Quarenta anos após o lançamento de seu primeiro romance, Stephen King é considerado um dos melhores escritores de suspense. Influência que transpassa a maioria dos literatos que encontraram no autor uma espécie de precursor contemporâneo do medo.
Lançado em 1974, marcando sua estreia, Carrie – A Estranha apresenta a inventividade do autor ao narrar a história de uma garota colegial que descobre poderes telecinéticos. O arroubo narrativo, que King considera cru, produz uma história entrecortada com documentos ficcionais, trechos de outros livros, citações de especialistas, promovendo uma falsa veracidade dos fatos.
Dois anos após o lançamento do romance, Brian de Palma trouxe a história para as telas. O roteiro de Lawrence D. Cohen concretiza uma adaptação eficiente e que, reconhecendo a estrutura narrativa de King (a qual é impossível de ser transportada para as telas sem parecer um falso documentário) escolhe um outro foco sobre a mesma história.
A primeira cena da produção de 1976 apresenta um grupo de garotas no vestiário. A câmera passeia com naturalidade pela nudez feminina até encontrar a estranha Carrie no final de um corredor. A cena não sexualiza os corpos nus, deixando-os como parte de um cotidiano natural.
A personagem interpretada por Sissy Spacek se tornou icônica, principalmente quando banhada em sangue em sua formatura. Como filme, Carrie foi bem sucedido tanto como produção de terror quanto destaque da carreira da equipe envolvida. Quase 40 anos após a eficiente versão de De Palma, uma nova produção cinematográfica foi lançada, dirigida por Kimberly Peirce (Meninos Não Choram), e com Chloë Grace Moretz e Julianne Moore no elenco.
Adaptar uma obra com versões lançadas anteriormente garante uma base de retorno financeiro maior do que um produto inédito, ao mesmo tempo em que nasce a sombra da comparação. Os produtores ficam em um impasse entre reconhecer as adaptações anteriores ou negá-las, afirmando que a obra literária foi a única fonte fiel. Mesmo que se tente esconder, é clara a reprodução do filme anterior na nova produção.
As mesmas modificações de roteiro e composições cênicas construídas por Cohen e De Palma estão presentes neste Carrie – A Estranha. A cena inicial do chuveiro se repete. Mas, transformada através dos anos, tem a mão da vigília dos bons costumes e esconde a naturalidade da nudez. O que resulta em uma Carrie desesperada a, em boa parte desta cena, manter-se com as mãos retesadas ao corpo, segurando a toalha para esconder a sensualidade e ganhar uma faixa indicativa menor.
Alem da proximidade exagerada com a versão anterior, a seleção de elenco falha ao colocar Moretz como personagem central. Escolheu-se uma garota bonita demais para um personagem cuja estranheza é uma de suas características. Sem a capacidade cênica de Spacek, a atriz demonstra sua disparidade em relação aos outros alunos com olhares assustados, uma cruz no pescoço e um cabelo mal penteado. Não há o medo de uma garota que se sente deslocada na escola. Sem o reconhecimento do drama, não há ação que se sustente.
Até mesmo a exímia Julianne Moore não consegue entregar uma interpretação além do comum. Novamente o visual exagera na caracterização de uma cristã fervorosa, parecendo esconder qualquer vontade da atriz em dar credibilidade a uma mãe que vê o mundo como a panela do diabo e as mudanças hormonais da filha como primeiro contato com este mundo pecaminoso.
Mãe e filha não estabelecem tensão necessária para que a história se sustente, destruindo uma das bases da história. Ainda que os efeitos especiais sejam bem compostos, não deixam de ser um decalque da versão anterior, em que planos cênicos parecem copiados em demasia. Não há espaço para originalidade.
Sem a credibilidade dramática, sem o suspense aterrorizante, o remake resulta em uma obra sem razão, falha em seus princípios. Ainda que a afirmação caia em uma nostalgia que observa o passado com maior brilhantismo, a produção de De Palma continua tão forte quanto a obra de King, um mestre do gênero até hoje e poucas vezes bem adaptado a outras mídias.