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  • Sai de cena o grande Dib Lutfi

    Sai de cena o grande Dib Lutfi

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    Um dia triste para o cinema brasileiro: morre Dib Lutfi aos 80 anos com Alzheimer avançado, as informações são do G1.

    Dib foi um dos maiores diretores de fotografia do cinema brasileiro que popularizou o conceito de “uma câmera na mão” do Cinema Novo. Dib trabalhou com Arnaldo Jabor em A Opinião Pública (1967), Glauber Rocha em Terra em Transe (1967), Nelson Pereira dos Santos em Fome de Amor (1968) e Como Era Gostoso O Meu Francês (1970).

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Deus e o Diabo Na Terra do Sol

    Crítica | Deus e o Diabo Na Terra do Sol

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    As moscas sobre as carcaças de animais mortos, acompanhadas da crescente música, revelam como é árdua, dura e árida a vida do herói focalizado pela câmera de Glauber Rocha. A iconografia visual condensada na trilha incidental certamente influenciou o trabalho de Sergio Leone, especialmente quando a maturidade o atingiu em Três Homens Em Conflito. O início, em forma de epílogo, contém poucos diálogos, quase nenhum deles direto; a observação, feita por Manoel (Geraldo Del Rey), da paisagem e do estilo de vida do povo do sertão realiza-se apenas por imagens, um resgate da máxima do cinema, pouco em voga no esquema comercial atual.

    A linguagem do discurso é simples, não em seu conteúdo – relevante ao extremo – mas simplista no modo tacanho e humilde da fala. A fé é propagada entre aqueles que sequer têm o pão diário para se alimentar, fomentando a esperança dos miseráveis e necessitados, que não têm onde ou em quem se agarrar se não no Divino.

    A câmera insistentemente trêmula emula os movimentos dos trabalhadores da lavoura e do engenho, que, com o seu suor, tentam produzir o seu sustento, mas que na prática fazem mais enriquecer seu patrões do que através de qualquer outro esforço. Mesmo quando o pobre e incauto peão tenta resgatar o que é seu por direito, esbarra no velho sistema explorador, que tenta roubar o pouco que lhe resta. Ao perceber seus direitos se esgotando, Manoel se rebela, agindo de maneira inversa a dos seus companheiros.

    O modo intimista com que o roteiro de Rocha e Walter Lima Jr. é executado contempla um lado idílico e sobrenatural do sertão, mas seu conteúdo ainda consegue ser direto, especialmente nas perseguições a cavalo e confrontos armados. É como se o expressionismo alemão se colidisse com o faroeste de John Ford, que gostava de contemplar o ambiente e as planícies norte-americanas para contar suas histórias. A Pernambuco de Glauber não tem paragens tão repletas de verde ou de montanhas frondosas, o que resta é o solo arenoso, a seca e as rugas nas testas dos peões, que tinham no sol inclemente o seu único aliado.

    A chacina impingida pelos poderosos ceifa mais vidas do que as precárias condições de vida no desértico nordeste. A perseguição ao pobre homem que tentou executar a “justiça com as próprias mãos” emula o modo com que o povo é esmagado pelo dedo do opressor. O cangaço é mostrado sob um viés diferente, como justiceiros que lutam pelos direitos do povo. Manoel, sem muita escolha, adere ao Capitão Corisco (Othon Bastos), recebendo dele a distinta alcunha de Satanás, para se diferenciar do arquétipo de vaqueiro, e ser finalmente temido pelos inimigos.

    A crença em São Jorge é um símbolo da necessidade de defender o povo do seu destino trágico. O rifle e o punhal são os objetos escolhidos para impor a mudança, algo necessário em meio ao ríspido modo com que todos são tratados. O altruísmo de Corisco é tamanho que ele sequer cogita a possibilidade de fugir do combate, mesmo sabendo que enfrentar o caçador Antônio das Mortes (Maurício do Valle) é quase garantia de perecer. Munidos da coragem e do chumbo, o capitão cangaceiro e Manoel – ou Satanás – vão em direção ao combate final, levados pela balada de Sérgio Ricardo, que narra suas aventuras como canção. O destino arredio dos revoltosos é um grito de louvor à liberdade, teimoso, que não aceita a possibilidade de ser enjaulado, seja pelas grades da cadeia, seja pelo escravismo que predominava no sertão.

    O tom poético do filme exibe verdades, discutindo-as sem ter qualquer pudor em vilanizar os coronéis, que ainda praticavam métodos datados e feudais com o pobre povo, escravizando-o a troco de contrapartida quase nenhuma, além de tomar pessoas normalmente marginalizadas como as figuras heroicas da fita. Não à toa a película ditou tendências estéticas no cinema brasileiro e mundial.

  • 10 Filmes Políticos

    Politicagem, quando a desvalorização ética e moral é tendência, seja nas ações políticas, ou nas iniciativas públicas no horário eleitoral, cuja real utilidade chega a causar vergonha alheia no eleitorado. O cinema não previu esse ou outros fenômenos que vão e voltam, mas já mostrou vários lados desta moeda, que se encontra hoje mais desvalorizada que o real nos tempos atuais de inflação. Abaixo e sem uma ordem de preferência, quase uma dúzia de bons exemplos sobre o tema, de valores político e artístico inestimáveis.

    I – Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick
    A crítica visão política de Kubrick, por todo o exclusivo estilo de sua filmografia, não poderia ser diferente. O ridículo e o desastre de um sistema à beira do colapso, comandado à flor da pele por homens desesperados para serem salvos, em um mundo confuso que tentam salvar em seus hemisférios e contrastes dissonantes, e só o aparente milagre de um cadeirante voltar a andar pode impedir um mundo desses de explodir em cacos e paranoia. Ou não…

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    II – Masculino, Feminino (1966), de Jean-Luc Godard
    Cada um em seu quadrado, ainda que na mesma sociedade, como homens e mulheres enxergam não apenas o seu oposto, e sim o cenário que os circunda, influencia e os trata diferente, nas diferenças que sustentam ambos os gêneros. Sem cair em clichês, Godard cria sua mais profunda e diversa, a mais inclusiva análise sócio-política de sua carreira militante, em Masculino, Feminino. Lidar com uma miscelânea de temas através da típica poesia Godardniana, e uma genial narração diegética em forma de diálogos inteligentes e pertinentes, enquanto o filme constrói uma identidade própria… não é fácil.

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    III – M.A.S.H.(1970), de Robert Altman
    Extremamente bem construído entre arcos e desfechos paralelos (a edição do filme ainda é uma das maiores para histórias múltiplas do Cinema), M.A.S.H. é hilário, de humor corrosivo às digressões morais e às loucuras que podem ocorrer nas possibilidades surreais de uma guerra armada. Crítico sem ser didático sobre a questão, é a comicidade americana olhando pro próprio umbigo e tendo que rir da sujeira e imundice acumuladas, durante as incertezas de uma condição política extremista.

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    IV – (1969), de Costa-Gavras
    Registro imparcial a ponto de poder ser confundido com um improvável mockumentary, ou seja, uma versão hiper-realista da ficção sobre a realidade das coisas, tamanha é a fidelidade ao implacável momento ditatorial que Cuba ostenta em sua recente história pós-colônia americana. Por ajudar a construir um padrão da qualidade das produções contestadoras nos anos 60, Z virou um monumento jornalístico e histórico sem preço ou precedentes, senão categórico quanto aos idos que imortaliza e inspira por alguma atitude semelhante, em outras realidades dignas de uma denúncia de força similar.

    Z

    V – O Grande Ditador (1940), de Charles Chaplin
    A maior comédia política do Cinema, muito provavelmente, sendo que nunca a ironia de um cineasta foi tão longe, a ponto de, mais que parodiar, então avacalhar tanto Hitler quanto aqueles que pensavam poder se defender por acreditarem em uma paz impossível, no auge da Segunda Guerra. A cena do Globo terrestre nas mãos de um ditador, ou a tristeza manipulada de uma raça inteira, independente de lados e acasos, no inesquecível discurso final do proletariado a frente de uma câmera, com voz e visibilidade pela primeira vez… Sob dimensões lógicas e sensoriais, no fundo ou na superfície, é o Chaplin mais completo e corajoso.

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    VI – A Mulher Faz o Homem (1939), de Frank Capra
    A utopia de um homem só, batalha individual, otimista e bem-intencionada, em cenário de princípios políticos maiores e incompatíveis quanto aos de um senador honesto e sincero. Uma visão alternativa quanto ao papel de um bom representante público, inserido numa câmara de predadores da constituição, ironicamente, em um dos berços da democracia e da luta ideológica para faze-la valer a pena. E em meio a um enorme conflito de interesses partidários, o fato é que nunca, em Hollywood, se fez um Cinema tão saudável ao bem-estar do público, sem ser moralista, ingênuo ou chato, igual ao Cinema fraterno de Frank Capra.

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    VII – Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha
    O atestado oficial do cineasta estadista e engajado que Glauber Rocha não conseguia evitar em ser. Engajamento poético sem delírio ou conceito lenitivo quanto as polêmicas situações políticas brasileiras, no século XX (a popular mão na cabeça não existia em seus manifestos de Cinema Novo). Em Terra em Transe, produto maduro e consciente, a cena em que um casal se encontra no meio de uma manifestação pública falsamente revolucionária, é um esplendor a quem captura um filme além da imagem, esta inserida em contexto que verte sociologia e populismo prático, em típicas doses Glauberianas de potência extrovertida. Transe é um leão selvagem numa jaula que, liberto, quer e consegue devorar tudo e todos.

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    VIII – Memórias do Subdesenvolvimento (1968), de Tomás Gutiérrez Alea
    Taxi Driver versão guerrilha. Comparações em voga, Memórias não deixa de ser um introspectivo e psicológico complemento prévio a Z, de Gavras, acerca das consequências de uma imposição cultural pelas frentes do movimento separatista de Fidel Castro, em Cuba, e do preço na vida social de um cidadão esquecido por Deus, e pela própria autonomia de exercer sua cidadania em uma Havana imprevisível, e devidamente filmada em Preto e Branco, em um grande estudo de personagem que grita e esperneia sua impotência, pelo silêncio apocalíptico da nação ao redor.

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    IX – Outubro (1928), de Sergei M. Eisenstein e Grigori Aleksandrov
    Filme gigante, literalmente. O verdadeiro épico de Eisenstein é uma catarse elucidativa a respeito da consagração histórica, artística, e como efeito imediato, de um documento humanitário em forma de Cinema. Cinema contestador, onipresente nas questões que debate em suas poderosas imagens, frutos da ambição de um cineasta, Outubro é o tipo de filme que não se faz mais, em lugar algum do século XXI. O filme que comemora o décimo aniversário da Revolução Soviética, de 1917, é um dos poucos exemplos que, por não ter medo de levantar bandeira sobre o que acreditava merecer a celebração, se tornou imortal.

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    X – Todos os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula
    Os contornos e limites do direito de liberdade de expressão, do ponto de vista da mídia, o quarto poder num estado de democracia, são traduzidos em excelência e importância vertebral a partir de investigação à moda antiga, em Todos os Homens do Presidente. Um filme simbólico o bastante para ser um parâmetro além dos tempos de Nixon, e do impacto que uma má reputação pode causar numa sociedade à beira de fatos, meias verdades e mentiras sobre quem a comanda e a mantém informada, com muito, muito custo. O jornalismo e a política adoram dividir a cama, mas trabalhar juntos é outra história.

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