Dirigido por Gavin Hood, Decisão de Risco narra uma situação que inicialmente seria apenas a operação de captura de uma das cinco maiores terroristas, em Nairóbi, no Quênia, transformando-se em uma operação de eliminação de três perigosos terroristas em vias de cometer um atentado. Da Inglaterra, a coronel Katherine Powell (Helen Mirren) e o general Frank Benson (Alan Rickman) acompanham a movimentação através de drones estrategicamente posicionados.
Mesmo não sendo o foco da narrativa, não é possível ignorar o questionamento sobre o uso dos drones como aparato militar. E o roteiro o faz de modo mais coerente e eficiente que a miscelânea mal estruturada do Robocop, dirigido por José Padilha. O grau de miniaturização dos artefatos impressiona e, mesmo duvidando que aqueles usados no filme sejam “de verdade”, uma pesquisa rápida esclarece que a mecânica de voo utilizada neles é perfeitamente factível.
Apesar de, a princípio, parecer que a intenção da história é essa discussão sobre o uso dos drones, o roteiro vai bem além. Assistindo ao filme, o espectador se pergunta: até que ponto é aceitável bisbilhotar e invadir a intimidade de uma casa? Qual é o limite entre o respeito à privacidade e a prevenção de violência de qualquer tipo? E, polarizando ainda mais, quanto falta para que essa tecnologia deixe de ser aplicada apenas como recurso militar em defesa da segurança mundial e passe a fazer parte do cotidiano?
Mas o ponto central da trama não é esse. É uma versão do clássico “dilema do bonde” ou “dilema do trem”. Apresentado a voluntários pelo filósofo e psicólogo evolutivo Joshua Greene, da Universidade Harvard, em linhas gerais, propõe o seguinte:
Um trem está prestes a atingir cinco pessoas que trabalham desprevenidas sobre a linha. Você tem a chance de evitar a tragédia acionando uma alavanca que leva o trem para um desvio, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria o trajeto?
A maioria das pessoas diz que é aceitável mudar o trajeto e matar uma pessoa em vez de cinco. Há, nessa reação uma mescla entre o impulso biológico de preservação da espécie e a consciência moral de favorecer um “bem maior”. Mas a ética de escolher o mal menor tem alguns problemas. É possível mensurar o valor de uma vida para conseguir tomar essa decisão? Quem garante que essa outra pessoa que se escolheu matar não seria responsável por atos infinitamente mais benéficos à humanidade que as outras cinco, que foram salvas? E, não só isso, multiplique-se a quantidade de pessoas por milhares ou milhões e chegamos a uma situação similar à maioria dos regimes totalitaristas. O extermínio dos “diferentes” para benefício da maioria. Visto dessa forma, a decisão ainda é válida?
Sobre a questão de mensurar o valor da vida, há uma cena bastante instigante, em que o general Benson está aguardando a decisão dos membros do alto escalão sobre a ação contra os terroristas, e uma executiva do governo norte-americano entra em contato. Ela explica que eles – exército e/ou governo americano – fazem uso de uma escala de pontuação (algo como a escala Richter de terremotos) para avaliar estatisticamente a situação e evitar que dilemas éticos e morais “atrapalhem” a tomada de decisão. E que, na presente operação, essa pontuação indica que a decisão correta é exterminar os terroristas o mais rápido possível.
Inevitavelmente, a opinião do espectador oscila à medida que acompanha o evoluir da situação, já que não há uma verdade absoluta que dê conta de resolver esse dilema ético. Afinal, como é dito logo no início do filme, “Na guerra, a primeira coisa que perece é a verdade”. Em cada um dos locais em que a ação se desenrola, exibe-se uma das facetas da questão. Se, em dado momento, o espectador está convicto de sua opinião, no momento seguinte algo pode fazê-lo mudar de ideia com a mesma convicção anterior.
E a montagem do filme colabora para esse alternar entre as diversas facetas da questão. Cada um dos cenários tem seus próprios pequenos dilemas. Em Nairóbi, Jama Farah (Barkhad Abdi) se arrisca para conseguir se aproximar do local onde os terroristas estão reunidos. Na cabine de operações, Steve Watts (Aaron Paul) e Carrie Gershon (Phoebe Fox), de certa forma representando o espectador, questionam as decisões tomadas e as ordens recebidas. No QG, a coronel Powell se esforça para chegar a termo da missão, driblando meandros legais. No gabinete do Ministério da Defesa estão o ministro Brian Woodale (Jeremy Northam), o procurador-geral George Matherson (Richard McCab), a conselheira parlamentar Angela Northman (Monica Dolan) deliberando sobre a decisão a ser tomada e pesando as implicações éticas, legais e políticas, sempre mediados pelo general Benson. Sem se demorar demais em cada um dos quatro locais, a montagem consegue dar ao filme o ritmo correto, nem lento nem corrido demais, fazendo as mudanças de locação agirem de forma a manter a tensão da narrativa.
A direção de fotografia também está muito bem feita. Sem exagerar nos close-ups, consegue deixar o cubículo em que estão os operadores ainda mais claustrofóbico. Usa alguns enquadramentos das filmagens aéreas para intensificar a tensão e o suspense da trama. E, sendo um filme de guerra, sem ser um filme de ação, a câmera mantém-se sóbria, sem muitas movimentações, muitas vezes sendo apenas mera espectadora dos eventos.
Além de os personagens serem suficientemente bem construídos a ponto de fazer o espectador se importar com eles, o elenco garante boas atuações. Helen Mirren e Alan Rickman (em seu último papel no cinema) em ótimas performances, dão a seus personagens a dose correta de seriedade e de urgência nas cenas. Aaron Paul, assim como o Jesse Pinkman em Breaking Bad, dá à trama a carga emocional necessária. E vale destacar Barkhad Abdi, que dá a seu personagem a justa dimensão da dificuldade de ação de um agente disfarçado num local como aquele.
Um filme de guerra sem oficiais berrando ordens no campo de batalha, nem saraivadas de tiros, nem soldados olhando fotos da família. Um roteiro que facilmente poderia pender para a pieguice, mas que consegue não apenas se sustentar como um ótimo suspense mas também instigar o público a (tentar) escolher um lado.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.