Tag: Jean-Luc Godard

  • Crítica | Imagem e Palavra

    Crítica | Imagem e Palavra

    Jean Luc Godard sempre foi um diretor experimental, mesmo já bastante velho e veterano, e nos anos 2010 cansou seu cinema tem sido bastante não verbal. Filme Socialismo e Adeus a Linguagem comprovam muito bem isso e seu novo filme, Imagem e Palavra também tem um caráter semelhante, com pouquíssima linguagem em palavras e muita lisergia em meio as imagens que reúne e monta. As exibições do filme são feitas inclusive com poucas legendas, para que o público só note o que ele quer que note.

    Dividido em capítulos, o primeiro tome se chama Remakes, e mistura sequências de filmes clássicos como Saló ou os 120 Dias de Gomorra com cenas reais do cotidiano, inclusive momentos documentais e fictícios de guerras, em especial os conflitos do Vietnã, onde brinca com as cores, as vezes retirando-as e em outras mudando a nitidez das mesmas. A ideia de discutir como o cinema de Hollywood enxerga o mundo não é nova, assim como a opinião do realizador de que boa parte desses eventos é mal retratada pelos cineastas da America, uma vez que são maniqueístas e demasiado ideológicos.

    O cinema do francês sempre foi carregado de um viés politico, mas aqui se vê uma maturidade que normalmente não se vê não só em linguagem técnica, mas também politica. A ideia de enxergar as manifestações sociais como cíclicas mostra um pensador politico mais pragmático, ainda que que não se deixe de lado o viés revolucionário de Jean Luc, tão desdenhado pela cine biografia O Formidável, de Michel Hazanavicius, que mostra o cineasta na época de A Chinesa como um homem vaidoso, pretensioso e infantil. Mesmo que se leve essa questão somente como uma versão dos fatos, nota-se que a maturidade fez Godard enxergar o mundo como um lugar desolado, a espera de seu iminente fim, como fruto de um processo bem comum, uma vez que toda sorte de conflito tende a se repetir, como as temáticas do cinema.

    As criticas sociais seguem firme, algumas com menos forças que outras. O diretor aponta sua caneta e roteiro para diversos segmentos, desde terroristas assumidos, até o autoritarismo dos Estados Unidos, discutindo em alguns de seus pontos a islamofobia em seus momentos de filme ensaio, mas nada muito profundo. É muito benéfico que um cineasta com tanta experiência ainda resolva fazer filmes, mesmo que o intervalo entre eles seja de 4 ou 5 anos, e obviamente que o cinema sentirá falta das ideias de Godard quando elas cessarem, mas aparentemente, Imagem e Palavra é um filme que certamente terá outro significado após um tempo, em uma revisão, na primeira apreciação, se notam muitos comentários inteligentes e mais divagações que esses, ainda que a ideia de montar filmes com imagens de terceiros seja muito bem executada pelo ícone da Novelle Vague.

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  • Os 10 Grandes Beijos do Cinema

    Os 10 Grandes Beijos do Cinema

    Segundo o antropólogo inglês Desmond Morris, foi o costume materno de se mastigar a alimentação antes de passar à boca da prole, em tempos mais ancestrais, que provavelmente derivou o hábito do que, no Brasil, é nome até de doce. Nada romântico, não é mesmo? Mas todo mundo lembra quando foi seu primeiro beijo, talvez até o gosto dela, se rolou um frenesi, ou não. Poucos filmes conseguiram traduzir na tela a sensação desse momento. Listamos alguns que chegaram lá.

    Branca de Neve e os Sete Anões (William Cottrell, David Hand, Wilfred Jackson, Larry Morey, Perce Pearce e Ben Sharpsteen, 1937)

    O beijo que vence a morte, num clássico memorável dos estúdios de Walt Disney além de qualquer relatividade sobre grado ou agrado. Saber que a maioria de nós estará viva para atestar novamente sua qualidade no centenário da obra já seria algo maravilhoso.

    O Demônio das Onze Horas (Jean-Luc Godard,1965)

    O beijo desesperado que vence as guerras, pura poesia convertida em imagens, algo que os cinéfilos mais jovens não tem nem paciência pra experimentar. Uma pena. O Demônio das Onze Horas é um clássico forrado de exuberância e um gosto embriagante de Cinema.

    Meu Primeiro Amor (Howard Zieff, 1991)

    O beijo inocente que começa as guerras. É o beijo que solidifica a infância como fase da descoberta sobre quase tudo o que nos faz ser quem somos. É em Meu Primeiro Amor que o toque labial ganha sentidos tão primordiais e sensíveis que nenhum outro filme americano ou não, até hoje, conseguiu expressar tão bem.

    O Guarda-Costas (Mick Jackson, 1992)

    O beijo da impossibilidade de dois corpos ficarem separados. Beijo cafona e deselegante, caso não fosse o ângulo apropriado e a trilha-sonora composta para um filme mais vendida da história, mas como não sentir a vibração da cantora e do seu segurança correndo, de braços abertos, contra a iminência da separação?

    Ghost: Do Outro Lado da Vida (Jerry Zucker, 1990)

    O beijo de alma. Sam e Molly foram um dos grandes casais dos anos 90, rivalizando talvez com o Jack e a Rose de Titanic, só que nem o icônico beijo abraçado na proa do fatídico transatlântico consegue ser mais simbólico a um esperado amor eterno que o beijo etéreo de dois espíritos, absoluta e infinitamente apaixonados.

    Beleza Americana (Sam Mendes, 1999)

    O beijo da culpa. O beijo do racista branco na negra que o criou, ou, no caso, de um coronel homofóbico na boca do vizinho que almeja e não se permite ter, além da carne, por inúmeros motivos secretos. Beleza Americana busca, sobretudo, a união entre céu e inferno num país dividido em todos os sentidos chamado América.

    Homem-Aranha (Sam Raimi, 2002)

    O beijo da juventude. Uma sessão da tarde frenética interrompida logo após uma cena de ação do herói com bandidos, num beco escuro, salvando a mocinha quando esta lhe tasca um beijo irresistível, de ponta-cabeça. Mais contextual não dá, não só ao herói aracnídeo dos quadrinhos, mas ao próprio revirar hormonal da molecada.

    A Cruz dos Anos (Leo McCarey, 1937)

    O beijo da despedida, por uma vida inteira. Como o próprio cineasta Stanley Kubrick apontou, eis um filme que tira lágrima de pedra, e a cena final na estação de trem com o beijo dos dois idosos é destruidora, incidindo sobre a passagem do tempo, e como aquilo que é verdadeiro resiste diante do fim, diante de tudo.

    O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005)

    O beijo da saudade, por uma vida inteira – e que quase quebrou o nariz de Heath Ledger. Brokeback Mountain, hoje merecidamente tido por clássico do século XX, é extremamente sutil em sua verdadeira mensagem de seguir o próprio coração mesmo, seguir o instinto natural e ver o que acontece a partir disso. Metáfora sobre os amores incompreendidos.

    A Um Passo da Eternidade (Fred Zinnemann, 1953)

    O beijo cinematográfico definitivo.

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  • Crítica | O Formidável

    Crítica | O Formidável

    Biografias de figuras ligadas ao cinema tem sido algo comum no mainstream. Hitchcock e The Girl falaram cada um de um aspecto do mestre do suspense Alfred Hitchcock, bem como Capote e Confidencial mostraram a intimidade do roteirista de Bonequinha de Luxo ao pesquisar para um novo livro. O Formidável tem uma pretensão que aglomera características de tais filmes, ao retratar a figura de Jean-Luc Godard (Louis Garrell), principal símbolo da Novelle Vague e do cinema francês de sua época.

    O diretor Michel Hazanavicious (O Artista) se baseou no livro autobiográfico Un an après, da atriz e ex-esposa de Godard, Anne Wiazemsky. A história se passa logo após o diretor francês lançar o filme A Chinesa, protagonizado por Anne, interpretada por Stacy Martin. O começo de longa se dedica a remontar os pensamentos ideológicos caros ao diretor considerado unanimidade perante crítica e público cinéfilo. Tal pensamento se fundamenta em duas vertentes: a primeira, a teoria marxista, a segunda o desejo de morrer jovem, sem ter a oportunidade de se tornar velho. Tal junção de ideias é curiosa, por simplesmente não casar entre si. Essa confusão é bem exemplificada pelas piadas metalinguísticas ligadas a obediência dos atores, que se colocam na posição de se auto denegrir.

    A figura pintada em torno de Godard é a de um sujeito bufão e o centro das risadas jocosas. Seu comportamento é estereotipado, como uma caricatura pintada por um autor que leva pouco em conta as qualidades do homenageado. Todos os comentários elogiosos estão nas bocas dos personagens periféricos, e não nas atitudes registradas pela câmera, fator que soa curioso, uma vez que a carreira e figura do diretor de Acossado é quase irrefutável para toda a atual geração de cineastas franceses, incluindo ai o condutor deste Formidável.

    Como havia sido em Ninfomaniaca, a nudez de Stacy Martin acaba tendo um papel importante na dramaturgia do filme, ainda que o motivo para tal seja muito diferente da duologia de Lars Von Trier, sendo aqui um artigo metalinguístico, que brinca, principalmente, com as discussões que Jean-Luc propunha sobre o uso ideológico do nu, ao seu ver, fato desnecessário. Até essa pequena questão serve para se fazer comentários a respeito da moralidade do personagem principal, uma vez que Godard é mostrado normalmente como um sujeito egocêntrico, frustrado e controlador, inclusive em seu relacionamento. Seu ciúmes serve, basicamente, como desculpa para seu bloqueio criativo, uma vez que ele não consegue mais filmar nada.

    Todas as tentativas de fazer um filme novo resultam em fracassos. Em alguns pontos, até o engajamento político do herói da jornada parecem justificar o fato de não conseguir entregar um produto novo. Ao ver suas obras meramente como produtos, o diretor se reconhece como um sujeito burguês, distante do proletariado que tanto defende.

    Godard não sofre de academicismo, mas ao longo dos 107 minutos do filme em que é tema, há um desenrolar dramático que o mostra basicamente como um sujeito que tenta ser um revolucionário, mas que está o tempo inteiro solitário na causa, mesmo quando está cercado por conhecidos. Basicamente, o diretor não teria com quem dialogar de igual para igual, não por uma questão intelectual, mas sim por ser um sujeito quase inatingível. Mesmo sua esposa parece pouco íntima do indócil cineasta.

    Próximo do final, distante de seu par, a personagem passa a ter hábitos mais simples, manobrando agora ele próprio a câmera que usa para registrar os protestos, diferente da frieza com que conduz as cenas de A Chinesa, no início do filme. O retorno as origens de um cinema mais simples é apenas um ensaio, já que claramente não há nem uma evolução espiritual e ou política de sua figura, tampouco uma reconstrução de um estado mais humilde de sua figura.

    Em O Artista, Hazanavicious tencionava trazer um retrato do que era o cinema mudo, resgatando clichês para mostrar uma história trivial e barata, que tinha por interesse retomar os primórdios do cinema. Bem ou mal seu intuito foi atingido e a obra se tornou uma história reverencial, já O Formidável não alcança isso, mesmo porque o seu foco é na visão de Anne sobre seu antigo marido. A carga de ressentimento traduzido frente as câmeras é tanto que parece deturpar a humanidade e falibilidade do personagem. Ao espectador desavisado, a produção é quase um desserviço, uma vez que traça um perfil de Godard resumida a um sujeito temperamental, mimado e vitimado de gracejos e piadas do roteiro.

  • Crítica | Filme Socialismo

    Crítica | Filme Socialismo

    Filme Socialismo 1

    Analisando a fugacidade humana por um olhar que mistura contemplação com intimismo narrativo, Jean-Luc Godard apresenta uma análise sobre uma viagem marítima, que corta o Mar Mediterrâneo em um cruzeiro, no primeiro ato do filme. O roteiro emula as características de uma sinfonia de três movimentos, sendo o primeiro momento uma viagem marítima repleta de famosos, que a partir de suas experiências pessoais e de estudo discutem o panorama político e econômico mundial através da história.

    A variação de estilos do diretor passa por momentos desde a absoluta inércia, onde a câmera somente flagra os artistas fazendo a sua arte, como a cantora Patti Smith, bem como analisa, através de cenas bastante alucinadas, as ideias de ditames do filósofo francês Alain Badiou. O conteúdo textual varia entre abordagens documentais e propostas ensaístas. A montagem desses momentos, variando entre o cotidiano de uma viagem de férias com diálogos comuns e rotineiros, e cenas de alto mar, executadas em grande parte com som direto através do forte vento oriental, faz eco com a dificuldade de compreensão da sociedade obcecada por capital, onde é comum que aspectos externos passem por prioridade mesmo diante das mais básicas necessidades afetivas humanas.

    Os momentos estruturais diversos se entrelaçam, passando então para terra firme, onde o cineasta acompanha o trabalho jornalístico de repórteres que acompanham o dia a dia da família Martin, que tem nas instalações do posto de gasolina, de onde tiram o seu sustento, também a sua moradia, em mais uma demonstração da amalgama sócio-espiritual dos tempos modernos.

    Mesmo na prevalência de momentos em que o discurso é realizado sem falas, não há sentenças vazias, normalmente aventa-se a interpretação do espectador, sem interferência do interlocutor, ainda que silêncio nenhum dentro do drama de Godard tenha em seu intuito o caráter de acaso. A discussão prossegue relacionando a filosofia à incompreensão do homem, mostrando que o abstrato é a tônica principal do roteiro.

    A mensagem tenta evocar a vontade popular para determinar os desígnios do povo em mover seu próprio destino, mas sabiamente mostra que a decisão por meio de referendo popular não necessariamente é a saída mais humanitária, tampouco igualitária, pontuada em seus anúncios com uma trilha sonora semelhante a de filmes de terror, usando grande parte do cenário político de países, como Egito e Palestina, para exemplificar o seu ponto.

    A poesia do texto final não determina parâmetros de conduta, mas usa seus momentos derradeiros para espezinhar especialmente a tirania ditatorial de direita, utilizando imagens que remetem a questões comuns a todos, como o execrar ao nazismo e o uso de eventos de massa como instrumento de alienação do proletário. As reprimendas também ocorrem diretamente na figura de Franco quando a câmera passa por Barcelona, o que ainda reabre feridas atuais, como a questão da luta por independência da Catalunha. As frases finais, em letreiros de proporções dantescas,  há um abismo entre a manutenção das leis e a justiça de fato, uma certeira nota a respeito do cercear de liberdade e do direito do povo.

  • Crítica | Acossado

    Crítica | Acossado

    Acossado 1

    Ainda em início de experimentações e variações de sua Nouvelle Vaugue, Jean Luc Godard iniciava sua película Acossado resgatando alguns elementos do estilo noir, visto no cinema norte-americano, com a fotografia em preto e branco, que lembrava a neblina dos filmes de detetive, além de resgatar o som e figurino típico deste estilo, contando com metais fortes na trilha sonora e chapéus, que escondiam os rostos de sua personagens, bem como disfarçava as reais intenções das pessoas retratadas pela inquisitiva câmera do realizador e crítico de arte.

    A proposta ensaística se equilibra junto a fluidez narrativa das falas de suas personagens, que abusam da verborragia para mascarar inseguranças, o que claramente faz eco com muitos discursos ligados a moral atual, o curioso é que tal artificio é executado por Michel  Poiccard, um personagem que é um fora da lei, e que tem sua trajetória contada através de uma sequência de cortes de estilos completamente diferentes entre si, referenciando certamente a confusão e contradição mental em que está inserido.

    A correria estilística abarca alguns acontecimentos que parecem ocorrer ao acaso, mas que funcionam mais para flagrar os limites da moralidade do homem comum e até onde o sujeito pode ir em busca de um desejo que se choca com a normalidade tradicional. O Michel Poiccard de Jean-Paul Belmondo é a priori um homem comum, que vê a possibilidade de ascensão social via furtos e assaltos, não hesitando nenhuma vez quando a oportunidade lhe aparece, desmistificando a ideia comum de que o mal brota no coração dos incomuns, elevando o conceito de contravenção ao simples fortúnio de sua possibilidade, além das claras tentações carnais que sobrepõem a sua existência.

    Acossado 4

    As sensações de prazer e desejo pelo perigo se agravam quando Poiccard se encontra com Patrícia Franchini (Jean Seberg), em um movimento que era supostamente por coincidência, mas que se revela profundamente integrado com o destino, já que a apreensão pelo proibido é comum entre ele e ela. Aos poucos, eles formam o casal prefeito, reprisando o amor pelo censurado, ilegal e proibido, utilizando a tela para dar destaque as pulsões previstas em estudos freudianos como inexoráveis a psique do individuo.

     O desfecho tanto do pretenso romance, quanto do filme guardam louvor ao ocaso, valorizando o completo caos de mentes vazias, com uma lente afiada que acompanha a inútil tentativa de fuga do protagonista, um personagem que foge completamente dos arquétipos belos do herói clássico e paladínico. Nem mesmo na despedida entre os entes amorosas há espaço para sentimentalismos bobos e maniqueísmos, fazendo lembrar a face selvagem do homem, que opta por se aproximar daqueles que lhe produzem asco. O máximo de alegoria normativa que Godard permite ao seu filme, é este, de perseguir o párea, ainda que ao final este seja um mártir, o acuado e atormentado homem que dá título ao filme.

  • Crítica | Adeus à Linguagem

    Crítica | Adeus à Linguagem

    Adeus a Linguagem 1
    O cultuado diretor francês Jean-Luc Godard resolve fazer um experimento visual e comunicativo. Seus últimos filmes, apesar de não terem a qualidade – seja pelo quesito datado da Novelle Vague ou por uma adaptação demorada aos novos complexos e globalização – que os clássicos Acossado e O Demônio das Onze Horas, ainda assim representam todos os questionamentos expostos de maneira ácida que só Godard poderia fazer.
    Em seu novo filme, Adeus à Linguagem, a história resolve focar um casal que parece não possuir pudor e nem se limitar aos costumes morais e éticos da atual sociedade. Demonstram estar à parte, descolados e que sua exclusão é proposital. No entanto, o longa-metragem resolve fitar o cão como o personagem principal, mas não o protagonista. O protagonismo é mutável e em muitos momentos, se torna a própria forma que Godard se comunica com quem assiste seu filme. Cada vez mais a comunicação, a linguagem e o uso de metáforas através de discussões e ponderações tomam corpo e saltam ao 3D, deixando o 2D seguir sua linearidade, mas não deixando um sem falar com o outro.
    O diretor se apropria do 3D de uma maneira curiosa e que atiça diversas sensações. Não somente como um elemento visual, o filme exibido em três dimensões quebra a contínua linha narrativa e revela uma outra linguagem que, mesmo que seja diferente, é o viés encontrado para não somente contar como há estes deslocamentos e desapropriações de ambiente e contexto, mas também para criar parâmetros, estabelecer pontes que permita ao espectador compreender a proposta do filme. De maneira até experimental, ele é disperso e confuso. Há cortes de cenas e áudios e algumas frases não foram traduzidas, a pedido do próprio Godard. Será que isso também foi um artifício para que você se sentisse incomodado por não compreender o que está sendo dito?
    A física do filme permite que mesmo disperso e aleatório em alguns momentos, tenha sua linha temporal peculiar, com encontros e momentos que cravam um tempo dentro dele. O nascimento do filho, as mudanças de valores e comportamentos que são influenciados pelo ambiente que os rodeiam. É um ensaio visual que não necessitou de um roteiro extenso e tampouco história para se desenvolver. O abuso do abstrato, da multi interpretação e da quebra de linearidade – reitero que isso não desconstrói a história simples do filme – são os elementos que Godard esbanja e retrata uma expressão artística peculiar, realista e temporal.

    Sobre o avanço da tecnologia, há o retrocesso da linguagem. Há a ausência cada vez maior de comunicação e fala; isso é o que transforma todas as relações entre as pessoas e destas com o redor difícil, precária. O cão, o que foge das questões de moral e ética do ser humano é o personagem mais vivo do filme, pois tudo que é interferido por ele sofre de sua solidão. Todas as cenas com ele, o acompanha sozinho em meio a enormes meios. Florestas, praias, cidades. Porque para ele a exploração é parte de seu processo natural, de vivência. A descoberta e a autonomia. Falta isto aos homens.

    Texto de autoria de  Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | Adeus à Linguagem

    Crítica | Adeus à Linguagem

    Adeus a Linguagem 1

    Ainda na esteira de seus últimos lançamentos, Jean-Luc Godard declara em texto o que já se notava óbvio, especialmente em sua filmografia recente: igualar os que buscam refúgio na realidade a medíocres sem imaginação. Como uma ode à discussão entre pensamento e não-pensamento, Adeus À Linguagem é um experimento narrativo do experiente realizador, que busca incessantemente respostas para suas próprias indagações, algumas vezes passando mensagens ao seu público, outras não.

    A nova fica por conta do uso do 3D, recurso ainda não explorado na longa filmografia do francês. O que não é um fator novo é a discussão política, mais uma vez remando contra o lugar comum de arquétipos bilaterais, refutando o conceito muitas vezes atrelado à esquerda de que a solução é a intervenção irrestrita do Estado. Além disso, ataca a hipocrisia da direita, que gosta de recorrer a ações de socorro que visam interesses de empresas de grande porte, ao passo que encaram algumas vezes o assistencialismo como ajuda a desocupados. A miopia geral em relação a discussões sobre economia é o alvo do cineasta.

    O nome do filme faz uma óbvia referência ao casal de “protagonistas”, Josette (Héloise Godet) e Gédéon (Kamel Abdeli), já que um tampouco é fluente no idioma do outro, o que praticamente inviabiliza o diálogo verbal, obrigando-os a encontrar diferentes alternativas para se comunicarem. O abstrato ganha contornos reais quando o animal de estimação dos dois passa a falar, o que explica ao espectador menos acostumado com a estética recente de Godard o motivo pelo qual nem sempre a sequência de cenas faz sentido, ao menos sob uma ótica normativa.

    É preciso que um animal irracional tome a narração dos fatos e discussões propostos na trama para que haja um laço de lucidez. A tela de Godard se bifurca, com exibições reverenciais em telas de televisão de filmes de monstros clássicos, onde prevalecem estudos dos arquétipos junguianos, enquanto as pessoas retratadas dizem detestar o resumo do homem em personagens, o que vai de encontro à visão particular que Sigmund Freud tinha em relação à análise pessoal e intransferível da psique humana, um dos principais fatores de brigas entre os dois pensadores. A conclusão do cineasta, apesar de recair em maior parte na teoria freudiana, deixa margem para qual seja das duas visões de mundo.

    A pulsão para o novo cinema do realizador é provocar mais perguntas que respostas, invocando imagens belas, escolhidas a dedo, e que provocam reações adversas na mente e nos sentimentos de seu público, não restringindo o conjunto de sensações ao simples resumo de um diálogo bobo, fugindo de limitações de repertório e impressão.

    O convite de Godard é feito para que seu público viaje junto a ele, pelos mesmo cenários aos quais estão habituados, as mesmas visões e rotinas que se tornam enfadonhas com o tempo, mas que possuem uma gama de interpretações poucas vezes alcançada. Especialmente se analisarmos tendências como o tédio e o consumo desenfreado de lixo glamourizado, valorizando modos de comunicação como urros e gemidos, que em suma louvam o modo primitivo de enxergar e viver o mundo real.

  • 10 Filmes Políticos

    Politicagem, quando a desvalorização ética e moral é tendência, seja nas ações políticas, ou nas iniciativas públicas no horário eleitoral, cuja real utilidade chega a causar vergonha alheia no eleitorado. O cinema não previu esse ou outros fenômenos que vão e voltam, mas já mostrou vários lados desta moeda, que se encontra hoje mais desvalorizada que o real nos tempos atuais de inflação. Abaixo e sem uma ordem de preferência, quase uma dúzia de bons exemplos sobre o tema, de valores político e artístico inestimáveis.

    I – Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick
    A crítica visão política de Kubrick, por todo o exclusivo estilo de sua filmografia, não poderia ser diferente. O ridículo e o desastre de um sistema à beira do colapso, comandado à flor da pele por homens desesperados para serem salvos, em um mundo confuso que tentam salvar em seus hemisférios e contrastes dissonantes, e só o aparente milagre de um cadeirante voltar a andar pode impedir um mundo desses de explodir em cacos e paranoia. Ou não…

    fantástico

    II – Masculino, Feminino (1966), de Jean-Luc Godard
    Cada um em seu quadrado, ainda que na mesma sociedade, como homens e mulheres enxergam não apenas o seu oposto, e sim o cenário que os circunda, influencia e os trata diferente, nas diferenças que sustentam ambos os gêneros. Sem cair em clichês, Godard cria sua mais profunda e diversa, a mais inclusiva análise sócio-política de sua carreira militante, em Masculino, Feminino. Lidar com uma miscelânea de temas através da típica poesia Godardniana, e uma genial narração diegética em forma de diálogos inteligentes e pertinentes, enquanto o filme constrói uma identidade própria… não é fácil.

    masculino feminino

    III – M.A.S.H.(1970), de Robert Altman
    Extremamente bem construído entre arcos e desfechos paralelos (a edição do filme ainda é uma das maiores para histórias múltiplas do Cinema), M.A.S.H. é hilário, de humor corrosivo às digressões morais e às loucuras que podem ocorrer nas possibilidades surreais de uma guerra armada. Crítico sem ser didático sobre a questão, é a comicidade americana olhando pro próprio umbigo e tendo que rir da sujeira e imundice acumuladas, durante as incertezas de uma condição política extremista.

    MASH

    IV – (1969), de Costa-Gavras
    Registro imparcial a ponto de poder ser confundido com um improvável mockumentary, ou seja, uma versão hiper-realista da ficção sobre a realidade das coisas, tamanha é a fidelidade ao implacável momento ditatorial que Cuba ostenta em sua recente história pós-colônia americana. Por ajudar a construir um padrão da qualidade das produções contestadoras nos anos 60, Z virou um monumento jornalístico e histórico sem preço ou precedentes, senão categórico quanto aos idos que imortaliza e inspira por alguma atitude semelhante, em outras realidades dignas de uma denúncia de força similar.

    Z

    V – O Grande Ditador (1940), de Charles Chaplin
    A maior comédia política do Cinema, muito provavelmente, sendo que nunca a ironia de um cineasta foi tão longe, a ponto de, mais que parodiar, então avacalhar tanto Hitler quanto aqueles que pensavam poder se defender por acreditarem em uma paz impossível, no auge da Segunda Guerra. A cena do Globo terrestre nas mãos de um ditador, ou a tristeza manipulada de uma raça inteira, independente de lados e acasos, no inesquecível discurso final do proletariado a frente de uma câmera, com voz e visibilidade pela primeira vez… Sob dimensões lógicas e sensoriais, no fundo ou na superfície, é o Chaplin mais completo e corajoso.

    ditador

    VI – A Mulher Faz o Homem (1939), de Frank Capra
    A utopia de um homem só, batalha individual, otimista e bem-intencionada, em cenário de princípios políticos maiores e incompatíveis quanto aos de um senador honesto e sincero. Uma visão alternativa quanto ao papel de um bom representante público, inserido numa câmara de predadores da constituição, ironicamente, em um dos berços da democracia e da luta ideológica para faze-la valer a pena. E em meio a um enorme conflito de interesses partidários, o fato é que nunca, em Hollywood, se fez um Cinema tão saudável ao bem-estar do público, sem ser moralista, ingênuo ou chato, igual ao Cinema fraterno de Frank Capra.

    smith

    VII – Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha
    O atestado oficial do cineasta estadista e engajado que Glauber Rocha não conseguia evitar em ser. Engajamento poético sem delírio ou conceito lenitivo quanto as polêmicas situações políticas brasileiras, no século XX (a popular mão na cabeça não existia em seus manifestos de Cinema Novo). Em Terra em Transe, produto maduro e consciente, a cena em que um casal se encontra no meio de uma manifestação pública falsamente revolucionária, é um esplendor a quem captura um filme além da imagem, esta inserida em contexto que verte sociologia e populismo prático, em típicas doses Glauberianas de potência extrovertida. Transe é um leão selvagem numa jaula que, liberto, quer e consegue devorar tudo e todos.

    terra

    VIII – Memórias do Subdesenvolvimento (1968), de Tomás Gutiérrez Alea
    Taxi Driver versão guerrilha. Comparações em voga, Memórias não deixa de ser um introspectivo e psicológico complemento prévio a Z, de Gavras, acerca das consequências de uma imposição cultural pelas frentes do movimento separatista de Fidel Castro, em Cuba, e do preço na vida social de um cidadão esquecido por Deus, e pela própria autonomia de exercer sua cidadania em uma Havana imprevisível, e devidamente filmada em Preto e Branco, em um grande estudo de personagem que grita e esperneia sua impotência, pelo silêncio apocalíptico da nação ao redor.

    memórias

    IX – Outubro (1928), de Sergei M. Eisenstein e Grigori Aleksandrov
    Filme gigante, literalmente. O verdadeiro épico de Eisenstein é uma catarse elucidativa a respeito da consagração histórica, artística, e como efeito imediato, de um documento humanitário em forma de Cinema. Cinema contestador, onipresente nas questões que debate em suas poderosas imagens, frutos da ambição de um cineasta, Outubro é o tipo de filme que não se faz mais, em lugar algum do século XXI. O filme que comemora o décimo aniversário da Revolução Soviética, de 1917, é um dos poucos exemplos que, por não ter medo de levantar bandeira sobre o que acreditava merecer a celebração, se tornou imortal.

    outubro

    X – Todos os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula
    Os contornos e limites do direito de liberdade de expressão, do ponto de vista da mídia, o quarto poder num estado de democracia, são traduzidos em excelência e importância vertebral a partir de investigação à moda antiga, em Todos os Homens do Presidente. Um filme simbólico o bastante para ser um parâmetro além dos tempos de Nixon, e do impacto que uma má reputação pode causar numa sociedade à beira de fatos, meias verdades e mentiras sobre quem a comanda e a mantém informada, com muito, muito custo. O jornalismo e a política adoram dividir a cama, mas trabalhar juntos é outra história.

    presidente