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  • Crítica | O Quarto de Jack

    Crítica | O Quarto de Jack

    O Quarto de Jack - poster

    Um ano após realizar Frank, obra metafórica sobre a criação artística, o diretor Lenny Abrahanson volta às telas em O Quarto de Jack, produção com maior apelo cinematográfico e com maior sensibilidade em sua narrativa. Baseada no romance de Emma Donoghue, a qual também assina o roteiro, a obra apresenta a delicada história de Joy e seu filme Jack, isolados em um quarto há sete anos, cativos de um homem conhecido como Velho Nick.

    O difícil tema do abuso sexual e psicológico vivido pelas personagens é narrado sob a ótica do garoto Jack ao recém completar cinco anos de idade. Local em que é concebido, o quarto, ao qual o título original se refere, representa o mundo palpável do garoto. A escolha de uma criança como ponto de vista narrativo faz parte de uma vertente literária que transforma a voz infantil em um observador diferente do usual, nem sempre capaz de compreender com profundidade os atos dos quais é testemunha. Obras como Pelos Olhos de Maisie, de Henry James, e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto de Jonathan Safran Foer partem de premissas comuns a diversos romances mas reciclam seu contexto ao explorar a psicologia infantil dentro de situações-limite. Inserido neste contexto, o menino é como um personagem criado com lobos, vivendo uma visão à parte daquela narrada pela mãe e vista na televisão. Sob um espaço determinado e condicionado a uma situação desde que nasceu, o garoto observa a tudo com intensa novidade, mesmo que seja um observador limitado, como um representante de um mito da caverna.

    Mesmo sendo uma história ficcional, o enredo atinge o espectador pelo choque e se transforma em um símbolo que representa de maneira ampla, devido ao alcance do cinema, os casos anônimos de sequestro e cárcere privado. A escolha de adaptar um romance ficcional diante de histórias reais sobre casos de sequestro é favorável na exploração dramática do roteiro sem recorrer a liberdades artísticas para esconder nomes ou intensificar o relato. Ainda que não seja um testemunho, a veracidade da história se projeta em casos reais, como o de Jaycee Dugard, raptada aos onze anos de idade e encarcerada nos 18 anos seguintes em um local semelhante ao visto na produção. Autora do livro Vida Roubada, sobre seu longo período vivendo sobre o jugo de uma família, Dugard narra sem nenhuma projeção o drama vivido ano após ano em companhia de seu captor. Se literariamente a obra não transcende nenhuma barreira, é forte suficiente pelo intenso relato.

    A trama delimita bem o espaço-tempo em cena, desenvolvendo tanto a intensa agonia das personagens no cárcere, e a maneira pela qual mãe e filho se unem para viver um universo paralelo sob o peso da dor, como demonstrando quanto seria difícil um processo de adaptação de volta à sociedade. A narrativa é bem conduzida no limite entre um tema explosivo, de alto impacto, e a vertente dramática, ainda que em sua parte final o drama se estabeleça em um tom mais leve do que inicialmente. Em cena, Brie Larson se destaca centralizando a agonia dos anos aprisionada e a dor de uma personagem que perde a liberdade devido ao delito doentio de outra pessoa. À procura de verossimilhança para a interpretação, a atriz revelou que se condicionou em espaços fechados para compreender a sensação de aprisionamento de sua personagem. Sem recorrer a uso de maquiagens, aliado a uma fotografia pálida de Danny Cohen, O Quarto de Jack se transforma em uma cruel representação da realidade em um bom drama.

  • Crítica | Frank

    Crítica | Frank

    Frank - Poster

    O romance O Homem Que Encarava Cabras, de Jon Ronson, demonstrava o gosto do autor pelo bizarro como vertente narrativa de suas histórias. Mais do que apreço a um estilo de escrita, Ronson viveu momentos peculiares ao ser integrante de uma banda que tinha como líder um homem com uma cabeça de papel machê. Com base nos escritos do próprio autor sobre este período, ao lado do roteirista Peter Straughan (O Espião Que Sabia Demais), o diretor Lenny Abrahamson lança este estranho filme de humor negro sobre a criatividade na arte.

    A história de Frank (Michael Fassbender) se baseia no alterego de Chris Sievey, um comediante britânico de meados de 70, criador deste personagem que aparecia em programas televisivos com a cabeça de papel machê e pelo qual conquistou aura cult ao realizar uma turnê com um show cômico que se dividia entre stand-up e performances musicais. Como diversos produtos artísticos baseados em fatos reais, o filme modificou a estrutura da personagem, transformando-a em um símbolo do bizarro, desassociando-a da biografia de Sievey, como se ganhasse vida própria.

    O narrador da história é Jon Burroughs (Domhnall Gleeson), um músico-compositor à procura de seu estilo próprio. Caminhando pela ruas da cidade, observa a população com esperança de encontrar a fagulha para compor um grande hit de sucesso. Em seu ponto de vista, a inspiração vinha de atos mundanos, e ele, diariamente, trabalha neste exercício de observação. A oportunidade de participar de uma banda surge literalmente à sua frente ao presenciar a tentativa de suicídio do tecladista da banda The Soronprfbs, oferecendo-se para o posto vago enquanto o tecladista oficial está em observação e repouso em um hospital.

    O líder da banda, Frank, é um homem com um passado desconhecido que se esconde dentro de uma grande cabeça feita de papel machê. Com documentos que lhe dão autorização legal para usá-la, a personagem se sente desconfortável com rostos humanos e escolhe uma aparência fixa – uma máscara que não retira nem mesmo ao tomar banho – para ser observado pelo mundo. O jovem tecladista sofre um breve estranhamento diante deste homem diferente, mas reconhece que por baixo da cabeça falsa, existe um artista verdadeiro e muito inspirado.

    Frank representa o artista extremamente excêntrico que acredita na música como fruição vinda de qualquer local. Sua banda é intencionalmente alternativa, produzindo um som próximo do noise rock com distorções exageradas, e um teremim que dá maior intensidade caótica à melodia. Nos vocais, as letras beiram o non sense, com frases poéticas misturadas a descrições e palavras não usuais da língua. É sua liderança que guia a banda e promove verdadeiros rituais de composição musical.

    Enquanto a banda permanece em local isolado para gravar um novo disco, o músico produz um diário eletrônico sobre o dia a dia com os colegas, e publica diversas gravações dos ensaios e dos malucos rituais de liberação inspiracional. Consequentemente, a banda e Frank se tornam populares na rede e são convidados a participar de um festival nos Estados Unidos.

    Se Frank apresenta o que há de mais estranho em uma personalidade, Burroughs deseja levar a banda a um novo patamar pop com canções acessíveis que lhe trariam um sucesso maior. Uma mudança estrutural suficiente para gerar atrito entre a equipe que considera o som experimental o ápice da musicalidade. Os problemas internos são frutos de objetivos diferentes de cada um, e Frank aceita as mudanças por conta da simpatia que tem pelo novo tecladista. De maneira passiva, o líder de cabeça de papel machê vai cedendo aos desejos musicais do garoto e vendo a banda implodir lentamente.

    O bizarro é tratado com naturalidade pelas personagens, mas causa estranhamento no público. Mesmo baseando-se parcialmente em uma história real, é a diferença extrema entre a costumeira realidade que nos faz refletir sobre a mensagem da obra. Um diálogo que usa o estranho como meio de demonstrar a impossibilidade de definir o que é o artístico, já que não há códigos de conduta ou vestimenta que automaticamente produzam bons artistas. A figura de Frank é carregada de um mistério que o público deseja descobrir para compreender suas motivações.

    O estranho se revela com maior fragilidade do que se pressupõe inicialmente. Aumenta a ambiguidade da personalidade forte enquanto usa a máscara, mas delicada quando humana. Uma história que transita em extremos para se revelar mais sutil do que parece e, pelo exagero cênico, ser capaz de se diferenciar de tantas outras obras recentes que se articulam sob a arte e a composição artística.