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  • Crítica | O Show de Truman: O Show da Vida

    Crítica | O Show de Truman: O Show da Vida

    O Show de Truman: O Show da Vida narra a história de Truman Burbank (Jim Carrey), um sujeito cuja vida inteira foi vigiada e transmitida a partir de um experimento bizarro, transformado em programa de televisão. Dirigido por Peter Weir (o mesmo de Sociedade dos Poetas Mortos), a trama se desenrola lentamente, sem grandes exposições, dando pistas ao público de como funciona esse paradigma caótico e de como a sociedade civil vê o experimento.

    A realidade proposta não é muito diferente da nossa, seja pelas ações de empresários ligados ao ramo da comunicação, visto principalmente no criador do programa Christoff (Ed Harris), ou nos espectadores que acompanham atentos cada momento do cotidiano da pequena ilha de Seahaven, em especial na performance do protagonista do show.

    A situação de rotina de Truman é incômoda, mesmo antes dele perceber que algo está errado. O tempo todo o personagem parece ter o desejo de fuga daquele paradigma de vida perfeita. Nada parece real. Fazendo um paralelo com outra produção que discute a realidade e a ficção, em Matrix , o personagem Agente Smith (Hugo Weaving) afirma que humanidade não suporta um mundo, seja simulado ou real, onde apenas a felicidade ocorre. E embora Burbank não saiba o que acontece consigo, claramente tem a percepção de que algo está errado.

    Carrey desenvolve bem o papel de homem que perde o controle aos poucos, prestes a entrar em colapso. Mas não por conta de um trauma, mas sim por mero acaso, pelo comum a uma existência ordinária. No roteiro de Andrew Niccol a distância entre paranoia e realidade é tênue para Truman. Devaneios parecem presságios. Há prazer por parte dos telespectadores para que ele descubra algo, uma curiosidade quase incontrolável que faz com que todos fiquem ávidos por assistir passivamente os dias de uma pessoa que mesmo desconhecida compartilha de uma intimidade forçada. Mesmo que a maior parte desses momentos sejam ordinários, como são os cotidianos de pessoas normais.

    O Show de Truman mistura simulacro com reality show em uma época em que esse tipo de programa não era tão popular. Na análise de pessoas pretenciosas há uma comparação que não cabe no drama exibido com a alienação causada a quem assiste reality shows de confinamento, especialmente quando esses consomem a atenção das pessoas massivamente.

    Aqui a tragédia de alguém se torna um espetáculo, uma exibição da intimidade sem escolhas. Não há curtição alguma e sim a sensação de estar sendo enganado. O argumento que põe esta obra e os realities em perspectiva é bobo, tenta colocar o entretenimento em castas completamente desnecessárias. O final do longa exala poesia. Toda a condução de Weir ajuda a favorecer o modo que o protagonista vê a vida, mesmo que na maior parte dela seu livre arbítrio tenha sido conduzido. O roteiro de Niccol faz comentários sobre os conceitos de Sociedade de Consumo do marxista Guy Debord e os eleva a um nível que se torna palpável. No entanto, não abre mão de enxergar as contradições do que é ser humano. Os mesmos que sustentavam o sistema que escravizava Burbank também comemoram sua saída, alguns até mudam de canal após tudo acabar, procurando novas formas de gastar seu tempo, pois é para isso que vemos televisão, fugirmos de nossas próprias misérias.

  • Crítica | S1m0ne

    Crítica | S1m0ne

    O início de S1m0ne, segundo filme do diretor Andrew Niccol se dá com cenas naturais, acompanhadas de uma música incidental belíssima, composta por Carter Burwell. Não demora a aparecer o obsessivo Viktor Taransky, um produtor comercial pilhado e sempre estressado vivido por Al Pacino, que em um primeiro momento, tenta controlar uma espécie de transtorno ligado ao TOC, separando jujubas e delicados em uma vasilha sem motivo ou razão aparente alguma. Dentro de seus pequenos dramas, ele tem que também lidar com o ego de artistas mais renomados, entre elas Nicola Anders (Winona Ryder), uma super modelo que desiste da campanha que ele faz.

    Viktor é um homem genioso, já foi nomeado ao Oscar pela direção de dois curta metragens seus, e o roteiro de Niccol resolve todas essas referencias em um espaço curto de tempo, entre a exibição de um dos cortes da propaganda e uma conversa entre ele e sua colega de produção, Elaine Christian (Catherine Keener) e é nesse ponto que ele percebe o fundo do poço, sendo despedido após mais um fracasso em sua carreira, mas apesar da melancolia, ele segue tentando parecer altivo.

    Niccol utiliza muito bem as cores. A desculpa de passear por estúdios propicia que os tons esverdeados e átonos sejam justificados como uma alternativa lógica e essa tonalidade que lembra o movimento de vômito ajuda a compor todo o quadro tragicômico de desespero e de aceitação que o protagonista tem junto a Hank Aleno (Elias Koteas). Um homem sem alternativas é mais suscetível a trabalhos de gosto e origem duvidosos.

    Há toda uma aura fantasiosa por trás do que ocorre após a morte de Aleno, o realizador recebe uma encomenda misteriosa, abre no computador, vê uma figura feminina feita por Rachel Roberts, e então chega com o filme de Valerie pronto, deslumbrante. Os momentos de Pacino aqui são de uma entrega absurda, ele faz o experiente e inseguro artista. A cena em que ele está refletindo desesperado no banheiro emula bem a jornada de conhecimento da causa do Mr. Anderson em Matrix, parece até que a tomada foi feita pelas irmãs Watchowski de tão fidedigna que está a aura, e isso não é um demérito para Niccol, até porque não se sabe se sua intenção foi referenciar isso. De todo modo, o exercício se assemelha muito a especialidade de Quentin Tarantino, de pegar uma tomada X de um diretor clássico, mudando seu significado.

    O conceito de Complexo de Frankenstein que o escritor Isaac Asimov tanto criticava dá conta do uso da robótica como algo necessariamente vil, e o que se vê aqui com a inteligência artificial denominada Simone é bem a gênese do que poderia ser isso, levando em conta inclusive o pontapé da ganância humana como estopim para essa possível revolta, embora a intenção do filme passe longe disso. Aqui se fala do vazio da alma humana, da  falta de escrúpulos e do uso da imagem de terceiros visando lucro, inclusive da parte dos que se julgam explorados e subestimados. As ações de Viktor não são livres de vis intenções, ou de desonestidades, ele surfa bastante nessas ondas e lucra com tudo isso.

    Pacino faz esse personagem cair no pecado que outro de seus personagens famosos da época provocava: a vaidade. Em O Advogado do Diabo, o ator fazia o Diabo, e seduzia as pessoas através de  seu ego. A falha de Taransky é exatamente essa, a tentativa de esconder Simone dos holofotes só aumenta a expectativa em torno dela, e faz até seu desejo de ser encarado como o único com méritos positivos em seus filmes cair em um mar de irrelevância. Todos só querem saber da atriz, mesmo que ela seja  um fantoche nas mãos digitais de Viktor.

    A dúvida que fica é, quem domina quem, pois as poucos, o personagem que era apenas um contador de historias se torna Relações Publicas, montador, ator, tudo para emular a atriz perfeita, que não tem escolhas próprias. Aos poucos, ele se torna refém de suas mentiras, e o quadro evolui tanto que se torna algo mitômano, a segunda hora de filme mostra todo o malabarismo do personagem masculino tentando não só emular o comportamento comum de uma mulher estrela, mas também toda sorte de eventos pitorescos para que ele possa ter uma vida amorosa saudável, ou algo que o valha, e não importa o que ela faça, ou como haja, há sempre quem a defenda e o comentário sobre a sociedade do espetáculo é muito mordaz e certeiro.

    Ao contrario do que os cartazes e material promocional de S1m0ne fazia acreditar que o personagem de Pacino se apaixonaria pela figura cibernética, mas isso não ocorre de modo carnal, e sim como fonte de uma fama que ele jamais teve, e que sempre jogou como merecida a si. Se livrar dela provou-se algo praticamente impossível e o final surpreendente fecha bem a historia, mostrando que o pragmatismo e vontade de manter o status quo poderia ser maior que a necessidade de uma lição moral, e Niccol sabe conduzir bem todas as questões envolvendo vaidade, luxuria e cobiça presentes na vida e clara na trama que pensou para este longa.

  • Crítica | Anon

    Crítica | Anon

    Para compreender o que Anon é, é primeiro preciso compreender quem é Andrew Niccol, seu realizador. Roteirista e diretor de filmes como, O Show De Truman (Roteirista e produtor), Gattaca (Roteirista e diretor), O Terminal (roteirista), e Senhor das Armas (Roteirista e Diretor), Niccol demonstra, primeiro, seu tino para contar histórias envolventes e reflexivas sobre o futuro da humanidade e das pessoas, e segundo, sua preocupação constante com a vigilância e os rumos da tecnologia ao tomar conta de nossas vidas como uma entidade onipresente e onisciente.

    Em Gattaca sua preocupação era a engenharia genética e nossa autoimagem como senhores da natureza. Em O Show de Truman, sua preocupação foi nosso crescente interesse em ver a vida através de uma tela, profeticamente (O filme é de 1998, quando mal havia internet) antecipando as relações intermediadas através de likes e views que se percebe hoje com facilidade em qualquer rede social. Em Senhor das Armas, vemos suas preocupações com as relações comerciais e as redes de criminalidade a partir do tráfico de armas. Em O Terminal, seu roteiro fala de forma interessante e divertida sobre as pessoas e as conexões (De aviões e entre as pessoas).

    O resumo é que Andrew Niccol sabe ser inteligente, e não apenas soar como inteligente, e sabe contar uma boa história, demonstrando particular interesse na humanidade como uma rede interligada e intermediada pela tecnologia, mas onde a real substância dessas relações se encontra na transposição de nosso egoísmo e no compartilhamento da nossas características mais mundanas. Mas em algum momento de sua carreira, o interesse virou cacoete, e já se podia observar isso no esquisito S1m0ne (Com Al Pacino), mas que ficou evidente nos terríveis O Preço do Amanhã e A Hospedeira, quando demonstrou muito menos brilho e sagacidade do que o habitual, falando dos mesmos assuntos que o consagraram, mas agora de maneira rasa e banal. Anon (Netflix) não chega a ser ruim, mas é um filme pálido e incomodamente desinteressado em si mesmo.

    Na trama, Sal (Clive Owen) é um detetive em um mundo onde o governo tem acesso à tudo aquilo que já vivemos e sentimos, e ao ver alguém na rua, sabemos exatamente seu nome, idade e informações pessoais. Conversas são traduzidas instantaneamente entre pessoas e boa parte das relações são intermediadas de modo online ,bem como as conversas. Crimes ainda são realizados, mas com acesso à tudo aquilo que já passou pelos nossos olhos, são todos solucionados em cerca de minutos. É possível acessar a visão de qualquer pessoa e fazer download de diversas informações, e mesmo assim, por algum motivo, as pessoas ainda se mostram surpresas ao serem rapidamente descobertas. Eis que em algum momento surge uma fantasma no sistema. Uma pessoa não identificada começa uma onda de assassinatos não identificados, e o hackeamento da rede e de seus usuários coloca em xeque toda a estrutura social deste mundo. A partir disto, toda a polícia se debruça sobre encontrar a principal suspeita: uma mulher não identificada que o personagem de Owen viu sem querer logo na primeira cena do filme.

    O maior incômodo, talvez, seja a forma apática com que o filme é dirigido e interpretado, bem como a forma com que o roteiro tenta desenlaçar seus nós. Lá pelo terceiro ato, a impressão que se tem é que o roteiro simplesmente se desencantou da história que havia começado a contar, e jogou uma série de resoluções que se dão de forma incompleta e apressada, inserindo personagens cruciais para o desenvolvimento do enredo de modo tão displicente e coadjuvante que no momento dos plot twists, que seriam essenciais para o arrebatamento que toda ficção científica se propõem, as revelações perdem a força por ser difícil de identificar quem é aquele personagem tão importante tratado de forma tão desimportante. O que se identifica é que Anon considera seu argumento tão importante que todo o resto se tornou desimportante, mas se tal postura não se sustenta nem com grandes ideias, ela desaba quando o assunto já foi tantas vezes melhor escrito e gravado há 20 anos atrás.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

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  • Crítica | A Hospedeira

    Crítica | A Hospedeira

    a hospedeira - cartaz

    Sem dúvida, uma parcela do público será atraída ao cinema pelo simples fato de que o filme é baseado no livro homônimo de Stephenie Meyer. Essa parcela, caso vá esperando ver algo minimamente próximo a Crepúsculo, terá as expectativas ligeiramente frustradas. Não totalmente, já que a porção “romance” está presente. Contudo, diferente da estória de Bella e Edward, não é o foco principal, apesar de ser importante para o desenvolvimento da trama. Sobre a relação livro/filme, apenas mais uma observação. Espera-se de adaptações de livros que o filme se sustente per se, isto é, o roteiro não deve pressupor que quem está assistindo já leu o livro. E neste sentido, a adaptação foi bem sucedida. Não há necessidade de conhecimento prévio da obra, nem ficam faltando detalhes essenciais (ou não) que apenas os leitores teriam conhecimento.

    Diferente de outras estórias que versam sobre invasão alienígena, esta não se prende ao início da invasão – os primeiros humanos “infectados”, a percepção dos demais sobre o que está ocorrendo e a luta contra os invasores. Nesta, a invasão já está consumada, os alienígenas já estão entre os humanos ou, mais especificamente, dentro deles, assumindo o controle do corpo e sobrepujando a mente, tomando o lugar do “eu” de cada um. E a trama se volta para os focos de resistência, os humanos reminiscentes, os “não invadidos”, como Melanie (a princípio) e Jared.

    O modus operandi da invasão levanta um questionamento interessante: como reagem ou devem reagir os 100% humanos ao se deparar com um hospedeiro conhecido? O corpo é o da pessoa que se conhecia. Suas feições, seu modo de andar, seu jeito de falar continuam os mesmos. Ainda é a pessoa com que se convivia. Mas ao mesmo tempo, não é mais, ao menos na maioria dos casos. Melanie é uma hospedeira que resiste à invasão. Ela e a invasora, Peregrina (Peg), “brigam” pelo controle do corpo de Melanie, o que gera algumas situações engraçadas quando Mel se irrita com alguma ação de Peregrina.

    É uma pena que o roteiro não tenha dado mais ênfase à faceta sci-fi do filme, certamente para tentar agradar aos fãs oriundos de Crepúsculo. Contudo, essa não é a maior falha do roteiro, já que quem não leu o livro não faz ideia que esse enfoque é bem mais explorado. Apesar de Niccol ter conseguido eliminar a maioria dos excessos do livro – cenas desnecessárias e estórias paralelas que pouco ou nada acrescentavam – o ritmo da narrativa é extremamente lento, quase sonolento em alguns trechos. É uma pena que Niccol, responsável pelos roteiros de Gattaca, O show de Truman e O senhor das armas – todos acima da média – tenha conduzido a trama dessa forma. E o que resta ao espectador é acompanhar Mel/Peg tentando ganhar a confiança dos demais e o triângulo – ou quadrado – amoroso em que ela se envolve, ou seja, situações clichês em filmes para adolescentes.

    O elenco está bem, nenhuma atuação surpreendente ou fora do comum. Saoirse Ronan poderia ter se dedicado um pouco mais a diferenciar a personalidade de Mel e Peg, mas a voz em off de Mel dá conta do recado. Diane Kruger encarna de modo convincente a fria, calculista e (aparentemente) insensível Buscadora. E William Hurt, no papel de Tio Jeb, está em sua zona de conforto representando o chefe do grupo, detentor de sabedoria.

    Apesar das paisagens chamativas, da premissa interessante e do roteirista/diretor merecidamente premiado, o filme não chega a ser memorável. Talvez o espectador se lembre dele apenas quando anunciarem a sequência – o final do filme dá brecha para essa especulação, e a própria Stephenie Meyer cogita escrever mais livros sobre o tema.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.