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  • Crítica | Meu Pai

    Crítica | Meu Pai

    Logo, logo, Anthony não vai mais lembrar quem é. Nem seu nome, nem seu endereço, muito menos sua família, ou a história da própria vida. Meu Pai é a adaptação da peça homônima que nos convida à verdade: a pior dor, vem a conta-gotas. Perder o pai, aos poucos, dia após dia, acaba com sua filha Anne, que precisa viver sua vida (mulher casada e prestes a viajar a trabalho) numa Londres ensolarada, que convida ao progresso, a ser feliz. Sem enxergar o pai como âncora, Anne faz o seu melhor, contrata cuidadoras, mas às vezes chora na cozinha, na cama com seu marido que não aguenta mais ser “vítima” dos problemas de demência do velho sogro. Todo dia, um absurdo diferente, “roubaram meu relógio”, grita o idoso. “Eu quero minha mãe.”, “Quem é essa mulher?”, e enquanto isso, Anthony definha a olho nu. Um bebê de oitenta anos.

    Mas Anthony não quer ser um problema para ninguém, não admite ser vítima do próprio transtorno. Entre as várias possibilidades de interpretação, Meu Pai explora o caminho para o fim numa contagem regressiva hipnótica, graças também à sua ótima e discreta edição. A questão, portanto, é clara desde o início, e nosso subconsciente percebe isso desde os primeiros cinco minutos do filme: até que ponto vale a pena tornar menos doloridos os nossos dias, e achar caminhos para isso, já que o pesar não é uma escolha para uma situação familiar tão difícil, como essa? Se enganar é uma boa opção, ou seria melhor aceitar o desafio, e se preparar, ao invés de fugir, ou pior: fingir que tudo irá melhorar? Anthony só vai piorar, mas Anne mente a si mesma, chegando a ponto de imaginar a morte do patriarca, até que chega uma hora que a demência do pai não tem mais volta, e é preciso ser adulto em relação a vida. Seja lá o que isso signifique.

    É de Florian Zeller a peça original, e o filme de 2020 também, sendo que grande parte do sucesso indiscutível de Meu Pai deve-se ao fato de Zeller não transformar seu filme, em teatro filmado – como é o caso de A Voz Suprema do Blues, infelizmente. Produto cinematográfico de altíssimo nível, Meu Pai torna-se graças a astúcia de Zeller um legítimo representante do cinema francês (europeu, mas especialmente francês) falado em inglês, aprofundando o drama humano sem exageros, orgulhosamente elegante em cada plano, mas repleto de pequenos grandes momentos pontuais, coerentes a trama como um todo. Mas o clímax do show são dois titãs em cena: um monstro sagrado de Hollywood, e uma rainha em ascensão. Anthony Hopkins faz, aqui, apenas a atuação da sua carreira, e Olivia Colman volta a interpretar uma mulher simples, bem longe do luxo monarca, com absoluto brilhantismo. De se rasgar elogios, e não apenas lágrimas e espanto, para suas atuações que contribuem, e muito, para tornar a obra uma experiência devastadora.

  • Crítica | Hércules

    Crítica | Hércules

    O terceiro filme da primeira trilogia X-Men só não foi mais criticado porque nenhum fã do universo Marvel pensou em formar uma religião anti-Brett Ratner. O diretor levantou a cólera de quem se acostumou à excelência e amor-de-fã de Bryan Singer e de quem não engoliu uma história que não tratava tal universo de forma especial. Com os pingos nos is, é certo que a estética de Ratner não possui muita personalidade e outros atrativos destoantes das demais, quiçá superior, a ponto de honrar certas lendas populares que, vez ou outra, superam em potencial e vigor o próprio toque de Midas desse ou daquele cineasta, corajoso o bastante pra desmentir profecias negativas a seu respeito, no tratamento de certo universo. É o caso de Hércules, o último Batman Begins do semi-deus.

    Uma figura icônica e previsível em tudo que faz, onipotente em imagem e não-semelhança perante o elenco de apoio, que, obviamente, gira ao seu redor feito o sol da produção que é, de fato. Só que o que já foi transportado mais de 25 vezes ao Cinema merece, ou em tese merecia, uma visão bastante particular para justamente tratar melhor sua mitologia e atualizar certas questões através de um cenário extremamente rico e vasto de símbolos de uma forma ímpar e contra a semelhança da overdose de iniciativas tomadas ao longo dos anos. A simbologia é imediata à vista de Dwayne Johnson, bom moço, leal e confiável, que dá presente às crianças enquanto as ensina sobre o que é ser um herói e fazer o certo, um verdadeiro político ancestral, cujos atos e músculos falam por suas ideologias. No caso, sua atuação Sylvester Stallone do ano, mesmo com a poeira das explosões de Os Mercenários 3 ainda por abaixar em 2014.

    Contudo, Johnson foi a escolha certa para o papel. Perante a (divertida e clichê) proposta de ação, exala virilidade e convicção durante suas missões homéricas em nome de um reino obtuso, comparável aos 300 de Esparta apenas pelo guerreiro mortal aparentemente invencível na linha de frente, inspirado no Gladiador de Russell Crowe  mas sem um Russell Crowe para interpretá-lo, essa é a verdade. O guerreiro olímpico de Johnson é um cérbero perturbado por não poder descansar suas três cabeças ao mesmo tempo  um conflito que rende uma única boa cena, já na reta final do contexto, mas antes tarde do que nunca.

    Se as concepções visuais e as alegorias sonoras de Mel Gibson em  Coração Valente ainda inspiram inúmeros épicos, uma nova e inédita apresentação da estética de grandes cenas de ação ao ar livre, sob o luar ou à luz do sol, parece ser uma tarefa maior no Cinema que as doze clássicas às quais Hércules sobreviveu em sua mitologia original. É louvável, ao menos, o leque de referências empregado nos belos cenários de Tróia, O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia (quem precisa de coerência?) em contraposição ao decadente reaproveitamento do fraco estilo de Fúria de Titãs, Os Imortais e Percy Jackson (que Zeus perdoe os envolvidos no último exemplo), enquanto num básico uso do formato widescreen, exércitos e impérios liderados pelo fortão marcham no que parece, em algumas cenas, um faroeste americano, sem armas ou viúvas, mas com bigas, flechas, gregos e centauros no lugar (o que é coerência?). É tudo uma questão de adaptação, de influências positivas, com um personagem-título mais limitado do que à vontade, num figurino de bronze que não empolga muito ou faz deslumbre visual.

    Brett Ratner evoluiu (um tantinho assim, ó!) desde o ultra-criticado O Confronto Final, de 2007, e suas outras tentativas, desde então, na realmente árdua tarefa de empolgar uma plateia cada vez mais exigente, como naturalmente tende e deve ser – precisa ser, pois é sempre o público o estímulo principal para que a revitalização de ideias não seja adiada, de tempos em tempos, seja quanto tempo durar uma tendência , mas ainda não poderia caber ao diretor de A Hora do Rush 3 a tradução, em uma visão moderna de uma figura milenar, a ser melhor explorada em projetos futuros. No final, Ratner não ofende ninguém com seu Hércules, pelo contrário, diverte e conta uma história de forma competente  em determinada cena importante, a sonoplastia e edição ganham até uma nítida e direta inspiração do gigante Era Uma vez no Oeste, o que mostra até onde foram as intenções de quem fez a obra acontecer. Sem contar a meia dúzia de momentos bacanas ao longo da projeção e um final que faz justiça ao poder físico e moral do primeiro Schwarzenegger da história.