Tag: Paulo José

  • Crítica | O Rei da Noite

    Crítica | O Rei da Noite

    “- Do que que vocês tão brincando?” – Tezinho.

    “- De gente grande! […] Quer brincar?” – Aninha.

    Isso meio que resume o que é o Cinema de Hector Babenco:uUma brincadeira, uma grande zoeira em se infiltrar em mundos de coisas notoriamente adultas feito a penitenciária do Carandiru, adentro o mundo das sexualidades em O Beijo da Mulher Aranha, na criminalidade de um Pixote: A Lei do Mais Fraco. Contudo, nunca o cineasta argentino voltou tão longe no passado para alojar e estruturar sua trama, ou melhor, seu primeiro exercício cinematográfico. Ainda na década de setenta, Babenco fez pular para os anos vinte pregando olhos de nostalgia para um tempo e uma sociedade que não volta mais, ao mesmo tempo que se fez perder entre inúmeros personagens de uma São Paulo já cosmopolita, atulhada de corpos e consciências inquietas entre pacatas vidas caseiras, agitadas perambulações boêmias e casos de amor e desamor que a época permitia.

    O Rei da Noite é um drama de época cujo gosto remete àquelas crônicas antigamente publicadas com o devido livre correr do pensamento, em mil e um periódicos do Brasil no século dezenove e vinte, tão bem narradas e sempre escapando às rotas e aos nexos previsíveis de uma leitura medíocre. Babenco percebeu que tinha em mãos uma história boa demais para desprezar em seu primeiro tour cinematográfico, e como viajante de primeira viagem é de se impressionar a versatilidade e a serenidade virginal do cara no tato e na ‘decupagem’ com o roteiro de Orlando Senna. Na trama, o grande ator Paulo José dá vida a Tezinho, eterno apaixonado desde criança por Aninha, por quem saltam suas borboletas. Só que, dada a uma complicação de saúde dela, os pais da moça após muitos anos são cruelmente categóricos: O relacionamento tem que acabar para evitar maiores sofrimentos.

    Esse fim obrigatório dá início a majestade de um sentimento destrutivo, e ao imperialismo de pesadelos reais. Tezinho vê seus rumos na capital paulista mudarem drasticamente, longe da sua Aninha como assim deve ser e parecer – mas nunca esquecendo-a, claro. Tezinho vira um Bentinho, personagem clássico da literatura brasileira, por sua vez de bigode cada vez mais grosso. De grossura também acomete a sua galopante falta de caráter, mais e mais mergulhado nas considerações que a noite e seus tipos guardam, entre mil putas e mil (e um) assuntos de coração não-resolvidos. Ironicamente, eis aqui um filme com poucas cenas noturnas, como se a ausência de sol fosse apenas um recurso metafórico remetendo a predominância da escuridão eterna no garoto crescido e sofrido sem a sua doce e doente Aninha, ao lado.

    Engravidando e dependendo dos outros, o elemento familiar é tão custoso para o garoto que virou cafajeste quanto também o foi para Pixote, Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia e outras personas similares que Babenco usou para arquitetar e substanciar seu universo de conflitos urbanos sem ética, sem leis, repletos de contos que os vigários sempre caem – nós. Desde o princípio, a obra de Babenco sempre se manteve fiel à sua objetividade, sua ousadia e sua visão “trezentos e sessenta” da realidade urbana de São Paulo, em especial dessa megalópole que verte suas crônicas, seus contos e suas sangrias desatadas na cruzada de seus habitantes. Nesse meio de coligações inusitadas e total instabilidade, Tezinho, sofrido e crescido, acha sentido nessa vida remoendo e devorando as cartas que sua Capitu o envia, anos a fio. Coadjuvante da própria história.

    Algo de muito especial nos filmes do argentino, as tragédias nunca são anunciadas – e muito menos as paixões, quando estas irrompem de um óbito ou de uma boate qualquer. Baseado na vida do ex-lutador de boxe Ralph Zumbano, ícone do esporte mais conhecido por sua personalidade difícil, O Rei da Noite é um estudo simples, charmoso e dos mais bacanas sobre os efeitos de um meio ambiente sobre a vida de um homem, e tudo isso em meros noventa minutos bem aproveitados enquanto assistimos Tezinho se enganando, enrolando quem mente que ama, e sobretudo os outros Tezinhos que vai encontrando por ai, por essa matança diária dos leões que a vida coloca na nossa conta.

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  • Crítica | Todos Os Paulos do Mundo

    Crítica | Todos Os Paulos do Mundo

    Gustavo Ribeiro e Rodrigo Oliveira trazem a luz o filme reverencial Todos os Paulos Do Mundo, sobre a performance de Paulo José em novelas, teatro e, principalmente, cinema. O documentário reúne imagens dos filmes, e é basicamente montado em cima de cenas de arquivo, sem quase nenhum material inédito a não ser a narração do próprio ator e de outros que trabalharam com ele no passado, assim como aqueles que o reverenciam como grande ator que é.

    Um tempo demasiado é gasto dentro da história para contar qual é o modo que Paulo escolhia para expressar sua arte. De certa forma, ele se auto-define como um aluno do método, uma vez que vive como seus personagens, deixando de viver normalmente para se expressar tal qual o seu papel, assim como também assume só interpretar a si mesmo. A poetização de seu trabalho cabe muito bem dentro do filme e da proposta de traçar o perfil de um artista.

    O modo de contar a história que Oliveira e Ribeiro propõem é bastante interessante, e faz lembrar outros exercícios documentais recentes, como Cinema Novo e Campo de Jogo de Eryk Rocha, ainda que esse seja ainda mais centrado e certeiro, por ter um objeto de análise que está realmente perto de seus realizadores.

    A pesquisa de Amanda Baião é muito rica e bem empregada, e sem ela certamente o filme não teria nem perto do impacto que tem aqui.É curioso porque grande parte da analise final sobre Todos os Paulos do Mundo pode ser prevista com 10 minutos de filme, mas apesar disso, todo o restante não soa repetitivo ou redundante, já que a alma de Paulo José é imortal em demonstração e exercício, além de se revelar um tremendo mentiroso quando tenta ser humilde.

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