Tag: Política

  • Marxismo Cultural 03 | Manifestações, Greve Geral e Violência de Gênero

    Marxismo Cultural 03 | Manifestações, Greve Geral e Violência de Gênero

    Avante, Camaradas! Flávio Vieira (@flaviopvieira), Julio Assano Júnior (@Julio_Edita), Rafa Klass (@lackingclass), Amanda Farias (@_putindesaias) e Filipe Pereira se reúnem para comentar um pouco sobre a conjuntura nas últimas semanas, as manifestações pela educação e contra a reforma da previdência, e pró-governo, além de todo o machismo e violência de gênero envolvido na abordagem do caso Neymar.

    No mais, dado os últimos acontecimentos, retornaremos para uma gravação especial para comentar as reportagens do Intercept Brasil e os vazamentos da Lava-Jato.

    Duração: 105 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
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    Virgem Depois dos 30 – Compre aqui
    Irmãos: Uma História do PCC – Gabriel Feltran – Compre aqui
    Friedrich Engels e Karl Marx – Manifesto do Partido Comunista (Audiolivro)
    Friedrich Engels – Princípios Básicos do Comunismo (Audiolivro)
    V de Vingança – Alan Moore e David LlyodCompre aqui
    Uma Autobiografia – Angela Davis – Compre aqui

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  • Marxismo Cultural 02 | A Esquerda, Lula e as articulações da Reforma da Previdência

    Marxismo Cultural 02 | A Esquerda, Lula e as articulações da Reforma da Previdência

    Avante, Camaradas! Flávio Vieira (@flaviopvieira), Rafa Klass (@lackingclass), Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) e Filipe Pereira se reúnem para comentar um pouco sobre a conjuntura nas últimas semanas, o papel da esquerda no cenário atual, o impacto da entrevista do ex-presidente Lula e as articulações do governo para a aprovação da Reforma da Previdência.

    Duração: 118 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior e Flávio Vieira
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    Marxismo Cultural 01 | Cem Dias de Governo Bolsonaro
    Entrevista do ex-presidente Lula para o El País e Folha
    Anticast 352 – Lula
    Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam –Luiz Inácio Lula da Silva
    Caso Mamona – Roberto Requião e Lula
    Agenda Cultural 70 | Infiltrado na Klan, Green Book e Shazam!

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    O Eterno Judeu (Fritz Hippler, 1940)
    Os Donos da Rua (John Singleton, 1991)
    O Manifesto Comunista (Karl Marx e Friedrich Engels, 1848)
    Eduardo Taddeo – Seminário sobre Literatura Periférica

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  • Marxismo Cultural 01 | Cem Dias de Governo Bolsonaro

    Marxismo Cultural 01 | Cem Dias de Governo Bolsonaro

    Avante, Camaradas! Flávio Vieira (@flaviopvieira), Julio Assano Júnior (@Julio_Edita), Rafa Klass (@lackingclass) e Filipe Pereira se reúnem para dar início em um novo projeto de podcast do site: Marxismo Cultural. Nesta edição, comentamos sobre a conjuntura no cenário político nacional, em especial, sobre as viagens de Bolsonaro e a paralisia do Ministério da Educação.

    Duração: 100 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior e Flávio Vieira
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    Agenda Cultural 62 | Especial: Cinema Político
    VortCast 36 | O Que Restou da Ditadura
    22 erros no currículo Lattes do ministro da Educação, matéria de Juliana Sayuri
    Lado B do Rio #96 – Cecília Oliveira

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  • Resenha | Filósofos em Ação – Volume 2

    Resenha | Filósofos em Ação – Volume 2

    Nota-se o quão difícil foi para a dupla dinâmica dos quadrinhos, Fred Van Lente e Ryan Dunlavey, manter o interesse e a irreverência da primeira parte da saga dos grandes filósofos da história da humanidade aqui, na sua continuação publicada pela Gal Editora, a mesma do maravilhoso primeiro exemplar da obra dos dois artistas americanos. Isso porque, se antes eles não precisaram recorrer a uma extensa e desalinhada dialética tanto textual quanto visual para modernizar em uma nova linguagem figuras que já fazem parte de uma imaginário intelectual global (Platão, Freud, Santo Agostinho), há muito, tratando agora de Karl Marx, Jean-Paul Sartre e Descartes, este Volume 2 ganha seriedade ficando órfão da diversão, justamente o elemento mais marcante e bem equilibrado do que veio antes.

    A comparação é inevitável devido à baixa de dinamismo na qualidade narrativa. Uma pena, já que os desenhos caricatos e espirituosos de Dunlavey continuam impagáveis, principalmente no começo, ou seja, nas primeiras vintes páginas que dão conta de evidenciar o próprio e velho Marx, com suas famosas teorias ensinadas nas aulas de sociologia mundo afora, e Nicolau Maquiavel, quando Filósofos em Ação se propõe a provar que o cara nem foi tão mal assim; apenas acreditava piamente que o homem de poder, em prol de sua auto preservação, precisa aprender a ser mal nas situações necessárias a tanto. Dispondo de uma rapidez que já tínhamos atestado antes, é justamente daí em diante que a sensação de dessemelhança começa a apitar, e sem parar, até o final.

    As páginas, então designadas as teorias e a vida de São Tomás de Aquino, o homem que tentou e realmente provou por cinco provas diferentes a existência de Deus, e ao próprio Sartre, o cara que também tornou compreensível – e atraente – a atividade filosófica às massas do seu tempo, sofrem de um certo cansaço criativo jamais sentido quando antes se perguntava “Por que existe o bem?” (Santo Agostinho) ao invés de se afirmar que “penso, logo existo” (Descartes). O capítulo referente a Cabala, um sistema filosófico tido por muitos como doutrina religiosa, é tão corrido que beira a confusão, denotando uma falha no poder de síntese literária ainda inédita nesses dois volumes cheios de humor negro e satirização, a fim de tornar mais acessível esse mundo de ideias atemporais desses ídolos que tanto dedicaram suas vidas a estudar Confúcio, Sócrates, Buda, ou a própria bíblia em exaustão.

    Contudo, é de se admirar a própria premissa dada em continuidade por escritor e desenhista, esmerando-se entre relatos históricos e a sabedoria de grandes mentes e suas criações, inspirações e visões proféticas, criando um mural de lendas que, ora se inspiram umas nas outras para questionarem suas teorias e criarem novas, ora obtém da própria ideia do Divino o ímpeto da busca pela verdade por trás das coisas de uma vida mundana vazia, desprovida de explicações, e carente de um desenrolar reflexivo. Nisso, a série dos Filósofos de Ação termina quase que totalmente ancorada pelo poder do texto, quase que submetendo sua ótima parte visual a um segundo plano. Mesmo assim, com algumas passagens que valem a pena (você nunca mais vai ler Karl Marx da mesma forma), eis um fechamento digno para a co-criação que achou na nona-arte (o mundo dos quadrinhos) a mídia perfeita para as convenções e possibilidades criativamente almejadas, desde o início.

  • Resenha | Filósofos em Ação – Volume 1

    Resenha | Filósofos em Ação – Volume 1

    O quão nobre seria a arte, a artilharia de valores reunidos em uma única publicação, de tornar compreensível para “pessoas comuns” todo o conceito universal da Filosofia? Muito, não é verdade? Contudo, se o(a) leitor(a) já estiver com a resposta pronta entre suas certezas, já está traindo, sem ao menos perceber isso, todo o processo de pensamento não-imediatista que todos os nossos “heróis”, estivessem eles em busca da verdade ou das liberdades propriamente ditas de cada um, tanto defenderam e tentaram disseminar ao longo do tempo – alguns, inclusive, de forma não tão gloriosa ou eticamente admiráveis, assim.

    Podemos, portanto, entre tantas outras coisas, afirmar de antemão que fazer a filosofia e seus representantes típicos terem um grande apelo popular, através da diversão que emana dos quadrinhos, é algo realmente nobre por si só. Afinal, não é todo dia, no tempo ultra corrido do século XXI, que nos sentimos animados de verdade para lidar, com livre e espontânea vontade, com ensinamentos filosóficos (e suas reflexões) em meio as múltiplas tarefas que esses idos contemporâneos nos impõe, categoricamente. Ainda assim, caso a resposta para aquela ou qualquer outra pergunta fosse feita às pressas, como nos ensinou o tempo atual e o senso comum, seria preciso voltar e tentar entender o motivo que levou essa primeira parte de Filósofos em Ação ser tão brilhantemente bem escrita por Fred Van Lente, e graficamente posta em vida com uma vibração invejável por Ryan Dunlavey.

    Ao calcular a viabilidade de uma história em quadrinhos que condensa toda a moral filosófica de Platão (tido aqui como um lutador mesmo, metáfora para sua incansável luta pela verdade, cujo preço foi alto e cruel), Sigmund Freud (o grande pesquisador da sexualidade humana, e sua rixa histórica com seu próprio discípulo, Carl Jung) e vários outros, aqui tidos como símbolos centrais de suas próprias teorias e atividades que, de uma forma ou de outra, tanto influenciaram as sociedades que se originaram após seus estudos, é de se notar o esforço de Van Lente para resumir, em dez páginas cada, a história de vida e as forças ideológicas que, rumo a iluminação e a imortalidade histórica, moveram esses homens e a única mulher entre eles, a russa Ayn Rand, a mais objetiva de todos – até ser traída por seu companheiro, momento esse que resulta num dos pontos chave do livro desenhado: o uso de um bom humor impagável.

    Este é expresso tanto nos diálogos, quanto nos traços de Dunlavey. Sempre expirado, tal o coleguinha escritor, formando uma unidade visual deliciosa ao longo de quase cem páginas divertidíssimas, que levam qualquer um a entender e querer praticar o ato da reflexão – nem que seja só por um instante, o cara faz o uso da cor além dos tons monocromáticos que emprega ser tão necessário, em Filósofos em Ação, quanto mais páginas além das dez já mencionadas aos seus protagonistas. Com total irreverência e credibilidade, conhecemos as mentes filosóficas revolucionárias e traduzidas aqui através de uma centena de situações fantásticas, mas que nunca se distanciam da realidade – a forma irônica como é ilustrada a relação do iluminista Thomas Jefferson com os negros (o homem que redigiu a declaração de independência dos E.U.A. com a Inglaterra abominava a escravidão, mas se viesse a abolir seus escravos, iria à ruína financeira), fica sendo nada menos que genial, ainda que dolorosamente justa. A história dos fatos nunca perdoa.

    Seja como for, e deixando claro que todo fato é linguagem, e portanto, mera opinião, segundo os ensinamentos de Bodhidharma, o homem que trilhou a China e seus templos para mostrar como a verdade é relativa a consciência de cada ser pensante, é de se surpreender como Filósofos em Ação não diminui nem simplifica, ou desmistifica a aura lendária dessas personas já mortas, mas cuja semente de suas ideias e ideais seguem mais vivas do que nunca. A publicação da editora Gal, perfeitamente traduzida ao português, toma o cuidado de provar isso página por página, redigidas com um esmero impressionante, evidenciando todo o processo artístico de Van Lente e Dunlavey, e promovendo na graça e na inteligência que tem em comum todas as histórias envolvendo Nietzsche, Platão e Santo Agostinho, a importância, o fascínio e a diversão que existem em todo e qualquer tipo de questionamento humano.

    Compre: Filósofos em Ação.

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  • Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam

    Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam

    A carreira de Luiz Inácio Lula da Silva é controversa até entre seus defensores e simpatizantes, a quem A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que me Condenam é destinado. Aos opositores mais extremos que afirmam que o político tentou implantar o comunismo no Brasil realmente não há o que argumentar, seja só para discutir ou para convencer, uma vez que ignoram a lógica. Na parte detrás do livro que Ivana Jinkings organizou com ajuda de Juca Kfouri, Maria Inês Nassif e Gilberto Maringoni lemos uma frase icônica “(…) não fui eleito para virar o que eles são, eu fui eleito para ser quem eu sou. Tenho orgulho de ter sabido viver do outro lado sem esquecer quem eu era“, e é nesse sentido que o livro se desenvolve.

    O livro desenvolve brevemente o início da trajetória como líder sindical – que Lula iniciou em 1977; passando pela construção do Partido dos Trabalhadores e sua ascensão popular, depois de algumas derrotas eleitorais até finalmente assumir a cadeira de Presidente da República e eleger sua sucessora. Para Lula, a ideia do PT sempre foi a de democratizar o Brasil por meio de seu partido, no intuito de dialogar com a população menos favorecida sem academicismos, de maneira franca.

    Na nota da edição, Ivana destaca duas datas importantes de janeiro de 2018, a primeira como dia 24, onde o presidente foi julgado e (ao ver dela) injustiçado, e dia 31 onde ele recebeu Ivana e outros entrevistadores para conversar. O livro da editora Boitempo contém  mais de 200 páginas e é composto por alguns textos de notáveis, como Luís Fernando Veríssimo, que faz o prólogo, anotações de Eric Nepomuceno, um artigo de Rafael Valim e uma cronologia da vida do politico feito pro Camilo Vannuchi.

    Luiz Felipe Miguel defende a tese de que a prisão de Lula é um segundo passo do movimento que antes cometeu o golpe em Dilma Rousseff, um movimento que visava aprovar medidas antipopulares como a reforma da previdência, que ao ver do escritor só foi freada pela proximidade das eleições, e a necessidade de reeleição dos que compõem o Congresso Nacional. Essa conclusão não é necessariamente acertada, uma vez que a pressão popular realmente pesou contra, além de alguns movimentos de imprensa livre, independente dos votos, até porque claramente boa parte dos que votaram a favor do congelamento do teto de gastos em pastas como Educação, Saúde e Cultura estão entre os candidatos com maior possibilidade de votos na eleição de 2018. Miguel também faz uma mini descrição da trajetória de Lula, dizendo que sua condenação se deu por suas virtudes e não por seus defeitos, e fica difícil analisar esse pequeno texto que não pelo viés de um sujeito que enxerga Lula como um herói incapaz de cometer falhas. Nenhuma simpatia política deveria suplantar o senso crítico, ainda que sua condenação tenha ocorrido de forma injusta.

    A entrevista foi feita nos dias 7, 15 e 28 de fevereiro de 2018, pelos quatros entrevistadores. Há alguns bons momentos nessa conversa, como quando Lula diz que não queria voltar a presidência em 2014, comparando sua carreira com a de um jogador que brilha muito num time e tem medo de um retorno já sem o mesmo brilho. O entrevistado faz questão de deixar claro que não havia cisão entre ele e Dilma Rousseff, e que a imprensa tentou gerar uma situação de inimizade entre os dois, fato que jamais ocorreu ao menos segundo seu depoimento. Parte dessa retórica passa por uma conversa entre Lula e João Santana, publicitário da campanha sua e de Rousseff, onde Santana pediu para ele explicar à futura presidenta que ela era candidata tampão.

    Se percebe até nas criticas que ele faz a Dilma um certo carinho e grande apreço, onde o ex-presidente declara que a achava extremamente inteligente, mas com dificuldades de lidar com a política no dia-a-dia, e sua crítica é válida, opositores e apoiadores sempre repetiram isso, variando o tom entre essas críticas. A diferença de postura de ambos era gigante e exemplificada por Lula ao descrever como conversava com os ministros, sempre ouvindo primeiro o que eles falavam para depois opinar, enquanto Dilma falava antes de todos, praticamente impedindo qualquer um de opinar contrariamente por ter receio de parecer a pessoa como uma detratora, como “O Alguém” que contraria a cadeira presidencial. Desse modo, poucos iam na contramão do discurso da presidenta.

    Lula diz ainda que mudar-se de país impediria sua proximidade com o povo e que ir ao exílio seria uma alternativa se fosse culpado, sendo inocente, não havia como fazer isso. Essa fala soa romântica e até ingênua, mas levando em conta o caráter desse depoimento, faz sentido isso, evidentemente. Goste-se ou não de Lula, é inegável seu poder de oratória único e capacidade de gerar interesse e simpatia em quem o ouve, e a estrutura do livro favorece esse poder por ser uma conversa transcrita é fácil ler as palavras e associa-las ao modo do sujeito falar.

    O teor da discussão é informal, mas se trata de muitos assuntos sérios, como a questão do Pré-sal e a crença do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim de que os Estados Unidos tem interesse nisso, inclusive reativando a Quarta Frota Americana, em uma movimentação suspeita – e longa demais até para se discutir aqui, mas que conversa bastante com algumas especulações ligadas aos interesses que movimentam a candidatura e campanha de Jair Bolsonaro.

    Há muita informação e discussões ao longo das 126 páginas de entrevista. A conversa publicada permite que num espaço curto de páginas se discuta a ascensão direitista na América, que afetou El Salvador, Paraguai, Argentina e o Brasil. Lula ainda faz críticas duras ao judiciário brasileiro, as indicações políticas de  Temer, comentários sobre os presidenciáveis e uma leitura bastante sóbria sobre o futuro, inclusive verificando que a ascensão de Bolsonaro tinha grandes chances de acontecer.

    Uma de suas leituras é relativa a forma como o PT deveria se postar. No lugar da frase “Eleição Sem Lula é Fraude”, ele diz que preferia que se proclamasse algo como “Lula é inocente e por isso deveria ser candidato“, e salienta que obviamente que essa sentença não tem síntese, mas contém verdade. Ainda assim, Lula louva demais o legado de seu partido e entre muitas falas, afirma algo importante, que o Partido dos Trabalhadores deu cidadania à esquerda, que vivia marginalizada, um monte de grupelhos escondidos e que de repente tem um guarda chuva grande, com uma estrela vermelha.

    O modo de pensar de Lula, para o período do primeiro semestre de 2018 correu corretamente, mas a realidade é que em épocas de extremismo cada dia conta muito, assim como as semanas e meses também, e em tempos de eleição os cenários são de mutações ainda mais rápidas e extremas. Na fala de Luiz Inácio, o próximo presidente, e portanto o candidato também, precisa ser alguém com credibilidade e que fale a “língua” do povo. A Verdade Vencerá é certeiro em apresentar a versão do ex-presidente sobre os fatos que correram sobre essa fase de sua jornada, com defesas contundentes e suas intenções auto-proclamadas. Talvez essas palavras não provem nada, mas certamente são bem mais convictas que boa parte das acusações existente contra ele.

    Compre: A Verdade Vencerá – Luiz Inácio Lula da Silva.

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  • Resenha | Desejo de Status – Alain de Botton

    Resenha | Desejo de Status – Alain de Botton

    A obra Desejo de Status do autor Alain de Botton é um “simples” manual explicativo das causas e soluções da obsessão contemporânea, o desejo de  status em sociedade. Publicado pela editora Rocco, a edição a ser resenhada é da coleção L&M Pocket com texto integral. O autor é o escritor Alain de Botton com formação nas áreas de Historia, Literatura e Filosofia.

    Percebemos em uma leitura prévia que o autor divide a obra em duas partes, as causas de um desejo de status e as soluções do que as causas podem provocar. Botton começa definindo e diferenciando o que é o status e o que seria o desejo de status. Conforme o autor, dentro dos motivos primogênitos das causas, poder-se-ia dividir os sintomas da ambição em subgrupos: A falta de amor, o esnobismo, a expectativa, a meritocracia e a dependência. Essas causas levantadas pelo autor ocuparão boa parte da obra de forma explicativa com dados históricos, políticos, religiosos e filosóficos.

    Botton aprofunda a questão de causas de forma detalhada, trilhando o caminho originário das pressões sociais e nos leva a entender como essas afetam a psique de forma involuntária. A segunda parte é clara quanto  ao que seria segundo o autor as soluções para os males que o desejo de status pode trazer, que também é dividida em subgrupos: filosofia, arte, política, Cristianismo e boêmia.

    A falta de amor, segundo Botton, está profundamente ligada ao desejo de status. Somos seres morais e sentimentais em busca de amor, de forma que nosso desejo é intensamente ligado à esse grito desesperado pelo amor total e absoluto. O autor escreve, “Pode-se dizer que a vida adulta é definida por duas grandes histórias de amor. A primeira – a da busca por amor sexual – é bem conhecida e bem representada, suas peculiaridades formam a matéria-prima da música e da literatura, ela é socialmente aceita e celebrada.” (de Botton, Alain; Desejo de Status; p.16)

    Em seguida o autor entra na causa da sede de desejo de status, o esnobismo. Vemos que o esnobismo é comum e parece invencível dentro do meio social, uma espécie de doença coletiva. A frustração e a incompreensão diante do esnobe parece fomentar nossa vontade de parecer melhores, de uma forma totalmente inconsciente.

    Segue o autor no que seria a terceira causa, a expectativa. Aqui Botton inicia com o fato ocorrido em 1959, onde o vice-presidente americano, Richard Nixon, viaja a Moscou para uma exposição tecnológica, demonstrando a busca pelo progresso material, após explicar como seria o modelo moderno de cozinha. Aqui ele estaria relatando não só a realidade que os EUA estavam vivendo nesse período, mas também o restante do mundo Ocidental, que vinham buscando modernidade e facilidade nos vários segmentos do cotidiano, aprofundado muito a busca por tecnologia. Todo esse contexto histórico em busca de uma vida mais superiormente confortável e de certa maneira invejável, provoca, segundo Botton um aumento nos níveis de preocupação com o que se tem. “É o sentimento de que podemos ser um pouco diferentes do que somos – um sentimento transmitido pelas realizações daqueles que consideramos nossos iguais –  que gera desejo e ressentimento. Se somos baixos e vivemos entre pessoas que são todas do nosso tamanho, não seremos perturbados pela nossa altura. Mas se os outros em nosso grupo crescem e ficam um pouco mais altos, ficamos sujeitos a um desconforto súbito e podemos ficar insatisfeitos e sentir inveja…” ( Botton; Desejo de Status; p. 42-43).

    No capitulo seguinte, Botton adentra ao tema sobre ao mito da meritocracia, abordando algumas fábulas que são muito úteis para o entendimento do que sugere esse fator social. Enquanto, no último capítulo, o autor desenvolve sobre as causas dessa dependência, exemplificando os tantos motivos de sermos escravizados por uma dependência social em vários âmbitos no mundo contemporâneo.

    A partir daí Botton aborda oque poderia ser as soluções para todas essas causas sociais, e então é um mergulho nos fantásticos universos que não são explorados pela mídia, pelos coachings e pelos messiânicos, os caminhos da filosofia, política, espiritualidade e o mundo recluso dos boêmios.

    A leitura de Desejo de Status é extremamente prazerosa e viciante, apesar da complexidade do livro em atrelar dados e fatos históricos, mas não é um livro para ser lido apenas uma vez. De certa forma ele nos alivia e nos ajuda a entender como é complexo nosso mundo atual e como muitos acontecimentos considerados normais e obrigatórios não são simples e tem um fator muito explicativo do por que ocorrem. Certamente ao chegar no fim do livro percebemos que a opinião do senso comum diante de tantos fatos relevantes da nossa trajetória pode ser uma maldição. Botton é recomendadíssimo nessa obra não só para leitores de filosofia e psicologia, mas para todos que estão em busca do verdadeiro autoconhecimento.

    Compre: Desejo de Status – Alain de Botton.

    Texto de autoria de Ana Oliveira (Críticas de Livros).

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  • Crítica | The Post: A Guerra Secreta

    Crítica | The Post: A Guerra Secreta

    Filmes sobre feitos jornalísticos tem ganhado um peso grande recentemente. Foi assim com Spotlight – Segredos Revelados, e talvez tenha sido isso que fez Steven Spielberg pensar em finalmente trazer à luz a historia de The Post: A Guerra Secreta, onde se conta a famosa história por trás da publicação do Washington Post de um estudo encomendado pelo ex-secretário de defesa Robert McNamara a respeito da participação americana na Guerra do Vietnã.

    O filme se fundamenta dramaticamente na relação entre dois personagens, Ben Bradlee, vivido pelo antigo parceiro de Spielberg, Tom Hanks, editor do jornal, e Katharine Graham, proprietária do Washington Post – feita por uma inspirada Meryl Streep, que consegue variar entre a mulher que fica do lado de fora do jornal mas ainda assim é preocupada com o que veiculam no noticiário de sua família e a insegurança de não possuir verba suficiente para pagar todos os custos das operações do periódico. As discussões entre os dois guardam as partes mais importantes e divertidas dos filmes, e ajudam a montar o quadro de fatos, como as questões envolvendo a concorrência com outros periódicos e a dificuldade de se manter vivo apesar do boicote do então presidente Richard Nixon.

    Esse é um filme bem mais dinâmico que parte da filmografia recente do diretor, em especial Cavalo de Guerra e Lincoln, embora não seja tão envolvente emocionalmente quanto Ponte de Espiões, certamente rivaliza com esse em peso e qualidade. Há um pequeno problema de ritmo, uma vez que a primeira parte é um bocado arrastada, mas isso de certa forma conversa um pouco com o cotidiano. Além disso, duas coisas impressionam, que são os comediantes e as perucas que visam caracterizá-los. Além disso, é curioso ver o comediante David Cross fazendo um papel sério, assim como Bob Odenkirk, ainda que este esteja mais habituado com personagens dramáticos.

    A construção do quadro político dos Estados Unidos é muito bem exemplificado, sobretudo na personificação de Bob McNamara, de Bruce Greenwood, que na primeira cena demonstra ser um sujeito contra o conflito no Vietnã, contudo, em aparições públicas precisa falar a favor do embate. A forma dúbia como ele age e a falta de certeza de sua participação no vazamento de informações sigilosas para os jornais casa muito bem com o clima de paranoia que imperava durante a Guerra Fria.

    Próximo de se decidir finalmente se a coisa será publicada ou não, há enfim o apogeu do jornalismo, com Katharine decidindo seguir o conselho de seu velho amigo. Spielberg torna toda a espera e suspense sobre as possíveis punições aos responsáveis em um thriller dos 1970 – inclusive referenciando visualmente o clássico de Alan J. Pakula, Todos os Homens do Presidente – e mostra em imagens o quão bonito e idílico pode ser o jornalismo romântico, ao mesmo tempo que não esquece do pragmatismo do cotidiano vivido pelos jornalistas. O tom denunciativo de The Post: A Guerra Secreta é muito bem-vindo, em espacial ao enxergar semelhanças básicas com o que ocorre atualmente no mundo.

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  • Crítica | O Estrangeiro

    Crítica | O Estrangeiro

    O Estrangeiro talvez seja a primeira grande decepção do ano de 2018. Porém, isso não significa que seja um filme ruim. Muito pelo contrário, estamos diante de um bom filme. A decepção se dá pelo desperdício de material, uma vez que a sua história permite abordagens distintas e igualmente interessantes. Almejando aliar um thriller político em  uma eletrizante e violenta trama de vingança, o longa acaba por ficar no meio do caminho, se tornando um filme formulaico e indeciso sobre qual rumo abraçar, sucumbindo a fórmulas e clichês do gênero.

    Na trama, Jackie Chan interpreta Quan, um amoroso dono de restaurante que vê sua filha morrer de forma trágica em um atentado a bomba perpetrado por uma célula terrorista do IRA (Exército Revolucionário Irlandês). Sentindo-se desprezado pela polícia de Londres, Quan resolve buscar respostas com Hennessy (Pierce Brosnan), um ex-membro da organização que hoje é o Vice Primeiro-ministro da Irlanda do Norte. Ao também ser desprezado por Hennessy, Quan resolve buscar respostas por conta própria e transforma Hennessy em seu alvo primário para conseguir seu objetivo.

    Martin Campbell (diretor de Cassino Royale) imprime realismo na sua direção. Filma com esmero as cenas dos atentados, tanto os momentos anteriores quanto os posteriores aos atos, provocando certo choque no espectador. Outro ponto muito positivo é a forma como ele trata a dupla de personagens. Campbell consegue explorar muito bem os talentos dramáticos de Chan e extrai uma ótima interpretação de Brosnan, que aqui foge do lugar comum de seus papéis ao longo dos últimos anos. Porém, no que diz respeito à ação, o diretor peca bastante. Ainda que as cenas possuam um grau de realismo, fazendo com que Chan não seja um super-herói, mas apenas um homem muitíssimo bem treinando como o seu background no filme demonstra, tudo é muito picotado. O ritmo videoclíptico acaba por diluir o impacto de cenas que deveriam ser extremamente empolgantes para o espectador. O roteiro escrito por David Marconi, baseado no livro The Chinaman  escrito por Stephen Leather, é um tanto quanto engessado e formulaico, tendo a infeliz decisão de priorizar o thriller político em detrimento da trama de vingança que é desenhada nos trailers e na primeira parte do filme.

    A verdadeira força do longa-metragem está em sua dupla de protagonistas. Normalmente, nos filme de ação, os personagens são unidimensionais. Isso não ocorre aqui. Chan compõe um personagem que inicialmente parece um simples dono de restaurante cujos atos são justificados pela perda da última coisa que lhe importava na vida. Porém, com o desenrolar do filme, vamos descobrindo o seu passado e percebendo que ele não é tão simples assim. Ademais, o personagem não é um impávido colosso de moralidade, conforme vemos nos meios que ele utiliza para atingir os seus fins. O Liam Hennessy de Brosnan inicialmente parece um burocrata que renega o seu passado. Porém, vemos que ele é um homem dividido. Seus princípios de juventude sempre o colocam em conflito com as atribuições de seu cargo de primeiro-ministro, criando um personagem em constante conflito interno, o que provoca um racha até mesmo em sua vida afetiva. Outros personagens importantes são Sean e Mary, respectivamente sobrinho e esposa do personagem de Brosnan. Contando com boas interpretações de Rory Fleck-Byrne e Orla Brady, a dupla possui arcos dramáticos próprios que se tornam extremamente importantes para a trama.

    O Estrangeiro é um bom filme de ação que conta com uma grande dupla de protagonistas, mas que infelizmente desperdiça parte do seu potencial ao contar com um roteiro que não sabe onde concentrar o seu foco e com uma direção um tanto irregular.

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  • Crítica | Eu Não Sou Seu Negro

    Crítica | Eu Não Sou Seu Negro

    “A história dos negros na América é a história da América. E não é uma história bonita”. Essa é uma das frases que James Baldwin, famoso escritor americano, profere no documentário Eu Não Sou Seu Negro, de Raoul Peck. Além dessa, existem várias outras frases, citações, textos, palestras e conversas onde ele expõe de forma nua e crua as relações raciais nos EUA, com a qual podemos traçar alguns paralelos em relação ao Brasil. O difícil mesmo é escolher quais citações usar, pois a cada minuto Baldwin nos joga na cara, com uma lucidez dolorosa, a forma como os EUA foram construídos em cima de um projeto de separação racial e exploração da população negra trazida da África. E como não dá mais para ignorar isso.

    O filme Eu Não Sou Seu Negro é um projeto do cineasta (com narração de Samuel L. Jackson), utilizando como base o livro não concluído de Baldwin, Remember this House, onde o escritor iria contar a história dos EUA a partir dos assassinatos de três dos principais líderes negros da história: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King, durante o movimento pelos direitos civis.

    No início e final do filme, Baldwin cita a necessidade tanto de ter saído dos EUA (com a paranoia real de a cada esquina poder ser morto por alguém), até viver em Paris por tanto tempo que passou a sentir falta dos EUA. Mas, como ele deixa claro, não dos ícones da cultura americana, como a comida ou os esportes, mas sim o seu povo. Mesmo deixando também claro que nunca se sentiu conectado com nenhum movimento em particular (Os Panteras Negras, a NAACP, ou as congregações cristãs), ele queria estar ali, circulando entre eles, observando a história acontecer. Enquanto escrevia sobre ela.

    É morto Medgar Evers.

    A todo o tempo no filme, Baldwin cita a relação e o diálogo na época com os brancos (sociedade em geral e também representantes do governo dos Kennedy) e a frustração com não só a incapacidade deles de entenderem o real problema, mas também de entender que havia um problema ali. Os brancos acreditavam firmemente que os EUA eram um projeto que deu certo, e a escravidão e violência eram um desvio de caráter, não um traço fundador do país.

    A divisão no país, entre brancos e negros, não é só econômica. Há uma barreira quase intransponível que mesmo os brancos liberais e antirracistas não conseguem ver ou mesmo entender como ela opera no seu cotidiano. Ao citar amplamente sua infância e seu início de aprendizagem e formação psicológica, Baldwin mostra, utilizando-se como exemplo, como o negro nos EUA cresce com outros referenciais de beleza, de postura, de atitude, de crenças, e de oportunidades, e como se dá o choque ao saber que tudo aquilo que lhe foi vendido, não foi feito para ele.

    É morto Malcom X.

    Discordando-se ou não de sua postura (como havia discordâncias, as vezes ferozes, mesmo dentro do movimento negro), Malcom foi um porta-voz ativo de uma mensagem que precisava ser ouvida. A da raiva acumulada por séculos, e de que o negro americano nunca foi pacífico ou que aceitou a condição que lhe foi imposta. E que agora essa raiva iria retornar na mesma medida a sociedade que lhes impôs tudo isso. E essa atitude iria custar uma repressão enorme do aparato estatal, já que o “Revolucionário branco quando se arma é aplaudido. O negro é tratado como criminoso.”

    É morto Martin Luther King.

    Toda a estrutura social, econômica, política e especialmente militar dos EUA, toda a base do “sonho americano”, foi construída em cima de uma noção de país que só serve para uma pequena minoria, que desfruta de todo essa qualidade de vida ao custo da mão-de-obra barata dos negros desde a escravidão.

    A ignorância do branco em relação a todas essas questões se reflete na discussão com o professor de filosofia de Yale, Paul Weiss, cuja frase marcante “a cor não deveria ser o foco do debate” é o típico argumento do branco, quando se é negro nos EUA ou no Brasil a principal preocupação do negro antes de tudo é sobreviver ao dia-a-dia. A ameaça de morte está em cada pessoa e em cada figura de autoridade. Todo o histórico de violência do país é o retrato dessa divisão, e o argumento principal de Baldwin é que isso tem um custo. O vazio emocional dos EUA é tão grande que se tenta preencher isso com uma avalanche de bens materiais. Cada americano, violento ou ignorante, tem uma parcela de responsabilidade enquanto não assume a situação do país. E isso se reflete na violência das instituições, da população contra si mesma, os tiroteios em massa, a paranoia com segurança e o “invasor externo”, etc, afinal “Você não pode me linchar e me manter nos guetos sem se transformar em algo monstruoso”.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

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  • Crítica | A Batalha de Argel

    Crítica | A Batalha de Argel

    A Batalha de Argel

    Ambientado no ano de 1957, apenas nove anos antes da feitoria do filme, A Batalha de Argel registra em preto e branco o quão anacrônicos eram os métodos utilizados pelo exército francês a fim de tentar esmigalhar os ativistas políticos pró-independência argelinos, liderados pela Frente de Libertação Nacional. Com tema musical de Ennio Morricone e direção de Gillo Pontecorvo, a obra ajudou a remontar a urgência por identidade buscada pelo povo e nação, fazendo do filme mais um marco do cinema político clássico.

    Pontecorvo tem um cuidado sui generis em retratar tanto a violência dos conflitos, fatos inegáveis em se tratando de um levante popular – indo na contramão do discurso politicamente correto a respeito de manifestações sem confusões que acomete alguns discursos pós modernos – como também guarda espaço para desenvolver a docilidade do povo, que dá prosseguimento a sua vida comum e ordeira, realizando seus ritos religiosos e enlaces matrimoniais e humanizando os revoltosos, que normalmente são execrados por quem conta as histórias, em especial europeus que perderam o embate.

    Não há glamourização da luta pela libertação. As bombas que contemplam o território argelino são colocadas em pontos estratégicos. Os detalhes da câmera mostram a sujeira dos locais, o temor dos revolucionários e o medo, tanto de ser pego quanto de fazer mal ao homem comum do país.

    Há uma sequência que mostra de maneira didática a alienação que acomete parte da população. Há uma explosão de bomba em um estabelecimento comercial genérico, perto de uma danceteria que toca música caribenha. Quando ocorre o estouro, todos vão para fora a fim de ver o que ocorreu, mas movidos unicamente pela curiosidade e não pela empatia, uma vez que, assim que a música volta a tocar, retornam rapidamente ao entretenimento, até ocorrer outro atentado exatamente naquele lugar, fazendo a alegoria bíblica de que o salário do pecado é a morte, e a omissão, injúria.

    Após uma hora e meia de exibição, as discussões estratégicas, lideradas pelo coronel Mathieu (Jean Martin), dão lugar a demonstrações de tortura como arma de condicionamento do povo cansado dos desmandos dos antigos poderosos. Ao menos nesse instante, não há preocupação com sutileza, ainda que um mundo de nuances e emoções conflitantes estejam presentes nos espectadores dos atos cruéis contra seus compatriotas, observados pelos closes certeiros que enquadram o olhar dos civis atemorizados.

    O período compreendido no clássico de Pontecorvo é bastante curto e pontual: o início da revolta que daria fim à opressão europeia sobre a nação africana, como um retrato do embrião da soberania local sobre a bruta colonização externa. O período conflituoso se arrastaria por mais dois anos. A Batalha de Argel mostra um levante popular, sem romantismos ou utopias, registrando de modo pragmático o martírio de uma população cansada de ser explorada gratuitamente. E sem respeitar o distanciamento muitas vezes empregado em relação à crítica aos antigos chefes de colônia da Europa.

  • Crítica | Queimada!

    Crítica | Queimada!

    QUEIMADA 1

    Clássico de Gillo Pontecorvo, o drama político Queimada! mostra uma história de manipulação e libertação. Sir William Walker, vivido pelo astro Marlon Brando, é enviado pela coroa britânica a fim de cumprir com os escusos desejos reais a respeito de uma ilha caribenha. Seu ideal é incitar a população a uma revolta popular, depondo assim o governo atual, para gerar instabilidade política, que favoreceria os negócios com a tal região.

    Walker é um sujeito sorrateiro que usa de sua influência para arquitetar um futuro bom para si e para seus empregadores. Apesar de ser uma aventura histórica, o roteiro de Franco Solinas e Giorgio Arlorio, baseado no livro de Norman Gant, não se preocupa a retratar os fatos e pessoas de modo literal, tangenciando sobre a realidade como em um conto realista. Com medo de ser censurado, Pontecorvo teria mudado o domínio que seria espanhol para português, graças ao regime militar que imperava na Espanha em 1969. A ilha de Queimada guarda muitas semelhanças com o Haiti, que teria tido seu nome trocado exatamente para driblar possíveis boicotes.

    Um dos papéis centrais é de José Dolores, vivido por Evaristo Márquez, um nativo que é tratado de modo rude por Walker e que aos poucos ganha sua afeição, bem como uma preparação para tornar-se um líder carismático de seu povo. Nota-se facilmente, no modo de operar do agente inglês, traços da filosofia maiêutica, em que o influenciador faz sugestões leves que de modo sofista vão alterando o ideal do tal líder em construção, no caso Dolores. As sugestões não são diretas, mas são construídas detalhadamente a ponto de gerar no escolhido a sensação de epifania autoinduzida, como se tais paradigmas estivessem em seu pensamento o tempo todo, ao invés de terem sido implantados.

    Pontecorvo não tem pudor em mostrar um personagem central canastrão e falacioso, que ganha nuances exatamente pela inspiração de Brando, que consegue expressar bem a canalhice do mentor fajuto. O viés ideológico comunista se vê na condução dos fatos, ao explorar os defeitos desse tipo de invasão e intervenção imperialista estrangeira, curiosamente ainda muito em voga atualmente, vide a situação de guerra ao terror dos Estados Unidos com os países árabes ricos em petróleo.

    Os pequenos detalhes no visual dos personagens dizem muito mais do que suas atitudes emulando o jogo de falsidade e cartas marcadas que ocorre durante o filme. Enquanto José se veste de trapos, exalando humildade, William é um homem de trajes bonitos, mas de modos e trajes elegantes para o local, fator que já o sobe de patamar naturalmente. No entanto, são seus pelos que dizem mais. Como se aquele trabalho fosse apenas mais um dentro da sua rotina, a barba por fazer determina um descompromisso com padrões, combinando com suas madeixas oleosas, não grandes o suficiente para atravessar os ombros, mas o bastante para ficarem descabeladas ao menor sinal de vento. Não há preocupação moral ou vergonha ética nos modos de condução executados pelo personagem vindo da Europa.

    A apologia feita por Pontecorvo ao proletariado ganha ares de importância ao demonstrar as condições insalubres que o povo de Queimada considera rotina. Os fatos corroboram a ideia de que os colonizadores eram cruéis ao extremo, ao contrário do que gostam de propagar os países europeus. Nem da parte dos portugueses/espanhóis e nem dos servos da Rainha há heroísmos.

    O embate entre criador e criatura é rápido, mas intenso o suficiente para uma troca de carinhos. Dolores retribui o treinamento que recebeu com um cuspe no rosto de seu professor, um revide agressivo e humilhante para quem o reduziu a um falso profeta, a um messias fajuto que viria para supostamente incitar seu povo e que, na realidade, domaria os pobres para que outros ricos o explorassem. Pontecorvo não faz concessões, tratando Walker como se trata um vilão, mostrando-o com um destino mal, tão ruim quanto suas atitudes manipuladoras. O artifício pode parecer maniqueísta, mas a escolha é sábia por se tratar de uma universalização do tema, resultando então em um paradigma vilanesco indiscutível, pondo o imperialista no lugar que lhe é devido diante da discussão ética do decorrer da história humana.

  • Review | Mobile Suit Gundam: Iron-Blooded Orphans

    Review | Mobile Suit Gundam: Iron-Blooded Orphans

    Tekketsu no Orphans

    Robôs gigantes. Trama política. Sangue. Muito Sangue. Crianças lutando como se fossem adultos. Espaço. Lutas no Espaço. Tudo isso junto indica que estamos vendo mais um anime da série Gundam.

    Mobile Suit Gundam – Iron-Blooded Orphans é a 14ª série da longa franquia Gundam. Conta a história de um grupo mercenário de Marte que aceita a missão de escoltar a Princesa Kudelia Aina Bernstein de lá até a Terra. Tal missão não é algo trivial, pois os interesses de Kudelia em nosso planeta vão contra o braço militar do governo geral: Gjallarhorn.

    A trama básica é bem simples, mas para entender realmente é necessário esmiuçar um pouco. Marte é uma colônia exploratória da Terra. Ficou assim após guerras citadas como “Calamity Wars”, onde havia máquinas guiadas por um sistema atualmente visto com “preconceito”: Sistema Alaya-Vijnana, que coloca uma conexão para dados diretamente ligada ao sistema nervoso. Atualmente quem faz a operação e coloca esse sistema é chamado de “Rato do Espaço” e é tratado basicamente como lixo.

    Com Marte sendo uma colônia, o povo de lá é visto como inferior ao da Terra, algo que nunca aconteceu antes na história. Princesa Kudelia é líder de um movimento de liberação de Marte. Para conseguir ao menos começar ter sucesso em sua empreitada, ela precisa chegar ao pequeno ponto azul do universo e conversar com um dos líderes dos três blocos econômicos que compõem o planeta, o único disposto a abrir a janela para acordos. Porém perder sua colônia não é algo que todos querem.

    O grupo conta com vários órfãos que foram obrigados a implantar o sistema em si para lidar com máquinas e trabalhar, como escravos, para o tal grupo mercenário. Após um ataque da Gjallarhorn, um dos mais velhos, Orga Itsuka, assume a liderança, consegue conter o ataque e mata todos os que não gostaram da nova liderança.

    E com isso cobrimos apenas o primeiro episódio. Tekketsu no Orphans estreou em 2015 e a cada episódio evolui a complexidade de sua trama, colocando mais complicações políticas e evoluindo seus personagens.gundam_tekketsu

    E falando de personagens, nós temos muitos. Após a tomada de poder, o grupo é formado quase que totalmente por adolescentes/crianças e isso faz parte do que é trabalhado na trama, em que, em várias ocasiões, eles são lembrados de sua pouca idade.

    Temos em Orga o líder destemido, grande estrategista que sempre tem um plano, aquele que carrega o peso de todo seus amigos nas costas. Ele tem carisma e cativa logo de cara. Ao lado de Orga sempre está seu braço direito, Mikazuki Augus, que, de início, não é carismático, mas um daqueles personagens sem emoção que fazem o que é mandado. Mika, como é chamado, é piloto de Barbatos. O primeiro Gundam dos órfãos possui um Sistema Alaya-Vijnana tripo (o que significa que ele fez a dolorida operação que pode matar quando feita por três vezes, mas que também faz o controle ser melhor).

    A princesa Kudelia é alguém que você se pergunta por que está ali. Como alguém como ela conseguiu liderar um movimento de libertação? Como alguém como ela é chamada de “A Donzela da Revolução”? Por outro lado, é uma das que apresenta maior evolução durante a série.

    Há muitos outros personagens, trabalhados de forma menor que os principais, mas não deixados de lado. Biscuit Griffin cuida das informações e trabalhos administrativos (e com a melhor família de todas. Biscuit tem como irmãs Cookie and Cracker. Eles são um doce de família). Akihiro Atland, que é um “detrito humano” (termo usado para indicar pessoas sequestradas e traficadas para trabalhos escravos. Eles são menores que humanos) e, como tal, não tem lugar no mundo, afinal ele não é humano – no entanto, essa ideia é contrariada por seus companheiros. E por aí vai, são muitos órfãos juntos.

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    A animação não deixa a desejar para uma trama tão rica e com personagens tão interessantes. As cenas de lutas são intensas, empolgantes e bem violentas. Mas não é apenas nas cenas de luta que a série empolga, em partes calmas a narrativa também mostra qualidades.

    A história é bem equilibrada e trabalha personagens no ponto: quando há mortes, você sente seu peso. Com um encerramento excelente e auxílio da trilha-sonora, a série também produz emoção, fazendo com que o espectador se sinta imerso naquele universo.

    Uma trama riquíssima com grandes personagens, Kidou Senshi Tekketsu no Orphans foi um dos melhores animes que estrearam em 2015 e vale muito assisti-lo, te recompensando a cada episódio.

    PS: O anime é criticado por algumas pessoas pela intensidade de certas cenas, principalmente por lidar com crianças. Não há censura nessa parte, crianças portam armas, matam e são mortas.

    Texto de autoria de André Kirano.

  • Crítica | Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom

    Crítica | Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom

    Winter on Fire 1

    Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom é o segundo longa-metragem documental do diretor Evgeny Afineevsky, bastante acostumado a tratar temas controversos dentro do seio familiar do americano. O filme, liberado na Netflix, em 2015, trata da controversa questão atual da Ucrânia, passando por um pequeno preâmbulo a respeito da questão política na época da União Soviética, situando seu espectador sobre as eleições de 2004, que foram canceladas e alegadas como fraudulentas por grande parte da opinião pública internacional, apesar da controvérsia a respeito da veracidade das acusações.

    O documentário toma por verdade todas as acusações de fraude a respeito do antigo presidente Víktor Yanukóvytch, falando neste começo sobre a anulação do pleito em 2004 e desenvolvendo um papel heroico para os manifestantes que conseguiram sua queda, ignorando partes substanciais e importantes do fundamento em que baseia tais militâncias, sem sequer deixar claro para o público a participação do Svoboda, partido ultranacionalista de extrema-direita, que, entre muitas alegações, não aceita mestiços em suas fileiras e tem um panfleto que usa argumentos fascistas e neo-nazistas.

    A nacionalidade russa de Afineevsky poderia influir em sua análise das manifestações ocorridas recentemente no país balcânico, e surpreendentemente provoca o efeito contrário do que se esperava. O mote escolhido pelo diretor é bastante favorável aos protestos que ocorreram em Kiev e demais cidades, os quais visavam uma liberdade maior para a população, que em seus brados exigia a integração da nação a União Européia; aos poucos, evoluíram para a insatisfação famigerada com o governo de Yanukóvytch, do denominado Partido das Regiões, partido político que advoga para os interesses dos russos da Ucrânia.

    FILE - In this file photo taken on Saturday, Jan. 25, 2014, smoke and fireballs rise during clashes between protesters and police in central Kiev, Ukraine. The "Heavenly Hundred" is what Ukrainians in Kiev call those who died during months of anti-government protests in 2013-14. The grisliest day was a year ago Friday _ Feb. 20, 2014 _ when sniper fire tore through crowds on the capital's main square, killing more than 50 people. A year later, so much has changed. Russia has annexed Ukraine’s Crimean Peninsula, Ukraine has a new president and government, and the country is embroiled in a war in the east with Russia-backed separatists that has killed over 5,600 people and forced a million to flee. (AP Photo/Sergei Grits, File)

    As câmeras não demoram a exibir os protestantes em confronto com as forças policiais, não poupando o espectador das cenas em que o povo é duramente tratado. A impressão passada pela obra é de que o grito era uníssono, e que o Euromaidan representava de fato os anseios do povo ucraniano. O que não ocorre ao longo dos noventa e seis minutos de duração é a possibilidade de travar-se um diálogo minimamente justo, já que fora do movimento não há praticamente nenhum depoimento que não seja avesso a Yanukóvytch, a seus aliados, e claro, a Vladmir Putin, cuja imagem é representada a partir de um arquétipo maniqueísta, semelhante a um vilão de histórias em quadrinhos.

    É evidente, e até óbvio, que um documentário necessite escolher um viés para sua exploração, e é ainda mais natural que o enfoque seja feito a partir do viés que o seu realizador mais ache interessante, passando inclusive por suas ideologias políticas. No entanto, ignorar por completo o lado oposto causa um estranhamento na abordagem, correndo o risco de transformar o filme em um folheto propagandista.

    Analisando sob o ponto de vista político, Winter on Fire não consegue traçar um quadro minimamente condizente com toda a complexidade que envolve o cenário político local e as manifestações ocorridas a partir de 2013. Em A Praça Tahrir, a própria produtora Netflix havia se inserido em assunto semelhante, ainda que a proposta neste tenha sido completamente diferente, uma vez que a diretora Jehane Noujaim se valeu unicamente de fitas gravadas pelos próprios manifestantes, fator que justifica a sua categoria de fala única. Com Yanukóvytch o caso é diferente, e a imagem passada ignora a discussão a respeito dos rumos do país, que está claramente dividido, apresentando uma estampa de igualdade e união que não condizem com a realidade.

    Os dez minutos finais selam o destino dos ucranianos com possibilidades bastante esperançosas, com cenas de festejo acompanhadas de uma trilha sonora que exala docilidade, fomentando uma esperança e um sentimento de suavidade patriótico ironicamente fragmentado. A situação da Criméia, por exemplo, só é levantada após todo o desfecho narrativo do longa, citado nos pré-créditos finais, talvez aludindo a uma possível continuação que falaria especificamente deste episódio. O resultado final do documentário passa por uma incômoda fuga do complexo quadro político, ocultando informações importantes, como a proibição de partidos comunistas ocorrida recentemente, o que faz com que a sonegação dos lados políticos dos órgãos por trás das manifestações, ao menos de um modo explícito, torne-se ainda mais flagrante e vexatório. A resultante se assemelha demasiadamente a um retrato rasgado, com uma parte necessária e importante faltando, e ainda assim é louvada por grande parte dos analistas que sequer tem ciência disto.

  • Resenha | Snowden: Um Herói do Nosso Tempo

    Resenha | Snowden: Um Herói do Nosso Tempo

    Snowden - Um Heroi de Nosso Tempo - Ted Rall

    Saindo do anonimato em 2013, a trajetória do analista de sistemas Edward Snowden foi destacada em diversos veículos ao redor do globo apresentando-o através de sua denúncia contra o governo americano em documentos sigilosos que demonstravam um intrincado – e ainda vigente – sistema de espionagem global. Desde então, tornou-se uma figura controversa divida entre opiniões positivas e negativas da mídia.

    Lançado pela Editora Martins Fontes, Snowden: Um Herói do Nosso Tempo, do desenhista americano Ted Rall, é uma biografia em HQ que traça a breve trajetória do analista de sistema, apresentando o destaque midiático e a polêmica denúncia dos documentos sigilosos. Atento ao contexto geral e a linearidade narrativa, o autor evita qualquer arroubo criativo na composição do livro para produzir um objeto informativo que resume a história do biografado, apontando momentos importantes e decisivos, responsáveis por sua conduta diante dos dados sigilosos que possuía em mãos.

    Diante de um cenário delicado, em que se descobriu uma extensa espionagem americana realizada tanto no exterior quanto por parte de seus cidadãos, Snowden sai do anonimato para ser responsável por uma persistente discussão a respeito dos direitos e liberdades das nações. Dividido em três partes abordando antes, durante e depois das denúncias expostas nos jornais The Guardian e The Washigton Post, o livro, em formato próximo ao de bolso, contém uma história simples cuja composição a cada página se assemelha ao conceito tradicional da graphic novel formatado por Will Eisner com texto e um painel ilustrativo, interagindo simultaneamente na leitura.

    Hall inicia a obra em um comparativo com a famosa narrativa de George Orwell, 1984, sobre um mundo totalitarista com domínio e vigília do governo e, em seguida, apoia-se em momentos chave para apresentar sua história, resumindo os fatos e a recepção midiática ao redor deles, traçando um panorama efetivo sobre um tema atual da política americana. Engajado na política desde o início de sua carreira, o autor insere no texto seu discurso a favor da liberdade de expressão, mantendo sua vertente crítica coerente com uma trajetória que sempre fez da nona arte um objeto de crítica social.

    A figura de Snowden foi epicentro para trazer à tona uma discussão contemporânea, tema preponderante da política de segurança dos Estados Unidos. Sua contribuição marcante o fez uma das figuras em destaque no ano e, ainda hoje, se mantém exilado de seu país, que o acusa de traição. Preparando um futuro livro, o analista afirma que mais informações sigilosas serão reveladas. Além de uma futura publicação, Edward é tema da nova produção de Oliver Stone com Joseph Gordon-Levitt no elenco.

    Snowden: Um Herói do Nosso Tempo mantém a discussão ativa e é suficientemente informativo para leitores leigos conhecerem esta figura e sua denúncia, fundamentando uma base para maiores pesquisas dos leitores conforme o interesse de cada um. O marco causado pelo analista ainda é novo para uma análise a longo prazo, mas sem dúvida é fundamental para uma discussão futura dos limites governamentais, uma história distante de um final necessário.

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  • Crítica | A um Passo da Eternidade

    Crítica | A um Passo da Eternidade

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    “Eu não luto mais!”, ainda dizia a América, ao mundo, em 1953, enquanto todos recolhiam os cacos e a vergonha de uma guerra global, à priori. É o sentimento do briguento que, após vencer a briga, não tem mais motivos para brigar. Ingmar Bergman conseguiu refratar essa timidez internacional, num mundo sujo pelo pó da bomba de Hiroshima em Vergonha, filme-gráfico de 1968 sobre os efeitos psicológicos do conflito nas pessoas mais humildes que se tem notícia. “Eu não luto mais!”, gritava Harry Truman através da política americana hippie de paz e amor em plena metade do século XX, mas sobre um custo deveras elevado – custo de algumas milhares de vida que nenhuma publicidade conseguiria esconder. Uma vergonha triunfante ou triunfante vergonha?

    Sabe-se que a arte bebe bastante do real, a custo também de uma apropriação às vezes exagerada, mas refletindo os humores de uma nação (de um mundo) cheio de feridas e com seus mortos voltando para casa, em caixões fechados. Gestos políticos na sétima-arte foram inevitáveis por muito tempo, independentemente se isso era bom ou não. E disto surgem filmes como A Um Passo da Eternidade, um verdadeiro alívio e redenção dos EUA, Truman e de seus vingadores.

    O patriotismo de filmes como os do diretor Steven Spielberg, com a bandeira americana no topo do mastro e a paleta de cores variando entre vermelho e azul, durante toda a projeção, são evitadas nesta produção. A consciência do conflito não faz propaganda política explícita no destemido e equilibrado filme vencedor de 8 Oscar, mas é estereotipada como na maioria dos filmes de guerra em forma física, com homens brutos e destemidos num exército mostrado como ele é, sendo esse o ponto forte da produção, muito além do famoso beijo na maré: A honestidade.

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    De sargentos a reles oficiais, o abuso de poder parece ser uma constante despercebida na corporação, talvez a favor de uma moral resistente diante de um bombardeio inimigo que, cedo ou tarde, parece ser iminente de arrebatá-los. Um clássico equilibrado que, tal Agonia e Glória, de Samuel Fuller, converte sua reputação em torno do malabarismo de vários gêneros em uma única narrativa, bem temperada com direção e atuações e momentos inspirados por recursos que, na época, eram tidos como corajosos. Exemplo: São as mulheres que esclarecem o destino dos homens os quais se relacionam, antes mesmo deles admitirem o jogo de sobrevivência que o filme emoldura.

    Seja numa briga de bar, no (superestimado) beijo na praia ou correndo contra os japs (termo que os americanos usavam para chamar os japoneses que atacaram Pearl Harbor e fizeram o Tio Sam comer poeira, mesmo que brevemente), o tempo do filme é tratado como um ensaio para o mergulho que os Estados Unidos protagonizou durante a 2º Guerra, a grande guerra. Um país que se atolou em dívida moral com o mundo e, hoje no século XXI, nos paga sua barbárie com entretenimento de última geração.

    A Um Passo da Eternidade denuncia e aplaude a pátria Superman ao mesmo tempo, tal um edital de jornal que aplaude um candidato sem poder ignorar sua corrupção aparente. É imparcial quando o pobre recruta Prewitt (Montgomery Clift) se orgulha em combater o Japão em nome dos EUA, mas que em outro momento tem de escavar um buraco para enterrar um jornal que escracha a dura realidade americana. São nesses momentos dúbios onde Nascido para Matar, o primo contemporâneo do filme, aferra-se ao passado e encontra seu DNA. A um passo de serem imortais, como os nomes que o fizeram ser obras inesquecíveis, por motivos não tão diferentes assim.

    Imersos num filme que nem de longe se torna uma propaganda política pró ou contra qualquer ideologia, Prewitt e o soldado Angelo Maggio, vivido por Frank Sinatra, no que lhe rendeu reconhecimento pelo papel, tornam-se irmãos, amigos num lugar onde a competição faz a história fluir em ação e na própria essência do filme: A guerra, a tensão bélica que não existe só nos campos, mas nos olhares que a precede. A maldita da guerra que, mais uma vez lembrando ao leitor, machucava o mundo, nos idos de 1953, personificada no batalhão do sargento Milton Warden, na pele do grande ator Burt Lancaster, o eterno J.J. de A Embriaguez do Sucesso. Estes três homens, em especial Prewitt, dão o tom do que nunca tenta ser um estudo do ser humano, até porque Vá e Veja definiu a tentativa.

    O filme inteiro roda em torno do que faz a vida de soldados valer a pena: A bravura, a coragem de fazer o certo e não pedir desculpas quando o outro está errado, e até mesmo o desejo compartilhado por cineastas e outros artistas de não sucumbir, perante o que nasceram para fazer: Defender um ideal, até o fim. Dentre tudo isso e mais um pouco, A Um Passo da Eternidade remete a certeza, também imortal, que nenhuma arte dialoga tão bem questões atemporais, num espaço mesmo que restrito por um formato full-screen preto e branco, que o bom e velho Cinema. Ainda mais aquele, feito em plena era de ouro, numa Hollywood ainda intensa de boas ideias.

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  • Crítica | Fahrenheit: 11 de Setembro

    Crítica | Fahrenheit: 11 de Setembro

    Fahrenheit 11 de Setembro 1

    Mergulhando ainda mais no estilo documental que emula o jornalismo gonzo de Hunther Thompson, após dois anos do recolhimento de louros por Tiros em Columbine, Michael Moore apresenta uma faceta muitíssimo cômica da vida política estadunidense, começando a esmiuçar a controversa e duvidosa subida ao poder no ano de 2000 por parte de George W. Bush, uma questão mal explicada – ou nada explicada – até a atualidade, com toda a polêmica posterior que envolveria também a posição de Al Gore como vice-presidente do país. A alegação de que toda aquela movimentação seria um sonho fazia da fantasia uma boa medida de escape, ante uma realidade insana o suficiente para ser desacreditada.

    A cena ocorrida dentro da casa da lei, onde os senadores afro-americanos falam e tentam o apoio dos seus colegas, sem sucesso, é tão inapelável que mais parece um ato encenado, dada a completa ignorância que todos os opositores sofrem, mesmo com a clara manipulação de assinaturas. O desconforto ganharia as ruas, W. Bush não conseguiria sequer fazer a caminhada pela posse até a Casa Branca, dada a presença do povo na rua protestando contra ele. Toda esta movimentação ocorrendo após a declaração da Fox News, contestabilíssima, de que ele havia vencido na Califórnia, conquistando então a maioria dos colégios eleitorais.

    O retrato de cowboy, descerebrado, é arquitetado nos primeiros 12 minutos do longa de Moore, tudo para fazer crer que o político era na verdade um fantoche, parte de todo o circo midiático que fazia do público massa de manobra, acreditando que seu presidente não teria muitas diferenças entre eles. Um autêntico boi de piranha para interesses de mandatários mais poderosos. O encerramento da construção deste arquétipo é pontuado por um ensaio em frente a tela, onde Bush e outros parlamentares se maquiam frente às câmeras, emulando a falsidade de suas feições e expressões, igualando-as de seus discursos falaciosos e vazios.

    O artifício usado pelo realizador para desmascarar ainda mais a possibilidade de farsa do republicano foi um evento em uma escola, após o atentado de 11 de setembro, onde Bush teve imposto, por si e pelos assessores um ensurdecedor silêncio de sete minutos, diante de câmeras inclusive, possivelmente refletindo sobre a quantidade de acordos comerciais que ele, pessoa física e sua família, incluindo George Sênior, também ex-presidente, tinham com o clã dos Bin Laden, que tinha em Osama um dos seus principais suspeitos, sendo amputado a culpa quase automaticamente.

    O destaque que o documentarista dá a multiplicidade de discursos midiáticos – da faceta mais podre e manipulatória possível – é ímpar, pois destaca a alienação que a população tem ao ingerir palavras oficiais tão ambíguas, de que os inimigos existem e querem o sangue inocente, e de que deve o cidadão comum curtir suas férias sem maiores preocupações. O tratamento a base de sofismas é exibido de modo categórico, e no qual Moore acaba por destacar a maior isenção possível dentro da fita, não narrando as falas mais desavergonhadas, de pura manipulação midiática exercida sobre o povo.

    A ironia nada fina de Moore chega a ser rude, ao comparar a paranoia do cidadão médio americano a um comportamento baixo e egoísta, capaz de denunciar um vizinho pelo simples fato dele discordar da postura presidencial de avanço rumo à exploração do petróleo do Oriente Médio, além de tratar grupos de discussão, desde os mais simples, como potenciais terroristas. As táticas esdrúxulas de cerceamento de liberdade também são flagradas, como a proibição de viajar com leite materno, mas com isqueiros e caixas de fósforos liberados, mesmo em voo. A contradição não é perdoada pela fala ferina do cineasta.

    Mas não há somente cinismo na fala do realizador, há também uma profunda compaixão aos moradores de cidades menos abastada de dinheiro, que veem no ingresso ao exército a possibilidade de ascensão social. A investigação dentro do corpo de alistados é municiada por argumentos e falas completamente soltas, onde os alistados falam livremente, deixando ao público claro o nível de desinformação geral e claro, levando o espectador a possivelmente aderir à ideia do idealizador de Fahrenheit.

    Cada meandro, cada detalhe e cada close que Moore flagra serve para provar o seu ponto, gritando aos quatro cantos do mundo a quantidade de injustiças e contradições do modo belicoso como os republicanos governam seu país e o quão prejudicial é sua política externa. O modo como ele aborda o causo é bem menos sensacionalista do que em Tiros de Columbine, mais moderada e amadurecida, mas prossegue tenaz e inconspícua, sem medo de reabrir feridas ou de sofrer perseguição, sem receio de parecer exagerado sequer nas cenas em que apresenta os mutilados; claro, em cenas de forte cunho visual, que visavam aterrorizar a audiência, tanto quanto a política atormenta os concidadãos norte-americanos.

    No final apelativo, Moore se dedica a entregar panfletos aos congressistas, para que eles possam alistar os próprios filhos. O argumento comumente usado – e achincalhado – dito por bocas direitistas é como um mergulho ao mundo dos conservadores, que tem o intuito de resgatar os corações e mentes daqueles que não conseguem ver na política expansionista de Bush e companhia um problema tão grave e real quanto o é, e ao menos nesse ponto o documentarista acerta exatamente na verve, sem chance alguma de argumento contrário, utilizando as armas de seus rivais para fazer valer seus próprios pontos de vista. Em uma perversão que acalenta a vergonha do político-alvo, destacando o modo grotesco como tudo foi arquitetado.

  • Crítica | Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi

    Crítica | Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi

    Mad Dog 1

    Apesar de iniciar-se exibindo os pontos altos e positivos da história do antigo soberano libanês Muammar Gaddafi, o documentário televisivo Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi exerce basicamente a função de crítica nada velada a um constante inimigo do Estado americano, tomando por base a opinião pública geral, que praticamente exclui as controvérsias que garantiriam ao “Cachorro Louco” aspectos tipicamente humanos.

    Gaddafi é tratado basicamente como um terrorista. Seu desígnio seria indicar quem passaria pela lâmina estatal, quem tombaria ante sua sabedoria e sapiência. Os relatos dos que foram aprisionados e fugiram para contar suas histórias são simplesmente aterradores, sob uma trilha sonora incidental que martela uma culpa maniqueísta sobre a persona vilanesca de Muammar, reprisando o arquétipo de mal governante persa propagada pelo ocidente, desconsiderando qualquer nuance em seu comportamento ou modus operandi, modo idêntico ao que tantos outros líderes  do Oriente Médio foram retratados.

    O roteiro analisa a quantidade exorbitante de mortes ordenadas pelo líder político, com discursos inflamados da parte dos que sofreram nas suas mãos do cruel regime. O viés de desdém prossegue cada vez maior. O crescimento do nível de críticas ao modo de lidar com seus cidadãos é desmedido e foca na “obsessão” do ditador em providenciar a sua bomba atômica, dita no documentário como uma prática comum e quase obrigatória por parte dos países islâmicos, discurso que associa a estes países a única causa para os conflitos bélicos das últimas duas décadas.

    O panfletarismo não é nada velado: o discurso parece propagandista. Um depoimento totalmente parcial que piora ainda mais ao analisar o desejo de expandir que fez Gaddafi viajar pela África, unindo um sem número de falas pejorativas, dessa vez de seus primos continentais.

    Morte e tortura não são práticas banalizáveis. O discurso político dentro de qualquer contexto interfere demais no ideal, visto que, para que qualquer sistema político e econômico funcione, são necessárias ações e atividades humanas, mesmo nos regimes que exploram trabalho escravo. No entanto, a intenção de Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi em invalidar cada um desses comportamentos nefastos acaba se assemelhando mais a uma novela de cunho sensacionalista do que o retrato de um homem cruel. Algo que, em outras palavras, serve para confortar o cada vez mais presente pensamento do americano médio, que apóia a todo custo as ações expansionistas de seus mandatários, ação que na prática pouco diferencia-se do modo de operar do “Cachorro Louco”.

    Um dos poucos adjetivos positivos lançados em tela é a capacidade que o biografado tinha em manter os cidadãos do seu país pensando junto a ele, e que apoiavam até as ordens mais esdrúxulas e fascistas. Tudo graças ao carisma que ele exalava, o que trouxe uma boa razão para Gaddafi ter chegado tão alto e permanecido no poder por tanto tempo.

    Dedica-se muito tempo para fazer um retrato amargo de uma figura controversa, não mostrando qualquer momento de sua humanidade. O intuito do documentário é pintar uma figura maniqueísta de alguém indigno de pena, compaixão ou remorso alheio. Um sujeito de olhos negros, cuja janela da alma só exprime a maldade infinita. Na prática, é o grito popular desmedido e violento; o mesmo discurso de uma multidão ensandecida que busca espancar os que a oprimiam; dos mesmo hipócritas que, até então, não percebiam os próprios erros e que louvavam a figura do Estado maior.

  • Crítica | A Lei da Água: Novo Código Florestal

    Crítica | A Lei da Água: Novo Código Florestal

    A Lei da Água 1

    A começar pela fala do deputado do PSOL – SP Ivan Valente, o documentário de André D’Élia busca explicitar como funciona o novo Código Florestal implantado no Brasil através de um viés positivo, tocando em questões fundamentais a respeito da preservação das matas e, especialmente, do tratamento da água em território tupiniquim.

    Didático, o filme se assemelha bastante aos reclames informativos, ainda que contenha depoimentos emotivos e emocionados, desde os mais antigos, que narram as primeiras medidas para preservação florestal assinadas por Assis Chateubriand e depois por Juscelino Kubistchek, e claro, nos tempos de hoje, mostrando como o proceder ecológico é tratado pelos atuais governantes, traçando um histórico interessantíssimo do ponto de vista de estudo de causa.

    A reunião de falas incorre sobre parlamentares de ambos os lados, tantos os políticos de esquerda quanto os de direita, inclusive sobre ativistas das causa ambiental e os opositores desta. A fala da atual ministra Kátia Abreu, enquanto Senadora pelo seu partido anterior, o Democratas, é pontual ao exibir sua inadequação ao posto que atualmente ocupa, sem muita propriedade para discutir sobre os assuntos da cadeira ministerial. Todos os dados mostrados após sua fala exibem a quantidade de latifúndios mal utilizados para a prática agrícola e pecuária.

    A edição utiliza um bom tempo da película sobre o Veta Dilma!, um abaixo assinado que colheu milhões de assinaturas contra o Código Florestal, que legitimava grande parte das ações do agro-negócio, o que comprometeria, e muito, a questão da preservação, para favorecer o Ministério do Desenvolvimento. Uma denúncia de que a base governista até então não tinha um discurso uníssono, graças à quantidade de aliados que puxavam a discussão sempre para o lado que lhe é mais conveniente.

    O caráter elucidativo do filme compete com o espirito de denúncia, contendo informações aceitáveis, mesmo ao espectador menos informado sobre a área. A transposição de ideias é bem simples, pondo o conteúdo em uma posição privilegiada, claro, sem perder a força do discurso com termos tecnobables. A fala é certeira, não faz concessões a quaisquer lados de interesse político e autoritários, evocando principalmente a popularidade da causa e a vontade do povo, que vai completamente contra os interesses dos barões da indústria.

    Um pequeno alarde é feito ao demonstrar que a Constituição é modificada pouco a pouco, graças aos remendos da lei pela bancada ruralista, que fomenta o desequilíbrio ambiental, influindo não só na ecologia, mas também na óbvia questão da convivência humana e no consumo natural da matéria-prima e dispêndio da água. As soluções propostas no filme são as mais óbvias e incrivelmente as menos adotadas, como a restauração dos processos ecológicos fundamentais, já que estes são deveres do Estado brasileiro. Depende-se fundamentalmente da implantação do Novo Código Florestal para que este funcione como prevê a lei, e comece-se a reparar os danos já implantados no país.

  • Crítica | Sobral: O Homem Que Não Tinha Preço

    Crítica | Sobral: O Homem Que Não Tinha Preço

    O homem q não tinha preço

    A origem latina da palavra “resistência” vem de resistire, que faz lembrar o conceito de “ficar firme, aguentar”, relacionando a manter posição. Em tempos de ditadura militar, em plena efervescência cultural e política mundial, o Brasil vivia aquém, sem liberdade para o povo, sem vazão ao  poder popular. Apesar de mentes envelhecidas nadarem normalmente a favor desta correnteza de mazelas, havia alguém que fazia a contramão desses ideais, destacando a militância no ambiente jurídico.

    Sobral Pinto era um senhor de alta idade que teimava em legislar em favor dos direitos humanos, em um período no qual o conceito era completamente ignorado e tratado como assunto subestimado, uma vez que o regime impunha sua vontade para quem quer que tentasse resistir a ele.

    A pesquisa de Paula Fiuza – diretora e roteirista, interessada pessoalmente pelos assuntos legais dos tempos em que a esquerda somente habitava os porões do regime – leva o espectador ao ano de 1999, quando ocorreu o resgate das fitas com os julgamentos dos presos políticos, os quais o jurista Sobral, que destacava sua tremida e passional voz, ainda teimava em defender; tudo através de um material adquirido por um jovem advogado que visava preencher o espaço de sua tese de conclusão de curso na faculdade. As defesas serviam de inspiração para alguns bons defensores de direitos, além de fornecer a garantia da lei, tão ignorada no absolutismo de farda.

    A intimidade do já idoso protestante realiza-se através dos depoimentos de seus convivas e descendentes, dos que foram bravamente defendidos por ele. A obra também reúne boas imagens da época, com falas do próprio advogado. A briga para fazer da liberdade a bandeira universal teve um episódio especial na união do biografado com Luis Carlos Prestes, mostrando que mesmo o marxista e militante extremo não tem necessidade de conflitos extremos com o comportamento católico praticante do causídico, exemplificando o quanto tem em comum em relação ao discurso socialista e do moderno modo de Jesus tratar os excluídos dos evangelhos.

    O subtítulo do filme reflete a verdade atrás de sua personalidade e trabalho. Não ter preço não era uma expressão, especialmente por poucas vezes cobrar de seus clientes, a maioria formada por gente humilde, de poucas posses. Sobral era um homem do povo, refutava que o chamassem de Vossa Excelência. Por suas virtudes no Direito terem a ver com sua extrema humanidade, contraditas no passional modo de enxergar o futebol e as fases ruins de seu time de coração, o América da Tijuca. A sabedoria do jurista não o salvaguardava do fanatismo do futebol ou do bom humor e sacanice em relação a belas mulheres, inclusive Sônia Braga. Os fatos narrados em relação ao tema, prendem-no à realidade, distanciando-se da ideia de um androide em prol da justiça.

    A influência da religião fez Sobral se autopunir quando cometeu o pecado da infidelidade conjugal: a renúncia ao próprio ofício de procurador e a diversões sãs, como partilhar dos estádios de futebol em dias de jogos e sessões de cinema. A marca do erro se fixou em sua alma, revelando o lado conservador do advogado, que só teve sossego sobre o caso quando conseguiu o perdão de sua esposa.

    Segundo as falas dos depoentes, Sobral apoiou o movimento “revolucionário” dos militares, por medo igual do possível regime vermelho. A partir do momento em que a constituição passou a ser transgredida, o jurista mudaria de lado. A fala é dada em gritos, com a voz claramente alterada em razão da passionalidade, possivelmente pela indignação consigo próprio ao ter caído no engodo dos que viria a combater. Nem mesmo sua verve e inteligência foram capazes de identificar a tomada de poder ilegítima: mesmo apoiando o golpe em 1964, houve o ato de lançar uma carta de repúdio a Castelo Branco por assumir a presidência mesmo sendo o chefe do exército, o que era também inconstitucional.

    A falta de concessões às convicções que tinha e que defendia fazia dele uma personalidade sui generis, algo descoberto em sua integridade anos depois dos seus feitos junto ao romantismo, ao extraordinário trabalho que fazia para o povo de modo geral. Os créditos finais passam-se em uma homenagem no terreiro de samba, ao lado de seu amigo João Nogueira, que canta os feitos de seu amigo e mentor, popularizando uma figura de integridade ímpar, que a câmera de Paula Fiuza busca honrar. Às vezes não dando tanta vazão ao conservadorismo conhecido do advogado, a obra ressalta o viés de luta de seus convivas e o altruísmo que fala mais alto que qualquer pragmatismo pseudo-revolucionário, mostrando um Sobral como o jurista do qual o povo precisava.

  • Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Selma - Luta pela Liberdade - poster brasileiro

    Vulgarizamos o que não entendemos, essa é uma das verdades sobre nós. Assim é com a matemática, quando esta deixa de ser divisão e vira fração na terceira série, ou com aquela redação dada em uma época que ainda não sabemos como segurar a caneta corretamente. Estende-se essa negação quando muitos veem um casal gay na calçada, e, se não atravessam a rua, preferem cometer barbaridades a deixar que cada um viva como queira viver.

    Desculpas ao riso são músicas em inglês em ouvidos treinados em uma única língua, ou alguém que veste amarelo aos olhos de quem só gosta de verde. Não menos que um negro, hoje o homem mais poderoso do mundo ocidental, disputando eleições na maior democracia consolidada do planeta. Fato risível, isso sim, na penosa, quase cármica época que o leve e forte filme da (ótima) cineasta Ava DuVernay se apropria em recriar com fidelidade, dor e esperança no Cinema, sem quaisquer apologias emocionais ou de caráter caricatural como nos recentes 12 Anos de Escravidão, Django Livre ou Gran Torino – neste último caso, racismo explícito contra japoneses.

    Todos esses filmes, bons ou regulares, atestam a ignorância humana a favor do desumano, enquanto Selma – Uma Luta Pela Igualdade opta pela ausência dessa ignorância em troca da presença do medo que poderosos brancos tinham de dividir um grama de seu poder com uma voz… diferente. Não é ignorância frente ao desconhecido, é medo de perder o poder, pois sabiam e sabem que, se uma voz consegue reunir duas pessoas, pode reunir 200 ou 3000 para protestar contra o que as impede de ser feliz na tentativa de sobreviver. E assim como Doze Homens e Uma Sentença, clássico de Sidney Lumet, um filme americano novamente discute, sem medo e com um fôlego renovado, as dívidas morais de uma sociedade, procurando um calor progressista em um conservadorismo congelado e congelante.

    Há muitos paralelos entre a obra de Lumet e esta de Ava, em especial o debate temático mostrado em tela, o suficiente para inspirar o espectador a se posicionar ante o certo e o errado, diante do que sente, sobretudo na perspicácia de explorar recantos intrínsecos ao status de cidadania, como a criminalidade, direitos civis e meritocracia, com um background repleto de questões atemporais e principalmente ricas em perspectiva e grau de tratamento artístico.  Ao “reescrever” a história de Martin Luther King, primeiro o homem e depois o herói, o escritor Paul Webb, de Lincoln (um ótimo roteiro, fragilmente adaptado por Steven Spielberg) volta aos malabarismos com o racismo e a segregação temporal, numa verdadeira lucidez temática sobre o assunto, e finalmente muito bem traduzido por Ava. A diretora, em seu terceiro longa-metragem – quase Like a Virgin, mas habilidosa a ponto de deixar ações e trilha sonora falarem mais alto que palavras – não se apoia nos recursos de liderança já citados, mas no gênio da artista de extrair bom senso, leveza e ponderação ética do material escrito por Webb. Trabalho de veterano(a) com garra de principiante.

    Faça a Coisa Certa, Fruitvale Station: A Última Parada, Compasso de Espera e, agora, este belo tratado sobre as fraturas do convívio humano… Ressacas sociais filmadas como rito de consciência e inteligência interemocional, fazendo, através de um arranjo tão forte, grandes filmes. Filmes além de pretensões para com gregos e troianos, senão com a harmonia entre a realidade e a ficção, com o contraponto da política teórica de gabinete e a política violenta das calçadas, valorizando a força real das situações graças à potência empregada com uma câmera de Cinema (um toque de parcialidade quanto ao drama vivido), e o poder deste em recriar uma época, suas cicatrizes e implicações com o hoje e, certamente, o amanhã.

    Selma carrega uma grande e imperturbável estabilidade emocional, transmitindo-nos segurança para a veracidade de fatos e relatos demonstrados em imagens difíceis de esquecer, como as impressionantes marchas de negros nas ruas e pontes de uma nação de mentalidade ainda escravista, excomungando cidadãos não reconhecidos como tal, com forças policiais caninas e leis de separação étnica, como se não bastasse. Cenário ainda retratado no Brasil, graças à violência policial e outras expressões de poder igualmente apodrecidas de dentro para fora. No filme, um retrato sem moldura, um alívio da realidade. Em cada olhar de uma atuação coletiva impecável, notam-se as expressões reproduzidas nos jornais, de famílias removidas de suas casas, e feições em protestos a favor de uma qualidade de vida melhor – e proibida.

    Extrovertido em suas conclusões, com alma introvertida em momentos mais íntimos, onde o Sr. e a Sra. King tiram a limpo suas disposições à causa negra e devoções conjugais. O que é para muitos um drama, tachado como melodrama, tamanha a sensibilidade, feminina ou não, para com o seio a nutrir e transmitir forças ao herói em frente a Casa Branca, num discurso de políticas igualitárias histórico, num dos momentos decisivos da história americana. Selma é um símbolo que vai além de justificar, por sinal, apenas o nome da cidade onde os negros foram primeiramente reconhecidos como gente antes do resto do mundo, assim como o bairro Castro, em São Francisco, o foi para os homossexuais, e todas as veredas ainda a se tornarem marcantes para “populações inferiores”, no futuro. Assim, a partir de tais verdades compartilhadas ao leitor, nenhuma tecnologia evitará que o futuro seja o espelho do passado, enquanto quem usa verde desprezar quem gosta de amarelo.