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  • Crítica | O Doutrinador

    Crítica | O Doutrinador

    Baseado na história em quadrinhos de Luciano Cunha, O Doutrinador é um filme de Gustavo Bonafé, com codireção de Fabio Mendonça, e mostra um justiceiro brasileiro agindo como vigilante e cai como uma luva para os tempos de simplismo político, combinando quase à perfeição com a redução de crivo político do povo, ao menos é o que se pensa sobre esse projeto multimídia, que ano que vem terá o acréscimo de uma série.

    As primeiras cenas mostram o DAE – Divisão Armada Especial, entrando na casa do governador Sandro Corrêa (Eduardo Moscovis) e entre eles, há Miguel, interpretado pelo forte Kiko Pissolato. O político é levado a força para o quartel policial, mas não responde a quase nenhuma pergunta, e logo é liberado graças a um habeas corpus. Correa é um dos investigados da Operação Linfoma.

    O grave problema do filme é seu roteiro, com sete pessoas creditadas e graves questões de plano de fundo. Miguel é um homem justo, que tem uma filhinha, e obviamente é tratada como uma apelação dela como vítima, em uma manobra parecida com a série O Mecanismo, de José Padilha, embora os detalhes sejam diferentes. Além disso, a pequena menina é uma criança super-esperta, que fala muitas gírias e não soa nenhum pouco natural. Naturalidade também falta aos efeitos especiais. Os prédios das cidades, por exemplo, são digitais, e soam falsos ao extremo.

    O evento que muda radicalmente o pensamento de Miguel envolve um jogo da seleção brasileira, onde sua herdeira veste uma blusa amarela com as cores do time de futebol e passa um sujeito com um radinho de pilha, artigo esse quase em desuso (ao menos em larga escala) há mais ou menos uns 15 anos. Tais coisas destoam de realidade, mas o evento em si, apesar de pautado em clichês, faz sentido em especial por aproximar O Doutrinador de uma de suas inspirações de O Justiceiro, da Marvel.

    O filme não é ruim, as partes técnicas são bem produzidas, a direção de arte de Margherita Pennacchi, fotografia de Rodrigo Carvalho e figurinos ajudam a criar uma atmosfera diferenciada que só não é tão crível graças ao roteiro simplório que apela para obviedades. A sensação ao assistir esses aspectos em comparação com o restante da história é que todos os pontos positivos soam como uma capa bonita para um livro medíocre.

    Os personagens periféricos também não fazem sentido, a começar por Nina (Tainá Medina) que mistura elementos da famosa Sininho, que ganhou notoriedade nas manifestações cariocas de 2013, a Oráculo do Batman. No entanto, o mais próximo de uma reflexão sobre os atos violentos começam a partir de seu senso crítico dela, que condena os assassinatos de Miguel, ainda que isso também mude com o final.

    A catarse de O Doutrinador não é reacionária, ao menos não em discurso, já que ela busca isenção, ou seja, mira no caráter camaleônico dos que no campo eleitoral vivem no limbo dos indecisos, brancos e nulos. Isso até poderia ser bem explorado, mas ao contrário da expectativa, o texto investe em explorar tecno-baboseira, apela para merchans vergonhosos.

    O filme termina com revide de violência gratuita de seus colegas – os mesmos que pareciam simpáticos a ele durante o filme inteiro – e com devaneios de desejos de sua filha, conversando com sua fome de vingança. Ainda há uma tentativa de salvar o longa, apelando para uma cena que deveria ser vibrante mas que é permeada pelo que há de pior no longa, os efeitos especiais, com uma explosão terrível mostrando uma espécie de reforma política via assassinato, e é nesse ponto que o discurso mais extremista e ingênuo ganha força, culpando a população pelos maus rumos que são tomados pelos seus representantes, se ignorando fatos óbvios, como a desinformação geral e total falta de tradição de discussão política, seja em escolas, fábricas, firmas, escritórios ou nas ruas. Até Miguel é vitima disso, e claramente não é iluminado o suficiente nem para ser encarado como um sujeito consciente, quanto mais poderoso para ser juiz, júri e carrasco dos mandantes do país.

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  • Crítica | O Outro Lado do Paraíso

    Crítica | O Outro Lado do Paraíso

    poster-do-filme-o-outro-lado-do-paraisoEm 1981, Luiz Fernando Emediato publicou o conto autobiográfico O Outro Lado do Paraíso, que narra a trajetória de uma família mineira sob a ótica de um menino de 11 anos. O conto é um excelente retrato sobre a transição do governo democrático e o golpe militar. Três décadas depois, o diretor André Ristum aceitou o desafio de adaptar o romance para os cinemas.

    Na trama, assim como no livro, a história é narrada sob o ponto de vista de Nando (Davi Galdeano), que relata as aventuras de seu pai, Antônio (Eduardo Moscovis), um garimpeiro sonhador que se encanta com as propostas de reforma do Presidente João Goulart e decide abandonar o interior de Minas Gerais para começar nova vida em Brasília junto com sua família. A capital ainda estava em obras, proporcionando a possibilidade de prosperidade para diversas famílias que para lá se mudavam.

    A mudança, a princípio, proporciona ao garoto um sentimento doloroso, pois, ao se mudar para Brasília, Nando deixa seu primeiro amor, Alice (Tais Andrade), no interior de Minas. Suas tardes se resumem a escrever cartas para sua amada com juras e declarações de amor e relatos sobre a cidade de Taguatinga – cidade onde moram os trabalhadores responsáveis pela construção de Brasília – e sua família. Aliás, a família é um ponto bastante interessante desenvolvido na obra original, como também no roteiro adaptado de Marcelo Muller. Ristum sabe muito bem o material que tem em mãos, já que a relação existente entre pai e filho é um dos pontos centrais do longa, como também um tema caro ao diretor, como podemos observar no seu filme anterior, Meu País. Interessante notar que, pouco a pouco, Nando substitui sua paixão por Alice por dois novos amores: o primeiro deles são os livros, paixão essa alimentada por sua nova professora, Iolanda (Adriana Lodi); e o segundo, a atrevida e esperta Iara (Maju Souza), filha de Iolanda.

    outro_lado_paraisoO outro tema importante do filme é sem dúvida a grande metáfora do “sonho interrompido”, já abordado pelo diretor em seu filme documental Tempos de Resistência. O clima onírico existente na película já se demonstra pela bela fotografia de Hélcio Alemão Nagamine, que utiliza uma paleta de cores vivas simbolizando as esperanças e reconstruções da família e dos habitantes de Taguatinga, mas que abruptamente se torna acinzentada com o advento do golpe militar. Apesar dos aspectos políticos serem descritos através da visão ingênua de um garoto de 11 anos, é possível traçar paralelos políticos importantes do regime por meio de questões pontuais, como a ascensão do movimento sindical durante o período do Presidente João Goulart, que se dá através do engajamento de seu pai Antônio, como também com a chegada dos generais, gerando um esmagamento violento dos sindicatos da região pelos militares, culminando na prisão e tortura de Antônio.

    O mesmo paralelo pode ser descrito com a relação de Nando pela política e seu interesse pelos livros, o que novamente acabaria de maneira trágica com a chegada dos militares ao poder, com o incêndio da biblioteca construída pelos habitantes de Taguatinga, uma referência escancarada ao clássico distópico de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Da mesma forma, não deixa de ser uma metáfora aos anos de chumbo e à perda intelectual após o período, seja em nível de ensino como também simbolizando a morte e o exílio de grandes pensadores brasileiros à época.

    Importante que se diga que, apesar da competência narrativa do roteiro adaptado de Muller e da direção de Ristum, um dos grandes destaques do longa-metragem é sem dúvida seu elenco. Davi Galdeano se destaca como protagonista e demonstra um nível de sensibilidade em cena que comove: sua química com Maju Souza é divertidíssima, e quando se faz necessário ambos entregam uma carga de tristeza em cena que convencem. Apesar de executar um papel sub-aproveitado, Camila Márdila se destaca. Vivendo a irmã mais velha de Nando, a jovem se envolve com um militar, e seu pai pouco a pouco ascende como um dos líderes sindicais da região, fato que promove o choque entre essas duas figuras afetivas ao longo do filme. Infelizmente o roteiro não a privilegia, no entanto a atriz demonstra uma atuação interessante, bastante diferente daquela que vimos em Que Horas Ela Volta?, em que interpreta Jéssica.

    Flavio Bauraqui, o líder sindical Jorjão, esbanja carisma assim como as aparições pontuais de Murilo Grossi como o subversivo Padre Alberto. Jonas Bloch, surge como avó de Nando, em uma atuação dura mas repleta de amor. Contudo, o destaque é sem dúvida para Eduardo Moscovis, como Antônio, que quando em tela acaba com os demais atores orbitando à sua volta ou sendo engolidos por ele.

    o outro lado do paraiso filmeO filme conta ainda com cenas de época, inclusive algumas retiradas do curta documental de Joaquim Pedro de Andrade, Brasília: Contradições de Uma Cidade Nova, de 1967, curiosamente censurado pelo regime militar por mostrar as diferentes realidades da capital e dos candangos – trabalhadores que migraram de outro Estado para a construção de Brasília, o que nos remete ao excelente trabalho de direção de arte de Beto Grimaldi e sua reconstrução de época. Por fim, a trilha sonora de Patrick de Jongh em alguns momentos anda por uma linha tênue entre o piegas e o sentimental, mas o resultado final é bastante satisfatório, contando com uma bela interpretação de Clube da Esquina 2, com Milton Nascimento, e a inédita Ventos Irmãos, também interpretada pelo velho Bituca.

    O Outro Lado do Paraíso é um filme importante sobre memórias e a dura realidade política e social do Brasil dos anos 1960 e dos dias atuais. O olhar inocente e ingênuo de uma criança é acertado mas gera questionamentos se esta seria a melhor decisão a ser tomada, já que retira um pouco do peso do período que ele procura retratar, remetendo muito ao filme de Cao Hamburger, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, e pouco ao chileno Machuca, de Andrés Wood, e o argentino Kamchatka, de Marcelo Piñeyro. A abordagem, de certa forma, nos traz reflexões se seria a melhor alternativa a ser realizada, dado o crescimento de uma juventude que apoia o golpe militar nos dias atuais ou figuras políticas atreladas a ele.

    Apesar da visão romântica, o filme cumpre o seu papel demonstrando o impacto do período militar numa família interiorana típica, desde a proibição da leitura de um livro até a prisão e tortura de um cidadão lutando por melhores condições de trabalho. Uma aventura quixotesca de um pai em busca de sua Shangri-La, admirado e amado por seu filho, apesar de toda a dor, tristeza e melancolia decorrente desta aventura.

  • Crítica | Os Homens São de Marte e é pra Lá Que Eu Vou

    Crítica | Os Homens São de Marte e é pra Lá Que Eu Vou

    Depois  de trabalhar em obras audiovisuais ambientadas em universos mais maduros e adultos, Marcus Baldini dá vida a versão cinematográfica do monologo cômico protagonizado por Mônica Martelli. A história de Os Homens São de Marte e é Pra Lá Que Eu Vou foca-se na vivência de Fernanda, vivida pela autora da peça, que vivendo a meia-idade, não consegue achar um homem para chamar de seu, tendo na ironia de trabalhar como mestre de cerimônias, orquestrando casamentos, a certeza de que sua vida é miserável sem algum ser do cromossomo Y.

    Tudo que envolve Fernanda lembra – e relembra – o quão mal ela está por não ter nenhuma companhia ao fim do dia, desde as frases de aceitação da solteirice, às amigas igualmente “soltas” e sua equipe, formada por mil estereótipos, tendo em Anibal o maior dos arquétipos batidos, com Paulo Gustavo transbordando os trejeitos homoafetivo de péssimo gosto, semelhante a nove entre dez trabalhos em que o humorista busca ser um ator.

    As reclamações da heroína se contradizem, pelos homens que passam por si e pelas oportunidades que passam por sua porta. Suas desventuras incluem encontros românticos com homens de belos corpos e de estirpe alta, sujeitos endinheirados que querem desesperadamente o seu corpo, mas que somente o têm em momentos especiais, em meio a hotéis caríssimos, flats e coberturas localizadas em prédios de luxo. Fernanda parece saber se esgueirar por estes locais, uma vez que toma todo o cuidado para estar sempre bela, se maquiando em espaço físicos minúsculos, para não aparentar ressaca ou transparecer a idade que realmente têm, pois mesmo com todas as qualidades possíveis ela ainda se mostra insegura, com muitas falas trôpegas, repletas de receios, mas que escondem uma ânsia por ter o tal do “homem perfeito”.

    A carência da protagonista é tamanha que qualquer alento significa mil fantasias, planos de fazer seu futuro com os homens com quem dorme ou os que meramente se aproximam dela. O comportamento obsessivo de Fernanda parece afastar as possibilidades de amor. Todos os seus esforços e desejos envolvem agarrar um homem para toda a vida, ainda que esteja longe demais  disso, já que a ansiedade a limita a somente atrair pessoas distantes demais do que ela realmente quer.

    No entanto, é notório que qualquer homem mais velho que se aproxima dela logo parece o par perfeito, sonhadores, inteligentes e interessantes. Qualquer engodo a pega, mesmo quando as noções artísticas do sujeito sejam toscas e cafonas, e que não saltam aos olhos dela, mesmo com seu ofício que se pauta em arte. Seu deslumbre não é justificado em momento algum, a não ser pela ostentação financeira de quase todos os parceiros sexuais dela, homens ricos os quais ela parece querer comprá-los apenas com o luxo, já que ela se põe a venda o tempo inteiro.

    A comédia fútil não consegue entreter, tampouco faz rir; situações forçadas que se repetem demais, reprisando momentos de outros humorísticos românticos. Até a personalidade de seu público não é totalmente encontrada, já que o roteiro não sabe a quem agradar, pois pouco funciona para qual for o sexo do visualizador. A cada novo parceiro, Fernanda promete que não fará sexo na primeira tentativa do sujeito, mas sempre cede, refirmando todo o caráter de reprise da fita, se auto-referenciando o tempo todo, mesmo que o exercício seja pobre.

    A beleza de Mônica Martelli é um dos poucos pontos positivamente destacáveis da obra, em meio aos eventos que louvam a trivialidade e a completa ausência de conteúdo, além de julgar a rotina de gente simples como algo menor, num preconceito socioeconômico enorme. As brincadeiras que funcionavam no teatro ficam gritantemente excludentes no grande ecrã: O que deveria ser uma comédia leve acaba sendo um freak show de discriminações, que esconde todos os pré-julgamentos atrás de uma mensagem de busca por amor, um amor que não consegue aceitar os seres como eles são.

    O oportunismo e a vontade louca de agarrar um homem para sempre que Fernanda guarda banaliza o romance e o amor; o sentimento deixa de ser algo raro para servir unicamente ao egoísmo dela, movido pela ânsia por não ficar sozinha, seguindo uma cartilha de comportamento baseada no lugar comum e na sabedoria popular, mas sem qualquer conteúdo ou substância. Exibindo uma enorme variação de clichês, vendendo uma mensagem de autoajuda que tem no machismo exacerbado a sua âncora, Os Homens São de Marte e é Para Lá Que Eu Vou é uma história superficial e tola, um evento que poderia ser interessante, mas que se atém demais a forma, e pouco ao conteúdo, refém de um final feliz num conto de fadas que mal consegue abraçar uma moral, ou uma mensagem minimamente sofisticada.