Tag: Luciano Moura

  • Review | Felizes Para Sempre?

    Review | Felizes Para Sempre?

    felizes-para-sempre-posterA minissérie de Euclydes Marinho reúne um núcleo familiar diversificado, contando o envolvimento dos filhos dos Drummond, com seus dramas de meia-idade que envolvem a batida questão velhice da relação e a comum quebra da fidelidade. As primeiras cenas mostram uma noite em um motel, exibindo o sexo entre amantes, para logo depois exibir a a comemoração do aniversário de 46 anos dos patriarcas. Em meio à homenagens aos idosos, há um sem número de questões óbvias e congratulações, até o rompimento com o lugar comum.

    Após alguns impropérios ditos na mesa de jantar, o filho adotado Joel (João Baldasserini) decide chamar a atenção dos presentes anunciando com pompa que ele e a esposa decidiram se divorciar, para manter o amor entre eles. Por trás da contraditória ideia, é exibida a questão fundamental da refilmagem da oitentista Quem Não Ama Não Mata, também escrito por Euclydes.

    É após o discurso de Joel que se geram algumas situações nos outros casais da família, ecos entre os pares que têm uma rotina sexual combalida, sintetizada no traumatizado relacionamento entre Marília e Claudio (Maria Fernanda Cândido e Enrique Diaz). O que resta do casamento, após o choque da perda de um filho, é uma mulher inconsolável, implorando por qualquer demonstração sexual do marido, que, diante de provas cabais da traição que ele comete, nada faz, dada a prostração em que se encontra e a necessidade carnal que possui.

    felizes-para-sempre-poster-cinefilmesonline.net-globo 11O pensamento cafajeste do marido, normativo e machista, é contrastado com o moderno cenário internos dos prédios de Brasília. Os Drummond têm sua base de operação na capital brasileira, com negócios que envolvem ilegalidades, numa apelação ao cenário de mar de lama. A miscelânea de pecados da corrupção flerta com a necessidade física e com a questão maior do seriado, mostrada no final de casa episódio. Ainda no primeiro capítulo, há uma tentativa da parte da esposa em tentar salvar o casamento, contratando uma prostituta de luxo, Danny Bond, vivida por Paolla Oliveira no auge da forma física, que estaria ali para cumprir a fantasia sexual de Claudio em fazer um ménage a troix, claro, para apimentar de novo o casamento dos dois.

    As cenas dirigidas por Fernando Meirelles são de extremo bom gosto, revelando a sensualidade dos corpos femininos de modo gradativo, repelindo qualquer possível comentário recriminatório sobre vulgaridade. O apuro visual exercido no folhetim se diferencia da fotografia das novelas recentes, com signos imagéticos que remetem à podridão da alma, associando o defeito moral da corrupção a figuras animalescas, como se Brasília fosse a savana moderna, um ambiente hostil que mal respeita as amarras familiares.

    O furor causado pela semi-nudez de Paolla Oliveira é plenamente justificável, não só pela beleza inegável da intérprete, que usa a profissão mais antiga do mundo para demonstrar o quão frágeis sãs as relações conservadoras e normativas, mas também pelo entorno e arcabouço levantados em volta dela. O luxo, a erudição de gosto e pensamento, tudo colabora para que Danny Bond seja uma figura perfeita, obviamente pontuada pelas curvas esculturais da jovem atriz.

    A futilidade habita a psiquê de Claudio, que ao conversar com seu pai, Dionisio (Perfeito Fortuna), se preocupa em aconselhar seu progenitor para que pratique sexo fora do casamento, aparentemente para ver o idoso bem, achando alternativas fora do matrimônio. Tudo para esconder o receio de ter na impotência hereditária a garantia de seu futuro. As relações entre os irmãos também não são fáceis, especialmente nos detalhes trabalhistas que envolvem Claudio e o alcoólatra Hugo (João Miguel), com troca de agressões e acusações seríssimas. Em comum, os irmãos têm a atribulação no casamento. Hugo é casado com Tânia (Adriana Esteves), uma cirurgiã plástica que se envolve em um caso de infidelidade, chamando outro abismo, ainda mais culposo e de consequências magnânimas, de morte e destino.

    Usar a dicotomia presente entre os sentimentos de ciúme e posse de outro ser como base é uma tática tão velha como o mundo. O que diferencia Felizes Para Sempre? de tantas outras minisséries da Globo é a sensibilidade com que ela é levada, além do gabarito de seus realizadores, que conseguem realizar algo mais transcendental e tocante do que foram as recentes produções Dupla Identidade, Amores Roubados, O Rebu e tantas outras. A linguagem visual de Fernando, Rodrigo Meirelles, Paulo Morelli e Luciano Moura transgride as regras básicas da televisão, sem o temor de perder a unicidade visual, expressando as sensações humanas em elementos mortos do cenário, que servem como notas, lembretes da mensagem de depressão e declínio ético dos Drummond e agregados.

    felizes-para-sempre-poster-cinefilmesonline.net-globo 8Alguns dos elementos narrativos são claramente retirados de produtos recentes, como a tela que se abre após chamadas telefônicas, contatos do Messenger e SMS, semelhante ao que foi visto no filme mais recente de Jason Reitman. Aviltante é perceber a ruína geral que ocorre com o clã: Dionísio infartando; Joel em divórcio litigioso; Hugo saindo de casa, também com o casamento falido; e Claudio sendo investigado.

    As atuações do folhetim são quase todas equilibradas, especialmente de João Miguel, fazendo o papel do homem magoado que tenta reagir apesar de seus vícios; Adriana Esteves, como a mulher que tenta resgatar seu casamento, mas é impedida pela família; e, claro, de Maria Fernanda Cândido, a qual representa uma senhora que não tem a atenção do marido, compondo um triângulo amoroso assustadoramente cruel. Mas é Enrique Diaz que concentra os maiores talentos, exibindo um cinismo ímpar de quem só se importa com os próprios problemas, não tendo piedade sequer de seus parentes.

    Os contornos finais do seriado exibem traços trágicos para os personagens principais e reprisam as mesmas características de dramas familiares recentes, como Álbum de Família, com texto de Tracy Letts, e o iraniano A Separação, em que qualquer personagem analisado pelo público exibe enormes falhas do ethos, tornando todos incapazes de gerar uma empatia pura e simples. As semelhanças com Fogueira de Vaidades, de Brian de Palma, também saltam aos olhos, relacionando-se à intrincada rede de influências e desvios de caráter.

    O desfecho guarda ainda mais reviravoltas e atrocidades, dando a alguns dos personagens a moeda que valem, diferentemente do que costuma acontecer nos finais de novela. A tragédia finalmente abraça os Drummond, ao som dos acordes de A Voz do Brasil, o informe que detalha os acontecimentos e meandros do planalto e que em Felizes Para Sempre? anuncia a dor e o rancor liberados por quem usou a desgraça alheia como calço e base de sua existência.  Chega a ser curioso que o tiroteio do episódio cabal tenha tantos elementos típicos do western americano, com detalhes nas cruzes do cemitério e closes nos rostos dos pretensos assassinos, os quais carregam revólveres, o duro aço que prenuncia a morte. O flerte dos personagens com a mortandade finalmente tem seu fim, referenciando as tragédias gregas familiares alinhadas a elementos típicos dos contos rodriguianos.

    Uma Brasília fétida, cujo infortúnio maior da obra é a visão estereotipada e maniqueísta do Planalto, pregada aos setes ventos por Fernando Meirelles nas poucas aparições públicas que teve em 2014. Apesar de apelar para algumas estratégias triviais, a minissérie consegue contar uma história rica, com personagens reais, fidedignos à realidade televisiva brasileira, e que transgride a linguagem audiovisual, apesar do formato episódico e da lição de moral envolvendo a fidelidade matrimonial.

  • Crítica | A Busca

    Crítica | A Busca

    abusca_cartaz_oedk-crop

    Uma história normalmente é composta por um gatilho. Um acontecimento, seja interno ou externo, que desencadeia a ação ou a reflexão. No filme dirigido por Luciano Moura, o que transforma A Busca é o desaparecimento repentino de Pedro, filho único de Theo e sua jornada ao procurá-lo.

    Interpretado por Wagner Moura, Theo é um médico – elemento que mal se apresenta em cena – dentro de uma família despedaçada. Vivendo uma crise com a esposa e o desentendimento com o filho que não deseja o futuro ansiado pelo pai. A composição das personagens nos faz inferir que são uma representação da tradicional falta de comunicação familiar, e a suposta fuga do garoto o estopim que aponta o desmoronamento da família.

    Em uma jornada dentro do Brasil, pai segue os poucos rastros deixados pelo filho. É evidente a sensação de compor um drama memorialista às avessas, que produza no público uma reflexão sobre a questão circular da trajetória da vida. Se filhos passam boa parte da vida acompanhando seus pais, aqui é o pai que segue, literalmente, os rastros do filho.

    Mas a intenção de produzir o drama permanece presa nos meios da história. E o que parecia ser uma procura para compreender um filho, amplifica em demasia o destaque no pai que começa a olhar mais para sua própria mudança no percurso e esquece da agonia de não saber onde está o filho.

    Há uma bela cena em que o pai mergulha em um rio, simbolizando a ideia de uma transformação batismal, que demonstra essa mudança abrupta de preocupação pelo filho desaparecido para aquele que, de alguma maneira, parece resgatar em si certo elemento perdido.

    Se composto de maneira equilibrada e delicada, a ausência do filho da trama não necessariamente daria enfoque para o pai. Mas o roteiro de Elena Soares e Luciano Moura explicitam que o astro da história é a personagem de Moura, dando-nos a impressão de duas ideias colocadas justapostas e não bem amarradas em uma trama só.

    Tentando dialogar sobre a desconstrução da família, do silêncio que separa os pais dos filhos, o filme peca ao conduzir a trama, tanto na cena com maior potencial dramático, quanto no próprio drama que se transforma desnecessariamente no decorrer da história.

    Dando-nos a impressão de que, ao tentar fugir de clichês, seu argumento perdesse a naturalidade. Negando tanto o senso comum de uma narrativa que o produto final parece mais mal executado do que um produto sensível e original.