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  • Crítica | O Homem do Braço de Ouro

    Crítica | O Homem do Braço de Ouro

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    Não é estranha a presença de figuras famosas de fora da sétima arte atuando em filmes de Hollywood. Realizam esses papéis tanto por vontade própria, porque desejam se manter relevantes e talvez demonstrar que são capazes de outros talentos, quanto por desejo do estúdio, que teve a brilhante ideia de alavancar assim a bilheteria de um filme que, de outra forma, não teria a mesma visibilidade. Felizmente existem atuações dignas, às vezes até mesmo melhores que a de muitos atores profissionais, e Frank Sinatra se mostrou um deles.

    Baseado no livro de Nelson Algren, com direção de Otto Preminger (Anatomia de Um Crime, Exodus) e roteiro de Walter Newman e Lewis Meltzer, Frank Sinatra vive Frankie Machine em O Homem do Braço De Ouro. Uma pessoa humilde e melancólica, ainda que otimista. Ex-viciado em heroína que retorna a sua vizinhança recuperado e pronto para colocar em prática seu sonho recém-descoberto na prisão. Sonho esse que é ser (santa metalinguagem) um músico. Tudo isso enquanto procura lidar com velhos amigos, antigas paixões, a esposa cadeirante, dificuldades financeiras e a presente tentação de voltar ao mundo das drogas e do crime.

    O nome do filme se mantém no duplo sentido. Frankie é conhecido como “braço dourado” por ser ótimo como banca em jogos de baralho, assim como no que se revela um talento musical de percursionista. Ao mesmo tempo, é no braço que injeta a heroína que lhe foi apresentada como recompensa e alívio para seus sentimentos de culpa. Há, então, um meio que força o indivíduo a se perder, ainda que tenha retornado aparentemente saudável. O argumento de que a força de vontade não é suficiente quando se combate um ambiente hostil.

    Sinatra demonstra uma visível sensibilidade. Algo além do esperado do playboy festeiro que emerge nas mentes de muitos ao ter seu nome mencionado. Não só ele como diversos outros personagens tem seus momentos, como a antiga paixão Molly (Kim Novak) e esposa Zosh (Eleanor Parker), que simbolizam diversos aspectos do hábitos e traumas de Frankie, assim como os gangsteres e manifestações de deslizes, como Louie (Darren McGavin) e Schwiefka (Robert Strauss). Entretanto, isso não pode ser dito sobre todos os momentos do filme. Há a presença de estereótipos que vão e vem, ainda mais de personagens como Sparrow (Arnold Stang). Há até mesmo acontecimentos que destoam do tom realista que se tenta empregar para uma questão séria como o uso de drogas. Isso acarreta em problemas perceptíveis com o tom, mas são compreensíveis devido à época de lançamento do filme, que pode ser visto como uma obra de liberação e transição entre fases de Hollywood.

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    Antigamente, filmes precisavam de um selo de aprovação para garantia de “boa moral”. Uma reação de grupos conservadores americanos “em nome de Deus e da família” após as liberalidades que ocorreram na década de 1920, como os filmes religiosos de Cecil B. DeMille e, mais tarde, a proteção contra a “ameaça comunista”. O acordo, chamado Código de Hays, proibia, entre outras coisas: nudez, drogas, sexo, miscigenação, palavrões, estupro, violência, armas etc… A lista é longa e não se limita a questões explícitas. A simples menção ou indicação a esses atos já acarretava em proibição, e às vezes multa de 25.000 dólares para o estúdio. O conjunto de regras se instalou na década de 1930, ganhou força na de 1940 e perdeu na de 1950, quando se enfraqueceu devido à competitividade que a televisão apresentava, assim como os filmes estrangeiros (Ingmar Bergman e Vittorio De Sica, por exemplo), mas ainda continuou até a década de 1970.

    Um dos ativos diretores contra as normas era Otto Preminger, que desafiou os censores com diversos filmes, tais como Anatomia de Um Crime (que lida com estupro e sexo), Exodus (que contratou o membro da lista negra Dalton Trumbo) e O Homem do Braço de Ouro. Por isso, os aspectos incoerentes. Por mais realista e cru que Otto quisesse ser, havia limites. Não só fiscais, mas também do próprio conhecimento em lidar com temas tabu, como o cinema americano não tivesse visto antes.

    O Homem do Braço de Ouro então, se mostra à frente do seu tempo com uma abordagem que almeja o mais realista e visceral, ainda que tropece no caminho. Deve ser apreciado não só pelos curiosos trabalhos de atuação de Frank Sinatra, mas pelo filme que se mantém, até hoje, por suas qualidades e valor histórico. Ressalta-se que, se fazem filmes como Amor, Drogas e Nova York no novo século, é porque houve precursores que tornaram possível sua existência. O Homem do Braço de Ouro é um atestado da resistência à censura. Uma resistência em nome da arte e da livre expressão. Para poder tornar os cineastas livres e capazes de dizer que conseguiram fazer do próprio jeito.

    Como cantou Sinatra, mas poderia ser Preminger:

    Os registros mostram
    Que eu recebi as desgraças
    E fiz do meu jeito
    Sim, esse era meu jeito

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Meus Dois Carinhos

    Crítica | Meus Dois Carinhos

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    Fruto da parceria entre Frank Sinatra e o diretor George Sidney, iniciada no clássico Marujos do Amor, a trama do musical Meus Dois Carinhos é simples, baseada no velho drama de ascensão social via malandragem. Sinatra vive Joey Evans, um bon vivant desprovido de dinheiro que consegue um emprego como showman em uma casa noturna bem mais respeitável que seu repertório de cantor de segunda categoria. O novo ofício põe o principal talento do intérprete à prova, em cenas ainda mais primorosas que o capítulo inicial do trabalho destes dois homens do cinema.

    A produção é adaptada da peça musical de mesmo nome, Pal Joey, e põe Evans para exercer sua lábia de sujeito mulherengo para tentar estabelecer um triângulo amoroso, a começar por sua interação com a bela corista Linda English (Kim Novak) e com a socialite, viúva e voluptuosa Vera Prentice-Simpson (Rita Hayworth), que desperta nele interesses ainda maiores dos que a simples vazão de seus impulsos sexuais.

    Hayworth era a figura com mais cachê do filme, fato isolado nas produções com Sinatra pós A Um Passo da Eternidade. Curiosamente, Meus Dois Carinhos é considerado por grande parte da crítica como o filme definitivo do ator, o ponto de partida para o brilho cinematográfico em paralelo ao sucesso já instalado na música. De fato, há um trabalho dramatúrgico bastante forte do intérprete, comparável em inspiração anterior somente a O Homem do Braço de Ouro.

    O desenvolvimento do roteiro prioriza a sedução lenta e gradual. A persona de Joey é carismática, mas seus encantos ganham a atenção de Simpson de um modo vagaroso, como nos romances clássicos. Entre agressividade e desejo que ocorre o primeiro enlace entre ambos, escondendo uma intenção escusa do protagonista, movido pela ganância e enriquecimento próprio.

    O decorrer da fita, em 1957, mostra uma discussão involuntária sobre o machismo, proveniente do comportamento do protagonista ao ver um de seus dois amores se exibir para uma platéia, ávida por ver a carne desnuda de English no auge da forma. A demonstração do ciúmes em uma figura tão desprezada por ele serve de paralelo com algo comum a sua época. O roteiro pontua a atitude como abusiva, surpreendendo o seu espectador por dar vazão, ainda que timidamente, a este tipo de discussão.

    Joey é um figura repleta de contradições, nuances e desejos que dificilmente seriam alcançados. Tanto no anseio por abrir sua casa noturna personalizada, quanto a fantasia poligâmica presente em seus desejos. Apesar do desfecho aparentemente feliz, a trajetória do herói é mais próxima do agridoce, mostrando de maneira leve que as suas ações tem como resposta reações intempestivas e frustantes por parte do destino, que certamente teria um desfecho mais agressivo não fosse esta uma obra musical. Ainda assim, contestatória para os padrões de sua atualidade e simpática para as plateias mais conservadoras.

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