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  • Crítica | Sinfonia da Necrópole

    Crítica | Sinfonia da Necrópole

    Sinfonia da Necrópole

    A história de Sinfonia da Necrópole, primeiro longa solo de Juliana Rojas, cinco anos após realizar Trabalhar Cansa com seu parceiro de longa data Marco Dutra, começa em um cemitério, acompanhando a estranha rotina de agentes funerários, especialmente do coveiro Deodato (Eduardo Gomes), que tem sérios problemas com seu ofício, uma vez que se assusta e desmaia quase sempre que vê um morto. Para surpresa do rapaz resignado, e do público, os funcionários começam a cantar, poetizando em formato musical o oficio da construção da derradeira morada do homem.

    O fato de tocar em um assunto mórbido faz com que a leveza do roteiro seja ainda mais curiosa. Os números musicais são pontuais e discretos, sem exageros exorbitantes ou arroubos repletos de afetação. As ações ocorrem da maneira bastante sóbria. O acréscimo da personagem de Luciana Paes, Jaqueline, faz elevar tanto o serviço dos agentes funerários quanto a peregrinação por outras locações na tentativa de expandir os negócios.

    As cenas externas são bem filmadas, vibrando sobre a condição da metrópole paulista, como o belo cenário da mortandade comum a um mundo moderno e apressado como o da atualidade. É engraçado notar como são diferentes as partes cantadas e atuadas das que se passam num salão de videokê, com desafinações enormes, mostrando a diferença da entrega dos personagens nos eventos comuns e nesses exercícios bobos, como em tentativas de diversão não alcançadas com sucessos.

    A realidade de Sinfonia da Necrópole mistura aspectos agridoces com pitadas leves de realismo fantástico, especialmente nos sonhos.  As canções de Rojas e Dutra fazem sentido dentro da trama, e são bem executadas, tanto vocal quanto instrumentalmente, em um exercício que não é totalmente inspirado, mas que funciona minimamente dentro da proposta de sua diretora, a de falar levemente sobre algo grave.

  • Crítica | Quando Eu Era Vivo

    Crítica | Quando Eu Era Vivo

    A despeito de toda a discussão sobre a produção de filmes de terror no Brasil, Marco Dutra constrói seu novo filme, Quando eu era vivo, de maneira bem elaborada, a começar por um vídeo caseiro que se vale de easter eggs interessantes. O vídeo, protagonizado por uma personagem mirim que faz a gravação em uma câmera super 8, remete a lendas urbanas conhecidas, como a do malfadado boneco do Fofão, que segundo a sabedoria popular, continha em seu interior uma adaga para rituais satânicos. A sessão de créditos que inicia o filme com uma trilha de piano ao fundo, destaca um elenco incomum, ao mesmo tempo que insere o espectador em sua curiosa trama, baseada no livro A arte de produzir efeito sem causa, de Lourenço Mutarelli.

    Os passos largos e o andar vagaroso marcam o desgosto de José Marques Júnior (Marat Descartes) ao voltar a viver na casa dos pais. Em seu semblante, já se nota um humor que beira a depressão, motivado pelo casamento fracassado e por sua condição de desempregado. Ao chegar, Júnior é recebido por seu pai, Zé Marques Sênior (Antonio Fagundes), que tenta ser positivo a todo custo, evitando qualquer assunto embaraçoso. A distância entre os dois é notada nos diálogos pouco profundos, que tangenciam apenas atividades corriqueiras e banalidades a respeito das reformas no prédio e na casa.

    Na casa de seu pai, Júnior observa o tempo passar sem qualquer entusiasmo, até que conhece a inquilina Bruna, uma estudante de música vivida por Sandy Leah. Estonteado por sua beleza, ele dá vazão a algumas fantasias sexuais, intercaladas por sonhos de retorno a sua infância. Acordar na sala de seu pai o faz perceber o enorme peso da rotina em sua vida, o que o impulsiona a buscar ansiosamente qualquer coisa que ocupe sua mente. O vazio de seu pensamento e de sua alma fazem dele um hospedeiro ideal para a obsessão que se apresenta quando resolve explorar o quartinho que guarda toda a velharia de sua família.  Motivado por seu novo objetivo, Júnior ignora o pedido de seu pai para que ele não mexa no quarto, mergulhando no mar de lembranças de seu irmão e sua mãe, que não estão mais presentes em sua vida.

    Logo,  o personagem encontra uma fita de 1985-86 com cenas de recordações familiares que chamam sua atenção, como um misterioso ritual realizado por sua mãe, envolvendo Júnior e o irmão quando crianças. Remexer no passado e nas lembranças da mãe traz alguns incômodos na relação com seu pai, que se recusa a lembrar da esposa e busca dar um novo rumo a sua própria vida, sugerindo ao filho que faça o mesmo.

    Algo muito complicado parece ter acontecido no passado da família, uma situação misteriosa e traumática que dividiu os seus membros e os fez ficarem ainda mais distantes com o passar dos anos. Júnior começa, então, a  apresentar sintomas de uma doença de origem misteriosa, com febre e uma perene dor de cabeça, que remetem diretamente aos vídeos em que sua mãe fazia moldes de gesso das cabeças dos filhos, sob o pretexto de obter boas vibrações. Segundo o pai, essas eram práticas de ocultismo, que não o incomodavam propriamente, mas que teriam levado a esposa à loucura.

    Em sua busca obsessiva, o protagonista encontra uma partitura antiga que entrega a Bruna. A música, ao ser entoada, produz em Júnior uma reação estranha, uma contorção corporal epiléptica, originada no mundo espiritual. A partir desse momento, ele muda sua postura e começa a agir de modo estranho. O mistério e ambiguidade de suas ações, o fazem questionar qual seria a real origem de seu novo comportamento, uma possessão sobrenatural ou um problema de ordem mental.

    Isso aguça ainda mais a curiosidade de Júnior e Bruna, que passam a explorar o passado e a música da falecida matriarca. Ele começa, então, a agir de modo ainda mais estranho, refutando qualquer aproximação que ameaçasse a memória de sua mãe ou de seu irmão, internado em um sanatório. Até seu pai é obrigado a tratá-lo como uma criança, colocando-o de castigo após suas reações violentas.

    Quando Eu Era Vivo consegue reunir elementos comuns a filmes estrangeiros do gênero, como os sacrifícios profanos, tocando em questões profundas, sem abrir mão da brasilidade. O modo como Marco Dutra conduz a trama é interessantíssimo, conseguindo equilibrar o tédio apático da vida decadente de um divorciado, com o grotesco terror de histórias enterradas no passado.

    A atuação dos atores escalados é delicada e proporciona maior afinidade com cada figura da trama. Dessa forma, Dutra sustenta cenas díspares de modo harmonioso e consegue garantir momentos de medo e pavor sem quebrar a empatia do espectador pelos personagens. As cores que marcam o tom desbotado dos tecidos na fotografia do filme, e o enredo macabro, mostram algo muito além do costumeiramente encontrado no mercado de filmes de terror, o que faz da película,  uma obra especial dentro do gênero.