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  • Review | Jornada nas Estrelas: Enterprise

    Review | Jornada nas Estrelas: Enterprise

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    Em 2001, a primeira prequência da saga pensada por Gene Roddenberry começava, nas noites de quinta-feira na rede UPN (United Paramount Network Inc.) o seriado Enterprise. O programa era pensado em sua essência pela dupla de produtores que basicamente  mandavam na franquia à época, Rick Berman e Brannon Braga. O foco seria nas origens da Federação dos Planetas Unidos, ainda não fundada e é claro, na primeira nave capaz de viajar em velocidade de dobra de 4.5. Os tempos eram bastante diferentes, viajar pelo espaço era algo ainda embrionário e bastante perigoso, e a responsabilidade de comandar a tal nave Enterprise recairia sob os ombros de um homem arredio, chamado Jonathan Archer (Scott Bakula), um sujeito cujo perfil lembrava demais um James Tiberius Kirk ligeiramente menos canastrão.

    O mergulho ao passado era enorme, tendo sequer o  tradicional dizer da jornada forasteira, indo onde nenhum homem jamais esteve. A trama começa a partir da chegada de um estranho alienígena, um klingon que invade a Terra e é capturado. A missão teria um viés diplomático, de investigação da origem deste klingon, e contaria com a cooperação mútua entre vulcanos e terráqueos, em um acordo pseudo pacífico bastante frágil, dado aqueles tempos de total desconfiança.

    A mostra da tal cooperação mútua ocorre a partir do ingresso de T’Pol (Jolene Blalock), a oficial de ciências, que é encarada como espiã dos vulcanos, como a presença dos aliados em meio aos irascíveis homens comuns. No entanto, o clima aventureso típico de Star Trek segue vivo, em especial pela fala do doutor Zefram Cochrane (James Cromwell), de que a velocidade de dobra permitiria ao homem pesquisar o que jamais foi visto, na fronteira final que era o espaço. As promessas eram quase infinitas, mas o desenvolvimento das desventuras é gradual.

    O uso de efeitos práticos, cenários reais  e maquiagens comuns causa nostalgia ao espectador atual, mesmo que o programa não seja assim tão antigo. Tais fatores incluem substância, conteúdo e textura ao drama mostrado. Apesar de algumas cenas vergonhosas e de conteúdo sexual discutível, o piloto é até interessante, em especial se comparado com o decorrer do primeiro ano, que mais contém erros que acertos.

    O decorrer dos capítulos revelam uma mesmice incômoda, em momentos que quase não formam arcos, de tão episódicos e autônomos que são seus plots. As missões são genéricas, em quase nada acrescentam a mitologia da franquia, demonstrando que a fórmula procedural se desgastava com o a modernização da linguagem televisiva. Até mesmo o foco em um triunvirato de protagonismo ocorre, com Archer, T’Pol e Trip (Connor Trinner), exatamente como foi com Kirk, Spock e McCoy.

    Alguns conceitos embrionários são desenvolvidos ainda na temporada um, como a rivalidade entre andorianos e vulcanos e a ideia por trás do holodech, que seria utilizada na Nova Geração e até as dificuldades da tripulação em entender línguas de outros povos, já que o tradutor simultâneo ainda está em fase de teste, tendo até a alferes Hoshi Sato (Linda Parkresponsável por manter a diplomacia em voga e por travar o contato idiomático com as raças diferentes a que tem 

    As dificuldades desta tripulação incluem fatos curiosos, além da recorrente problemática de comunicação. Os tripulantes são proibidos de se relacionarem entre si, o que causa um celibato forçado entre os alistados, assim como um aumento na tensão geral. Outra situação limite é a ausência de descanso, provando que os direitos trabalhistas foram acordados com o decorrer do tempo, afastando a teoria muito utilizada pelos críticos da franquia de que a utopia política vista na Enterprise de Kirk surgiu instantaneamente.

    No fim do primeiro ano e início do segundo ano, se explora as questões da Guerra Fria Temporal, envolvendo uma parcela da raça dos sulibans, geneticamente modificados, denominados cabal. O ataque a Enterprise são incisivos, com os alienígenas cercando a nave e exigindo a total cooperação de Archer. A hostilidade dos sulibans já foi aludida antes, dentro do seriado, mas não de forma tão direta e cruel quanto nesses momentos decisivos. As manobras utilizadas por Archer fazem lembrar demais a audácia de James T. Kirk nos episódios originais, com o roteiro finalmente dando um pouco de fibra ao seu capitão, juntando esta boa característica ao seu carisma e extrema dedicação ao papel.

    Após todo o imbróglio, o status quo de retratar a história de modo episódico é reprisado, com um belo início ao situar a presença de T’pol no primeiro contato estabelecido entre os vulcanos e os terráqueos. O decorrer do segundo ano segue morno, ainda mais do que no primeiro, evocando quase sempre referências as partes da franquia que só seriam desveladas muito no futuro, como a relação com os Ferengi e os Borgs, raças somente introduzidas pós Nova Geração, com centenas de anos após este programa.

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    Na transição entre o segundo e terceiro ano, há um agravamento da questão da tal guerra fria, soando no mais desinteressante desfecho de arco até então. As críticas negativas a Enterprise normalmente são exageradas, fruto de uma expectativa de fãs que não é alcançada graças ao formato spin off. No entanto, o defeito apontado com relação ao formato são completamente justos, pois a transição entre uma série procedural e as mais ligadas na continuidade exacerbada se dá muito tardiamente. O formato da franquia Star Trek tem muito pouco a ver com o decorrer dos programas que se tornariam campeões da audiência, com apelos muito invertidos em comparação com Lost, 24 Horas, Heroes e com as futuras séries da HBO, o que fez a produção de Braga e Berman soar muito destoante de sua época.

    A escolha dos roteiristas foi a de fomentar mini arcos, dentro do período anual, com episódios contínuos que duravam de dois a quatro capítulos, envolvendo as raças que estavam em conflito, e que em suma, pouco acrescentavam tanto a mitologia da época, quanto ao interesse geral o programa. A importância de tais conflitos rivaliza com o aumento da exploração sexual de T’Pol, artigo que já incomodava antes e que piora bastante nesse ano, onde se institui de fato um triângulo amoroso fajuto entre ela, Archer e Trip, ocorrendo a chegada às vias de fato com este segundo, além de alguns (muitos) momentos de sonhos fantasiosos, onde estes se entregam a luxúria.

    A tentativa de resultar em qualquer popularidade, visto que os índices de audiência diminuíam cada vez mais, fez os produtores inserirem mais raças alienígenas antagonistas características de outras sagas de sci fi, como os repitilianos, que passam a comer ratos, como em V: A Batalha Final. O quarto ano só ocorreu graças a muita insistência do fandom, que lotaram a caixa de e-mail da Paramount para que a série não fosse cancelada. A mudança na postura trouxe a trama para uma viagem temporal que faz paralelos desta encarnação com a da série original, em especial com o episódio Uma Cidade A Beira da Eternidade.

    Já no terceiro episódio, Archer e seus tripulantes voltam a Terra, com a pecha de heróis galácticos, para logo ter essa adjetivação discutida em tela. De fato os textos melhoram muito, ainda que seja mais pelo apelo a mitologia dos episódios clássicos do que por méritos próprios dos roteirista. Se destacam as participações dos romulanos e a quantidade absurda de choques ideológicos dos andorianos com outras raças, incluindo aí os tellaritas.

    O maior fascínio do seriado certamente recai sobre T’Pol e suas posturas. Após explorarem um vulcano mais condizente com a ideia original de ser sem emoções, com Tuvok em Jornadas nas Estrelas: Voyager, retornava-se a ideia de um alienígena mais emocional, passível de erros e capaz até de se viciar em drogas sintetizadas. A postura da moça inclusive faz muito mais sentido por exemplo do que a postura de Zachary Quinto no reboot de J. J. Abrams, exatamente por ter boas justificativas no  texto, ainda que nem sempre as viradas tenham sido tão bem construídas. A faceta extremamente sensual foi pensada pela própria Jolene Blalock, que usava trajes cada vez mais coladas e que pedia aos produtores mais cenas em que seu corpo fosse o maior mote visual, o que de certa forma a fez ser motivo de controvérsia, ainda mais aos olhos modernos e a representação da mulher no audiovisual. Mas o encanto não provinha só da beleza da atriz e do papel em si, e sim do extenso carisma que a personagem foi adquirindo com o passar das temporadas.

    Os últimos dez capítulos tem um tom especial, a começar pelo episódio duplo, com a explicação da praga klingon, que fez supostamente as figuras bélicas da galáxia perderem seu aspecto de hostilidade, ficando mais parecidos com os indianos que se vêem na série clássica, passando pelas idas e vindas de Trip ao posto de tripulante da Enterprise, fugindo do compromisso amoroso que poderia ter com T’Pol. O seriado guarda em seus últimos momentos uma maior preocupação com o futuro/passado da franquia, bem como grifa a intimidade entre personagens, dando maior significado ao drama visto em tela.

    O episódio do universo espelho, In a Mirror, Darkly demonstra o início do Império Galáctico, onde os humanos da Terra são hostis, e começam por atacar os vulcanos no primeiro contato com eles. Nesta versão, é curioso como as personagens femininas, especialmente a linguista Hoshi são ainda mais sexualizadas, tendo até seus uniformes cortados na altura da barriga, a fim de mostrar mais pele feminina, expandindo a sensualidade desta e até de T’Pol, que contém um cabelo maior que sua versão natural, se assemelhando ainda mais ao padrão de beleza do começo dos anos 2000. Os cavanhaques são abandonados nesta versão malvada, mas as barbas por fazer prosseguem como parâmetro de malignidade, assim como deformações, mostrando que Enterprise explorava os estereótipos um passo atrás de seu próprio tempo ao contrário da primeira série, que punha-se a frente de sua cronologia de lançamento.

    O quadro melhora ligeiramente ao se explorar o contato com a geração do século XXIII, em referência ao capítulo Arena da série clássica, onde se justifica a rivalidade dos reptilianos Gorns com os humanos, finalmente mostrando como seria a concepção desta raça em CGI. Os penúltimo e antepenúltimo episódios finais de dedicam aos embriões da aliança que resultaria na Federação de Planetas e consequentemente na Frota Estelar, explorando a paranoia humana presente nesta união. A disputa de ideias entre Archer e John Frederick Paxton (Peter Weller) é tão  antiga quanto a explorada no universo espelho, envolvendo a expansão espacial pondo em lados distintos a predação e a convivência pacífica. A lição tirada, em especial pondo em cheque a palavra do Doutor Phlox (John Billingsley) é a de perdas e ganhos, mostrando que mesmo uma exploração pacífica pode sofrer terríveis ataques, vindo de quem não sabe tratar sua própria intolerância, salvando então um argumento já combalido, finalmente levando Star Trek para a ideia inicial de Ronddenberry, que era mostras as mazelas e diferenças culturais sendo derrubadas em prol do progresso.

    O derradeiro episódio mostra uma viagem aos sets de A Nova Geração, com o comandante William Riker (Jonathan Frakes) assistindo a um documentário holográfico, que teria fortes ligações com os eventos de Enterprise, discutindo-se até tais efeitos junto a Deanna Troi (Marina Sirtis), que acredita que o homem do alto comando está obcecado com a situação de seus antecessores. O capítulo seria bastante genérico, não fosse a exploração do último dia da expedição. Por mais que haja uma tentativa imensa de gerar emoção, falta ao derradeiro episódio, o que de certa forma explica a regularidade do seriado. Exceto é claro pelo emocionante discurso final, mesclando cenas das três versões da nave, acoplando o discurso de Patrick Stewart, Will Shatner e Scott Bakula, que remonta ao desbravar que Ronddenberry começou e que Rick Berman e Brennon Braga tentaram prosseguir, quase sempre respeitando a obra original, apesar dos muitos escorregões, tanto dos spin offs quanto desta encarnação.

  • Crítica | Missão: Impossível 2

    Crítica | Missão: Impossível 2

    Missão Impossivel 2 - poster

    Após Missão: Impossível com uma narrativa de espionagem bem conduzida por Brian de Palma, Missão: Impossível 2 avança a um novo patamar com John Woo na direção, dando sequência a uma missão como base e explorando atos de ação bem realizados, um de seus grandes talentos.

    Distante de Hollywood há anos, essa produção foi a última do diretor a arrematar uma alta bilheteria e ser elogiada simultaneamente, suas produções seguintes em Hollywood, O Pagamento e Códigos de Guerra foram lançamento tímidos em relação a suas grandes obras como O Alvo e A Outra Face. Ao vermos um filme de Woo, é possível notar o quanto a indústria absorveu seu estilo. As cenas de ação filmadas com atenção, detalhes e coreografias se tornaram um produto além de seu estilo, ainda que suas cenas seja mais apuradas. Aliado a Tom Cruise, astro que sempre dispensa dublês nas cenas, o encontro foi significativo para produzir um grande filme de ação.

    A composição de Missão: Impossível formada por um grupo de inteligência cujas missões são focadas em sua dificuldade e em feitos impossíveis permitiu que cenas exageradas fossem aceitas com mais naturalidade e hoje, mesmo com o desgaste desse estilo com cenas que desafiam as leis da natureza, com introjeção do realismo brutal após Identidade Bourne, a história é funcional e coerente com a ambientação criada e a sensação de que, para a equipe, o difícil é ainda fácil de ser realizado.

    Nesta nova aventura, Ethan Hunt deve recuperar um vírus das mãos de um dissidente com o apoio de uma equipe formada por dois escolhidos e a ladra Nyah (Thandie Newton), que possui afinidade emotiva com o vilão Sean Ambrose (Dougray Scott). A ação do virus é tão devastadora que mata o hospedeiro após vinte horas, um dos motivos pelo qual ele deve ser recuperado imediatamente.

    O equilíbrio entre trama e cenas de ação é feito cuidadosamente. Mesmo que as cenas de ação se destaquem pela composição, há um bom enredo articulado na recuperação do vírus, sem parecer apenas apoio para a ação. Woo tem apuro nas filmagens das cenas de ação e demonstra porque seu estilo foi replicado por outros cineastas. Sua câmera lenta não é selecionada somente em momentos chave da luta para maior impacto. Mas sim escolhidos para destacar tanto detalhes cênicos quanto explicitar cenas em um recurso narrativo próprio. Como exemplo, o primeiro encontro de Hunt e Nyan merece destaque. Em cena situada na Espanha, em um show de dança espanhola, as personagens se observam em lados opostos do palco enquanto os dançarinos transitam em outro plano da cena. A câmera lenta registra a fluidez da dança simultaneamente aos olhares e flertes trocados um pelo outros. A sequência é retomada quando Hunt persegue a moça em uma corrida de carros que termina com uma derrapada-balé em sincronia. Mesmo beirando o impossível, a linguagem da cena demonstra a mesma intenção anterior, uma espécie de dança metálica entre carros mantendo a sincronia das personagens.

    O diretor tem habilidade para transformar cenas em signos visuais internos coerentes com seu estilo de filmagem. Faz da violência uma estética que dentro de sua brutalidade produz beleza. Não a toa, o ato final da história é o grande embate entre Hunt e Ambrose. Divido em pequenos atos, a cena atinge o ápice da história. Inicialmente, em uma excepcional fuga de motocicletas para a luta corporal. Em um breve deserto perto de um penhasco, as maquinas automotivas distantes uma da outra parecem duelar como um western contemporâneo quando avançam e, finalmente, mocinho e vilão lutam no braço. Hunt se divide entre uma luta física rápida e agil – antecipando a vertente realista – e o balé coreografado aumenta o impacto em momentos específicos ampliando a tensão e dando fluidez a luta destacando-a em pontuais momentos em câmera lenta. Diante do exagero extremo, o momento final da batalha chega no ápice do impossível, mas até este momento, sabemos que a tônica da produção é um viés misto de realidade e ficção e aceitamos o exagero.

    Com grande fôlego, Woo elevou a série ao inserir sua ação característica, expandindo-se além da narrativa de espionagem e compondo um grandioso trabalho cinematográfico de ação.