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  • Resenha | Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País – Alexandre Meira

    Resenha | Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País – Alexandre Meira

    “O seu país, o nosso país, é racista, misógino, homofóbico e, principalmente, covarde”. A excelente frase faz parte do Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País (Editora Penalux), do escritor Alexandre Meira, um livro com cinco potentes crônicas que destrincham as origens do cotidiano político medíocre que impera no status quo nacional. Ambicioso, Alexandre estima em suas crônicas monólogos com informações preciosas para outros brasileiros que também se sentem reféns da necropolítica federal. Além da natureza urgente do assunto em si, grande parte do sucesso do livro está na forma como o autor maneja bem a produção das próprias crônicas.

    Crônicas, por onde começar? A crônica é um gênero híbrido por excelência, engloba tanto informações de caráter não-ficcional, jornalístico, quanto momentos de beleza literária, herança da Literatura e dos primeiros cronistas nacionais que também eram escritores de mão cheia, como Lima Barreto, Machado de Assis, João do Rio, só para citar alguns. No meio desse tempero encontramos ironias, provocações, variedade de referências (Alexandre vai do Futebol a Nelson Rodrigues, de Pizarro ao tribunal da Lava Jato, por exemplo), informações históricas (sobretudo dos anos de 1990 ao tempo atual), fatos jornalísticos, tudo muito bem costurado por eloquentes e claras frases.

    Sobre as cinco crônicas, são elas: O golpe na amendoeira; O gol da Alemanha e a revanche dos vira-latas; Pizarro, cavalos, ovos e o fim da Lava Jato; Por que eu matei Marielle?; Chão de Amêndoas. Quero destacar alguns pontos de três delas. Em “O golpe na amendoeira”, o cronista toca em primeiro plano o processo de impeachment sofrido pela presidenta Dilma por conta das “pedaladas fiscais”. Mas em segundo plano, o que chama atenção é a disputa acirrada entre dois amigos que discutem se ela cometeu ou não os crimes econômicos. “Disputa” e “Discussão” porque, como o cronista bem observa neste e em outros pontos do livro, estamos em uma época que o diálogo está morto por uma corrente política que chegou ao poder pregando a polarização dos discursos. Isso não é diálogo, é discurso com a intenção de calar correntes opostas, e Alexandre explica como esses golpes duros contra o diálogo matam também a própria ideia de democracia, que pressupõe, por excelência, o espaço para todas as pessoas dialogarem pelo bem público.

    “Por que eu matei Marielle?” é outra crônica com um assunto mais evidente, a saber, a morte da vereadora Marielle Franco em março de 2018 (até hoje ainda sem mandantes conhecidos), mas com dois assuntos secundários importantes para discussão: a banalização da violência (seja ela contra as mulheres, minorias, ou por conta de sexualidades), e como há um sistema perverso no país que trabalha incansavelmente para exterminar representantes de camadas menos privilegiadas (Marielle era negra, homossexual e de pobre origem) do país. É um sistema que tem ojeriza à mudança do status quo, que luta para manter tudo como está, com elevadores de serviço e piadas homofóbicas e racistas em cada esquina. Como bem escreve o cronista: “Nunca houve nada mais perigoso para quem tem medo de uma verdadeira mudança do que algo que abra a fórceps sua estreita visão de mundo ante um futuro viável e livre de seus preconceitos. (…) Ela [Marielle] representava justamente essa verdadeira mudança.” Quem mandou matar Marielle?

    Última crônica do livro “Chão de Amêndoas” acompanha as mudanças políticas, econômicas e sociais desde a primeira eleição democrática brasileira, em 1989, pelos olhos do autor, intercalando com a própria infância e crescimento dele. Alexandre colhe fatos históricos ao seu lado, desde a TV de tubo onde acompanhou os primeiros horários políticos em 1989, às transformações no próprio bairro e no novo cotidiano do país. Uma crônica potente que abarca história nacional, o ponto de vista humano, as transformações políticas e sociais, o nascimento de um poder paralelo na Zona Oeste carioca (milícias), exemplos de fundamentalismo religioso, entre outros pontos. Um verdadeiro exemplo de narrativa, informação e texto em sincronia.

    Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País consegue atingir o que almeja: um manual atualizado para quem se propõe deixar o obscurantismo de lado e dialogar com os principais acontecimentos que nos trouxeram até o pessimista momento político atual. Este livro não possui apenas crônicas, mas monólogos que buscam fortalecer diálogos nesse espaço (em tese) democrático da política nacional. Leitura muito recomendada.

    Compre: Guia de Sobrevivência do Exilado no Próprio País.

    Texto de autoria de José Fontenele

     

     

  • Resenha | O Sal do Leviatã – Alexandre Guarnieri

    Resenha | O Sal do Leviatã – Alexandre Guarnieri

    O Sal do Leviatã, da editora Penalux, é o novo livro de poemas do experiente Alexandre Guarnieri. O poeta tem outros cinco livros publicados, participação em diversas antologias e renomados sites literários, e foi o vencedor do Prêmio Jabuti pelo livro Corpo de Festim, em 2015. Depois de ganhar a maior condecoração literária do país, você, leitor, poderia achar que as ambições do poeta minguaram. Aí o nosso erro – o propósito do poeta é a própria Poesia; mergulhar mais profundo no universo da palavra a fim de conquistar uma nova dimensão real, apesar de fictícia, acima dele mesmo. E em seu novo livro é isso que encontramos: uma nova profundidade para a palavra.

    O fundo do mar é misterioso. Entre o universo e as profundezas abissais que nos cercam, conhecemos mais o céu que o oceano. Não por acaso, desde os sumérios (a primeira civilização da História, erguida entre os rios Tigre e Eufrates), o mar é criador de mitos – e o livro de Guarnieri nos brinda com isso. Divido em duas partes, Maré Alta e Mare Nostrum, o poeta se dispõe a versificar cada aspecto real ou fictício dessa imensidão líquida que nos rodeia. Uma tarefa ousada e ambiciosa que encontra forma tanto na versificação quanto na linguagem diversa empregada para ilustrar as sinuosidades marinhas.

    Na primeira parte, os poemas se movimentam tal qual marés e carregam uma importante ressignificação: o mar menstrua. O mar é uma lavoura com safras colhidas pelos que sobrevivem à superfície. Com versos sem forma fixa e muitas assonâncias e aliterações, bem como sinais gráficos para simular o vaivém das ondas, o poeta resgata um conhecimento mitológico e científico que devolve ao mar o berço da Humanidade. E não apenas berço, as águas são um dínamo aos terrestres. As metáforas de mar como também máquina invisível do mundo intensificam sensivelmente os versos de forma que podemos ouvir as ondas ao redor – há uma catarse que resgata memórias de oceano.

    Na segunda parte, Guarnieri resgata o fantástico sobre o mar, os locais mitológicos rodeados por ondas, as grandes descobertas além-mar, os grandes perigos, os monstros que lá vivem, e o próprio enigma marinho: o desconhecido. Aqui os poemas assumem um tom mais descritivo, não encontramos as formas obtusas, e os versos nos sustentam pela fabulação e análise dos acontecimentos líquidos. Ainda encontramos assonâncias e aliterações, todas dentro de uma lógica interna afiadíssima com o vocabulário náutico e marinho. O verso é a nossa âncora.

    Quero ressaltar que o trabalho do autor em simular o caótico movimento marinho alcançou o seu objetivo. Sobretudo na primeira parte, todos os versos são malevolentes, carregam sal à própria palavra e parecem nos transpor à praia. (Mesmo eu que não sei nadar, passo a ter uma boa memória do oceano.) Vários versos são excelentes composições poéticas e, especialmente, “dínamo marino”, é para emoldurar na sala. O Sal do Leviatã é o resultado de muito trabalho sobre a palavra. Há um refinamento na composição poética que intensifica o objetivo do livro e o faz um dos melhores de poesia publicados no ano. Grande dica de leitura e tenha as meias limpas, porque você vai se molhar.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | A Perpetuação da Espécie – Fernando Andrade

    Resenha | A Perpetuação da Espécie – Fernando Andrade

    A Perpetuação da Espécie (Editora Penalux), do escritor e crítico literário Fernando Andrade, molda e reconstrói, com seus poemas, o Homem e sua descendência. Com uma poesia íntima e plena de construções, jogos verbais e metáforas, o poeta explora a própria gênese do Homem enquanto carne e mito de si mesmo. A poesia funciona como microscópio e filosofia em Andrade e o resultado é um livro singular e forte, que, a despeito de suas 66 páginas, impacta e assombra, porque pensar sobre nós mesmos sempre traz arrepios do desconhecido.

    Dividido em 5 partes (nascimento, infância, lembranças, imagens e gênero), o livro explora poeticamente as fases do humano, da ideia à morte, passando pela infância, gênero, memória, sexo, tanto nos campos físicos quanto abstratos da espécie. Versos sem forma fixa, desconectados formalmente da tradição clássica, mas construídos para facilitar alguns enjambement (quando um verso pode ser lido complementando o verso posterior) que o autor gosta de usar, a poética do autor (este é seu quarto livro solo), é atual e com forte apelo à tradição oral da poesia.

    Assim, em seu novo trabalho, o que encontramos são poemas maduros, concisos e bem amarrados com o tema central do livro. E, dentre os 37 poemas da obra, destaco dois subtemas muito bem trabalhados no diálogo de Fernando Andrade com o Humano. O primeiro deles é o Tempo. O autor trabalha poeticamente o espaço cronológico entre o nascimento e a morte como um lembrete. Voltaremos ao pó primordial, então, o que fazer com o Tempo que nos resta? “Minuto a Minuto / O tempo acomoda / Um personagem / De hora em hora / Incorpora sua / Memória / (…) Pergunto às moiras / o livre arbítrio / É uma ampulheta cheia ou vazia?” São os versos de “Clepsidra”.

    Outro subtema que perpassa as linhas de “A perpetuação da espécie”, é a Política enquanto natural ao corpo, um Corpo Político. “Pequena e diminuta Revolução / – Todas as suas ações serão provisórias / Até serem reescritas ou revogadas. / Nada em tom indefinido será admitido.” São os versos de “Trecho em ironia”. E se a Política é natural ao corpo, quer dizer que a maçã do Éden era então uma fruta política? Talvez o poeta responda.

    Por fim, o tom amarelo puxando ao barro que compõe o livro dá uma dica de que Andrade trabalha a olaria poética do Humano. Surgindo do barro, como nas escrituras, e voltando ao pó, o poeta suja a forma da poesia com versos que olham dentro de nós mesmos; versos como microscópio e poema como tese sobre homens e mulheres. Reflexivo e metafórico, A Perpetuação da Espécie é uma ótima indicação de poesia singular e contundente.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | As Horas – Alex Andrade

    Resenha | As Horas – Alex Andrade

    Livro para dias chuvosos

    A Literatura é um universo paralelo ao nosso. Não por acaso, a boa escrita tem esse poder magnífico de nos transportar a outra versão de mundo, com situações que alteram o humor de quem o lê. As Horas (2016, Editora Penalux), do escritor Alex Andrade, é um desses livros que nos inundam com uma carga emocional potente ao longo das páginas.

    A meu ver, os treze contos de As Horas, orbitam entre melancolia, raiva e ingenuidade. Talvez não sejam as emoções mais cômodas a qualquer leitor, mas a leitura do conjunto cumpre expressivamente uma das funções mais importantes da literatura: o desenvolvimento da empatia. Ou seja, Andrade encadeia de tal forma os contos que somos fisgados pelas situações dos personagens e nos colocamos no lugar deles. A inversão nos faz experimentar as mesmas emoções, e somos pegos, desprevenidamente, pela pergunta capciosa: “Eu faria algo diferente?” Essa simples pergunta transmutada em escrita já eleva a reflexão sobre todos os contos do autor.

    Em termos de técnica, Alex demonstra experiência. Notamos claramente que ele tem domínio de uma voz própria na escrita (algo raro entre os escritores), com preferência por períodos longos, pouquíssimos diálogos (ao menos nos contos selecionados para o livro), tempo retardado, e recorrentes fluxos de consciência entre os (quase maioria) narradores em primeira pessoa.

    Contudo, senti falta de certa ousadia com o não dito para incrementar a fidelidade dos contos. Explico: a utilização de períodos longos, que por vezes se confundem com o fluxo de consciência ou o fluxo das ações dos personagens, diz muito sobre a cena e entrega facilmente ao leitor uma conclusão ou um estado de espírito que permeia as situações abordadas.  Faltou, portanto, o não dito ou a descrição do momento sem a interferência do narrador, para que o leitor também possa tirar uma própria conclusão sem sofrer a interferência de outros. É a regra do “Narre, não conte”, da escrita.

    Outros pontos poderiam incrementar a experiência de leitura: em vez de optar pelos períodos maiores, alternar com mais frequência trechos curtos e longos a fim de imprimir um ritmo mais harmônico de leitura; em alguns contos, as personagens não ficaram tão nítidas porque não houve diálogo que os diferenciasse, pois a falta de dialogismo nivela com opacidade todos os integrantes do conto para, mais uma vez, ficarmos reféns da análise do narrador; alguns contos que exploraram a melancolia pareciam histórias de diferentes fases de um mesmo personagem, ou seja, senti falta de individualidade entre os narradores.

    Dos treze contos, “A menina nua” é o melhor. Supera a amplitude dos outros contos com originalidade e adiciona períodos não ditos que enriquecem a interpretação do leitor. Por fim, As Horas é um livro para ser lido com cuidado porque carrega esse poder de exercitar a empatia de cada um; exige silêncios, trás reflexões. Livro para ser lido em dias de chuva.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: As Horas – Alex Andrade.

  • Resenha | Suíte nº 3 – Yeda Lins

    Resenha | Suíte nº 3 – Yeda Lins

    “Um recreador de hotel faz um empréstimo para ajudar um tio doente. Sem condições de pagar e sofrendo ameaças, ele se aproxima de uma moça pouco atraente, porém culta e muito rica, para conseguir o dinheiro. Disposta a experimentar novas emoções em sua vida, ela aceita o envolvimento, dentro do limite estabelecido pelo seu lado racional. A partir daí, começa uma aventura romântica que vai prender você até a última linha.”
    (fonte: quarta capa do livro)

    Quem estuda ou estudou, mesmo que en passant, técnicas de escrita e “contação” de histórias sabe que todas as histórias já foram contadas, que não há como fugir da jornada do herói, identificada por Joseph Campbell e descrita em detalhes no seu livro O herói de mil faces. A originalidade dos escritores, quando existe, está na forma de contar sempre essa mesma história que, a grosso modo, resume-se a “protagonista recebe um chamado para uma aventura, relutante, sai do seu mundo comum, depois de enfrentar várias dificuldades e vencer vários conflitos, atinge seu objetivo e retorna, geralmente modificado, a seu ambiente original”.

    Em alguns casos, como neste livro, tanto a “aventura” em si quanto a forma de contá-la carecem de originalidade. A sensação de déjà-vu persegue o leitor durante toda a leitura. Mesmo quem não é noveleiro irá identificar elementos comuns – mocinha rica e intelectual inicia relacionamento com rapaz menos favorecido que, a princípio, se interessa pelo dinheiro, mas acaba se apaixonando por ela; o casal enfrenta algumas dificuldades, inclusive desentendimentos familiares, mas encaminham-se para um “happy ending”. A sucessão de clichês folhetinescos é tamanha que tem-se a impressão de estar lendo o roteiro de uma novela das seis e, por vezes, de uma novela mexicana, com direito até aos nomes compostos – Vera Lucia e Sérgio Luís – tão comuns nessas obras.

    Há conflitos sim, problemas a ser enfrentados como em toda boa história, mas são solucionados com tanta facilidade que é impossível não pensar: “Parece coisa de novela”. Até o maior problema, que deveria ser o clímax da narrativa, mal consegue causar apreensão no leitor, já que em menos de cinco páginas o casal se reconcilia, se casa, a heroína salva a empresa familiar da falência e, rapidamente, já se passaram alguns anos e a família feliz está na Disney comemorando o Ano Novo. Fica aquela sensação de último capítulo da novela, em que tudo tem de se resolver antes do final.

    Não há muito o que comentar a respeito dos personagens, já que são todos bidimensionais e bastante previsíveis. Não há nuances de caráter, e nenhuma de suas atitudes surpreende. São estereótipos, e não arquétipos como os identificados por Campbell.

    Não é o tipo de livro indicado para quem espera ser minimamente “modificado” pela leitura. É adequado para aquele leitor que procura apenas ser entretido. Razoavelmente bem escrito, não é longo, o texto flui rapidamente, enfim, entretêm sem ser simplório demais.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.