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  • Review | Scream – 1ª Temporada

    Review | Scream – 1ª Temporada

    Scream - poster - primeira temporada - TV Series

    Na última década, o cinema, as séries e a cultura em geral viveram uma época declarada na qual observar tempos anteriores faz do revival uma fonte de sucesso. Por um lado, é sinal significativo de que a criatividade está em baixa, necessitando de produtos reconstruídos para atrair o público com produtos já conhecidos. Por outro, quando tais argumentos são bem utilizados, há certo alívio por, ao menos, a continuidade da qualidade.

    O passado iluminado e elogiado tem sido base para muitos argumentos. Na literatura, Stephen King retomou o universo de O Iluminado em Doutor Sono e, recentemente, editores descobriram um manuscrito inédito de Harper Lee, anterior à história de O Sol é Para Todos. Nas séries, Kiefer Sutherland retornou para meia temporada em 24 Horas; Heroes ganhou uma espécie de reboot contemporâneo, além de outras séries, anteriores a retomada, que voltarão em breve, como Twin Peaks e Arquivo X. Exemplos que demonstram que o futuro está no passado.

    A retomada de certos argumentos se baseia em seu sólido sucesso anterior, caso do trabalho do diretor Wes Craven nos cinemas a favor do Terror. Uma carreira baseada em grandes marcos cinematográficos iniciados no fim da década de 70 com Quadrilha dos Sádicos e, em seguida, com A Hora do Pesadelo, seguida de reinvenções como em 1996 e o Pânico. A narrativa do assassino Ghostface, que originou mais três filmes, sendo um deles uma releitura contemporânea no conceito de revival, transformou o gênero do terror ao inserir humor de maneira explícita e uma metalinguagem como base de desenvolvimento de sua história. O sucesso da quadrilogia Pânico foi definitivo e talvez após este marco nenhum slasher filme tenha alcançado sucesso posterior devido a uma fórmula saturada simultaneamente a partir do momento em que o found footage, aliado a crianças japonesas representando o terror psicológico e o estilo sádico conhecido como tortune porn, entrou em voga.

    Lançado pelo canal americano da MTV, a série Pânico surge com base no sucesso dos filmes e semeando a vertente do revival, provando que argumentos reciclados podem ser mais eficientes que uma série original. O conceito e a produção executiva de Craven estão presentes, mantendo uma assinatura diante de um novo produto, mesmo em um novo universo. Apresentada em 10 episódios, a série consegue ser fiel a sua tradição e respeitar o conceito dos filmes slasher, mesmo perventendo-o em uma série de longa duração em relação aos breve filmes de terror

    Scream - Panico - série

    Fiel aos tempos presentes, o primeiro conflito da trama é um vídeo filmado às escondidas que surge na rede mostrando a adolescente Audrey Jensen beijando outra garota, fazendo do cyberbulling uma constante na escola de Lakeside. A escolha de adolescentes como personagens centrais é perfeita para simular um pequeno microcosmo de uma sociedade de tipos diversos que agem com um misto de inocência e malícia, ajudando a estabelecer a incredulidade dos fatos e o universo do terror slasher em que nem sempre a inteligência e o medo iminente são um fator presente para seus personagens.

    Neste aspecto, o gênero sempre produziu um universo à parte, e mesmo que a morte esteja à espreita, a história continua sem nenhum trauma profundo, como se as personagens estivessem tão acostumadas com a violência que não mais se importassem com ela de maneira eficiente. Mesmo que a duração de uma série aparente corromper a urgência de uma trama de um assassino serial mascarado, a metalinguagem surge para subverter esse conceito logo no primeiro capítulo. Diante de uma tradição gigantesca de filmes com assassinos, é interessante que até seus personagens saibam como naturalmente se desenvolve tais histórias e, assim, entreguem de antemão ao público o motivo pelos quais a série deve ser considerada. Através da personagem de Noah Foster, o fanático por terror da vez, reconhecemos como a história é estruturada para que cada um conquiste o público, para lamentarmos suas futuras mortes e torcemos pelos heróis com mais afinidade.

    O argumento da série tem semelhança com a estrutura dos filmes ao utilizar um acontecimento passado como um marco negativo na cidade. Um massacre ocorrido no baile de formatura envolvendo um enlouquecido garoto deformado. É este o ponto de partida para a geração futura viver sob o peso de uma série de assassinatos. Quando uma nova morte surge, é este passado que vem à tona e deve ser redescoberto e reescrito para que as verdadeiras intenções – e o próprio assassino – se revelem.

    Mesmo na frivolidade de uma história focada em adolescentes com atores que não parecem cientes do próprio drama – uma dúvida que a série nos traz entre uma interpretação mal executada ou o universo incrédulo dos filmes slasher –, a condução do roteiro é envolvente e apoia-se na tradição encantadora e mortal do gênero. Diferentemente dos assassinos da década de 1980, que surgiam como uma ameaça iminente a todo momento, o novo Ghostface, de máscara reformulada, porém com a mesma voz ameaçadora, mantém um contato direto com a rainha do grito desta versão. Graças à evolução tecnológica, o assassino não só liga para a vítima como envia e recebe mensagens em momentos chave da narrativa. Um dinamismo que segura o prolongamento da tensão em dez episódios que mantém o suspense focado no assassinato, mas que também não deixa de explorar outros segredos da cidade. Os clichês se apresentam como de costume e a metalinguagem trazida pela série Pânico transforma-os em riso como se tais personagens soubessem que a ficção e a realidade são um misto de repetições imutáveis.

    O sucesso inesperado desta primeira temporada foi suficiente para o anúncio do segundo ano, no ano que vem. Se seguir a tradição cinematográfica, a paródia se tornará ainda mais presente e fará dos assassinatos um momento para estabelecer uma crítica entre adolescente frívolos, verdades iminentes e outros aspectos deste universo próprio do terror, em que mascarados com suas facas afiadas não resistem a lindas e inocentes mocinhas gritando enlouquecidamente.

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  • Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    cartaz

    O poder da música, como nenhum musical americano não mostrava desde… Muito tempo. A música cura, liberta, ela expande, ela cobra preços, devoção, custa sua liberdade, suas amizades, na vontade de vencer na vida com o talento que existe em si. Porque o poder da música não vem do glamour das apresentações do MTV Movie Awards, e o veterano Clint Eastwood, cobrindo aqui três décadas do cenário radiofônico da América, volta ao pré-MTV e conscientiza o fato que ainda se encontrava puro e confiante nos tempos de Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen, para as novas plateias, para a geração 2000 que prefere assistir a videoclipes no Youtube a ver um musical de primeiríssima linha, à moda antiga, com duas horas sobre a história e o ar que entra nos pulmões de quem respira, e vive, cada acorde e cada nota, no grande shopping center chamado América.

    É notório como a escolha perfeita de cada ator representa a alma do filme, como ela é precisa para garantir a nossa identificação com o exibido e o ouvido, nosso sorriso ao ver Christopher Walken, o sério e discreto Rei de Nova York, de Abel Ferrara, dançando What a Night, clássico pop dos Four Seasons. É através do exercício de acompanhar os caminhos da banda dos anos 50 aos 70 que o filme se apropria do espírito Beatles de outrora para investigar, uma vez mais, o que faz da América a América. O Eastwood de Menina de Ouro (o cineasta que no fundo se pergunta se vale a pena amar seu país), retoma o gingado de Bird e seus documentários sobre jazz e blues sendo tradicional, sem jamais ser conservador. Jersey Boys nos faz refletir, no inconsciente, através dos conflitos e fases do Four Seasons, grupo talentoso mas inconstante e frágil, o que essa América, tanto a de ontem quanto a de hoje, enxerga no espelho depois do banho: O Superman, ou um soldado forte por fora e fraco por dentro esperando um super-herói pra lhe salvar.

    “Volta quando for preto!”

    Quando a câmera sobe, por fora de um prédio de largas janelas abertas, e andar por andar vai revelando a diversidade e a variedade de ritmos cantados, em cada piso de uma gravadora cheia de talentos, negros, gays e fechaduras (e aonde a clássica frase acima é dita por um produtor, antes de bater a porta na cara da banda), o fantástico Jersey Boys justifica seus elogios e se confirma como uma adaptação primorosa da Broadway, lendária casa teatral, com essa e outras inúmeras cenas inesquecíveis, talvez até com um potencial a mais no Cinema, como a crise (e a tensão) enfrentada pelos entusiastas musicais na sala de um mafioso para debater uma dívida da banda. São tantas emoções ao longo do filme que um soneto não daria conta do recado, ainda que a sensação, muito bem pensada, é que os Goodfellas de Scorsese entraram de vez na aura de um musical, e o perigoso Henry Hill, de Ray Liotta, trocou as armas pelo microfone e virou o Frankie Valli, cantor inocente e cheio das melhores intenções, ainda entre gangsteres, mas preferindo depender dos palcos.

    Como se não bastasse os passos de Walken e a ambiguidade da obra, Eastwood resgata o espírito descompromissado e puro de musicais como West Side Story e Grease, e nos faz voltar no tempo, numa era perfeitamente bem recomposta além da tela, nos energizando com o espírito de uma época ainda recorrente nas entrelinhas do que move a produção cultural do Ocidente – e de boa parte do mundo. Jersey Boys carrega mensagens universais, ainda que nos mesmos ombros seja um belo, carismático e tragicômico retrato da sociedade de um país, tudo junto e misturado, no auge e na plenitude serena da carreira de um cineasta, livre da preocupação de produzir filmes grandes e antológicos (e talvez, por isso, produzindo.). E tem o sério Walken soltando a franga no meio da rua de terno e gravata, já avisei isso? Vale cada minuto. E que se dane a quarta parede, aqui.

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  • Crítica | A Verdadeira História de Hermes e Renato

    Crítica | A Verdadeira História de Hermes e Renato

    A Verdadeira História de Hermes e Renato

    Gravado em 2009, o filme começa após locuções pequenas de cada um dos cinco membros do grupo que viria a ser chamado de Hermes e Renato. Após as falas, Fausto Fanti inicia sua narração, contando sobre seu antigo cunhado, Sandro, que possuía uma câmera VHS e gravava os meninos, em filmagens toscas, no início dos anos noventa. Desse modo tímido, começariam as primeiras aventuras em fita, sem roteiros elaborados, somente com pautas bobas e pueris, que Fausto e Adriano Pereira (Joselito) começariam a gravar, junto com alguns outros parentes de Fanti, todos crianças ainda, pondo para fora a sua criatividade.

    Em Petrópolis, os futuros integrantes viriam a se encontrar e a brincar juntos. A partir de 1992, eles começam a registrar em cassetes as suas ideias esdrúxulas. De um modo embrionário, os meninos se reuniam para discutir alguns conceitos, gravando de modo contínuo, sem guião, somente “apertando o pause”, como dito por Sandro. Em 1994, o namoro com a irmã de Fausto terminou, e os moços ficaram perdidos, sem o seu mentor, mas prosseguiram gravando sátiras de clipes de bandas. O curioso é que todos os momentos são ricos em vídeos das épocas citadas, pontuados de modo peculiar e informativo.

    Em 1996 começou uma renovação na equipe, com a adição de Felipe Torres. Foi nesta época que surgiu o programa de auditório Claudio Ricardo, que satirizava os seus pares, como o Show de Calouros do Silvio Santos. Dali também viria o personagem Joselito, vivido por Adriano, que seria uma variação de uma figura real, um ex-cunhado de Fausto que era bastante sem noção, fazendo brincadeiras violentas com pessoas inadequadas. Esse caldeirão de influências contribui muito no humor deles, e até os ajudou a começar a se reunir na escola, onde eles encontram Marco Antônio Alves, cujas semelhanças eram enormes, pelo deboche e pela vontade de expor as ideias para o mundo.

    A música foi um divisor de águas. Ainda aprendendo a tocar seus instrumentos, eles passaram a gravar versões de músicas famosas. Nesse tempo eles conheceram Bruno Sutter, conhecido também como Chapolim, amigo de colégio de Marco, que também era músico. Ali estava o embrião do que seria Massacration e Coração Melão.

    Em 1998 a maturidade enfim chegaria, com os humoristas passando a escrever roteiros para as suas esquetes. Unindo esse ímpeto e um bocado de influência de pornochanchada, com textos repletos de palavrões e canastrices. O primeiro vídeo finalmente reuniria os personagens Hermes e Renato, com Lágrimas de um Corno. Junto a outras pequenas sátiras, enviaram uma fita, que viralizaram dentro da MTV. O contato do presidente André Mantovani foi quase imediato, graças a uma jogada inteligente de Fausto. A dupla que protagonizaria o nome do grupo viajaria a São Paulo, para conversar com a diretoria, utilizando os termos toscos e torpes, para gravar pequenas vinhetas, para passar na programação do canal.

    Com o tempo, a emissora mandaria sua equipe de produção ir gravar com eles, em Petrópolis. A partir dali o amadorismo teria de ser trocado por algo mais elaborado. A aceitação do público foi praticamente imediato. Apesar de toda a tosquice trash deles, havia um certo apuro dos moços, tosco, mas demasiado esforçado, segundo os próprios profissionais da MTV. O período deles no ar aumentaria demais, de um para quinze minutos. Os cinco integrantes se mudaram para uma casa na Lapa, em São Paulo, num apartamento minúsculo, em condições precárias, graças a um descuido de um dos produtores. Como moleques, os comediantes destruíam tudo dentro do apartamento, avacalhando tudo, fazendo fogueiras, guerras de talco, matando periquitos de estimação. Os perrengues serviram para unir o grupo em prol do objetivo em comum, de seguir nessa carreira artística.

    Em 2001 eles se mudaram de vez para São Paulo, com o acréscimo de um programa de trinta minutos, sempre com esse viés canalha e tosco, de ver o mundo e de fazer comédia. O documentário contempla alguns dos personagens mais famosos do grupo, dentre eles, o Gil Brother, que deixava aos poucos de ser um simples personagem para tornar-se quase como um sexto membro da equipe, a atenção da câmera dispensada a ele obviamente era mais curta, possivelmente graças ao processo que Jaime Gil da Costa movia contra eles.

    Os assuntos polêmicos eram subalternos no documentário, que preferia focar na inventividade do quinteto e nas propostas de trabalho em multi-plataformas, e claro, visavam tornar o grupo ainda mais popular. Destacando a trajetória do Unidos do Caralho a Quatro, enquanto zueira de escolas de samba, até chegar às ideias que calhariam no Massacration. Os momentos históricos do grupo dentro da MTV são examinados de modo rápido, mas ainda assim detalhadíssimos, como no período em que dublavam o Tela Class, cujo esmero era enorme e a repercussão era pequena em comparação com o esforço.

    Os setenta e um minutos não contemplam as novelas, Sinhá Boça e O Proxeneta, tampouco falam dos momentos espinhosos, como a saída da MTV e entrada na Record, que aconteceria logo depois da feitoria do filme. O tom do discurso é emocionado, como uma biografia sentimental, que louva a amizade e o árduo trabalho que garantiu a eles uma trajetória que, guardadas as devidas proporções, foi muito exitosa e repleta de talento, influenciando a geração de espectadores que viria, sem descuidar de seus próprios gostos e do que eles achavam por bem publicar. A fala de Felipe Torres é emblemática, de que o desejo dele seria envelhecer fazendo o que gosta, como Chico Anysio, claro, com os seus camaradas. Ademais o pouco aprofundamento dentro da programação de H&R, a fita serve perfeitamente como memória afetiva, não só do grupo, mas também como recordatório e biografia de Fausto Fanti.

  • Review | O Proxeneta – Hermes e Renato

    Review | O Proxeneta – Hermes e Renato

    proxeneta

    O Proxeneta foi a primeira telenovela realizada pelo Hermes e Renato após sete anos de casa na antiga MTV, a qual mal deixava um horário fixo para a exibição dos quadros do grupo. O formato episódico e com tema recorrente atraiu a atenção de Zico Góes, o produtor da emissora, pois trataria questões espinhosas como assassinato, economia, concorrência industrial, “homossexualismo”, tráfico de drogas, caguetagem e vício.

    Porra, essa vida é foda” – senhor Franco Faraco (Bruno Sutter) diz ao olhar a paisagem urbana, contemplando sua rotina estafante e sofrida. Presidente da empresa de vasos sanitários Barro na Louça Corporation, sua vida é acometida por um “acidente” automobilístico que causa nele um profundo traumatismo craniano (na cabeça, como dito por uma repórter). A situação cheira à conspiração, uma vez que o empresário é muito importante e tem muitos inimigos. A questão do Doutor Faraco une os diversos núcleos da novela. Para Gildo (Gil Brother), é difícil entender como um homem que lhe ensinou tudo no mundo dos negócios pode ter sofrido algo tão grave. Em seu discurso é possível notar muitas lamentações, como “é uma grande perca, seu Faraco” (sic), mas isso não faz com que ele tire os olhos de seu foco maior: o negócio envolvendo o narcotráfico e a possibilidade de vazamento de informação dentro de sua organização, o que mostra que em ambos os ramos, louça e café, não há muitas diferenças. O modus operandi de Gildo é o de ser uma pessoa de alta periculosidade e instinto de perversidade, livrando-se de seus inimigos, pondo-os dentro daquele caixote.

    Uma questão muito periquitante e intimamente ligada a Gildo é o drama de Samuca (Adriano Pereira), um jovem entregue ao vício do café que tem sua mãe como cúmplice, uma vez que ela tem os olhos vendados – literalmente – para essa situação. Sua família é formada por pessoas muito diferentes, mas de dramas muito reais.

    Ralf Romero (Fausto Fanti), o playboy e imediato de Faraco fica mal, obviamente, com a possível perda do amigo, mas vai até a sua casa e dança ao som da trilha sonora de John Cafferty para Stallone Cobra. Antes disso, ele se declara a bela Silvinha, com frases inspiradas como “A distância nos separa, mas o pensamento nos une“, até que finalmente declara-se à garota dizendo que ela é muito gata. Ele age de modo incrivelmente descontraído e desinibido para quem está de luto. Sua movimentação é muito suspeita.

    Um dos protagonistas é Bichinha de Souza, personagem de Marco Antonio Souza Alves, uma “mulher de piruzinho”, criada junto a dona Catarina, fazendo os serviços de beleza da primeira-dama da Barro na Louça. A gratidão da moça a Faraco é infinita, graças ao bolo e ao sorvete que este dava e aos cachorros-quentes que pagava, mostrando o quanto ela tem um reconhecimento justo a quem lhe honrou. Bichinha é quase casada com seu amado, o bruto Jorge (ou Zorge, feito por Felipe Torres), um sujeito simples mas que jamais descriminou sua orientação sexual. Mas a relação dos dois não é um mar de rosas, uma vez que Zorge é um homem turrão, bronco e violento, perdendo as estribeiras ao ser movido pelo ciúme dos olhares nada amigáveis provindos dos pagodeiros da esquina.

    Um dos bons embates do folhetim é o de Catarina e do Detetive Max, ambos personagens de Marcos Pereira. Utilizando um chroma key dos mais ardis da televisão nacional, evidencia-se uma trama envolvente de suspense. No entanto, a relação mais espinhosa é caracterizada por Gildo e Samuca. Visando não entrar em vacilação, o traficante avisa aos seus asseclas o quão importante é vigiar o trabalho, além de apresentar a nova novidade ao usuário, o cajuzinho, uma droga ainda mais pesada que o café, de modo que, para usá-la, é bom pegar leve. O fumo desta substância, chamada de a nova onda do verão, causa em Samuel um enorme barato, jogando-o numa bad trip das mais psicodélicas.

    Os atentados a Faraco prosseguem, assim como os dramas da família de Sindoca. Primeiro com o vício cada vez mais agravado de Samuca, depois com a séria complicação de saúde do pai da família, o Sindo Sênior, que é diagnosticado com cárie. Outros dramas pioram, com mais e mais surras de Zorge em Bichinha. Impressionante é que praticamente em todas as situações há uma enorme negligência por parte dos que sofrem as ações violentas, sejam as físicas ou as comportamentais. O vício – tanto em tóxicos mais pesados e ilegais quanto naqueles que são bem vistos pela sociedade, como a cachaça de Zorge – é mostrado como algo péssimo e real. Ainda assim, a esperança subsiste, pois Bichinha é sorteada para o programa do João Gordo, enquanto Gildo relembra sua juventulidade em que Faraco estava bem, sem usar fraldas e fora daquela cama de hospital. As cenas são de cunho emocional dos mais trágicos e emocionantes, de cortar o coração.

    Finalmente Senhor Faraco sai do coma, mas é esmagado por um armário assim que ele começa a comemorar sua recuperação. Seu lado esquerdo do corpo fica paralisado. Ocorrem outras situações complicadas, como a expulsão de Samuca de casa após brigas com seu pai, motivadas obviamente pela questão dos entorpecentes. Gildo também cresce em seus negócios, exportando o cajuzinho para Cochabamba, na Bolívia, via Tcholopez, um narcotraficante internacional. A droga faz sucesso com o Seu Muchacho, e o traficante revela a fórmula do produto: retirado da folha do estrato da pasta da obra-prima do guloseima, ar-condicionado por cinco dias, depois retira-se, bota na forma, enrola, e está pronto para fumar. O alvo é enviar essa droga a América, em locais como Oklahoma, Detroit, Massachusetts etc. A ambição de Gildo alcança êxito com uma mala repleta de dólares.

    Os momentos finais são muito emocionantes. Samuca é confundido na rua com um cão sarnento e é transformado em sabão. A barra que o clã Sindoca tem que aguentar é pesada. A Bichinha ganha na loteria e pode finalmente realizar seus sonhos tão caros, como banhos de loja, desfiles de patins em discotecas etc. Ralf sente-se mal porque o Barra na Louça sofre um deficit de 30%, o que prova que só estilo não faz um bom empresário. Ao dar uma resolução a todos os núcleos mais importantes da história, cada um ganha o seu respectivo final feliz, até com a triste ventura do vilão. A cena final com a queda do carro do playboy empresário é genialmente executada. O casamento de Bichinha e Zorge finalmente ocorre; a noiva recompra as ações da Barra na Louça e dá de presente ao seu mentor, que consegue voltar a andar. Gildo prospera, tudo aparenta estar belo, exceto pela ainda incógnita identidade do assassino Galocha, mas, como não poderia deixar de ser, isso pouco importa. Uma fala de Gildo, ao final, simboliza como o público deveria absorver o desfecho aberto do folhetim, transformando a fala para Bichinha numa mensagem ao público: “seje feliz, ô viadinho!”

  • Review | Sinhá Boça

    Review | Sinhá Boça

    sinha-bocaDentre todos os integrantes de Hermes e Renato, Felipe Torres talvez tenha sido o ator com menos papéis marcantes, fato este que o fez abrilhantar ainda mais sua personagem Luis Boça, o esforçado brasileirinho, um guerreiro, office-boy perdido nessa grande Babilônia e que rala feito um louco. Especialista em mini-games, Boça vê sua história ser reproduzida em tela na nova novela, Sinhá Boça, que conta a trajetória do rapaz nos seus estudos, onde conhece Suzana (Bruno Sutter), uma moça linda, meiga e delicada, mas que já é comprometida com o pitboy Jubão (Marco Antônio Alves). O seriado, assim como seu antecessor, conta com temas espinhosos como agressão, bandidagem, maluqueragem, cárcere, criação de filhos, violência doméstica, bullying, solidão, inabilidade com mulheres e claro, karatê. Os finais dos capítulos são mostrados com Boça falando sobre o que foi mostrado em tela, repercutindo os sentimentos de sua persona e da sua auto-biografia.

    Um dos núcleos mais importantes, envolve o casal Rafa (Bruno Sutter) e Jaqueline (Marco Antônio Alves). O homem é um cantor e chapeiro de sanduíches, enquanto a moça é uma empregada doméstica, que sofre fortes sessões de assédios morais de Dona Máxima Cantarola (Fausto Fanti), tia de Suzana. A relação de patroa e empregada é baseada em humilhações, basicamente, impingidas pela senhora. Jogando questões como a diferença social entre os moradores de “áreas nobres” e suburbanos, flagrando a conhecida discriminação econômica comum entre esses dois polos.

    O grafiteiro Toka Rap (Adriano Pereira) representa os estereótipos do movimento Hip Hop. Sua família só se comunica via rimas cantando rap, além de morarem em uma casa com todas as paredes pichadas. Logo percebe-se uma rixa entre eles, já que ambos são artistas e caçam seu lugar ao sol. As artes de rua, chamadas de piches, mas que na verdade são grafites, não precisam medir forças com o possível hit “Tô boladão de amor“, mas a insegurança de ambos se conflitua. Cota sofre críticas à sua arte, e até ameaças de esfaqueamento graças à insensibilidade do próximo.

    Mas, a parte que guarda os melhores diálogos e invencionices, certamente é a aula do professor Gilmar (Gil Brother), o “adevogado” respeitado na “OaB – Ordem dos Adevogados do Brasil”, que pauta seu discurso quase sempre na terrível questão da vadiagem, mas ainda assim, fala de questões como o artigo 121 combinado (misturado não, tem nada de panela) com 12, assassinato, senta com 10 e levanta com 30 – assalto a mão armada, ou ficar andando com baseadinho no bolso, vai pra cadeia usar anelzinho. Boça tenta interferir na aula, tentando dialogar sobre advocacia, fazendo paralelos do julgamento com o programa Silvio Santos, mas logo é interrompido pelo docente, que afirma que ele está defecando pela boca – ele tem certa razão.

    O herói da jornada é acometido de uma surra de seu opositor. A pessoa que o apóia é a vó Lourdes (Marco Antônio Alves), que tem larga experiência com gangues, e com vivência bélica, uma vez que ela combateu no Vietnã em 1969. A senhorinha se enfia num imbróglio enorme por estar de posse de uma arma israelense uzi, que dispara em torno de dez tiros em 3,6 segundos, e que esta arma é capaz de matar e até aleijar. Vó Lourdes vai em cárcere, mas logo muda o paradigma da cadeia, tomando o controle do bando de marginais, estipulando regras como quem faz café, não faz bolo, e vice-versa, ela muda até a moeda de troca, de cigarros em biscoitinhos amanteigados. O lema Paz, Justiça e Bons Modos é levado a ferro e fogo. A era do CV – Comando da Vovó finalmente se inicia.

    O Professor mostra um enorme craquejo também com as mulheres, graças as causas com famosos, com OW Simpson e outras celebridades. Ele mostra-se “perplecto” com as moças que ele encontra, cuja pessoa ele jamais conheceu em toda sua vida. Gilmar é admirado por desembargadores muito respeitados no meio criminal, especialmente com o apoio no tribunal. Uma das causas mais defendidas pelo docente, é a questão do “pedofe”
    filho da puta, o chamado estrupa anjinho, segundo sua experiência, o criminoso vai ganhar uma vedete assim que chegar e vai sofrer pior que aquela vítima. Sobre a questão da vó de Boça, Gilmar afirma que é um crime completamente “anifiançável” (SIC), pedra cimento e areia e vai criar porquinho na ilha.

    Logo o destino de Luis e vó Lourdes se encontra, graças a uma armação de Jubão, que põe o Lápis de Ouro da faculdade, uma vez em cárcere, sua rotina muda do vinho para a água. Doutor Gilmar se compadece da história de Boça e sua vó, claro, atrás de notoriedade, já que a história dele daria margem para filmes, livro, televisão japonesa, banda larga e campanha publicitária, e uso infinito explorativo da vida dele, ou seja, é o sucessos. Gilmar o convence a ser um sujeito obediente, aceitando qualquer ordem.

    Manelzinho Araújo (Fausto Fanti), um grande empresário do ramo empresarial musical ouve uma fita de Rafa, fazendo com que o chapeiro sonhe com momentos de fama excepcional, enquanto Cota encontra Alec Ler Bleur (Fausto Fanti), um conhecido artista que está interessado em seu pincel. Há uma crítica especializada em relação a indústria fonográfica, mostrando as alterações que os produtores fazem nas músicas dos artistas, além de explicitar, seriamente, que a pirataria teria origem nos próprios estúdios, uma denúncia sóbria, sem dúvida.

    Incrível a propensão de Fausto Fanti em fazer antagonistas e pessoas que se aproveitam da ingenuidade dos personagens principais. Além destes, ele faz um dos marginais de dentro da cadeia, que obriga Boça a fazer uma ligação de sequestro falso, numa das situações mais dramáticas do folhetim. A façanha faz Luis ser jogado na solitária.

    Professor Gilmar prossegue em suas aulas, dando uma chamada de atenção homérica no bando de badernistas, além de atentar para o largo tamanho do artigo penal, enfatizando que este tem várias folhas e vários capítulos, numa enorme crítica ao proselitismo do sistema penal. Ao visitar seu cliente e aluno, ele orienta Boça a se comportar na cadeia: “Se te passar a mão, você deixa; se comer seu buraquinho, você deixa; se te raspar igual uma garrafinha, você deixa“. Faltava pouco tempo para o julgamento: “deixa todo mundo brincar“. O julgamento toma o tempo pessoal do “adevogado”, que mal tem tempo para coabitar com o seu amor, pois fica o tempo todo preparando o seu discurso.

    Boça recebe presentes de seus amigos detentos, uma carta para trazer boas vibrações, uma camisa free boça free, e uma bazuca de fabricação caseira, com intuito de trazer boa sorte para o julgamento dele e de sua avó. No penúltimo episódio surge um novo plot, mostrando uma série de estranho assassinatos, supostamente causados por um animal feroz. As ocorrências indicam um padrão, onde sempre há uma mordida no pescoço. Mais de 15 mortos em uma semana, no derradeiro episódio, o tal lobisomem faz um belo discurso sobre aceitação das diferenças, e o povo que antes o lincharia, o louva, como parte de um todo, como parte do povo, que contribui bravamente para o PIB.

    A duração do último episódio é dobrada, para explorar toda a questão do julgamento. Gilmar é sincero e diz ao acusado que veio às pressas, para que ele não criasse expectativa nenhuma. A acusação se preocupa em denegrir a imagem de Lourdes, igualando a uma assassina fria, e Boça a um larápio narigudo. Gilmar domina o mise-en-scene, defendendo a honra de Luis e Lourdes, “perplecto” de ver olhar e ver a vó no fundo da cadeia, uma senhora de altas responsabilidades que criou seu rebento a muitos docinhos caramelados na geladeira, além da já tradicional “ovolmatino” e leite com pera.

    A situação quando a rivalidade do advogado de acusação junto a Gilmar se apresenta em tela. Questões como a época em que os legalistas estudavam, discutindo-se o uso da maconha por Gilmar, onde o respeitado professor declara que “cumpade é o caralho, não batizei teus filhos”, questões pessoais interferem diretamente no julgamento. Há um empate técnico na ordem final, e o excelentíssimo juiz põe o resultado para ser definido, na porrada. Luis Boça tenta se inspirar em seus mentores, mas o resultado é o conhecido fracasso costumeiro de sua vida. Ao contrário de O Proxeneta, este final é pouco inspirador e edificante, um reflexo da vida de Luis Boça, e termina de modo nonsense e pouco engraçado, numa óbvia referência ao final da sitcom Seinfeld. Sinhá Boça foi a última novela da trupe na antiga emissora do grupo Abril de Comunicações.