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  • Crítica | Cássia Eller

    Crítica | Cássia Eller

    Com uma breve e elogiada carreira na direção por conta de Loki – Arnaldo Baptista e Dossiê Jango, Paulo Henrique Fontenelle lança novo documentário musical focado em Cássia Eller, uma das grandes vozes do país e cuja carreira terminou precocemente no ápice de seu talento.

    Nos últimos anos, a música brasileira e o gênero dos documentários têm resultado em grandes parcerias narrativas, dando luz a muitas histórias de diversos músicos que, em uma adaptação cinematográfica, talvez não teriam o mesmo apelo ou força do que com este tipo de narrativa. Mesmo o documentário mais tradicional, com depoimentos em ordem cronológica, consegue ser capaz de produzir um bom resumo histórico do biografado e, normalmente, como envolve também alta carga emocional, provoca empatia no público.

    A composição de Cássia Eller se assemelha ao perfil da cantora e foge de um padrão comum de depoimentos e da composição historiográfica natural. O grande desafio de trabalhar uma obra de não-ficção é definir como apresentar uma história já estabelecida por uma trajetória. Dessa forma, Fontenelle compõe em sua montagem uma narrativa própria, selecionando depoimentos em momentos adequados para apresentar a carreira de Eller, além do apoio historiográfico, promovendo um estilo particular. Rearranjando a trajetória da intérprete através do resgate de imagens antigas e depoimentos pontuais, a obra tem o auxílio de uma animação utilizando fotografias produzida por efeitos computadorizados (um recurso que tem sido explorado por diversos documentaristas do país).

    Tímida em sua vida cotidiana, devastadora no palco. A dubiedade de Cássia é um dos grandes assuntos a serem desvendados por esta história. Amigos, familiares e compositores se unem pelas lembranças para entregar relatos carregados de alma e de amor pela carismática cantora que, desde cedo, demostrou desenvoltura vocal e foi amadurecendo com o tempo, realizando interpretações variadas em tons doces, como em O Segundo Sol, um de seus maiores sucessos, e agressivas como em Infernal, ambas do compositor e amigo Nando Reis.

    Como biografia de uma cantora que já saiu de cena, o final se carrega de momentos tristes entre a despedida natural e, muitas vezes, a derrocada artística. Os amigos da intérprete não hesitam ao expor sua fragilidade em relação a fama e a exposição, principalmente após o grande sucesso de seu Acústico MTV, responsável por uma vasta turnê pelo país. Um álbum que revela o auge musical no qual Cássia vivia, saindo de cena no topo de sua criatividade com um inspirado último projeto. Rockeira como era uma das facetas de Eller, sua trajetória de fim inesperado se reflete na repetida e ainda significativa frase de Neil Young, It’s better burn out, then fade away (é melhor se queimar do que desaparecer aos poucos).

    Reacendendo a figura da cantora, Paulo Henrique Fontenelle produz um belo documentário sobre esta cantora de habilidade vocal e talento ímpar que, mesmo fora de cena, possui uma excelente discografia. Um legado musical que permanecerá para sempre na música brasileira.

    Compre: DVD | Blu Ray

  • Crítica | Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94

    Crítica | Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94

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    Você se lembra de que, quando numa conversa, o assunto caía em música brasileira dos anos 90? Provavelmente vai pensar em Tchakabum, É o Tchan, Leandro e Leonardo, Daniela Mercury, Mamonas Assassinas, entre tantos outros grandes hits que passavam na TV e tocavam no rádio.

    Sou de 92. E isso não ia dizer nada, a não ser pelo fato de que sou uma toupeira quando o assunto é música nacional. Do pouquíssimo que conheço, não está nem longe de ser relacionado a rock. Então, qual foi o aproveitamento em ver algo como Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94? É difícil dizer que não foi 100%.

    O documentário, dirigido e roteirizado pelo jornalista Ricardo Alexandre e por Alexadre Petillo, inicia sua primeira tomada trazendo exatamente os grandes chavões que fizeram a década de 90: axé, sertanejo, o presidente Collor e a banheira do Gugu. Tudo isso para nos dizer, ao longo das próximas duas horas, que o todo realmente é muito maior que o buraco musical que muitas vezes é vendido pelos principais veículos de comunicação do Brasil, como a TV e o rádio, principalmente com o rock, que é o protagonista dessa história. Sem Dentes na verdade vem para comemorar e registrar 20 anos da Banguela Records, selo independente da Warner Music do Brasil, chefiado pela banda Os Titãs e com direção artística do jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda. Esse último especialmente fornece muitos depoimentos, não só muito bem humorados, mas ricos em detalhes, e que nos ajudam a construir uma linha do tempo clara que contextualiza a sua participação evidente no cenário musical da época.

    Não somente Miranda mas como o próprio Charles Gavin e Nando Reis dão seus depoimentos inúmeras vezes. Temos muitos comentários e considerações das próprias bandas que foram representadas pelo selo, como Raimundos, Little Quail and The MadBirds, Maskavo Roots, Mundo Livre S/A, além de trazer declarações de jornalistas como André Forastieri, a banda Pato Fu, o vocalista Samuel Rosa (Skank), entre muitos outros. É muito visível, pela quantidade de depoimentos, recortes musicais e a naturalidade com que são feitos, a intenção que o diretor Ricardo Alexandre tem em contar um episódio muito importante da história da música brasileira. Mas mais importante, antes de tudo, é reunir um leque de lembranças que traçam um capítulo da vida de uma geração que está presente até hoje e que precisava registrar dessa maneira o que passou, deixando de lado qualquer possível sentimento saudosista ou certa maneira didática de contar aquela história.

    A importância de criar uma produção cultural independente é um ponto essencial que é passado durante o filme. É de certa forma simples dizer que hoje isso é mais do que óbvio, porém não faz muito tempo que essa dependência de um intermediário em todo tipo de mercado cultural era existente – e não somente aqui no Brasil, como é rapidamente exemplificado na iniciativa da Image Comics nos EUA (também fruto dos anos 90).

    Eu poderia fazer vários comentários sobre todos os detalhes exibidos nas duas horas de vídeo do documentário. Mas, como dito anteriormente, sou uma toupeira nesse assunto. A real importância de Sem Dentes, antes de tudo, foi abrir minha mente para conhecer um pouco mais sobre todo esse universo musical nacional, que é muito rico e para o qual eu nunca olhei realmente. O documentário é fluido, divertido e principalmente instigante sobre os assuntos que ele aborda, e fecha com uma bela homenagem à música Tempestade da banda Maskavo Roots. Espero que seja a porta de entrada de muitas pessoas que, como eu, não fizeram parte de nada disso. Não é difícil encontrar nada hoje em dia.

    Texto de autoria de Halan Everson.