Crítica | Cabo do Medo
Remakes são um perigo. A probabilidade de atacar o material original é gigante, mas ninguém melhor que o cara que produziu o melhor remake dos anos 2000 (Os Infiltrados, pra quem tinha dúvida de qual seria) para, no auge da fama e glória que conquistou após tantos clássicos dos anos 70 e 80, rodar em 1991 a trajetória sangrenta de Max, um assassino implacável que volta da prisão para infernizar, quase que literalmente, a vida da família do advogado Sam, homem honesto mas que o faz passar 14 anos enjaulado após perder o seu caso no júri.
O psicopata interpretado por Robert De Niro volta com tudo, sangue nos olhos e faca na boca, e levando até as últimas consequências dos seus atos, Max coloca Sam, esposa e filha numa espiral (isso sim, literalmente falando) de tormentos físicos e psicológicos que para sempre vão estar no DNA daquela família. Mas Cabo do Medo vai além de bons sustos e uma direção forte em torno de uma história de vingança; eu diria, muito além disso.
Estamos falando sobre a exploração bem-vinda, construtiva e talhada de um gênero, um tanto desgastado nos anos 90 e revivido em especial pelo sucesso de O Sexto Sentido, de M. Night Shyamalan. Martin Scorsese, o cineasta que nunca descansa tal qual sua famosa cidade de Nova York, revive elementos nesse remake de Círculo do Medo e recicla-os com maestria e força bem típica da sua visão, adotando na película a intensidade do assassino para traduzir, da maneira mais marcante e dramática possível o assombro que a família do advogado passa a viver, todos pagando pelo erro do pai.
Da mesma forma como Max brinca com a filha de Sam, manipulando-a num jogo de sedução e pedofilia subjetiva, Scorsese nos instiga sobre os próximos passos que o vilão irá tomar, imprevisível e visceral, bem no estilo ‘doe a quem doer’. Sem baldes de sangue ou mortes icônicas, há aqui a curiosidade de um detetive cinematográfico debruçado sobre as possibilidades que a boa e velha tensão agrega a uma história dessas, e Scorsese faz isso com um prazer gigantesco e um tesão pelo suspense irresistível – a cena do ursinho é melhor que o “universo” de Invocação do Mal inteiro.
Difícil lembrar de algum filme que o mestre de Touro Indomável ou Táxi Driver não tenha feito com toda a paixão e zelo do mundo pelo projeto, o que explica a barriga que suas histórias ganham, muitas vezes sendo mais longas que o necessário, mas se fosse para escolher algum entre tantos, o parente de Cabo do Medo poderia ganhar o título. A Ilha do Medo, com Leonardo DiCaprio, é quase tudo o que esse ótimo filme dos anos 90 nunca foi projetado para ser, felizmente: apático, distante, e portador duma atmosfera tão frágil que, se soprar, estilhaça.
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