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  • Crítica | Três Anúncios Para um Crime

    Crítica | Três Anúncios Para um Crime

    A impunidade diante de um sistema policial sempre injusto e parcial às condições classicistas e raciais de um povo são o tema principais que movem uma mãe em busca da famosa justiça com as próprias mãos em Três Anúncios Para Um Crime. Destacando o peso da memória de sua filha estuprada e morta, cuja investigação foi encerrada pela polícia local. É nessa situação difícil que a mãe coloca três anúncios na cidade, em cada um deles pedindo explicações sobre o que acontecerá agora, caso aconteça, com os criminosos protegidos sob a aparente égide das leis do Missouri. Uma ação inconformada que simboliza o codinome pelo qual o estado é mais conhecido: The Show Me State! (Estado do Prove-me!), ou seja, não é lá que um bando de policiais bundões iriam tentar fingir que está tudo normal, abafar um caso de grave feminicídio jovem para manter a normatividade pública.

    Outra novidade: Dramas como esse exibido, em que a protagonista enfrenta bravamente fora (e dentro) de casa, em  um compêndio de cenas às vezes hilárias e outras bastante pesadas, são situações que ocorrem todos os dias em diversos lugares de violência, inclusive com maior índice de violência do que aquela visto na película, como nos atuais estados da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, onde a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado por, bem, ser negro. Num mapa de violência muito além do que qualquer mãe, mesmo com cem filhos, pudesse suportar. Ao traçarmos panoramas desta magnitude, vemos como é urgente o debate da violência seja pela mídia e instituições de segurança pública que sempre abafam nossos genocídios, seja pelas plataformas modernas que podemos usar para contextualizar o problema e buscar força para soluções que só chegam, teoricamente, de quatro em quatro anos.

    O cineasta Martin McDonagh, vindo de comédias de humor negro como Na Mira do Chefe, conseguiu relativamente entender e traduzir, na forma de personagens, essa aflição social vivida por todas as tribos nem tão civilizadas assim. Uma angústia por isonomia, fazendo a releitura da vida real conforme uma visão mais leve e com muita influência do cinema dos irmãos Coen, desenvolvendo com boa sustentamento um víes que muitos julgam como ofensivo ou de mal gosto: ironizar situações extremamente pesadas por si só.

    Ao longo da projeção, nota-se como Três Anúncios para um Crime é um filme indeciso. Não sobre o que mostra, mas como expõe certos desdobramentos básicos, como escolher se é enfim um filme de situações, ou de personagens tão curiosos quanto. O diretor parece ter noção desse desafio, mas ao tentar equilibrar a força das suas intenções pessoais, enquanto autor fazendo cinema autoral pra premiações anuais, e a força natural de um enredo que incluiu casos de barbárie contra uma jovem mulher, e por conseguinte com sua instituição familiar, falha por não achar uma coerência particular ao conto de uma mãe contra Deus, o mundo e a realidade deste.

    O autor, sendo corajoso, tenta abraçar a sociedade num projeto aberto a tanto, contando com bons agentes no enredo em ordem de esclarecer suas mensagens principais (O xerife de Woody Harrelson resume tudo aquilo que o filme expressa, sendo o elemento personificado de uma racionalização sobre tudo), mas por sua clara inexperiência com um material rico de significados, e também pela falta de sensibilidade na composição e no manejo dessa realidade mencionada antes, fica claro que a apropriação de um mundo de relações e valores cada vez mais obscurecidos e labirínticos, devido a aparente impunidade e revolta dos  cidadãos perante a justiça mundana, resulta numa indecisão significativa que atrapalha a execução da obra, refletindo num filme incoerente e possivelmente fragilizado por reflexões posteriores advindas dele – as quais certamente surgirão por parte de vários espectadores, exibições afora.

    Mesmo assim, desequilibrado entre seus fatores, a produção é uma dessas que, por mais formulado que seja para o Oscar, ainda consegue ser gostoso de se assistir (algumas soluções visuais são boas e mostram o domínio da iconografia que existe em McDonagh), a ponto desse mergulho narrativo, tipicamente estadunidense, e repleto de problemas universais, beirar certa diversão reflexiva. E sobre a atuação de Frances McDormand aqui? Quase duas horas de deleite total. Inestimável.

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  • Crítica | Evereste

    Crítica | Evereste

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    Em 1996, dois grupos de alpinistas, um liderado por Rob Hall (Jason Clarke) e outro por Scott Fisher (Jake Gyllenhaal), de agências de alpinismo concorrentes, tentam escalar o Everest, mas uma nevasca coloca a vida de todos em risco. A tragédia, que surpreendeu a todos, acabou por vitimar 19 pessoas, entre alpinistas e sherpas.

    Por mais estranho que pareça, o documentário de 1998 – baseado no mesmo livro de Jon Krakauer, No Ar Rarefeito – consegue atrair e manter a atenção do espectador com muito mais eficiência do que este filme dirigido por Baltasar Kormákur. O que a história tem de incrível, o filme tem de enfadonho.

    Há que se concordar que filmes-catástrofe não prezam por desenvolver personagens bem construídos. Em geral, são bem estereotipados – o valentão, o covarde, o líder, o do-contra, o nerd, o com habilidades físicas e por aí vai. Os integrantes das expedições de Hall e Fisher são “gente como a gente”, ou seja, nenhum deles tem apenas uma característica marcante, mas o roteiro os deixa parecidos demais, rasos demais, desinteressantes demais. As exceções são, obviamente, os líderes das expedições. O roteiro faz questão de ressaltar personalidades quase opostas, enfatizando o responsável Rob Hall em contraponto ao boa-vida Scott Fisher. Apesar das personalidades contrastantes, ao menos o roteiro não caiu na armadilha de tentar colocá-los como oponentes diretos, apesar de suas empresas concorrerem pelo mesmo público-alvo – alpinistas desejosos de alcançar o pico mais alto da Terra. Percebe-se a cumplicidade entre os dois, mesmo quando estão aparentemente se provocando.

    O maior desperdício está na porção feminina do elenco – Robin Wright (como Peach Weathers), Keira Knightley (como Jan Hall), Emily Watson (como Helen Wilton), Elizabeth Debicki (como Dr. Caroline Mackenzie), Naoko Mori (como Yasuko Namba) – ficaram relegadas a coadjuvantes de luxo. Mesmo sabendo o papel importante que tiveram, principalmente Wilton (durante a nevasca) e Weathers (com auxílio à distância), mesmo Yasuko (que pereceu durante a tempestade) mal teve direito a algumas falas. E depois dizem que Hollywood não é sexista.

    Marcantes mesmo são as cenas externas – ou aparentemente externas – já que possivelmente poucas delas foram efetivamente filmadas em locação. São as cenas de tempestade que salvam o filme, dando tensão o bastante para o público continuar assistindo. Infelizmente, na última parte do filme – quando efetivamente deveria ocorrer o clímax da história – o espectador é obrigado a acompanhar um sem fim de telefonemas e conversas via rádio. Embora a história já seja conhecida, principalmente para os que leram o livro de Krakauer, um bom roteiro conseguiria criar momentos tensos e instigantes o suficiente para deixar a narrativa minimamente interessante.

    Para curtir o visual e o elenco estelar. E só.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sem Direito a Resgate

    Crítica | Sem Direito a Resgate

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    Sem espaços para introduções maiores – que não a ação contínua – Sem Direito a Resgate emula as características de seu título original, Life of Crime, ao exibir um panorama cômico da vida bandida na história norte-americana, indo desde as ações de meros batedores de carteira até as fraudes de grande porte, cujas somas acumulam muitos zeros à direita.

    O início em forma de prólogo mostra dois vigaristas, Louis Gara (John Hawkes) e Ordell Robbie (Yasiin Bey) aplicando pequenos golpes em pessoas que se julgam mais espertas do que são. O método que utilizam é bastante modesto, sem qualquer sofisticação ou prévia. Nas cenas subsequentes, uma esposa submissa, vivida por Jennifer Aniston, sofre as agruras de viver com um esposo turrão. Margaret Dawson não faz ideia da posição privilegiada que ocupa, já que não tem qualquer ingerência nos negócios de seu marido, Frank (Tim Robbins), que secretamente é o cabeça de um negócio de desvio de dinheiro para contas bancárias clandestinas. O destino dos dois núcleos se cruza quando Ordell pensa em raptar a dona de casa desconsolada, para tentar conseguir um resgate.

    Maior do que qualquer possibilidade de isolamento à força, típica de ações em cativeiro, é o vazio existencial em que se encontra Margaret, se sentindo sempre solitária pela atenção que jamais chega por parte de seu cônjuge. O drama da personagem é comum a de muitas mulheres da atualidade e da época retratada no filme.

    O trabalho de reconstituição de época é bastante esmerado: nota-se não só nos belos cenários e figurinos, como também nos modos e no jeito de andar de cada um dos personagens. Tudo foi milimetricamente calculado para apresentar um efeito paródico, condizente com o saudosismo mas sem quebrar a empatia do espectador com os pequenos dramas diários do roteiro, fazendo de cada uma das gags cômicas engraçadas de fato, uma vez que o destino dos personagens é importante para o seu público.

    As piadas do filme ocorrem “apesar” da narrativa linear, com pouco humor nonsense, mas ainda assim de bom gosto, especialmente por explorar a hipocrisia presente nas relações do americano médio de uma maneira comedida, destacando o egoísmo e individualidade como principais fatores para o distanciamento sentimental entre os iguais.

    Há uma série de eventos entrópicos, que brincam com questões como infidelidade conjugal, suborno, tentativas de homicídios, claro, abordadas por uma ótica humorística, sem se levar a sério. A trilha sonora aumenta ainda mais o clima de deboche ao apresentar músicas românticas nos momentos onde a frieza dos crimes deveria prevalecer.

    As reviravoltas do roteiro, típicas de uma comédia de erros, inverte alguns dos arquétipos apresentados no início do filme, maximizando a sensação de que a trama foi construída a partir de improvisos ou de uma roleta russa de eventos loucos. Em certos momentos, a obra do diretor Daniel Schechter faz lembrar os primeiros filmes de Guy Ritchie, sem a violência gráfica de Snatch – Porcos e Diamantes e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes.

    Outra referência notória caracteriza-se pelo formato narrativo de Fargo, especialmente nos pontos onde há personagens amorais, cujo comportamento errático faz com que seja impossível torcer para cada um deles.  A volúpia pelo dinheiro fácil transforma as escolhas dos personagens, levados a uma vida marginal, subvertendo – outra vez – o estigma de sequestro trocando-se a vítima mas permanecendo o mesmo fornecedor do resgate. Exceto as extensivas repetições, Sem Direito a Resgate é uma boa comédia, mas de fácil esquecimento, não sendo mais lembrada cinco minutos após o encerramento.

     

  • Crítica | As Sessões

    Crítica | As Sessões

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    Nos caminhos que nos levam ao autoconhecimento, a percepção de si em completude à concepção sexual são dois dentre diversos elementos significativos para esta jornada. Mesmo que muitos vejam a sexualidade como um sistema biológico ou um elemento instintivo, o sexo também é reconhecimento e consciência corporal, tanto da observação dos limites físicos do corpo como da percepção do prazer.

    Baseado na vida profissional de Cheryl Cohan Greene, As Sessões apresenta ao público a terapia sexual, uma vertente que trabalha ativamente com o paciente, de maneira breve e focal, para a melhora de disfunções ou qualquer problema referente ao sexo, esse elemento vital ainda hoje visto como tabu.

    A história apresenta um dos pacientes mais significativos da terapeuta: Mark O’Brien, poeta e jornalista de Berkeley que, devido a uma poliomelite na infância, sobrevive graças a um pulmão artificial, mas incapaz de mover seus músculos, ainda que os sinta. Motivado pelo pastor de sua paróquia, O’Brien procura ajuda terapêutica para tentar compreender, dentro de um corpo paralisado, a funcionalidade do sexo.

    A composição de John Hawkes para viver a personagem é equilibrada. Dividida entre o corpo inerte e uma criação católica que também se torna responsável pelo complexo sexual. Utilizar um personagem central deficiente não é argumento novo. Em Meu Pé Esquerdo, Daniel Day Lewis interpreta brilhantemente Christy Brown, e Sean Penn demonstra uma competente atuação em Uma Lição de Amor. Mesmo que tais comparações de outras produções seja inevitável, o poeta é, acima de tudo, um homem comum, divido entre os anseios de conhecer aquilo que ainda lhe é assustador.

    Nos encontros terapêuticos com Cheryl, interpretada por Helen Hunt, a personagem realiza uma jornada lenta de autoconhecimento, compreendendo que no sexo não só o corpo é funcional, mas também a extensão mental. O laço entre terapeuta e paciente é um dos elementos motivadores da trama. Evidenciando que o processo terapêutico é delicado e, para ser funcional, necessita-se de entrega de ambas as partes.

    Indicada ao Oscar por sua atuação, Hunt não compõe uma personagem carismática como O’Brien. Seu comprometimento com sua atuação vale-se mais da maneira natural com que se despe literalmente em diversas cenas de nudez. Sob este ponto, o roteiro escrito por Ben Lewin está distante de qualquer ideia julgadora. Expõe ao público uma vertente da terapia, com a esperança de que a história mostrada na tela produza a reflexão no espectador, evitando julgamentos precipitados sobre a terapia sexual.

    Mesmo que a composição dramática e a relação entre paciente e terapeuta pudessem ser melhor executadas, a história deixa uma reflexão pontual para o público. Através da vida de O’Brien projetamos também o que compreendemos sobre o sexo e as limitações como indivíduo, muito além de uma deficiência ou de um impulso sexual.

    O filme adapta um dos casos do livro homônimo lançado no país pela Editora Intrínseca que acompanha a vida de Sharon desde o início de sua carreira como terapeuta sexual, até os dias de hoje dando palestras e tentando, sem polêmica, explicar porque teve mais de 900 parceiros sexuais e que esse alto numero não significa nenhum elemento pejorativo sobre si própria.

  • Crítica | Inverno da Alma

    Crítica | Inverno da Alma

    inverno da alma

    Inverno da Alma chegou sem muito alarde e com o tempo foi ganhando o respeito devido, seja pelas indicações e premiações que já recebeu, como pelas críticas positivas que vem recebendo pelo mundo. Só por isso, já seria o suficiente para perdermos um pouco de nosso tempo e conferi-lo, mas nada disso é necessário, pois o filme fala por si só.

    Adaptado do romance de Daniel Woodrell, escritor americano de grande renome e conhecido por escrever sobre um gênero que remete a um thriller ambientado no interior dos EUA, o próprio autor criou um termo para seus livros, “Country Noir”, o que faz um certo sentido ao assistirmos Inverno da Alma.

    Nesta adaptação do romance de Woodrell, temos a adolescente de 17 anos, Ree (Jennifer Lawrence), responsável por seus dois irmãos menores e sua mãe doente, que vive em um estado de catatonia, e se vê em uma situação difícil, já que é procurada pela polícia para entregar seu pai, um traficante que vem cumprindo pena em liberdade condicional. A grande problemática é que seu pai usou sua casa como garantia pela fiança e desapareceu, tornando-se assim um procurado. Com o risco de não ter onde morar, Ree, não vê outra saída se não encontrar seu pai.

    Ao iniciar sua busca junto aos familiares próximos e por toda vizinhança a procura do paradeiro de seu pai, Ree passa a ter problemas em sua comunidade, que passam a condenar suas atitudes, já que vivem uma bastante comum “lei do silêncio”. Mesmo seu tio, Teardrop (John Hawkes) a proíbe de continuar suas buscas. O único apoio de Ree são alguns trocados, alimentos, baseados e outras drogas.

    As personagens de Inverno da Alma, estão distantes de serem unidimensionais, pelo contrário, escancaram suas imperfeições sem estereótipos. Ree é uma adolescente apenas na idade, já sente a responsabilidade de cuidar da família e sabe que o destino deles depende dela, isso fica claro em momentos onde está com a mãe, e ela simplesmente desaba em lágrimas em busca de um auxílio que sabe que não virá, ou mesmo quando desafia a autoridade local e sua comunidade, mostrando quão dura pode ser. A atuação de Lawrence é intensa e repleta de nuances, demonstrando que apesar do rosto angelical e ainda jovem, tem talento de sobra para interpretar personagens fortes.

    O mesmo ocorre com o coadjuvante em tela interpretado por John Hawkes, o tio de Ree e irmão de seu pai, Teardrop. Um personagem que a princípio se mostra duro e desinteressado pelo problema de sua sobrinha, aos poucos se mostra imprevisível quando decide fazer uma série de concessões para ajudá-la não importando onde isso o levará. O restante do elenco é impecável e em perfeita sincronia, demonstrando a dureza de um Estados Unidos bem distante do que estamos habituados a ver.

    A fotografia de Michael McDonough é impecável, com uma paleta de cores frias que dão o clima melancólico e angustiante do local. Tudo isso demonstrado através das caminhadas da protagonista pelas locações, mostrando o relato de toda a miséria local e a sensação de não ter com quem contar ou o que esperar. O trabalho de direção da ainda novata (Inverno da Alma é seu segundo longa) Debra Granik é lindo de ser ver, criando uma narrativa extremamente densa e cheia de tensão ao longo do filme. A trilha sonora é a cereja do bolo, repleto de canções folk’s e country’s de encher os olhos.

    A realidade de Ree é a realidade de pequenos grupos da sociedade, nos quais vêem como alternativa a produção de drogas como sustento, onde a lei está distante, e a violência e a miséria são um ciclo sem fim. O final do filme é duro e bastante pessimista. Difícil acreditar num futuro promissor para qualquer daquelas personagens.