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  • Crítica | A Mata Negra

    Crítica | A Mata Negra

    Rodrigo Aragão é uma entidade do cinema muito fiel às suas origens e aos seus gostos pessoais. Toda sua obra como diretor remete à vontade de não só de replicar as fitas trashs que apreciava desde criança, bem como o seu ofício como exímio construtor de efeitos práticos, maquiagem e afins. Dito isto, A Mata Negra, quarto longa-metragem solo do realizador é mais um pretexto para ele dar vazão a essas boas características, e que belo pretexto.

    Antes mesmo da história começar se nota uma trilha sonora repleta de batuques, remetendo a outro elemento que Aragão sempre impõe em suas obras, o misticismo típico das religiões afro-brasileiras. Após uma introdução musical, é mostrado um senhor de idade avançada, lidando com Clara (Carol Aragão), uma menina órfã abandonada que ele encontrou há alguns anos. O desejo dele é que ela pegue dinheiro e saia daquele lugar, dando-lhe um bolo de notas antigas, fato que localiza este filme em um tempo passado.

    Já nesse início é mostrado a aura mística muito local que Aragão propõe dentro do seu universo fantástico, já que o senhor aparece possuído por uma entidade. Ao ir à feira local a moça se apaixona pela primeira pessoa que lhe dá atenção, levando em conta sua carência e completa ausência de vida social. Desatenta e iludida ela acaba sendo furtada, mas antes de voltar a sua cabana, encontra um homem que está prestes a morrer. O sujeito lhe entrega um livro e pede para que ela reze por ele para não ir ao inferno, fato que ela prontamente faz, no entanto, ela sofre um revide, seu pai perece, e não por já ser muito velho.

    O visual e a atmosfera do longa é extremamente sofisticado para o baixo orçamento que possui, e muito disso se dá pelos efeitos digitais que André Rios orquestra. Se falta talento e naturalidade ao elenco – artifício proposital do cinema de Aragão – não há qualquer problema com o visual. Os cenários dos matagais escolhidos para mostrar a intimidade de Clara e as novas descobertas espirituais que ela faz beiram a perfeição. No desespero para realizar um desejo pessoal, Clara tenta se tornar bruxa e faz um sacrifício com crianças como oferenda, a fim de tentar ressuscitar seu amado, o que obviamente dá errado.

    Na segunda tentativa de ritual aparece um pastor evangélico, vivido por Jackson Antunes, e ele  manda atacar a bruxa, que segundo ele, é a filha do satanás. O personagem é um dos poucos que se leva a sério, mas ainda assim não muito, de sua boca sai o aviso para que os fiéis não toquem em nada, pois ali estão as paredes ungidas pelo esperma do mal. Por mais que o filme se muna de seus próprios mitos, aqui se nota uma semelhança desse personagem com outro da cultura pop, o clérigo Frolo, de  O Corcunda de Notre Dame, que se apaixonou pela cigana e a culpa por causar nele os desejos básicos e sexuais comuns a qualquer um. Tanto Frolo quanto esse pastor condenam a mulher pelas suas próprias falhas de caráter e pela sua lascívia e o roteiro deixa isso claro mesmo sem uma linguagem rebuscada.

    Em Mangue Negro, o diretor fazia referências não só ao mangue, mas um pouco ao estilo musical do Manguebeat, de Chico Science e Nação Zumbi, e aqui também há referências narrativas ao movimento pernambucano. A bruxaria que Clara evoca é causada por necessidade, por pura maldade, assim como na letra de Banditismo Por Uma Questão de Classe, do disco Da Lama Ao Caos. A vida miserável e triste que a menina leva não encontra qualquer eco de bondade ou mínima alegria às suas privações, o apelo a feitiçaria ocorre por desespero e falta de opção, e obviamente, o povo não a entende, nem aceita.

    Os núcleos acessórios são engraçados, como a família de Zé, interpretado por Francisco Gaspar e sua esposa grávida Maria (Clarissa Pinheiro), onde predomina uma intolerância entre o clã, com brigas e humilhações frequentes não só com o casal mas também com a velha mãe de José, uma mulher já doente. Além disso, o mal agouro paira sobre sua cabeça quando Clara cruza seu caminho, em um resumo que ela afirma que tudo que ela toca morre. A revelação da maldição é mostrada gradativamente.

    A maldição continua ocorrendo, principalmente sobre os que causaram mal a Clara e a maior parte dos momentos onde há aparições sobrenaturais há uma mistura de um horror bem construído, graças aos construtos, animatrônicos e maquiagens que Aragão coloca em seus demônios, mas também um humor escrachado e histérico, que serve de válvula de escape para que o espectador não ache o todo muito pesado.

    O núcleo evangélico retorna, e em meio a ele se percebe um dos plot twists do roteiro, envolvendo o personagem de Jackson Antunes, que se mostra um sujeito de caráter e índole torpe e dúbia, um falso moralista como inúmeras estrelas do gospel do Brasil. Aqui Aragão parece fazer uma crítica não só aos pastores que se aproveitam do seu rebanho, mas também aos políticos que se valem do discurso de defesa de valores de bem e da família. A crítica é certeira e mordaz.

    O texto parece também ter uma vontade de referenciar o cinema de Rob Zombie à realidade brasileira. O caipira do interior do Brasil substitui o redneck como sujeito mal e perverso, mas diferente do cantor/cineasta, Aragão não julga esse personagem, no entanto, como o pensamento é pessimista/realista e condizente com a humanidade no geral, a maioria é desonesta e aproveitadora, até por conta da base um pouco niilista que o diretor usa em sua filmografia. Próximo de seu desfecho, o filme fica ainda mais divertido, graças principalmente ao culto estabelecido aos filmes de Sam Raimi, em especial Uma Noite Alucinante 2, com um ser mágico que imita a mão perdida de Ash e suas miniaturas vistas em Uma Noite Aluciante 3: Army of Darkness, e também o catastrofismo visto no final do segundo filme da saga Evil Dead e no todo do terceiro tomo já citado.

    Os sentimentos de rejeição e amargura causam em Clara o desejo de destruir toda vida e seu egocentrismo se excede, mostrando que mesmo uma pessoa de boa índole pode se deixar levar pela tentação egoísta de querer destruir tudo e todos. O ser chamado de Nefastos liberado ao final é absolutamente bem feito e é a cereja do bolo de A Mata Negra, que ainda possui um epílogo ao final que faz lembrar os melhores filmes de pós apocalipse da cultura pop, uma obra soberba do cinema de nicho de Aragão.

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  • Crítica | A Última Chance

    Crítica | A Última Chance

    Protagonizado por Marco Pigossi, o drama A Última Chance de Paulo Thiago conta a trajetória do lutador Fábio Leão. Recém-saído da penitenciária, Leão informa que quer abandonar sua vida no tráfico, se retirando do ofício na boca de fumo em que trabalhava antes de perder a liberdade.

    Logo, o destino apronta para Fábio, fazendo-o enxergar em um dia comum um aviso sobre aulas de Muay Thai, em uma academia, exatamente no dia em que efetuaria uma ação criminosa. Essas coincidências do roteiro já demonstram o quão equivocada é a construção textual  de Thiago e Teresa Frota. O que se assiste após isso são encontros e desencontros regados a frases repletas de clichês, imitando de certa forma o pior aspecto dos filmes de b de pancadaria.

    Os entraves e discussões de Fábio com os personagens periféricos fazem pouco ou nenhum sentido. Os ânimos em uma discussão na boca de fumo se acirram sem qualquer motivo aparente, não há lógica na fala entre o pretenso lutador e os bandidos, bem como ocorre na academia. Personagens que antes eram antipáticos a ele agora são super solícitos e prontos a servirem o rapaz. A história lembra um folhetim inspirado em livros de auto-ajuda. Até mesmo nas cenas de lutas falta dinamismo por parte da direção, as coreografias não convencem, o trabalho de fotografia não consegue reproduzir as lutas com clareza, aliado ainda de uma trilha sonora que não combina em nada com as lutas existentes nos filmes do gênero que o inspiraram.

    O volume de coincidências só aumenta. O fato de ser uma história baseada na realidade não justifica uma má construção de dramas. O romance com Luciana (Juliana Lohman), as dificuldades financeiras que magicamente aparecem na história, tudo soa extremamente forçado, inclusive na proximidade que a trama tem com Rocky: Um Lutador, especialmente na dualidade entre a criminalidade e o esporte.

    Há problemas sérios de continuidade, em alguns momentos não parece que houve um trabalho de pós-produção. A jornada do campeão Leão lembram os piores momentos do quadro arquivo confidencial, no sentido de ser um greatest hits da vida real de alguém. Não há qualquer naturalidade nos fatos mostrados, tampouco há grafismo nas lutas. O acréscimo do personagem Aguinaldo Freitas (Jackson Antunes), candidato a vereador e mantenedor das despesas do protagonista é forçado, deixando óbvio desde o início que se tratava de um sujeito desonesto. Não há espaço para sutilezas ou nuances, tudo soa falso, bobo e artificial.

    Pigossi parece viver uma versão piorada de Santana, protagonista de O Nome da Morte, outro filme que protagoniza, a diferença é que o filme de Henrique Goldman ao menos tem apelo comercial. A Última Chance parece uma propaganda moralista anti-drogas em formato de longa metragem. Os ressurgimentos financeiros de Fábio não são explicados, mesmo quando ele volta para o crime. Todas as vezes em que se citam as frases e escritos de Bruce Lee a sensação é de afronta, uma vez que os dizeres são normalmente citados de maneira aleatória, em contextos completamente pobres. Perto do final, há uma cena em que se mostram as visitas íntimas, e o que se vê são cortinas dividindo os locais onde os presos transam, em posições que lembram os filmes das Brasileirinhas ou Buttman, reforçando a ideia de que essa é uma  comédia involuntária.

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  • Crítica | Getúlio

    Crítica | Getúlio

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    Getúlio Vargas foi um dos maiores nomes da política brasileira e um dos comandantes mais importantes da história do Brasil. O período de quase 20 anos do político no poder transformou radicalmente a face da República brasileira, o que levantou paixões a seu favor e contra, especialmente ao final de sua administração.

    O filme de João Jardim (do excelente Lixo Extraordinário), com roteiro de George Moura, retrata os últimos 19 dias da vida do ex-presidente, quando o governo é acometido por um turbilhão de críticas após o principal rival político de Vargas, o ferrenho anticomunista Carlos Lacerda, sofrer um atentado, descobrindo-se, logo depois, que os mentores do ato eram pessoas intimamente ligadas a Getúlio.

    Contando com fotografia e design de produção excelentes, o filme consegue reproduzir toda a ambientação da época e fazer o espectador se sentir naquela primeira metade da década de 1950. O Palácio do Catete também contribui enormemente nesse sentido, tendo em vista que o local se manteve praticamente inalterado desde os eventos retratados.

    Optando por uma ótica mais intimista e com toques de thriller psicológico, o diretor tenta mostrar o lado humano do presidente, já idoso, sofrendo todas as pressões políticas em um momento diferente do país, pois se na década de 30 Getúlio conseguiu impor seu modelo, já na democracia, durante a ascensão da Guerra Fria e da influência dos EUA  na América Latina, Vargas sofre a oposição dos setores da sociedade alinhados aos interesses americanos, enquanto sua postura nacionalista, outrora tão eficaz, agora atrai cada vez menos adeptos. O enfoque intimista e pessoal por vezes se torna desnecessariamente lento, e o uso da metalinguagem para explicar os pesadelos do personagem também se mostra repetitivo, dando ao filme um certo tom novelístico característico da TV brasileira.

    Essa pressão se manifestava na figura de Carlos Lacerda (Alexandre Borges), governador da Guanabara e principal porta-voz do udenismo. Suas ferozes críticas ao presidente iam desde o moralismo simplista de acusá-lo de causar todos os problemas do país, até o de culpá-lo pela degeneração da democracia e pela explosão endêmica da corrupção, discurso este muito usado até hoje pelos setores herdeiros do udenismo contra governos que não conseguem vencer no jogo democrático.

    A figura de Carlos Lacerda no filme é mostrada de forma distante, com discursos inflamados, transmitidos na televisão, exigindo a renúncia de Vargas  uma escolha estranha, pois naquela época a TV não era utilizada como meio de comunicação em massa, pois havia poucos aparelhos no país. Esse papel era desempenhado pelo rádio. No entanto, uma construção maior desse personagem poderia tornar a trama menos maniqueísta.

    Maniqueísmo este que se manifesta o tempo todo ao focar a figura de Vargas de forma uníssona, em dúvida apenas quanto ao que mostrar em relação a sua honestidade em lidar com o problema. O presidente é retratado como uma pessoa íntegra que desconhecia absolutamente tudo o que se passava com sua guarda pessoal. Ainda que não soubesse sobre o atentado propriamente dito, para alguém tão centralizador como ele, torna-se um fato que, se não impossível, bastante improvável. No final, tendemos a nos simpatizar com Vargas e antagonizar Lacerda de maneira simplista em razão dessa abordagem.

    O que é muito bem retratado é a relação ambígua com os militares, que já se mostravam descontentes com a democracia e ávidos por terem uma participação maior no poder desde a Era Vargas. Enquanto alguns militares lutavam para manter o legalismo, grande parte se organizava para exigir a renúncia do presidente e preparar o terreno para um golpe militar, o que não seria novidade nem no Brasil, nem na América Latina no período.

    Também merece destaque a atuação de Tony Ramos no papel do presidente. Apesar do exagero do tamanho da barriga e do pouco trabalho com o sotaque gaúcho, o ator transmite ao personagem todo o peso dramático que os eventos narrados impuseram a Vargas.

    O suicídio do ex-presidente no filme também possui parte de seu impacto retirado por não ter sido bem construída a cadeia de eventos que levou a esse fato. Quando a situação se torna insustentável, após Vargas ter abdicado de tomar qualquer posição ofensiva em sua defesa, a única saída possível ao presidente parece ter sido o suicídio, sozinho em seu quarto com seu revólver. O ato, mostrado de forma engrandecedora, oculta os relatos de que, após o tiro, Getúlio sobreviveu ainda por algumas horas. Também oculta, dentre a comoção popular por sua morte, a ira de parte da população que depredou sedes e carros de jornais opositores, caso de O Globo, que teve papel chave na oposição ao governante, ausência essa convenientemente deixada de lado no filme.

    Dessa forma, Getúlio opta conscientemente por construir um personagem que é fruto de escolhas da direção, excluindo algumas informações e exaltando outras. Apesar de ter sucesso em compor um personagem forte mostrando seus dilemas internos e pesadelos, falha em dar a profundidade necessária a seus algozes e aos eventos que levaram a escolha pelo seu suicídio. Talvez por isso, o filme se mostre interessante somente a quem já conheça os fatos e pessoas ali descritos, se mostrando uma experiência não muito agradável ao espectador tradicional.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.