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  • Resenha | Baiacu

    Resenha | Baiacu

    O futuro, seja lá o que este seja, costuma ser o Eldorado e ao mesmo tempo a alma dos quadrinhos nacionais. Faz-se, então, como a busca e o ímpeto dessas HQ’s brasileiras que, um dia, tentaram se destacar, no polvoroso cenário daquele libertário período pós e durante a ditadura militar. Se o tal futuro é ousadia, mesmo, pois que seja a bússola e o espírito de uma arte orgulhosamente autoral, movida pela paixão do fazer que fez brotar tantos clássicos dos(as) artistas Laerte (Piratas do Tietê) e Angeli (Rê Bordosa). Uma das mais simbólicas e prolíficas duplas do meio gráfico, não só de São Paulo, mas do Brasil, que fizeram história sem perceber – encapsulando a realidade por seus traços inconfundíveis, suas ironias consagradas, suas incansáveis experimentações desde os anos 70 até hoje.

    Por isso que folhear e sentir Baiacu é ter um verdadeiro museu interativo, em mãos, e o leitor se pergunta se era essa a intenção. Com gosto de amostra pós-moderna em que, de página em página, serpenteia-se por corredores de pura criatividade e nostalgia, e adentramos a fundo em uma criatividade colaborativa, geralmente precisando de páginas duplas, e expandindo-se tal como a consciência por trás de imagens cujo impactos não poderiam se perder no tempo. Eis, agora, um compêndio da assim chamada por Laerte como “literatura de banca”, agora transfigurada de “literatura de livraria”. Com capa dura e o escambau para elevar formalmente a credibilidade do conteúdo, servindo de casa para fanzines e poéticas inestimáveis de artistas geniais.

    Estamos falando de uma publicação que reúne, em mais de trezentas páginas de tamanho grande, pequenos trabalhos gigantescos de inúmeras talentos que a dupla Angeli e Laerte apresenta ao grande público, mais familiarizado com a assinatura infalível desse Batman e Robin das tirinhas e dos desenhos nacionais. Uns apostando mais na palavra, outros na fotografia que de certa forma completa a prosa, a HQ, a pintura impressa e deliciosamente abstrata. Baiacu reverencia mais o futuro que o passado, mais as possibilidades que qualquer outro legado basilar. Com as contribuições de Rafael Coutinho, Laura Lannes, Daniel Galera, Guazzelli, Mariana Paraizo e tantas outras gotas numa paleta de tintas, e estilos distintos sabiamente organizados, essa anarquia rítmica dialoga com aquele ímpeto primordial, colorido e expansivo de se explorar novas formas, texturas; fazer brotar linguagens dentro de outras linguagens.

    Em todo momento, nota-se como o livro alcança seu êxito sem digressões ao transmitir a arte como uma grande metamorfose inspiracionista, e indomável. Um processo que todos amam ver, e se não o entendem, pelo menos devem enxergá-lo com o coração – ou algum outro órgão. A experiência aqui é atingida num exímio trabalho editorial da Cachalote, em 2017, na iminência do que significa o seu próprio título. Uma ode livre, catártica, de curadoria frenética, por assim dizer, ao que há de melhor na diversidade de vozes artísticas do Brasil, pegando emprestado o nome de um peixe engraçado que incha ao se sentir ameaçado para garantir a resistência que o livro representa, até mesmo em nível semântico. O futuro é um baiacu. A arte, esse monstro que os sistemas e seus agentes não matam, talvez sempre tenha sido um baiacu. Lutando para se manter ativo, num vasto reino de tubarões pequenos, médios e grandes.

    Compre: Baiacu.

  • Crítica | Turma do Pererê.Doc

    Crítica | Turma do Pererê.Doc

    Ricardo Favilla comanda o documentário belo sobre a obra de Ziraldo. O longa Turma do Pererê.Doc começa com as falas do autor, a melhor figura possível para introduzir um público que não conhece a obra e os personagens desse gibi. Já nesse início há um mergulho na intimidade do desenhista, que diz que seu sonho desde criança era ser criador de quadrinhos, fato que esbarrou na descoberta tardia de que não havia revisa de um autor só no Brasil, até o próprio inaugurar a sua.

    As entrevistas do documental incluem figuras ilustres, quadrinistas como Laerte e Mauricio de Souza, e estudiosos como Álvaro de Moyá (já saudoso), e a maioria deles destaca o quanto Ziraldo conseguia referenciava bem o ideário do povo brasileiro, referenciando o interior e a mata, já que naquela época pré Golpe Militar a maioria da população ainda não havia migrado para as grandes cidades. Turma do Pererê era muito fruto de seu tempo.

    O quadro da pré historia dos quadrinhos autorais no Brasil é muito bem aludida, personagens e obras como o Chiquinho da revista Tico Tico – que era amado em todo o Brasil – e o Amigo da Onça da revista Cruzeiro são referenciados em tela, com ajuda visual e tudo. També se fala um pouco do que era publicado no começo do século XX, nos anos 30 e mais tarde no suplemento infantil do jornais, onde saiam as tirinhas. Somente nos anos 1940 começaram a circular revistas em quadrinhos feitas no país. A Gênesis das tirinhas era obviamente nos cadernos assessórios dos jornais, e essa iniciação aos olhos de Ziraldo era fundamental, por criar novos leitores. Para ele é culpa e responsabilidade da imprensa o êxodo de leitores brasileiros, pois essa porta de entrada foi fechada.

    Ziraldo sempre foi uma figura controversa e cheia de opinião, e isso se refletia nas suas historias, e mesmo com as influencias gringas, havia muita brasilidade nelas –  ao passo que utilizava números especiais do gibi para desmoralizar símbolos dos norte americanos, como Tarzan e o Papai Noel.

    Engraçado como o traço do autor não tinha nada de infantil, Laerte até marca isso, que sua linguagem não estava nem só nos quadrinhos e tirinhas, mas também em trabalhos artísticos diversos, como o cartaz de Os Fuzis, de Ruy Guerra. O filme detalha bem o trabalho artesanal da colorização das revistas na época, bem mais demorado e difícil de fazer do que atualmente.

    Talvez o maior legado de Turma do Pererê.Doc seja o de reverenciar Ziraldo ainda em vida, pois a maior parte dos documentários, como Henfil e A Vida-Extraordinária de Tarso de Castro acabam por analisar as figuras lendárias da comunicação brasileira clássica tempos depois desses já não estarem mais vivos. Conseguir travar comentários com o próprio  autor dá  muita fidedignidade não só ao filme, mas também a carreira do artista, que é pontuada com mais uma forma de louvar seu trabalho.

    Impressiona como os entrevistas acham Perere revolucionário e pioneiro, e ele realmente é, pois ajudou muita gente a fazer e empreender quadrinhos no Brasil, até Mauricio. Favilla faz um trabalho didático mais repleto de alma e inspiração, emulando bem as características básicas do trabalho de Ziraldo.

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