – tal prerrogativa seria explicada mais a frente. As cenas inconclusivas remetem à influência que o diretor teve no expressionismo alemão e a razão das filmagens terem transcorrido a este modo somente são explicitadas com o decorrer do filme.
Não demora muito para que a origem da protagonista seja contada, fazendo jus ao nome do filme. Os flashs relapsos, relembrando a vivência corpórea de Emily, escondendo o segredo macabro que a fez perecer, selado sobre as falas de um contato externo. As cenas são quase todas encerradas em si, raramente há cortes seguidos sem uma claquete em forma de penumbra, em um breu assustador. A vista panorâmica aumenta a sensação de “vigiar a rotina” da protagonista, não necessariamente voltada ao medo.
A narração da médium invisível Silvia – com a voz de Jeannie Barroga – quebra o mistério, explicitando os segredos do roteiro e de sua fórmula, mas introduz o terror do autoconhecimento. A plateia é introduzida na história através dos olhos e das atitudes de Emily, o que claramente complica qualquer associação da moça com as ações vilanescas que lhe são atribuídas.
A explicação para a repetição de atos que corre todo o filme é inteligentíssima, se encaixando perfeitamente à sua proposta, relacionando até os cortes, sombras e os largos espaços de percepção que ela tem entre uma atitude e outra. A expectativa para mostrar o monstro que aterroriza o fantasma é enorme, e ainda mais assustadora do que qualquer premissa precipitada poderia antever. Buscar as pistas torna-se um aprazível exercício, já que a despeito até das “narrações” que deveriam elucidar, só aumentam a aura de mistério, algumas vezes até distanciando Emily de um merecido descanso.
A busca pela autonegação fez Emily inventar estratagemas e histórias periféricas a sua, tudo para não assumir sua condição ainda em vida, que explicaria o terrível medo que a assombrou. O transtorno que ocasionou a bifurcação da alma revela que a parte entorpecida e maléfica de Emily é um signo, que serve para relembrar que a alma do homem é inexoravelmente dúbia, encerrando em si a ordem e o caos, a bonança e a maldição. O desfecho do filme é maduro, mais adulto do que a maioria de seus primos blockbusters, mostrando que a violência sofrida por ela é um ato flagelo, impingida por si, só podendo ser evitado ou revidado pela própria, num paralelo repleto de significados e de fácil associação com os dramas humanos.
Considerada a época mais favorável aos estúdios, a era de ouro dos anos 30 permitiu que uma grande quantidade de filmes de diversos temas fosse feita, como as aventuras de Errol Flynn, os filmes de máfia de James Cagney, os musicais de Deanna Derbin, os melodramas de Betty Davis e os filmes de monstros que a Universal produziu entre 1923, com O Corcunda de Notre Dame, e 1956, com À Caça do Monstro.
Para se entender como atuavam os estúdios, é necessário compreender o período. Os primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial acabou fazendo com que a Europa voltasse a si para a sua reconstrução e deixasse de lado a hegemonia mundial de diversas indústrias. Esse vácuo foi rapidamente preenchido pelos americanos, que passaram a liderar vários segmentos desde então. Para também passar a liderar o cinema, tiveram que acelerar o processo de verticalização da indústria dos anos 10, em que a mesma empresa produzia, distribuía e exibia os seus filmes. Este processo, aliado à rápida industrialização do país e ao vácuo europeu, permitiu o alcance mundial do cinema norte-americano nos anos 20.
Com a liderança em mãos, e cada vez mais contando com diversos profissionais europeus, a era de ouro dos estúdios passou a acontecer a partir dos anos 30, indo até o final dos anos 40 quando a legislação antitruste foi colocada em prática. Nesse período, os estúdios passaram a fazer o que foi chamado de “Studio System”, passando a lançar as estrelas de cinema e apresentar regras de comportamento. Boris Karloff e Bela Lugosi, por exemplo, não eram contratados por filme, mas sim assalariados da Universal.
Bela Lugosi e Boris Karloff em O Raio Invisível (1936), um dos vários filmes em que atuaram juntos.
Em tempos difíceis como a grande depressão, pode-se associar os filmes da Universal com a época: os monstros dialogam com os fantasmas do desemprego e uma inflação instável. Não à toa, uma das maiores influências para os monstros da Universal foi o expressionismo alemão, que, além do fascismo, também teve relação forte com a economia.
Little Europe, a cidade cenográfica usada em diversos filmes
Os filmes alemães, responsáveis pela construção da narrativa e de uma estética de terror própria, foram decisivos para ajudar os diretores do estúdio a popularizar o gênero, como com O Fantasma da Ópera (1925), Drácula (1931), Frankenstein (1931), A Múmia (1932), O Homem Invisível (1933), A Noiva de Frankenstein (1935), O Lobisomen (1941) e O Monstro da Lagoa Negra (1954).
Os filmes sem monstros e que são igualmente interessantes são O Gato e o Canário (1927), A Casa Sinistra (1932), O Gato Preto (1934), O Raio Invisível (1936) e Sexta-Feira 13 (1940). O Homem Que Ri (1928) não sei se pode ser considerado filme de terror, no entanto entra como um dos mais importantes do período para a Universal devido principalmente à atuação de Conreid Veidt.
O Fantasma da Ópera (1925) recria a história de Gaston Leroux, trazendo Lon Chaney como o compositor maluco e desfigurado que se apaixona pela cantora Christine Daae. Apesar da narrativa simples, a impressionante atuação de Chaney é o grande diferencial.
Drácula (1931) eternizou o húngaro Bela Lugosi como o vampiro da adaptação de uma peça baseada no livro de Bram Stocker. O roteiro do filme, no entanto, poderia ter sido mais bem trabalhado.
Frankenstein (1931) consegue ser elevado a outro nível devido à direção de James Whale. A atuação do inglês Boris Karloff como o monstro é tão importante quanto o roteiro, igualmente baseado em uma peça de teatro inspirada na peça de Mary Shelley.
A Múmia (1932) traz de volta Boris Karloff como o sacerdote Imhotep, que é ressuscitado através de um pergaminho e vai atrás de uma jovem que ele crê ser a reencarnação do seu amor. A recriação do passado egípcio é um dos pontos altos do filme.
Em O Homem Invisível (1933) temos James Whale novamente na direção e com roteiro adaptado diretamente do livro de H.G. Wells. Claude Rains encarna o homem que descobre a invisibilidade e se torna louco, cometendo diversos crimes.
A Noiva de Frankenstein (1935) talvez seja um dos melhores filmes de monstros na continuação do filme de 1931. O cientista-médico Frankenstein é assediado pelo Dr. Pretorius para criar uma noiva para a criatura, interpretada pela inglesa Elsa Lanchester.
O Lobisomem (1941) tem o melhor roteiro dentro dos filmes de monstros, o único original dentre os grandes. A atuação de Lon Chaney Jr., filho de Lon Chaney, como Lawrence Talbot e o Lobisomem está em sintonia com a bela história de um homem cético mordido por um lobo e se transformando na figura folclórica do lobisomem.
O Monstro da Lagoa Negra (1954) encerra os grandes filmes de monstros com uma equipe de cientistas americanos que visita a Amazônia e é assediads por uma criatura pré-histórica.
Exemplo de um dos vários crossovers entre os monstros: Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943) com Bela Lugosi como o monstro
E o maior dos crossovers entre os monstros em A Casa de Frankenstein (1944)
A narrativa simples, cortada por uma narração e por estética típica dos filmes de terror feitos para o público juvenil, esconde uma análise sobre a decadência humana e a pretensão de espírito. Val Kilmer vive Hall Baltimore, um escritor especialista na temática de bruxas, mas que está com a sua carreira em declínio. Durante o tour de seu novo livro, ele chega a uma pequena cidade interiorana, sofrendo as agruras da fama, que fugiu de si, e as baixas vendas de seu novo produto.
Movido por um instinto niilista e depressivo, Hall visita o que seria uma casa de Edgar Allan Poe, jogando vinho sobre o brasão do poeta e contista, revelando um ressentimento sobre a dificuldade de manter-se ativo e de produzir o próprio sustento através da venda de livros. Após tentar afogar as próprias mágoas na bebida e discutir com sua esposa, Hall decide atravessar a parte arbórea do lugarejo, encontrando, então, uma jovem e bela mulher chamada V. (Ellen Fanning), cuja cor alva destoa de todo o cenário acinzentado. O trabalho da fotografia exibe diferenciação de sentimentos através das cores que se sobressaem no ambiente, dominado por tons de grafite.
Neste novo momento da carreira, Francis Ford Coppolla parece querer explorar emoções diversas, partes da alma humana normalmente ignoradas pelo cinemão. Ele se vale de estrelas da indústria para contar essas histórias – com Val Kilmer neste, Tim Roth em Velha Juventude e Joaquin Phoenix em Tetro – e, claro, com um orçamento irrisório, especialmente se comparado aos momentos áureos de sua carreira. Em Tetro, o baixo preço não chega a ser um problema, mas como, nesta obra, trata-se de uma história de terror, o risco da fita parecer trash é enorme, o que faz relembrar-nos dos primeiros trabalhos do realizador, como Demência 13.
A crise econômica pela qual Baltimore sofre faz com ele passeie por seu inconsciente, tendo fantasias que se confundem com a realidade, em uma imaginação onde interage com situações espinhosas, como assassinatos, crimes envolvendo crianças, e com seu mentor, Poe (Ben Chaplin). Ao despertar, é tomado por uma mórbida curiosidade de procurar o delegado da cidade, Bobby La Grange (Bruce Dern), atrás de informações de um assassinato que acabou de acontecer. Seu motor é o tédio unido à vontade de escapar de sua própria vida. É em meio a uma conversa com Bobby que ele “tem” uma ideia para um novo livro, agindo de modo desesperado, se munindo do argumento do idoso para produzir uma sinopse de história de vampiros.
Coppolla, nas cenas em que o escritor retorna ao mundo fantástico, prossegue com uma diferenciada abordagem, que até tenta se valer de uma criatividade narrativa, mas que esbarra em uma tosca realização, deixando de lado o que deveria ser um pedaço repleto de dualidade e dramaticidade para perder força, tornando, inclusive, digno de risos.
Próxima do final, a temática começa a flertar com a comédia, especialmente quando o escritor adentra o mundo do líder de uma seita de góticos e satanistas chamado Flamingo (Alden Ehrenreich), que, com suas maquiagens esbranquiçadas e vestuário de couro, revela uma volúpia pela obscuridade da alma humana. Todo o arcabouço ideológico ligado ao ocultismo e ao mistério do assassinato esbarra na vontade que Virgínia tem em ser um filme de deboche, uma caricatura de muitos filmes slasher dos anos 90, usando um pretensioso protagonista para mostrar que, caso ele merecesse, nem mesmo o seu enorme ego o livraria de uma vida medíocre.
A persona de Hall Baltimore faz, às vezes, de seu realizador, que em determinado momento da carreira entrou também em descenso, conseguindo posteriormente se reinventar, mas que, neste, exibe quase sempre vaidade e uma autorreflexão mal urdida.
O sucesso Invocação do Mal começa com a primeira entrevista feita por Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga) às estudantes de enfermagem Debbie (Morganna May) e Camilla (Amy Tipton), que falam a respeito da misteriosa boneca que estava lhes causando problemas. Acreditava-se que a boneca estava, de alguma forma, amaldiçoada. A cena termina com Ed Warren dizendo que irá ajudar as meninas. No decorrer do filme, a boneca reaparece dentro de um vidro e sua história é contada rapidamente aos personagens pelo casal Warren. Quando Annabelle se inicia, a mesma cena se repete, com Debbie (novamente vivida por Morganna May) falando da boneca. Então, logo se imagina que a fita contará a história da futura enfermeira, juntamente com o trabalho do casal Warren no caso, (considerado baseado em fatos reais), certo? Errado.
A história volta ainda mais no tempo para contar um fato que se passa antes da boneca ir para as mãos de Debbie, e, consequentemente, antes do casal Warren entrar em cena, o que, de certo modo, decepciona. Porém, o episódio em questão nos apresenta o jovem casal Mia (Annabelle Wallis – onde qualquer semelhança é uma estranha coincidência) e John (Ward Horton), prestes a ter seu primeiro filho, passando por um trauma muito forte quando sua casa é invadida por Annabelle Wallis (Tree O’Toole) e seu namorado (Trampas Thompson), que fazem parte de uma seita satânica. O casal assassino tinha acabado de matar os pais de Annabelle e passaram a atacar Mia que teve sua barriga esfaqueada. Com a chegada da polícia, Annabelle acaba morrendo no quarto do bebê, tendo parte de seu sangue derramado dentro de uma boneca que estava lá. Assim, a família, que agora possui um bebê saudável passa a experimentar em sua casa estranhos acontecimentos, encerrando um ótimo primeiro ato.
É uma pena que o filme perde muito de seu fôlego. Por conta das experiências vividas na casa onde ocorreram os assassinatos, Mia e John se mudam para um apartamento, porém a televisão insiste em dar defeito, as portas continuam a bater e a boneca insiste em aparecer numa posição diferente da que foi deixada. É o bastante para Mia buscar conhecimento sobre entidades, demônios e tudo relacionado ao ocultismo numa livraria perto de sua casa. Lá, ela é auxiliada por Evelyn (Alfre Woodard), dona da livraria e com a cabeça bem aberta por já ter passado por experiências estranhas. E quando descobrem a real ameaça, decidem procurar a ajuda do padre Perez (Tony Amendola), conhecido do casal por ser o padre da igreja que frequentam.
Talvez pelo fato de toda a equipe técnica de Invocação estar diretamente envolvida (emocionalmente, inclusive) com a produção de Velozes e Furiosos 7, a direção ficou a cargo de John R. Leonetti, responsável pela fotografia de Invocação, sendo o único a retornar juntamente com o responsável pela trilha sonora da franquia, Joseph Bishara. Com isso, o roteiro escrito pelo estreante na tela grande Gary Dauberman não se sustenta, trazendo soluções manjadas e experiências idem, vindo, inclusive a adaptar, de certa forma, o final de um grande clássico do horror. Pelo menos, deixa uma ponta para o aparecimento do casal Warren em um eventual segundo Annabelle, contando então a história da estudante de enfermagem mencionada no começo deste texto. Não custa sonhar.
Apenas a título de curiosidade, recomenda-se uma pesquisa na internet sobre a boneca Annabelle, bem como do casal Warren. É possível, inclusive, visitar o local onde a boneca está guardada na caixa de vidro, além de outros artefatos recolhidos pelos Warren nos seus 50 anos de investigações paranormais. Também é possível encontrar gravações reais de entidades se comunicando com os Warren em algumas de suas investigações.
Desta forma, chega-se à conclusão que Annabelle foi mais uma tentativa do estúdio faturar algum dinheiro com o sucesso de Invocação, enquanto o diretor James Wan, ao terminar VF7, decide ou não fazer a sequência de seu maior sucesso.
Oscilando entre a genialidade científica e ataques de ira compreensíveis e razoáveis, já que são inerentes a sua natureza, o herói do encadernado da Panini ganha vida nas primeiras histórias de Len Wein, apresentando o que seria, talvez, sua maior contribuição para os quadrinhos. Em O Monstro do Pântano (Swamp Thing), o autor apresenta seu alter-ego, o cientista Alec Holland, que após uma fatalidade torna-se um avatar da natureza, trazendo à baila uma discussão interessante, que leva em conta os desmandos e exageros presentes na maioria das ações humanas em relação ao planeta em que vive.
Na introdução feita por Wein, o autor começa falando que não sabia estar criando uma lenda. Notar a perplexidade do escritor é algo evidente, até pela ordem dos fatos que seguiram aquele dezembro de 1970. A ideia original foi aceita por parte daqueles que cercavam Wein, ainda que a sua premissa não fosse completamente entendida por eles. Uma vez aprovada, a história foi publicada em House of Secrets número 92, iniciando-se com a narração de seu protagonista, que ainda tentava entender o que tinha acontecido. O modo como a “criatura” faz seu recordatório varia entre o presente e o passado inócuo, fazendo uma confusão quanto à temporalidade do período enquadrado. Somente quando o monstro atravessa a janela para salvar sua amada, pode-se compreender o que era alucinação ou realidade dentro dessa primeira trama. Sua aparência abominável o faz sentir-se indigno perante os olhos da mulher que ele um dia ele chamou de sua. O pântano era o único lugar que o aceitaria naquela configuração, mas isso não era conforto suficiente para seu coração choroso.
No primeiro número de Swamp Thing, é contada a história do cientista Alec Holland, que habita o seu laboratório, fazendo seus experimentos sob os olhares dos seus inimigos. A armadilha que captura Holland é mostrada de forma muito violenta, especialmente em comparação com os outros pares de revistas e gibis infantis. A tragédia e o pântano, lugar onde não há qualquer possibilidade de esperança, tornam-se uma nova chance de vida, uma alternativa perturbadora, mas libertária. O protagonista assume, então, sua nova vida de criatura grotesca, denominada Monstro do Pântano. Seus vilões são figuras tacanhas, caricatas, feios como o diabo, bandidos clássicos que se mostram seres maniqueístas,
O trabalho de arte de Bernie Wrightson aumenta a bizarrice presente na história, retratando figuras inumanas, que se tornam ainda mais assustadores pela contraditória verossimilhança que há em seus contornos. A situação é ainda mais piorada com as cores da edição feita pela Panini, que aumentam o caráter bizarro da obra. A criatura em que Holland se tornou tem sua trajetória carregada de símbolos que remetem ao messianismo. Mesmo rejeitado em um primeiro momento, a sua mente elevada é vista pelas criaturas fisicamente prejudicas como possibilidade de ter qualquer sinal de ascensão.
Logo se descobre que toda a fisiologia do Monstro é vegetal, até seu modo de respirar é dependente de dióxido de carbono. Arcane propõe, então, a Alec que ele compartilhe seu fardo, o que devolveria sua configuração humana. Mas como os heróis altruístas da DC Comics, ele abre mão disso para deter o vilão e impedir que ele ficasse mais poderoso ainda. Ver a si mesmo como um homem-monstro é penoso, mas é um fardo que Holland se vê obrigado a carregar, mesmo com todo o desgosto.
O ideário visual remete demais aos filmes de monstro da Universal, como A Noiva de Frankenstein, seja na figura deformada de Arcane ou na de sua filha, Abigail Arcane, que mais tarde, ganharia ainda mais importância. Semelhante às películas dos anos 30 e 40, Monstro do Pântano retoma a caça às criaturas. Por mais que não haja todo o subtexto que marcou a fase do mago Alan Moore à frente do título, há uma chancela de história em clima clássico, aumentada demais pela belíssima arte, sem dúvida, o maior destaque.
As referências ao cinema seguem, mencionando graficamente até os filmes barrocos da Hammer, protagonizados por Christopher Lee e/ou Peter Cushing. Os vilões deixam de ser somente homens gananciosos, para exibir também figuras transmorfas. A capacidade de Wrightson em transformar figuras grotescas em seres absurdamente assustadores é impressionante. Próximo ao fim da publicação, no penúltimo número do compilado, a temática de aparência versus essência é novamente resgatada, mostrando a maldade analisada de modo não normativo, já que o preconceito não é partilhado pelos infantes.
A trágica trajetória do Monstro o impede de viver qualquer sensação que não seja negativa. Mesmo superando a impossibilidade física de se relacionar fisicamente com humanos, ele assiste à destruição de seu par, incólume ante a terrível constatação de que a solidão habitaria os seus dias. Extravasar sua fúria é algo que naturalmente o impele a agir. Raízes Volume 1 termina no número 6 de Monstro do Pântano, com um gancho para a próxima edição, que ainda não foi lançada no Brasil por motivos ainda não esclarecidos. É notório que muito da qualidade de roteirista de Len Wein se perdeu, tomando por base seu episódio Ozymandias de Antes de Watchmen. Seu ofício como editor tornou-se muito mais digno de nota do que seus guiões, mas certamente, nesse exemplar, ele ainda estava em forma. O criador do Wolverine ainda teria na parceria com Bernie Wrightson um casamento perfeito, apresentando uma figura visualmente assustadora e empática ao extremo, cuja jornada é tragicômica e singular.
Baseado em uma história verídica, Livrai-nos do Mal começa focando o deserto arenoso do Iraque, com uma gravação amadora de militares americanos, que, em solo estrangeiro, tencionam levar a mesma civilização nada conciliatória que descobriram para sua terra natal. Após os créditos iniciais, é apresentada uma Nova Iorque oprimida, vítima de assassinatos a sangue frio, que tem em Ralph Sarchie (Eric Bana) o avatar de todo o seu pessimismo. O policial é cético, de relações nada íntimas e pouco fáceis, que vê somente em sua família a possibilidade de paz, mesmo que nem junto a ela consiga encontrar a serenidade.
A partir da larga experiência do diretor Scott Derrickson em chocar, de modo amedrontador, o espectador – tomando por exemplo seus momentos anteriores, como em O Exorcismo de Emily Rose e A Entidade –, a fita segue apelando para lugares comuns no quesito fobia, em que a câmera constantemente evidencia o medo de aranhas, cobras e morcegos. Até em seus aspectos emocionais, o roteiro se baseia na melancolia, outro clichê de temor. Tudo, claro, calcado no personagem de Bana, que, ao mesmo tempo em que possui uma vida familiar bela, tem de encarar uma profissão cuja função é resgatar bebês em lixeiras. No entanto, as imagens chocantes perdem um bocado do seu impacto, por serem seguidas de momentos de humor extremo.
A fotografia e iluminação ajudam a aumentar a aura de horror por serem mostradas quase sempre no breu, tanto nas casas quanto no zoológico – um lugar assustador quando anoitece, como um dos personagens destaca. Algo oculto move as pessoas vitimadas, um artifício que parece incorpóreo e irreal e realizado por meio de uma clara apelação para um medo comum. Sem contar o fato de mostrar pessoas repletas de cicatrizes, outro temor comumente compartilhado por todo o público.
No decorrer das investigações, Sarchie começa a ter sua falta de fé questionada, pois os mesmos eventos vistos em sua intimidade ocorrem também na casa em que vive, onde a origem paranormal ou espiritual é deveras discutida. Ele é descrente quanto a ações de seres invisíveis, mas incrivelmente ouve uma estática nas gravações e o som de pessoas rindo, elementos exclusivamente contemplados por ele e fruto de um radar, dito por seus colegas como um talento inato.
Após verificar uma moça que tentou matar seu filho, Sarchie encontra um padre latino de aparência bela. Padre Mendoza (Édgar Ramirez) é um religioso diferente, que tenta convencer o agente da lei sobre a “verdade”, o irremediável mal que insiste em provocar pavor nos homens, tentando-os com seus mistérios, que, em última análise, são como ritos de invocação para ação dos maus agouros. É como se todo lugar fosse o hall, a passagem para a habitação dos que estão embevecidos pelo torpor da ação daquilo que os inspira. As escrituras do Iraque são reproduzidas nas casas dos envolvidos e parecem provocar nos que as habitam uma influência hostil e maléfica, primeiro fazendo temor, depois, tomando suas ações.
Sob a trilha de The Doors, o padre conta sua intimidade e antigos vícios em heroína que lhe fizeram mal, mas que o impediram de beber ou fumar – ou de ceder a uma olhada a belos corpos femininos. A desculpa – plausível – é de que as drogas legais o matam lentamente, e não rapidamente como as anteriores. Finalmente Archie cede, após começar a se identificar com o pároco. Aparentemente não fica apenas nisso, visto que o personagem até volta a proferir o chamado a Jesus, mesmo que sua fé tenha sido abandonada há décadas.
Seu intenso trabalho forense invade sua casa; os mesmos sinais malignos investigados passam a habitar seu lar, e a construção do roteiro é lenta, gradual e plenamente cabível. Ele teria um dom chamado “discernimento de espírito”. O tal radar, que seus parceiros acham ser um talento policial, seria, segundo Mendoza, um dom espiritual que nem mesmo o reverendo teria a sua mão, dada a raridade desta habilidade. Aos poucos, a relação dos dois se estreita cada vez mais, emulando as duplas de agentes de raças diferentes, típicas dos filmes de tira oitentistas.
O grito abafado pelos sons cotidianos simboliza o abandono ou o receio de que isto isto se concretize por parte de Sarchie, assemelhando-se demais à fala do sacerdote: “Um santo não é um exemplo de moral, um santo presenteia à vista.”. A premissa justificaria as falhas de ambos os protagonistas, além de unir os dois em torno do mesmo objetivo.
Ao contrário de seus primos semelhantes, Livrai-nos do Mal tem no elenco, equilibrado e inspirado, um ponto forte. Por mais irreais que sejam seus dramas, a abordagem se aproxima muito do verossímil, um realismo fantástico bem construído e que faz poucas concessões à suspensão de descrenças, mesmo nos insistentes duelos de facas feitos por Butler (Joel McHale). A experiência de Derrickson como realizador fez valer os préstimos na toada espiritual, mas se mostrou ainda mais incomum e bem-sucedida nas sequências policiais e nos momentos de inspiração e tentativas de redenção. Toda a tragédia que toca o policial é maximizada pela ótima interpretação de Bana, na volúpia do personagem pelo perdão, que ignorou por anos, mas que não o impediu de sofrer represálias. Os pecados de Ralph até aparentam ser o motivo de todo aquele apuro que se apresentava, o que evidentemente era uma artimanha do rival de suas almas, que buscava engodá-lo.
Após as fortes cenas onde é feito um ritual e onde todos os pecados pretéritos da dupla são escrutinados e usados contra si, enfim ocorre a bonança, com a libertação da alma de Santino (Sean Harris, irreconhecível quase), que logo traz à luz a paz de volta à vida de Sarchie, sobrevivendo até mesmo à mudança de gênero. Sua segunda metade, apesar de ser bem mais didática do que o todo, é reveladora, tendo sua credibilidade posta em cheque por abandonar um pouco o suspense, mas conseguindo apresentar uma boa ambientação policial. Os últimos momentos têm uma notável queda de qualidade, por ter um cunho demasiado piegas, mas que, à luz de toda a extensão do filme, não se caracterizam como um elemento necessariamente ruim.
Ofegante, exibindo imagens cuidadosamente erráticas, com a câmera tremendo e emulando os movimentos típicos da transa e enquadrando as faces corporais íntimas de modo peculiar, sob ângulos onde não se vê qualquer outra coisa. Thanatomorphose de Éric Falardeau mostra logo no início um dos seus dois temas, para explicitar o segundo logo após a intro citada, exibindo o casal após o sexo, interagindo enquanto o homem se fere com um prego no chão, passando a gritar loucamente, exibindo seu escasso traquejo para a atuação dramatúrgica minimamente aceitável.
A câmera de Falardeau não tem qualquer pudor em mostrar nudez, ao contrário, ela parece caçá-la, vista a naturalidade como tal estado é retratado. Sua abordagem remete também ao bondage, uma vez que se preocupa em enquadrar tanto a naturalidade do sexo quanto a existência da dor, mesclando e tornando-as parte de um todo, de uma simbiose onde não mais consegue distinguir uma da outra. O nível desta “obsessão” é ainda mais elevado com o decorrer da trama. A personagem de Émile Beaudry começa a ver suas unhas descolarem e sangrarem levemente – o processo que correra toda a história vai ganhando seus estágios iniciais.
Filmado sempre em ambientes fechados, a intenção do diretor é remeter a claustrofobia, sensação que se daria a um ser vivo caso fosse enclausurado dentro de um caixão, mas a protagonista não tem consciência do que ocorre consigo e com o seu corpo. Tais sensações ficariam mais evidentes caso o elenco fosse melhor, mas a vontade do realizador parece ser a de usar seus personagens como telas em branco, caricatos, para grafar a decomposição que se mostraria a posteriori. As relações, as brigas, os diálogos, tudo é muito mecânico e frio, como um pretexto para revelar a verdadeira faceta da história.
Na sinopse oficial do filme há a definição a respeito do curioso título da obra: Thanatomorphose é um substantivo francês que significa sinais visíveis da decomposição de um organismo, causada pela morte. O modo de viver da protagonista, sem qualquer anseio ou perspectiva, remete a isso. À medida que o roteiro avança, os sinais vão ficando visíveis na folha em branco que é o seu corpo, um lugar onde é facilmente distinguível qualquer hematoma ou ferimento.
Após o começo da transmutação, a personagem prossegue ávida por sexo, se obrigando mesmo sem condições físicas minimamente aceitáveis a se envolver em relações não degradantes. Seu apelo é tão forte que seus parceiros passam por cima da aparência nada agradável dela, ignorando até o seu estado de saúde, debilitado a olhos vistos. Com o agravar da condição, ela começa a sentir pena de si, numa autocomiseração enorme, que a faz chorar e sentir-se infame.
Logo a sensação de mal-estar dá lugar ao desespero total, uma vez que sua pele entra em decomposição. Mesmo as manifestações sexuais mais leves como a masturbação causam em si um dano enorme, com a câmera registrando o seu sangue escorrendo pelo lençol branco, em mais uma travessura com as cores que Falardeau faz com sua fita. O asco predominante apavora muito mais do que qualquer propensão ao susto, a ojeriza é maximizada pela maquiagem que de tão singular, torna-se não catalogável e impossível de ser associada a algo caricato, visto o quase ineditismo com que é feito em seres “vivos”.
Na meia-hora final a putrefação é tanta que as tomadas evitam ser dadas de corpo inteiro, a lente registra o corpo desnudo da protagonista em doses homeopáticas, focando em parcelas muito pequenas do corpo da moça. Mesmo quase não tendo mais vida ou feições humanas, ela ainda busca o prazer carnal, unindo a volúpia ao grotesco, passando a mensagem de que ambos estão inexoravelmente ligados, ainda que sua realização seja tão grotesca quanto o goire das cenas de auto-mutilação. Assim como a degradação de seu corpo, sua moral também se deteriora, e mesmo crimes homicidas deixam de ser um tabu, a única coisa que segue intocável é a sua ninfomania e a luxúria, cada vez mais difíceis de lidar graças a sua compleição cada vez mais degradante. A vontade maior presente na obra é chocar por meio do grotesco, resgatando o exploitation em uma amálgama entre pornografia e decomposição acelerada, em que a utilização de elementos sonoros serve tão bem a trama quanto suas tomadas de impressionante esplendedor visual. Thanatomorphose é um filme forte, imprescindível para o fã ávido pelo cinema extremo e contém em si uma forte mensagem, que a despeito das péssimas atuações, é passada pela linguagem cinematográfica universal, embalada pela sinistra trilha de violino que corta toda a película.
A primeira obra de Joe Hill, Fantasmas do Século XX, compõe uma antologia de contos publicados em periódicos ou coletâneas que foram suficientemente bem recebidos para constarem neste livro.
Em um breve prefácio, o editor Christophen Golden enaltece a composição literária de Hill. Em nenhum momento há a menção à filiação do autor, filho do mestre Stephen King. Uma omissão interessante para que se evite as comparações naturais da obra de pai e filho. Uma tentativa de demonstrar que Hill tem força literária suficiente para apresentar-se sem graus parentescos.
Composto por 16 contos, esta reunião é o cartão de entrada do autor ao universo de horror, fantasia e fantástico, tão comuns aos domínios de seu pai. Ainda que alguns leitores acreditem que o sucesso do jovem autor se deva à influência de King, basta debruçar-se nos contos presentes neste livro para descobrir o seu grande mérito.
A composição de uma narrativa de horror não se associa meramente a um elemento assustador. É um estilo que necessita de uma ambientação sugestionável para o leitor e que lhe projete medo. Em um texto sobre sua própria composição literária, H. P. Lovecraft menciona a importância do leitor dentro destas narrativas, pois é nele que recai os elementos de terror e horror. Cabe ao autor sugeri-lo e o leitor completá-lo com aquilo que o assustaria por completo. A sutileza da narrativa de Hill, apontada também pelo prefácio do editor, estrutura com qualidade o jogo de tensões entre escritor e leitor.
Joe Hill tem uma capacidade intensa em transitar pelo estilos diferenciados de terror e horror. Há espaço para personagens psicóticos, tramas sobrenaturais, elementos em que a fantasia dá abertura à realidade, ao fantástico e ao maravilhoso, sobrepondo-se às histórias banais sem perder a dimensão da poética narrativa. Utilizando os meandros escuros da mente, o resultado é uma série de contos de boa qualidade. Ainda que, como a maioria das antologias, haja declives em determinadas narrativas.
Muitas de suas personagens centrais são garotos adolescentes comuns que viveram um acontecimento inexplicável. São personagens inseridos em uma memória nostálgica que toca o passado dos leitores. Utilizando a memória modificadora de acontecimentos, suas personagens narram casos em uma época difícil, quando ainda descobriam o mundo com novas experiências. Fatos que resultam em tramas com fervor inocente — em destaque pela poética —, sem perder espaço para a malícia natural que surge com os hormônios. Personagens que, por estarem inseridos em um momento de vida transformador, parecem aceitar com maior naturalidade o sobrenatural imposto em cena.
Hill não deixa de reverenciar a própria arte e a tradução literária. Há personagens que trabalham com a produção e edição da escrita, são apaixonados por cinema, quando não são releituras de clássicos do cinema de ficção científica ou de obras importantes para o fantástico, como A Metamorfose de Franz Kafka.
Destacar algumas narrativas como exemplo pode influenciar o leitor a observar com mais atenção tais histórias. Ao mesmo tempo, não fazê-lo é deixar de lado pequenas grandes narrativas que dialogam com a história da própria arte. Caso de O Melhor do Novo Horror, sobre um editor de contos de horror que, à procura de um novo autor que lhe cause espanto, se vê em uma emboscada clássica, como se vivesse as histórias que ele já conhece. Ou em O Último Suspiro, uma trama de horror tradicional que se aproxima dos clássicos de Edgar Allan Poe, cujo grotesco se torna poético e assustador ao mesmo tempo.
Como coletânea de contos, oscilantes por não serem projetados com objetivo único, há diferentes estilos narrativos que demonstram a qualidade de Hill como prosador. Um bom panorama de muitos altos e poucos baixos.
Dez anos após a controversa refilmagem de Marcus Nispel, foi lançado mais um reboot da saga iniciada em 1974 pelo mestre do terror Tobe Hooper. O novo episódio da franquia é tão reverencial ao filme clássico que começa com uma sequência de três minutos relembrando os fatos do episódio primordial, e pretensamente seguiria os fatos ocorridos após os eventos que envolveram Sally Hardest e seu grupo de amigos.
A ideia parece estúpida por muitos motivos, entre eles a distância de quase 40 anos entre uma versão e outra. Outro possível problema é a audácia de tentar retomar algo do ponto em que um grande realizador parou. O maior dos riscos não era fazer um filme sem competência, até porque o próprio criador da franquia tratou de fazer isso ao realizar uma continuação, em 1986, com tons de comédia. O perigo real e imediato é que a fita seguiria mais uma falha tentativa de rever o conceito já tão saturado e laureado. O perigo se mostrou real, e a retomada veio de forma risível, fazendo referência às múltiplas versões realizadas, resgatando, inclusive, conceitos do filme de 2003.
O baixo orçamento é notado já no início, com os tosquíssimos efeitos especiais em CGI, constituindo uma cena de incêndio de maior humor involuntário da história do cinema, digna das produções de Asylum e do canal Syfy. O elenco é liderado pela belíssima Alexandra Daddario (True Detective). Ela faz Heather Miller, uma adolescente que só descobre ser filha adotada após receber uma misteriosa correspondência afirmando que a vó, que sequer conhecia, faleceu.
Após uma briga com seus pais, ela e um grupo de adolescentes resolve viajar pela bela paisagem texana em uma van, até que atropelam um viajante, dão carona a ele e repetem toda a jornada do roteiro manjado. Dona Verna Sawyer Carson deixa para sua amada e incógnita neta uma enorme propriedade, com uma gigantesca casa e um jardim de proporções dantescas. A mansão, localizada na extremidade do terreno, é repleta de passagens secretas, um campo inexplorado repleto de oportunidades para o caroneiro executar alguns furtos e ser castigado por seus maus atos. A primeira morte ocorre após mais de meia hora de exibição e a cena não exibe nenhum grafismo especial ou aura de suspense. Leatherface surge de forma previsível e não causa susto algum no espectador.
A repaginação das cenas canônicas é feita de forma tosca, com bonecos ridículos e assassinatos sem o menor apelo visual. A direção de John Luessenhop é muito errática, falha e relapsa. Seus planos de filmagem não são bem pensados e poderiam ser executados de inúmeras maneiras melhores. Nem mesmo as perseguições garantem um pouco de alento. As soluções encontradas pelo grupinho de heróis são estúpidas e sem lógica alguma. As mortes não são sequer lamentadas, visto o vazio completo que é o background dos protagonistas.
No segundo terço do filme é mostrada uma sequência de perseguição no interior de um parque de diversões repleto de gente. Falar isto não faz jus ao absurdo e à pachorra da execução da cena. A situação só não é mais esdrúxula do que a investigação transmitida ao vivo via celular por um único policial, que sequer espera o reforço de seus colegas. O festival de bonecos mutilados no porão faz com que o 3D da fita torne-se ainda mais degradante e asqueroso, e esse aspecto não é graças ao gore, mas sim ao estilo paupérrimo de filmagem e ao registro pífio das ações.
Leatherface é reduzido a um tacanho caipira, um imbecil de marca maior com a alcunha de Jebediah Sawyer. Deixa de lado a faceta de misterioso canibal, matricida e necrófilo para ser um mongol gigante, carente, sustentado pela tia idosa e que nas horas vagas pratica alguns assassinato para usar a pele de suas vítimas como peças do guarda-roupa.
A situação fica ainda mais feia e calamitosa quando o remate se aproxima, com uma virada de roteiro que coloca os personagens numa rivalidade entre famílias. As ações decorridas apresentam referências a diversas franquias de terror, como Jogos Mortais, Halloween, Sexta-Feira 13. Se a ideia dos roteiristas era a de prestar homenagem a elas, a tentativa falhou miseravelmente.
Os fatos que ocorrem nos últimos 15 minutos são tão mal arquitetados que parecem ter sido escolhidos por sorteio após sugestões dos piores contadores de história de todos os tempos. O vilão, construído para ser o diabo encarnado, é transformado em um zero à esquerda, tão digno de pena que faz com que a louca heroína se alie a ele, tudo em nome da sobrevivência e dos laços sanguíneos. Heather Miller se une ao mesmo sujeito que matou o seu namorado e seus amigos momentos antes. A condução que John Luessenhop dá ao seu filme faz com que a saudade de Marcus Nispel seja sentida, mesmo que sua versão do clássico tenha dividido opiniões. A incapacidade do cineasta responsável por esta versão de 2013 não conhece limites.
O roteiro conseguiu o praticamente impossível feito de reunir a família Saywer em um doce e terno momento, seguido de uma bela mensagem vazia na qual é explicitado o legado da protagonista. Os fatos decorridos neste período conseguem ser mais absurdos que todo o conjunto de sandices anteriormente mostrado, pervertendo a máxima de que a ideia de realizar este filme era estúpida. Nada no filme se salva. As atuações são as piores possíveis. As gostosas atrizes miguelam até a semi-nudez. Todos os clichês possíveis de um filme de terror são executados e ainda se consegue a façanha de cometer gafes inéditas, como as mostradas nas cenas derradeiras. O débil roteiro ainda guarda uma cena pós-crédito inútil e dispensável. O Massacre da Serra Elétrica 3D está entre os já execráveis remakes de filmes de terror, o mais escuso da lista entre os mais recentes realizados, conseguindo superar e muitos os seus combalidos e abomináveis coirmãos.
Taxidermia funciona como uma colcha de retalhos. Inspirado nos contos do escritor Lajos Parti Nagy, o filme conta três causos bizarros que têm em comum as gerações de uma família disfuncional e repleta de esquisitices em seu cotidiano.
O primeiro ato foca no soldado Moroscovany (Csaba Czene), que, ao enfrentar um frio intenso, tem a sexualidade reprimida. A busca pelo prazer sexual se pauta no voyeurismo, sendo que seus alvos são sempre do sexo feminino. Suas fantasias alcançam ares bizarros e flertam com o bestialismo e dores intensas. A vagina, para ele, é um objeto de adoração; mesmo a mais remota menção ao órgão sexual feminino o faz delirar e se decepcionar por não alcançar o orgasmo. Suas taras fazem com que seu superior pense que ele fantasia com sua rotunda esposa e, por isso, o pobre soldado perece. A banheira, onde o protagonista antes dormia, é um signo da sexualidade e torna-se uma representação de sensações pueris, como uma mensagem alertando que o bizarro varia de cabeça a cabeça.
A segunda parte é protagonizada por Kalman (Gergely Trócsányi), o bebê com rabo que cresceu estupidamente e tornou-se um adiposo esportista que participa de um torneio cujo objetivo é atestar a quantidade de comida que um corpo humano pode aguentar. Bravamente ele defende as cores da Hungria. Curioso é que os órgãos oficiais olímpicos reconhecem o torneio de glutonaria como um evento legitimamente esportivo. O lazer entre o núcleo de personagens gordos é incomum e bizarro mesmo quando coincide com o que é comum ao sujeito “normal”.
A terceira geração dos Balatony mostra Lajus (Marc Bischoff), um taxidermista que contrasta com seus antepassados, inclusive com seu ainda vivo pai, que era uma lenda do esporte. Os quilos que os separam servem para mostrar o abismo filosófico entre os dois. A relação entre os parentes é cortada pela visão degradante do moço em relação ao seu antecessor, e pautada no ódio provocado no filho. O pai, mesmo em uma forma decadente e imóvel, insiste em desprezar o rapaz de forma muito arrogante. O filho, por sua vez, despreza por completo a asquerosa figura que o progenitor se tornou, tanto fisicamente como também de gênio e caráter. No entanto, Lajus sente-se deprimido por brigar com ele, e ao encontrá-lo pela última vez, decide torná-lo o protótipo de sua obra de arte suprema.
O conjunto de imagens filmadas por György Pálfi é essencial para que se entenda sua mensagem, numa tentativa de registrar a trajetória humana na Terra enfatizando o grotesco. Os closes na cauda de Kalmar preconiza a característica animalesca e sobre-humana, mostrando o homem como um ser também bestial. Já no episódio do chaveiro de feto, há uma pitada de humor negro, elemento frequente no decorrer da película, a fim de mostrar o cinismo inerente ao ser humano.
O intuito é causar nojo, asco e ojeriza e comover pelo barbarismo e, claro, pela escatologia, emulando lágrimas com suor provindos das axilas de um gordo. Lajus, através de sua máquina de auto-empalamento (o mecanismo que o faz desfalecer), permite que ele se torne imortal, ainda que esta seja uma escultura incompleta. O filme fecha com um detalhe no umbigo, símbolo do nascituro, representando o nascimento de algo para o clã Balatony, que teve trajetória encurtada em um sentido e estendida em outro.
Muito antes do cinema extremo virar moda (com os “quase comerciais” Centopeia Humana e Taxidermia), Ken Rusell já punha o dedo na ferida, com uma filmografia que se valia demais da contestação do conservadorismo e dos bons costumes. Viagens Alucinantes usa experimentos científicos utilizados pelo panteão de personagens para discutir os efeitos dos alucinógenos sobre a mente de quem os experimenta.
William Hurt (ainda moço) estrela o filme, fazendo um cientista que perde a fé nas escrituras sagradas, na família como instituição e contraditoriamente se abre com a parceira sexual que acaba de conhecer. Os experimentos que Eddie Jessup submete a si mesmo o levam a alucinações que mesclam o santo, o satânico e o sexual, o que demonstra a bagunça mental que subsiste no campo de suas ideias, evidenciando a confusão interna que ele tem de enfrentar.
A volúpia de Eddie em prosseguir com seus testes faz com que ele se isole, aumentando o desejo de fugir da vidinha perfeita e normativa que possui. A realidade e o conjunto de crenças dos homens comuns não são suficientes para ele e causam-no um incômodo enorme. A superação do Ego (enquanto conceito freudiano) torna-se uma obsessão para ele. A busca por novos psicotrópicos e substâncias alucinantes vira uma questão fundamental e substitui a necessidade de uma rotina e do convívio com outros seres humanos.
Os signos visuais utilizados pelo realizador têm o intuito de emular a viagem que o ácido gera em quem o consome. Apesar do conteúdo, por vezes perturbador, torna-se praticamente impossível desviar o olhar dos terrores mostrados. Tal impossibilidade é muitíssimo semelhante à ânsia pela não-interrupção do efeito causado pelo LSD, amplificado pelas câmeras de isolamento que Eddie utiliza. As situações que o envolvem ajudam a enfatizar o desprendimento do usuário de entorpecentes em relação a tudo o que não tem relação com o vício. O estado em que ele fica após uma longa exposição à droga o mostra fisicamente debilitado, mas evoluído mentalmente, segundo o seu próprio depoimento.
A fissura piora com o passar do tempo, as alucinações ganham contornos de realidade e o estado de transe e o mundo concreto se confundem cada vez mais. Os efeitos visuais, demasiados datados, mas muito mais orgânicos que o CGI largamente usado atualmente, ajudam a aumentar o escopo de pavor, abrilhantando cenas aparentemente inimagináveis e magistralmente filmadas. As regressões que Eddie sofre são tão intensas que o fazem sentir estar retornando a um estágio de pensamento primitivo – a coisa toda é tão intoxicante que ele não pode ficar muito tempo distante dos auto-experimentos.
O terço final carrega uma carga tão nonsense que é difícil até para o público distinguir o que é piração e realidade, transitando entre as alterações de estado mental e a metamorfose kafkiana, apresentada num nível mais bruto e selvagem que a transmutação insetóide. A faceta animal do protagonista passa da caça aos que lhe são hostis à predação dos seres abaixo de si na cadeia alimentar, quando invade de mãos nuas algumas jaulas do zoológico, tudo graças a uma bad trip.
As questões fundamentais levantadas no fim do filme são dúbias e a viagem visual decorrente do uso abusivo das substâncias remete bastante às últimas cenas da pérola kubrickiana, 2001: Uma Odisseia no Espaço. Até o sentido é semelhante, pois visa replicar a transcendência, ainda que em Viagens Alucinantes a fronteira final não seja o espaço, e sim a psiquê humana e a transposição de seus limites.
Há um sem número de signos espalhados pelo cenário, quase sempre referindo-se à fisiologia humana, a sexual quase sempre, reforçando o pensamento de Sigmund Freud em associar as anomalias psíquicas à vida sexual. Eddie entende que está em apuros, mas declara que é impossível retirar-se da insanidade que o habita. No entanto, o desfecho levanta a possibilidade de reabilitação, o que contradiz quase todo o roteiro, mas que não invalida uma eventual recaída, porém foca num otimismo que não combina com o resto da obra.