Tag: Anya Taylor-Joy

  • Crítica | Noite Passada em Soho

    Crítica | Noite Passada em Soho

    Noite Passada em Soho é um thriller emocionante e emocional do diretor de Em Ritmo de Fuga. Seu começo é singelo, com a jovem Eloise/Ellie (Thomasin McKenzie) recebendo a notícia de que deixaria sua pequena cidade onde mora com a avó para sua mudança para Londres, estudar moda como sempre quis e sonhou.

    O filme de Edgar Wright trata de traumas passados, problemas familiares graves e questões psíquicas. A protagonista é uma moça doce que carrega consigo a dor de ter perdido sua mãe de forma bastante trágica e traumática, vítima de suicídio praticado exatamente na capital da Inglaterra, fato que faz com que sua família se preocupe com a aspirante a estilista.

    A personalidade e psique da menina são influenciadas pela falta dessa figura materna, e quando ela chega à metrópole tem atritos com outras estudantes fashionistas. Isso a faz querer se afastar, e é nessa ínterim que ela resolve se mudar dos dormitórios da faculdade, para um lugarzinho ermo, e lá ela passa a ver seus atos como os de Sandy (Anya Taylor-Joy), uma moça que sonhava em ser cantora dos anos 1960, justamente a época que Ellie mais amava.

    Essas viagens no tempo podem fazer com que o espectador pense que esse é um filme irmão de Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, mas o resgate ao passado é um despiste. A história de Wright e Krysty Wilson-Cairns (de 1917 e Penny Dreadful) é bastante trágica, repleta de violência e abusos. Esses aspectos são desenrolados gradualmente, e o público é convidado a mergulhar em um abismo de tristeza e desesperança, fato que certamente pode causar desconforto em um público mais sensível.

    Um fator curioso é como Wright insere Londres como uma personagem. A cidade é o lar de tragédias cotidianas e corriqueiras, um lugar onde mortes literais (ou não) ocorrem o tempo inteiro. De certa forma, toda grande cidade é assim, e essa campanha de apagamento da romantização de lugares turísticos (bem como de épocas) é alcançada à perfeição, por mais que o ponto de partida seja exatamente nesta obra.

    Que Taylor-Joy é uma excelente atriz não é novidade. A Bruxa mesmo demonstra isso, mas Wright dá a ela oportunidade de mostrar uma face até então desconhecida. Seu trabalho engloba o de uma pin-up praticamente irrepreensível. O arquétipo de moça em perigo também é aludido e perfeitamente encaixado, sua personagem tal qual é Ellie, tem complexidade e apesar dos seus sonhos artísticos em soltar a voz, a moça passa boa parte de sua participação em silêncio, se comunicando por sussurros e gritos contidos que passam a ser cada vez mais frequentes à medida que vê seus sonhos ruírem.

    Wright é afiado na direção, condução e roteiro. Não tem receio em colocar o dedo na ferida, e ainda denuncia questões controversas no cenário artístico mainstream, e faz isso sem concessões, subestimar o público ou qualquer olhar moralista para os atos condenáveis das suas personagens.

    O final do filme poderia soar piegas e clichê, mas ao contrário, ratifica as coincidências de sentido e sentimento entre Ellie e Sandy. McKenzie e Taylor-Joy formam um dueto incrível, quase simbiótico e essa sem dúvida é a maior riqueza de Noite Passada em Soho. O longo usa poucos atalhos narrativos, não apela para conveniências de roteiro e acerta nos pequenos passos ousados que propõe, além disso, também possui toda a verve típica da filmografia de seu cineasta que parece amadurecer cada vez que se lança em novos projetos.

  • Crítica | Os Novos Mutantes

    Crítica | Os Novos Mutantes

    Envolto em muitas polêmicas e adiamentos, Os Novos Mutantes é o longa de Josh Boone que aborda as histórias do grupo mutante da Marvel que seria a geração posterior aos clássicos X-Men. Baseado nas HQ homônimas de Chris Claremont e Bob McLeod, o filme ficou por muito tempo em um limbo de exibição após a compra dos estúdios Fox pela Disney, e entre a possibilidade de estrear direto em streaming e ir para o cinema, acabou indo pela segunda vertente, embora por pouco tempo devido a pandemia de Covid 19.

    A história começa mostrando uma perseguição a Dani Moonstar, personagem de Blu Hunt que, nos quadrinhos, vem a ser uma das líderes da equipe Novos Mutantes. Não demora a aparecer ela sofrendo um grande trauma, sendo acolhida por uma médica, a Dra. Reyes, personagem de Alice Braga que tenta parecer simpática, mas que em momento nenhum engana o espectador mais atento. Logo ela vai até uma estranha mansão, onde se encontra com um quarteto de jovens, a saber Illyana Rasputin/Magia (Anya Taylor-Joy), Sam Guthrie/Míssil (Charlie Heaton), Roberto da Costa/Mancha Solar (Henry Zaga) e Rahne Sinclair/Lupina (Maisie Williams).

    A maioria dos jovens são diferentes de suas contrapartes dos quadrinhos, o que não é exatamente um problema normalmente, mas que em alguns casos, se torna bem incômodo por conta de serem personagens excluídos socialmente para além até do preconceito com mutantes. No entanto, nenhuma incongruência irrita mais do que a quantidade de arquétipos vazios apresentados. Há a garota problema, o rapaz conquistador barato, o menino do interior que tem dificuldades de lidar com os outros, além de rivalidades que fazem pouco ou nenhum sentido e supressão da identidade indígena da protagonista.

    Mesmo que essas questões possam ser importantes (e são, em sua maioria) se forem ignoradas sobram questões complicadas de roteiro. Uma delas, relativa ao poder de Sam. Nos quadrinhos ele se torna invulnerável ao voar e por mais que não se fale isso de maneira categórica no filme, imagina-se que funciona da mesma forma, já que suas roupas ficam intactas quando entra em ação, no entanto ele fica com uma tipoia no braço graças a um machucado de quando está usando o poder. Além disso, o choque do quinteto de jovens com a figura vilanesca não faz muito sentido, pois eles são bem mais poderosos que esse opositor.

    Um dos boatos mais fortes a respeito do filme, era que o material de trailer dele era um viral irônico, que brincaria com a possibilidade de um filme de terror com elementos de super heróis. A teoria da conspiração consistia em afirmar que Boone mudou o tom do filme para se adequar ao horror já que o trailer fez sucesso, e mesmo que isso seja negado, em alguns pontos parece ser verdade, uma vez que as partes focadas no horror não assustam, não há sequer clichês ruins mas bem encaixados ao menos, como jumpscares, e o tal terror psicológico não se justifica.

    A essência dos personagens também não tem muito a ver com os originais, Sam é demasiadamente perturbado, condição essa compartilhada entre todos em menor grau, são traumatizados e isso os torna como bem genéricos entre si, diferenciando-os apenas pela aparência e poderes. A maioria deles tem até um lugar do cenário para ficar a maior parte dos momentos, e essas condições todas juntas fazem com que o filme se assemelhe demais com os desenhos animados de herói dos anos 60, onde todos os personagens eram iguais, tirando suas cores de colantes.

    Apesar do roteiro tentar manter algum mistério a respeito do lugar e da intenção das pessoas que circundam o lugar de estudos, não há sutilezas nas relações entre os garotos. Eles não são tridimensionais, se prendem demais aos arquétipos e tabus comuns a filmes de delinquência juvenil. Hunt não parece ter talento dramático o suficiente para protagonizar um filme de proposta tão ousada, tampouco a direção e roteiro parecem maduros para seguir essa toada diferente para um filme do Universo X. Do ponto de vista técnico a fotografia é clara demais até nos momentos de horror, os efeitos especiais não são muito realistas, e ficam pior sob essa luz.

    Os Novos Mutantes foi sabotado pelos filmes da Fox, especialmente X-Men: Fênix Negra, mas também não se sustenta bem, as intenções dos personagens, que deveriam soar dúbias, são obvias até para quem jamais leu os gibis, além disso, a tentativa de mostrar a sexualidade de alguns personagens é tola e reducionista, não se trabalha dramaticamente os romances, tampouco a relação de camaradagem entre personagens, que é um dos alicerces da HQ original.

  • Crítica | Playmobil: O Filme

    Crítica | Playmobil: O Filme

    Quem nasceu ou foi criança durante a década de 1980 deve se lembrar com bastante nostalgia de dos bonecos Playmobil (ou ao menos se lembra de ter brincado com alguns desses na casa daquele vizinho que tinha os brinquedos mais descolados). Desde então, a marca ficou meio que esquecida em meio a gigantes do mercado com licenças de produtos com maior apelo midiático, como Playskool/Hasbro e sua linha Marvel, Imaginext/Mattel com seus diversos playsets da DC e uma variada linha de produtos do Batman, e a gigantesca Lego, que tem licenciado em seu catálogo aproximadamente tudo que existe. Sendo assim, com o sucesso dos filmes baseados nos bloquinhos de montar da Lego, talvez fosse uma boa ideia para a Playmobil ter um filme que desse um upgrade nas vendas de seus bonecos e cenários.

    Com uma produção complicada, entre adiamentos de data de lançamento, troca de estúdios e falência de distribuidora, Playmobil – O filme chega aos trancos e barrancos aos cinemas em dezembro de 2019 e não decepciona quem já imaginava que seria um filme fraco. Com um roteiro clichê e desenvolvimento da trama totalmente previsível, o filme sequer consegue acertar no marketing, já que a marca Playmobil sequer aparece durante suas 1h e 50 min de duração. Em um filme que funciona como um grande comercial de brinquedo isso é bastante estranho, por vários motivos, sendo o principal a dificuldade de associação por parte do público infantil. O próprio design dos personagens lembra muito pouco os bonecos da marca, principalmente devido as expressões faciais e os olhos, muito diferentes dos brinquedos.

    O filme conta a história da jovem Marla (Anya Taylor-Joy) e seu irmão caçula Charlie (Ryan S. Hill aos seis anos e Gabriel Bateman aos dez). A garota sonhava em viajar e conhecer o mundo, enquanto brincava com seu irmão com os bonecos genéricos de vikings e centuriões romanos, quando uma tragédia interrompe seus projetos futuros e ela se vê obrigada a tomar as rédeas da própria vida muito cedo, além de ter que criar Charlie sozinha. Isso faz com que Marla tenha muito cedo um peso nas costas que tira dela toda a alegria de viver, enquanto Charlie ainda cobra pelas aventuras que vivia com a irmã mais velha. Ao tentar se reconectar com o irmão, os dois são transportados ao mundo mágico de suas brincadeiras de infância, e são transformados nos bonecos com mãos de pinça e pernas pouco ou nada articuladas. Aliás, essa é uma das inconsistências do filme que chegam a incomodar: Marla tem muita dificuldade para andar devido às pernas de Playmobil (que têm movimento muito limitado), mas isso serve apenas como uma gag no começo de sua jornada: poucos minutos depois ela já está correndo feito uma maratonista.

    Ao contrário de Marla, que surge como uma boneca comum no mundo dos brinquedos, Charlie se encarna em um guerreiro bárbaro, extremamente forte e com visual “maneiro”. Em uma luta entre viking e piratas, Charlie acaba sendo separado de sua irmã, que inicia uma espécie de road trip para encontrá-lo novamente e assim voltar para a casa. Com isso, ambos passam por diversos cenários de brinquedo que variam desde pré-história até faroeste e Império Romano. No meio do caminho encontram alguns personagens interessantes, como Del (Jim Gaffigan), um entregador de “feno mágico” que aceita ajudar em troca de moedas de ouro de brinquedo, Rex Dasher (Daniel Radcliffe), um James Bond genérico, a Fada Madrinha (interpretada por Meghan Trainor) e o imperador romano interpretado por Adam Lambert. Ao final, Marla aprende uma importante lição sobre a vida e assim pode voltar pra casa com seu irmão (como em centenas de outro filmes parecidos).

    O filme dirigido por Lino DiSalvo não empolga, não se mantém consistente e chega a ser entediante durante o segundo ato, além de ter um final bastante previsível e clichê. Seus momentos de humor variam bastante entre o pastelão e piadas mais adultas (que “feno mágico” é aquele que deixa quem o come mais alegre e purpurinado?), e o roteiro esquecível não traz grandes surpresas. Talvez seja uma boa opção pra distrair as crianças no período de férias, mas apenas porque os pequenos assistem a qualquer coisa mesmo.

    https://www.youtube.com/watch?v=6cvakjSglZw

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  • Crítica | Vidro

    Crítica | Vidro

    Mal avaliado pela crítica internacional, Vidro, nova obra de M. Night Shyamalan possui dentro de si dois filmes bem distintos que em alguns momentos se tocam e se condensam, um dele é mais escapista e leva com base as historias em quadrinhos de super heróis, e outra mais audaciosa e pretensiosa mira um enredo com elementos de teoria da conspiração. O ponto de partida para esta historia é a captura de dois seres de capacidades sobre humanas, David Dunn, personagem de Bruce Willis que protagonizou Corpo Fechado, e Kelvin Wendell Crumb, que foi o personagem central de Fragmentado, de novo executado por James McAvoy.

    Esta parte mais megalomaníaca é  claramente inferior a questão que faz referencia aos quadrinhos, e boa parte dela é motivada pela personagem de Sarah Poulsen, a doutora Ellie Staple, que é designada para cuidar de David, Kelvin e também de Elijah Price (Samuel L. Jackson), o Mister Glass, que é um homem de uma mente muito poderosa, e que permanece sempre sedado para não executar seus planos malignos. Aqui se nota um cuidado do roteiro em expandir a mitologia, seguindo a ideia do filme de 2000 de tentar encaixar os super seres em um ambiente e cenário plausível, pois cada um desses homens tem uma cela e condições especiais para frear suas habilidades e fúrias.

    No entanto, Staple é uma personagem cética. Em um primeiro momento se mostra  completamente incrédula nas capacidades dos pacientes internos da instituição, e usa a teoria de Mister Glass como base para desbaratar a questão e mostrar que os feitos do trio ocorreram por conta de estados alterados da mente  ou por outras questões com alguma explicação mais terrena do que a crença de que os quadrinhos contam historia e feitos de pessoas reais. Até certo ponto essa questão é bem desenvolvida e faz sentido, mas é nela que moram grande parte dos problemas do roteiro.

    As cenas de ação, as sequências de luta e o resgate aos personagens antigos e periféricos são aspectos bem legais da trama. Spencer Treat Clark, Anya Taylor-Joy e Charlayne Woodard conseguem reprisar bem seus papeis, e todos eles são ressignificados e com quadros evoluídos. Há ressentimentos, culpa e um sentimento de impotência em comum com Joseph Dunn, Claire Foley e a mãe de Elijah e o desenrolar desse aspecto da historia é feito de um modo muito inteligente e maduro, uma vez que personagens secundários sempre foram parte importante do cânone dos heróis seja nas Eras de Ouro, Prata ou moderna dos quadrinhos.

    Shyamalan foi relegado por grande parte de público e crítica a condição de péssimo diretor, e isso obviamente é um exagero. Muito desse sentimento rancoroso ocorreu por conta do seu belo início como cineasta e com as comparações desnecessárias que a imprensa fez da sua filmografia com a de Steven Spielberg, mas isso é pouco culpa dele. Após Dama na Água seus filmes sofreram um terrível declínio, mas o fato de ter realizado obras execráveis não apaga seus méritos anteriores, o que aliás é um exercício de futilidade terrível. Outros cineastas famosos também sofreram um bocado com isso, desde Bryan Singer e Christopher Nolan mais recentemente, até Tim Burton e esse tipo de afetação é algo desnecessário demais.

    A personificação dos três personagens poderosos varia de qualidade. David é muito bem interpretado por Willis, que aliás, volta a ter um desempenho bom e isso faz falta em sua filmografia recente, e isso tudo se dá graças principalmente a antiga parceria com o diretor. Jackson faz um personagem enigmático, manipulador e carismático, é quase impossível de não simpatizar, já McAvoy segue afetado, com algumas de suas personalidades melhor exploradas e outras sub aproveitadas, como foi no filme anterior. Já Sarah Poulsen faz uma personagem que tenta soar  complexa, mas que só consegue reunir em si a má vontade típica dos antagonistas, e ela deveria ser uma mulher de caráter dúbio, mas falta construção de roteiro para sua personagem, e claramente não é culpa da interprete. Nem as revelações sobre suas ligações com o passado salvam ela de um destino mal construído pelo roteiro.

    Vidro está longe de ser perfeito, seu roteiro carece de uma melhor construção, mas mesmo com tantos defeitos ele sobrevive até ao fato de seu antecessor Fragmentado ser superestimado. Conseguir reunir três personagens tão icônicos e cheios de detalhes diferenciados é um mérito grande, além do que também se  harmoniza isso tudo de maneira coesa é certamente, constituindo então um belo acerto do autor de Sexto Sentido. O fato do final ter um final surpreendente não é necessariamente um problema, apesar incomodar bastante a gangorra emocional próxima do desfecho, enchendo os minutos finais de reviravoltas meio bobas e que estão lá basicamente para chocar. Incrivelmente, Shyamalan até nesse defeito em sua obra emula uma característica típica dos quadrinhos recentes, que é a predileção para uma narrativa épica meio forçada e frustrada pela fregilidade de sua construção.

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  • Crítica | Fragmentado

    Crítica | Fragmentado

    A carreira de M. Night Shyamalan é bastante irregular, com um começo mainstream de indiscutível qualidade – em especial O Sexto Sentido e Sinais – e alguns filmes cuja qualidade é discutida até hoje – A Vila e A Dama na Água – e uma fase claramente decadente – Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois Da Terra. Há pouco tempo, houve uma melhora considerável em seus trabalhos individuais, com A Visita sendo esse um filme absolutamente elogiado, inclusive por quem execrava o realizador. O drama Fragmentado buscava ser um retorno as origens ainda maior, com uma história complexa, envolvendo questões mentais como múltiplas personalidades, ao passo que o orçamento da produção também era mais modesto, fato que permitiria ao cineasta ser mais criativo e inventivo, como no começo de sua carreira.

    A história acompanha a rotina de três adolescentes que são sequestradas por um estranho homem careca. Este é Kevin (James McAvoy), um sujeito que tem um transtorno dissociativo de identidade, fato que o faz ser capaz de alternar para suas personalidades acessórias de maneira incalculável, sendo essas um total de 23. O perfil do raptor varia entre a hostilidade e docilidade, de acordo com qual individuo está no comando de sua psique e os infortúnios das moças começam por não saber o que esperar de seu raptor.

    A quase ausência de trilha sonora no início ajuda a se criar uma atmosfera de pânico, com o suspense sendo sustentado principalmente através das expressões de temor das raptadas, em especial Casey (Anya Taylor-Joy, a mesma que protagonizou A Bruxa). Em alguns momentos por volta da primeira hora do longa há um sem número de situações muito parecidas entre si. Tal aspecto faz o filme parecer moroso para os olhares menos atentos, ainda que o intuito do texto seja mostrar o quão desesperadora é a rotina de quem é mantido preso quanto sua vontade e o quanto a reprise de momentos chaves pode ser incômoda e terrível para quem já está em uma situação limite por um tempo considerável, como ocorre com Casey.

    Fragmentado mistura thriller com filme de monstro, evocando os porões da alma humana como fonte do seu terror. Mostra a personalidade mais cruel como a de um intolerante fanático religioso, em uma cena próxima do final que faz lembrar ótimos momentos dos jogos eletrônicos de survival horror, em especial Silent Hill e Resident Evil. O desfecho une vítima e o infligidor do mal em uma rede sentimental que faz sentido para quem assiste, ainda que essa associação seja absolutamente macabra e preocupante sob o ponto de vista sociológico, sem dar quaisquer chances de chamar tal interação de Síndrome de Estocolmo, ao menos não na conclusão final.

    O filme em alguns momentos carece de um ritmo mais dinâmico, mas os instantes finais fazem lembrar os bons predicados de Shyamalan, no sentido de criar tensão, sem dessa vez precisar de um plot-twist genial para chamar a atenção de seu público, ainda que haja uma bela surpresa na cena pré-créditos. A atuação de McAvoy rivaliza com o bom nível de suspense como aspecto mais positivo do longa, que certamente é uma retomada audaciosa a filmografia que explora os mistérios da alma e mente humana, com Shyamalan costumava fazer, resgatando também o espírito The Twilight Zone típico de suas obras mais antigas.

  • Crítica | A Bruxa

    Crítica | A Bruxa

    A Bruxa 2

    De todos os gêneros temáticos do cinema, o terror talvez seja o que tem maior facilidade para divulgação e propagação de filmes ruins, especialmente pela baixa dificuldade em produzir toda sorte de criatura amedrontadora ou plot repleto de sustos. São poucos produtos que transcendem a barreira do pré julgamento, a exemplo dos clássicos de William Friedkin, Stanley Kubrick e Roman Polanski. O ideal que A Bruxa de Robert Eggers é atingir este mesmo filão onde se encontram Bebê de Rosemary, O Exorcista, O Iluminado e Repulsa ao Sexo, utilizando um conjunto de lendas e temores tradicionais da literatura de horror, se valendo de contos orais e escritos para montar o seu texto.

    O roteiro de Eggers foca em um clã cristão de nome jamais dito, que é afastado de seu vilarejo graças a um suposto pacto demoníaco. O patriarca William (Ralph Ineson) refuta esta possibilidade e sob protesto aceita seu exílio, levando sua esposa Katherine (Katie Dickie), três crianças e seus dois filhos mais velhos, Caleb (Harvey Scrimshaw), que desenvolve seus primeiros impulsos sexuais ligados a puberdade, e Thomasin (Anya Taylor-Joy), que começaria por ser os olhos do espectador e que evoluiria no decorrer do drama.

    A crença no deus do cristianismo comanda a casa, pautando os desejos e anseios da família, exceção feita em partes a figura de Thomasin, que em sua fase de crescimento começa a questionar certas normas sobre como deveria ser seu destino. A partir da mudança para as proximidades de uma floresta bastante antiga, eventos esquisitos começam a assolar a família, deixando o sentimento de abandono divino, graças as catástrofes ocorridas.

    Os infortúnios que acometem os cuidados da primogênita com seus irmãos não parecem ter ligação com a insatisfação que cresce em seu interior, ao menos não no começo. Com o desenrolar da trama, as possibilidades restringem as dúvidas de caráter a ela, apelando mais uma vez a associação do pecado à mulher, seguindo a tradição bíblica e do medievo, exemplificando de maneira bastante simples a fobia não só a criatura da bruxa como da mulher em geral, como detentora da iniquidade.

    O temor se pauta não em sustos, e sim no anseio pelo proibido, ajudado demais pela ilusão causada através da ignorância provocada pelo fanatismo religioso. A Bruxa é um terror de época impactante, interessante a um modo que há muito não se via, utilizando pouco de momentos cômicos e quando se apela a isto, apresenta-se um humor negro, fino, cruel e escatológico. Passa longe de ser um filme de horror comum e é uma estreia muito promissora de seu realizador no campo de longas metragens, especialmente por discutir veladamente sobre a misoginia normalmente associada a religião cristã e a dubiedade da figura amedrontadora.