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  • Crítica | Pitanga

    Crítica | Pitanga

    Dirigido por Beto Brant, do excepcional Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, e pela estreante na função, Camila Pitanga (filha do homenageado), Pitanga é uma cinebiografia que busca sublinhar a importância do ator Antônio Pitanga na construção do cenário artístico brasileiro, sobretudo no cinema.

    Dono de um talento inegável, a filmografia do artista se mistura com os grande marcos da história do cinema nacional. Isto não só é evidenciado na fita, como é utilizado como recurso ao servir de apoio em transições de conteúdo e também para demarcar as passagens temporais da obra. Prova disso é a evolução do cinema preto e branco para o em cores que surge em flashbacks para ilustrar a linha do tempo na carreira do ator.

    Apesar de ter um personagem central muito bem definido, Pitanga surpreende também em seus coadjuvantes. Recheado de entrevistas interessantes e com grandes expoentes das artes, o documentário conta com a participação de nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethania, Cacá Diegues, Angela Leal, Ruth de Souza, Zezé Motta, Neville de Almeida e dos filhos Rocco e Camila.

    São os encontros que dão a tônica do filme. Muito galanteador, Antônio teve interesse (ou envolvimento mesmo) amoroso com quase todas as mulheres que aparecem em cena. Com destaque para a cena maravilhosa onde o ator conversa com Bethania, que confessa ter sido apaixonada por ele na adolescência. Bem humorada, como poucas vezes se viu ao longo de sua carreira, a cantora faz ainda uma brincadeira: “Manda um beijo pra Benedita. Fala pra não ficar com ciúmes”, brinca Bethania sobre a atual esposa de Antônio, Benedita da Silva.

    A relação com a família também é ponto forte no documentário. Em uma sequência com o filho Rocco, somos apresentados também as netas. Cria-se uma sensação de perenidade e perpetuação em tela. Algo muito interessante justamente pós surgir de maneira despretensiosa.

    Antônio recheia as quase duas horas de tempo psicológico com frases muito emblemáticas que nos alçam a altura de sua importância. Entre elas, uma que define muito bem o ego necessário para o exercício das artes cênicas: “A morte, para mim, é o momento mais sublime. O nascimento não é seu. Você nasce através de outra pessoa. Mas a morte é sua”.

    Em termos de fotografia, o trabalho aqui é irretocável. Tanto no que concerne a paleta de cores muito apropriada para cada situação, quanto aos quadros e composições de cena que são de um deslumbre estético e estilístico admirável.

    A mão dos diretores falha um pouco na motivação dos encontros com alguns personagens. Por vezes, esse artifício se torna cansativo. Entretanto, a qualidade extraída de cada um dos riquíssimos personagens que emprestam seu brilho ao filme, é de tamanha substância que suprime a melancolia da repetição.

    Pitanga é um documento histórico e cultural de imensa valia. Rico, lúdico, engraçado, leve e poético. A dissecação de uma das mais importantes figuras dá nossa arte.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Ação Entre Amigos

    Crítica | Ação Entre Amigos

    O método de edição escolhido por Mingo Gattozzi demonstra como Ação Entre Amigos é diferente dos seus pares, já que seus créditos iniciais são exibidos como se fossem parte do relatório de uma das autoridades militares que estavam no poder em 1971. O filme é construído como um episódio antigo, mas é abordado de uma forma vanguardista, ao contrário do resto da iconografia típica do cinema brasileiro dos anos 90.

    O presente mostrado em tela apresenta um grupo de amigos de meia-idade, já em uma fase decadente de suas vidas, relembrando momentos dos seus melhores dias, quando as ideologias eram muito mais presentes em suas ações, do que em suas idéias. A reunião é convocada por Miguel (Zé Carlos Machado), que teria descoberto um antigo torturador do seu grupo revolucionário, 25 anos após o aprisionamento dele e dos seus.

    Miguel tem seu grito abafado por seus amigos, que ou não acreditam no fato do sujeito ainda estar vivo, uma vez que os jornais noticiaram a sua morte, ou não querem remexer em todo o passado, arriscando-se mais uma vez, já que a o peso da idade e da maturidade os obriga a pensar de modo menos instintivo e mais racional. A revolta toma Miguel, que não consegue esquecer o que sofreu, nem se conformar com isso, possivelmente até cedendo à paranoia típica dos anos de chumbo.

    O extremismo dos ativistas é discutido no núcleo dos anos setenta. Lúcia (Melina Anthís) tenta convencer seu parceiro sexual de parar com a luta armada e resolve fugir com Miguel, ainda jovem (encenado por Rodrigo Brassalto), já que ela espera um bebê dele. O aborto para ela é um preço demasiadamente alto a pagar, mesmo com a luta e com a revolução que eles tencionavam instaurar a qualquer custo. Com alguns pontos semelhantes ao raciocínio sofista, os guerrilheiros normalmente não se envolviam com seus colegas exatamente para não cair na tentação de abrir mão da revolução.

    Em 1996, Miguel segue com as suas suspeitas e, em uma reunião com seus três amigos, mostra os dados que reuniu, sendo mais uma vez  demovido de suas ideias. Em uma pescaria, ele resolve parar um instante para verificar o túmulo do sujeito e de sua esposa. Os membros do grupo, já adultos, têm a calvície em comum, exceto – obviamente – Miguel, talvez em uma referência visual à rebeldia e juventude ainda presentes na vida do personagem, enquanto os outros se permitiram envelhecer, tentando apagar de suas identidades as marcas da dor e do cárcere a que foram submetidos.

    Como era de se esperar, o líder do grupo estava certo, descobrindo o paradeiro do ex-militar, que é pego em uma rinha de galo, um dos seus muitos pecados antigos. Os quatro encontram a propriedade do sujeito, um lugar enorme, fruto do sangue de muitos dos ativistas, onde vive com uma identidade nova. O revanchismo dentro do grupo era muito mais pessoal que político, movido pela emoção e com a mesma animosidade que os impedia de traçar um plano à prova de falhas.

    O quarteto se divide, e somente três vão atrás do objetivo. O acerto de contas com o aposentado senhor ocorre sob protestos do idoso soldado, que declarava que aqueles eram tempos de guerra. Essa era mesma fala dita nos anos setenta, quando suas atitudes eram extremas, o que, claramente, não justifica o que ele fez a Miguel e aos outros.

    O sentimento de vingança do protagonista o faz ficar cego e ir atrás do suposto delator. A sede de justiça passa dos limites, fazendo-o atentar contra o covarde que os deixou. O roteiro de Marçal Aquino, Brant e Renato Ciasca acaba trágico, validando até alguns dos pontos do acordo de anistia, que obviamente precisava ser revista, mas que tem pontos cruciais para as resoluções dos problemas do grupo. Beto Brant não tem qualquer receio em demonstrar suas influências estilísticas estrangeiras de Quentin Tarantino, Martin Scorsese e Michael Mann. Em seu drama, é aventando o ódio desmedido, tão perigoso quanto a omissão e a falta de coragem de abrir os inconvenientes segredos pecaminosos entre os ditos amigos. Um thriller repleto de ansiedade, cujo fôlego impressiona por não se perder em nenhum momento.

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