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  • Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam

    Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam

    A carreira de Luiz Inácio Lula da Silva é controversa até entre seus defensores e simpatizantes, a quem A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que me Condenam é destinado. Aos opositores mais extremos que afirmam que o político tentou implantar o comunismo no Brasil realmente não há o que argumentar, seja só para discutir ou para convencer, uma vez que ignoram a lógica. Na parte detrás do livro que Ivana Jinkings organizou com ajuda de Juca Kfouri, Maria Inês Nassif e Gilberto Maringoni lemos uma frase icônica “(…) não fui eleito para virar o que eles são, eu fui eleito para ser quem eu sou. Tenho orgulho de ter sabido viver do outro lado sem esquecer quem eu era“, e é nesse sentido que o livro se desenvolve.

    O livro desenvolve brevemente o início da trajetória como líder sindical – que Lula iniciou em 1977; passando pela construção do Partido dos Trabalhadores e sua ascensão popular, depois de algumas derrotas eleitorais até finalmente assumir a cadeira de Presidente da República e eleger sua sucessora. Para Lula, a ideia do PT sempre foi a de democratizar o Brasil por meio de seu partido, no intuito de dialogar com a população menos favorecida sem academicismos, de maneira franca.

    Na nota da edição, Ivana destaca duas datas importantes de janeiro de 2018, a primeira como dia 24, onde o presidente foi julgado e (ao ver dela) injustiçado, e dia 31 onde ele recebeu Ivana e outros entrevistadores para conversar. O livro da editora Boitempo contém  mais de 200 páginas e é composto por alguns textos de notáveis, como Luís Fernando Veríssimo, que faz o prólogo, anotações de Eric Nepomuceno, um artigo de Rafael Valim e uma cronologia da vida do politico feito pro Camilo Vannuchi.

    Luiz Felipe Miguel defende a tese de que a prisão de Lula é um segundo passo do movimento que antes cometeu o golpe em Dilma Rousseff, um movimento que visava aprovar medidas antipopulares como a reforma da previdência, que ao ver do escritor só foi freada pela proximidade das eleições, e a necessidade de reeleição dos que compõem o Congresso Nacional. Essa conclusão não é necessariamente acertada, uma vez que a pressão popular realmente pesou contra, além de alguns movimentos de imprensa livre, independente dos votos, até porque claramente boa parte dos que votaram a favor do congelamento do teto de gastos em pastas como Educação, Saúde e Cultura estão entre os candidatos com maior possibilidade de votos na eleição de 2018. Miguel também faz uma mini descrição da trajetória de Lula, dizendo que sua condenação se deu por suas virtudes e não por seus defeitos, e fica difícil analisar esse pequeno texto que não pelo viés de um sujeito que enxerga Lula como um herói incapaz de cometer falhas. Nenhuma simpatia política deveria suplantar o senso crítico, ainda que sua condenação tenha ocorrido de forma injusta.

    A entrevista foi feita nos dias 7, 15 e 28 de fevereiro de 2018, pelos quatros entrevistadores. Há alguns bons momentos nessa conversa, como quando Lula diz que não queria voltar a presidência em 2014, comparando sua carreira com a de um jogador que brilha muito num time e tem medo de um retorno já sem o mesmo brilho. O entrevistado faz questão de deixar claro que não havia cisão entre ele e Dilma Rousseff, e que a imprensa tentou gerar uma situação de inimizade entre os dois, fato que jamais ocorreu ao menos segundo seu depoimento. Parte dessa retórica passa por uma conversa entre Lula e João Santana, publicitário da campanha sua e de Rousseff, onde Santana pediu para ele explicar à futura presidenta que ela era candidata tampão.

    Se percebe até nas criticas que ele faz a Dilma um certo carinho e grande apreço, onde o ex-presidente declara que a achava extremamente inteligente, mas com dificuldades de lidar com a política no dia-a-dia, e sua crítica é válida, opositores e apoiadores sempre repetiram isso, variando o tom entre essas críticas. A diferença de postura de ambos era gigante e exemplificada por Lula ao descrever como conversava com os ministros, sempre ouvindo primeiro o que eles falavam para depois opinar, enquanto Dilma falava antes de todos, praticamente impedindo qualquer um de opinar contrariamente por ter receio de parecer a pessoa como uma detratora, como “O Alguém” que contraria a cadeira presidencial. Desse modo, poucos iam na contramão do discurso da presidenta.

    Lula diz ainda que mudar-se de país impediria sua proximidade com o povo e que ir ao exílio seria uma alternativa se fosse culpado, sendo inocente, não havia como fazer isso. Essa fala soa romântica e até ingênua, mas levando em conta o caráter desse depoimento, faz sentido isso, evidentemente. Goste-se ou não de Lula, é inegável seu poder de oratória único e capacidade de gerar interesse e simpatia em quem o ouve, e a estrutura do livro favorece esse poder por ser uma conversa transcrita é fácil ler as palavras e associa-las ao modo do sujeito falar.

    O teor da discussão é informal, mas se trata de muitos assuntos sérios, como a questão do Pré-sal e a crença do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim de que os Estados Unidos tem interesse nisso, inclusive reativando a Quarta Frota Americana, em uma movimentação suspeita – e longa demais até para se discutir aqui, mas que conversa bastante com algumas especulações ligadas aos interesses que movimentam a candidatura e campanha de Jair Bolsonaro.

    Há muita informação e discussões ao longo das 126 páginas de entrevista. A conversa publicada permite que num espaço curto de páginas se discuta a ascensão direitista na América, que afetou El Salvador, Paraguai, Argentina e o Brasil. Lula ainda faz críticas duras ao judiciário brasileiro, as indicações políticas de  Temer, comentários sobre os presidenciáveis e uma leitura bastante sóbria sobre o futuro, inclusive verificando que a ascensão de Bolsonaro tinha grandes chances de acontecer.

    Uma de suas leituras é relativa a forma como o PT deveria se postar. No lugar da frase “Eleição Sem Lula é Fraude”, ele diz que preferia que se proclamasse algo como “Lula é inocente e por isso deveria ser candidato“, e salienta que obviamente que essa sentença não tem síntese, mas contém verdade. Ainda assim, Lula louva demais o legado de seu partido e entre muitas falas, afirma algo importante, que o Partido dos Trabalhadores deu cidadania à esquerda, que vivia marginalizada, um monte de grupelhos escondidos e que de repente tem um guarda chuva grande, com uma estrela vermelha.

    O modo de pensar de Lula, para o período do primeiro semestre de 2018 correu corretamente, mas a realidade é que em épocas de extremismo cada dia conta muito, assim como as semanas e meses também, e em tempos de eleição os cenários são de mutações ainda mais rápidas e extremas. Na fala de Luiz Inácio, o próximo presidente, e portanto o candidato também, precisa ser alguém com credibilidade e que fale a “língua” do povo. A Verdade Vencerá é certeiro em apresentar a versão do ex-presidente sobre os fatos que correram sobre essa fase de sua jornada, com defesas contundentes e suas intenções auto-proclamadas. Talvez essas palavras não provem nada, mas certamente são bem mais convictas que boa parte das acusações existente contra ele.

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  • Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Democracia em P e B

    Cuidadosamente focado em sua introdução sem cores – em preto e branco -, o filme de Pedro Asbeg emula a barra pesada da época, com a repressão do Regime Militar ainda sem as “novidades europeias” do futebol, e da democracia. O medo tomava conta da vida dos cidadãos, os mandantes não tinham qualquer pudor em demonstrar o seu poderio, humilhando as pessoas comuns, que não tinham acesso aos mesmos direitos dos que impunham fardas. O contra-ataque precisava acontecer em alguma instância, e sob o som de Núcleo Base do IRA!. uma destas facetas é mostrada, sob os campos de São Paulo; uma outra luta, ligada a igualdade, ao esporte e a música.

    A narração de Rita Lee grafa o quanto havia um não-desejo pela alternância no poder, tanto dos presidentes nacionais militares, quanto no certame do Corinthians, com Vicente Matheus no posto mais alto. A realidade aviltante que ocorria no quadro político brasileiro gritava mais do que qualquer receio “clubístico”, uma vez que a insegurança que tomava os não-poderosos, por sua vez era motivada pela “segurança” dos governantes.

    A derrocada do Brasil fez com que os integrantes da nova chapa do poder no Sport Club Corinthians Paulista se interessassem por um maior progressismo não condizente com os outros tempos, os de Matheus especialmente. Com o tempo, o laranja do antigo presidente, Waldemar Pires. O catalisador desta mudança viria primeiro pela figura de Sócrates, um jogador elegante, inteligente, letrado e inconformado, mas ainda sem um norte, sem uma direção para lutar. Este paradigma mudaria com o acréscimo do lateral Wladimir. O rapaz de pele negra acompanhava as greves no ABC Paulista, se via então como um operário da bola. Dali começava uma discussão mais profunda a respeito dos direitos civis, ainda no elenco de um time de futebol. O último fator para que o grito fosse completo viria com a juventude, com Walter Casagrande Júnior, o centro-avante de apenas 19 anos, que trazia a polêmica do Rock’n Roll na postura, cabelos e na pele para dentro de campo, paro algo além do simples “tatibitate” do futebol.

    Os jogadores passaram a ganhar voz, se valendo até da queda de divisão do time, uma vez que eles disputavam a Taça de Prata. A inflação piorava, o medo de faltar alimento na mesa do pobre aumentava, enquanto o modo de reger via repressão parecia cada vez mais tacanho, com uma trilha sonora que começava a falar mais abertamente sobre a hipocrisia da lei. Viriam Edgard Scandurra com o seu IRA!, a letra de Selvagem dos Paralamas, que louvava o monstro que somente crescia, e claro, o disco de Paulo Miklos e seus Titãs Cabeça Dinossauro, que não mais via o amor como a via para caminhar o povo, e sim mostrava através dos riffs de guitarra como era truculenta a realidade do país. O rock de Frejat, Cazuza, Renato Russo, Ultraje e outras turmas mostravam o que era o pensamento do jovem, como ele via as direções sociais que a nação tomava.

    Sob a tutela do administrador técnico – e também sociólogo – Adilson Monteiro Alves e de Sócrates, começava o que Juca Kfouri e o publicitário Washington Olivetto nomeariam como Democracia Corintiana, onde todos tinham o mesmo poder de voto e peso. Jogadores como Zenon, Wladimir e Casão eram politizados, e ajudariam a quebrar os paradigmas de concentração pré-jogo e do bom-mocismo como método de tratar o esporte. A civilização do time de Parque São Jorge não era obrigatoriamente moralista, ao contrário: Era evoluída, madura, sabendo bem o que se queria.

    Para Sócrates, foi o movimento político dos jogadores que manteve o time bem dentro das quatro linhas. Esta era a base do bom futebol deles, além claro do acesso aos shows de músicos amigos, Blitz, Rita Lee, Maria Bethânia entre outros. A relação dos esportistas com os músicos era bastante intrínseca e íntima, de modo que era quase indistinguível a identidade de um e de outro. A busca pela liberdade de expressão era comum aos dois segmentos, a música era o canal para a liberação, o que não ocorria desde 1968, com o jovem falando para o jovem.

    O pensamento evolui, como dito na narração por Lula, e o advento da Democracia Corintiana passaria a falar também do voto do povo, do voto direto que finalmente ocorreria. A campanha mudaria para DIA 15 VOTE, grafada acima dos números dos jogadores de futebol, o que visava quebrar a deseducação política do torcedor comum, desde os geraldinos e arquibaldos até aos já conscientes de que era preciso modificar o quadro político, e mobilizar a opinião pública.

    Os comícios para as Diretas Já começaram bastante tímidos, com poucas pessoas. E aos poucos o movimento aumentaria, até desembocar no comício da Praça da Sé, de um caráter suprapartidário, com discursos de Ulysses Guimarães, Brizola, Lula, Fernando Henrique, em uma união completamente impensável atualmente, unidos pela quebra da tutelagem do povo brasileiro, para que a população pudesse enfim andar sozinha, reconquistando sua democracia. A rejeição da emenda em 1984 foi um duro golpe na população brasileira; o sentimento de comoção logo deu lugar a sensação de que foram iludidos, inclusive Sócrates, que aceitaria a proposta de venda para a Fiorentina, da Itália.

    Os integrantes daquele time preferem encarar todo aquele tempo com um saudosismo tocante, de que o país voltaria a sorrir, e que havia começado ali a redemocratização do Brasil. No entanto, a sensação de que o pior da ditadura ainda permanecia não poderia ser ignorado, uma vez que o modus operandi policial prossegue semelhante ao do Regime. Até pela última música executada – Até Quando Esperar, da Plebe Rude -, a sensação de Democracia em Preto e Branco não é de otimismo, e sim de uma amálgama entre a melancolia e a objeção, de um país que apesar de um pequeno progresso, ainda tem muito a evoluir; muito esforço a ser executado para que se torne uma república minimamente digna, sendo esse viés o que faz da fita ser algo muito a frente dos documentários contemporâneos.