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  • Crítica | Os Brutamontes

    Crítica | Os Brutamontes

    Creio que podemos considerar que de todos os integrantes do elenco masculino jovem de American Pie, Seann William Scott – o alucinado Steve Stifler – foi quem teve a carreira mais destacada. Alguns de seus colegas até mantiveram um certo destaque imediatamente após o filme, mas caíram aos poucos no ostracismo. Ainda que marcado pelo personagem, Scott teve papéis em alguns blockbusters e até pôde se experimentar em outros gêneros, mas sua verve cômica sempre foi seu ponto forte, o que fez com que se tornasse subestimado pela indústria e pelo público que sempre o viu como “o eterno Stifler”. Em Os Brutamontes, ele mais uma vez exercita seu principal atributo, porém captura com maestria a essência melancólica e ingênua do seu personagem e entrega uma ótima atuação.

    Na trama, Scott interpreta Doug “The Thug” Glatt, um educado e bem intencionado segurança de bar. Doug se sente deslocado socialmente e afetivamente porque seu pai e seu irmão são médicos bem sucedidos, mas ele não possui aptidão nenhuma, a não ser um enorme talento para bater em pessoas. Em um momento de crise, ele e seu melhor amigo vão a um jogo da liga amadora de hóquei no gelo. Pat, seu melhor amigo, provoca tanto um jogador de um dos times que esse parte para arquibancada no intuito de espancar o rapaz e ainda faz ofensas homofóbicas. Doug, cujo irmão é gay, toma para si toda a situação e bate no jogador até deixa-lo inconsciente. Logo depois disso, ele é convidado para se juntar ao time de sua cidade como “enforcer”, jogador cuja função é ser o mais violento possível com o outro time. Doug abraça a ideia por considerar ter achado sua verdadeira aptidão e começa a sua jornada na liga de hóquei.

    O roteiro de Evan Goldberg (de Superbad) e Jay Baruchel (também intérprete de Pat, o melhor amigo do protagonista) acerta em cheio ao evitar a comédia pastelão. Logicamente que existem momentos bem escrachados, com ótimas tiradas e diálogos que beiram o ofensivo. Porém, ao mesmo tempo, procura desenvolver cada um dos personagens da história, mesmo aqueles que tem pouco tempo de tela. Evitam também criarem personagem unidimensionais e fogem dos arquétipos. O interesse amoroso do protagonista, vivido pela ótima Alisson Pill, demonstra falhas graves de caráter e expõe isso o tempo todo quando percebe que é idealizada como sendo perfeita. Ela não só verbaliza, mas toma atitudes que mostram sua humanidade e sua falha. A construção da dinâmica do protagonista com seu colega de time Xavier LaFlamme, um craque do esporte que caiu em desgraça, é interessante e natural. Doug tem uma visão esperançosa quase infantil de LaFlamme, que em contraponto se vê como um caso perdido. Esse embate de pontos de vista rende ótimos momentos entre os dois, tanto engraçados quanto comoventes. O vilão da história, vivido pelo sempre craque Liev Schreiber, inicialmente se apresenta como um monstro indestrutível, mas se mostra humano em uma conversa com Doug que incrivelmente emula o diálogo entre Al Pacino e Robert DeNiro em Fogo Contra Fogo.

    O grande acerto da direção de Michael Dowse é mesmo Seann William Scott. O diretor consegue explorar o talento do ator e imprimi-lo em um personagem que tinha tudo para ser mais um bobão unidimensional. Scott, por sua vez, se mostra contido e plenamente ciente do que fazer em cena. Nem dá pra lembrar que um dia ele foi Steve Stifler, seu personagem mais marcante. Dowse também conduz as cenas de jogo de forma intensa, mostrando toda a violência do jogo, sem deixar atos sem consequência. Vale ressaltar que o diretor vai promovendo uma escalada no filme, com cada trecho de jogo tendo a intensidade e a violência caminhando de acordo com a sua importância dentro do campeonato, além de ir dando destaque para os personagens de acordo. Como mencionado, todos os atos tem as suas consequências mostradas depois. Já o embate final entre Doug e Ross Rhea, o vilão interpretado por Schreiber, é orquestrado para demonstrar o caráter épico da situação, onde o veterano e mais violento jogador da história do esporte finalmente encontra o seu jovem nêmesis.

    Pequena joia dos filmes esportivos, Os Brutamontes é uma comédia dramática como poucas, pois sabe equilibrar bem seus momentos, além de contar com ótimas atuações de todo elenco, principalmente do subestimado protagonista.

  • Crítica | Será Que?

    Crítica | Será Que?

    Saudosismo é um sentimento que deveria remeter a bons momentos, normalmente vividos por duas ou mais pessoas, mas também pode compreender a imaginação do que seria uma vida ideal, ou uma postura que deveria ter sido tomada há muito. É baseada na segunda hipótese em que está a trama de Será Que?, a nova comédia romântica fofinha/indie/hipster de Michael Dowse, que apresenta um casal de jovens, Wallace e Chantry, que se conhecem de modo curioso e que produzem uma amizade platônica a partir dali, claro, com uma evidente tensão sexual, mas que prossegue sem ser concluída.

    O carisma dos personagens é garantido de modo quase automático, graças aos seus interpretes –  Daniel Radcliffe e Zoe Kazan – reunindo até alguns ecos de alguns de seus personagens anteriores. A falta de ação de Wallace lembra muito a persona eternamente adolescente de Harry Potter, ainda que de sua boca saiam mais palavrões e sacadas mais maduras que a do bruxinho, mas a falta de traquejo com seres do sexo feminino prossegue, tanto que o personagem permite que seu próprio potencial caia indiscriminadamente na mítica friendzone.

    O modo como os dois “pombinhos incompreendidos” agem corre inteiro pelo modus operandi dos superestimados e inconscientemente pretensiosos membros de nicho, que usam armações de óculos gigantescas e camisas xadrez, amando objetos artísticos não populares, louvando um modo de vida alternativo unicamente por ser alternativo, praticamente nem discutindo a qualidade do que consomem. E depois de 500 Dias Com Ela, uma comédia romântica para homens, e de tantas outras voltadas a outros nichos, essa agora tenta alcançar os fãs vazios de Pedro Almodôvar e quiche, emulando os diálogos hiper-verborrágicos de Woody Allen para dar volume a obra, mas sem banalizá-la por completo, apesar do vício linguístico claro.

    A aproximação dos dois é lenta por causa do compromisso de Chantry, apesar que desde antes do filme começar, já ficar evidente que o guião tratará de juntar os dois jovens. Todas as interações dos adolescentes envolvem muita química e uma inevitável vontade de que as peles se toquem e que todo o circo de sensualidade e inter-curso sexual finalmente ocorra, sempre esbarrando na condição de namoro a distância e de um comprometimento que nunca consegue se concluir em si. A carência une e atrai os dois, como mosquitos em direção a uma luminária mata-insetos.

    A situação vai se complicando com a intimidade chegando sem a possibilidade de coito. Os amigos começam a ser confidentes, adentrando numa intrínseca narrativa de segredo com alta confiança, e cada vez à distância do tão esperado enlace entre os dois. O paralelo visto entre o medo de se entrelaçar com o par – lê-se casamento – e o modo pomposo de se vestir em um casório, dito por Nicole (Mackenzie Davis) serve como alegoria a um dos maiores temores da vida adulta, inclusive cooptando as inseguranças de Wallace em finalmente se lançar em direção ao sentimento que tem por sua musa, e, claro, a evasão dos namoros sempre que as coisas começam a dar errado.

    As agruras pelas quais Wallace passa para reencontrar sua alma gêmea envolve uma série de fatos bastante nonsense, com provas de amor que cortam o globo terrestre e envolvem pensamentos e atitudes inconsequentes, que não são encaradas com a expectativa que ele tinha. A vida adulta mais uma vez exibe sua face cruel, frustrando seus desejos de finalmente ser um com sua amada.

    Será Que? Possui uma necessidade menor de paciência por parte do público masculino, que não fica completamente estafado com o resultado final, mesmo com todas as fórmulas e estratagemas repetidos de filmes como Ruby Sparks. O modo singelo como tudo é tratado neste microuniverso exala sensibilidade, medo e receio de que a modernidade e a rotina matem a possibilidade de romance, ainda que no desfecho haja um momento açucarado, como o gênero mesmo pede, até por motivos comerciais. A sensação após o ao apagar inicial das luzes é semelhante a da letra de Provas de Amor, dos Titãs, que em seus versos, afirma que  “Existem provas de amor… Não existe o amor“, remetendo ao sentimento de Chantry, que sempre tenta ir até o final de seus relacionamentos, mas acaba optando por seguir sua vida com o outro protagonista da fita, na demonstração de evolução mais palpável de ambos personagens.