Tag: F. Murray Abraham

  • Crítica | O Nome da Rosa

    Crítica | O Nome da Rosa

    Poucas adaptações cinematográficas de romances literários podem se dizer tão elogiadas e tomadas como referência como foi a de O Nome da Rosa, de Jean-Jacques Annaud, que traduz em tela o material homônimo de Umberto Eco. A primeira cena do filme se dá em meio a uma tela preta, acompanhada de palavras sagradas em uma oração em forma de reza. Logo depois, somos apresentados a William de Baskerville e Adso Van Melk, personagens de Sean Connery e Christian Slater, recém-chegados a um mosteiro ao norte da Itália.

    Antes mesmo de revelar o motivo da chegada dos franciscanos se percebe nos hábitos e falas do homem mais velho um método de dedução e lógica acurados, com semelhanças gigantescas a Sherlock Holmes para além da referência óbvia em seu nome (homenagem ao romance de Arthur Conan Doyle, O Cão dos Baskerville). A motivação se dá graças a venda de parte das riquezas da igreja católica, mas forças externas parecem ir na direção de proibir tal conclave.

    As diferenças entre Adso e William são enormes, enquanto um tem toda uma vida de descobertas para explorar, o outro é descrente vendo o homem bastante distante do Divino, como se a entrega para o sacerdócio tirasse sua inocência e sua capacidade de crer indiscutivelmente na onipresença de Deus, não por conta de inabilidade do ser supremo, e sim pela sujeira inerente aos homens. A observação sobre os rumos da humanidade e o estudo das sagradas escrituras são uma boa possibilidade para explicar tal desencanto.

    A estrutura de narração do velho Melk também contém elementos da literatura de Conan Doyle, em uma emulação do modo que John Watson descrevia os feitos do detetive, inclusive com a mesma admiração entre pupilo e mentor. A vazão ao olhar sem esperança de Baskerville o faz enxergar que a natureza humana se distancia da santidade, mesmo aos que se dedicam aos estudos de Cristo. O modo como a história lida com a libertinagem e as pulsões sexuais, seja dos detentos do mosteiro ou seu aluno são provas do quanto tudo isso faz parte do comportamento normativo do homem. Curiosamente, William não opina sobre nenhuma delas, como se estivesse à frente desse tipo de julgamento moralista.

    O ingresso do desafeto de Baskerville na trama, o inquisidor Bernardo Gui (F. Murray Abraham), faz entender um bocado da falta de esperança do velho protagonista. As torturas, perseguições e a desnecessária demonização de eventos humanos são uma boa mostra da incredulidade dele na boa ação dos homens e sua falta de piedade com a raça. A aura de mistério e acusação ganham força com o decorrer do filme, isso é fortalecido não só pelo roteiro e pela construção de atmosfera organizadas pelo departamento de arte e fotografia, mas também pelos atores. Connery, Slater e Abraham fazem papéis importantes cuja dedicação é total para que o espectador entenda o intuito da história.

    O Nome da Rosa é o resultado de uma análise bem pragmática da condição humana, com uma valorização dos homens cultos e estudiosos, possuindo muitas camadas em si, desde a mais superficial delas como um mero filme de suspense e investigação, até a desconstrução de estereótipos e arquétipos não só ligado à religião, mas também as sociedades (modernas e antigas). Resulta em uma ode a um passado mais simples, porém mais violento, abrilhantada por uma presença forte e carismática de Connery e seus colegas do grande teatro britânico.

    https://www.youtube.com/watch?v=zeB8fWh4X-s

  • Crítica | Encontrando Forrester

    Crítica | Encontrando Forrester

    Encontrando Forrester, longa dirigido por Gus Van Sant e lançado no ano 2000, começa com o registro das ruas, com uma pessoa batendo claquete para um jovem, que começa a declamar a poesia das ruas em forma de rap. Aos poucos, o filme vai mostrando o cenário urbano nova iorquino, com as ruas, as salas de aula e os refeitórios de escolas cheios de jovens negros interagindo ou simplesmente estudando enquanto vivem a rotina de tentar estudar e viver.

    O roteiro de Mike Rich acompanha Jamal Wallace, feito por Rob Brown (a época, usava a alcunha de Robert Brown), um estudante que busca conseguir a oportunidade de estudar numa universidade, se valendo do seu talento como jogador de basquetebol no High School. Suas notas chamam atenção de um colégio particular, e ele ganha uma bolsa para, basicamente, desempenhar o bom papel que já vinha fazendo no basquete.

    Van Sant é bem econômico aqui, desenvolve a jornada do rapaz vagarosamente, mostrando-o andando sempre com uma bola embaixo do braço, assim como anda com os papéis onde costuma escrever. O caminho do jovem se cruza com o de William Forrester (personagem de Sean Connery), um homem recluso e anti social que se recusa até mesmo a vê-lo. Os dois têm em comum o prazer pela escrita, embora o veterano escritor não dê muita abertura para qualquer conversa nesse sentido, no começo da interação entre eles.

    A fotografia do longa, assinada por Harris Savides (Zodíaco e Bling Ring), faz predominar cores bem diferentes nos cenários que o protagonista passa. Na Mailor, escola para onde ele vai, se percebe os tons de marrom, que miram a formalidade daquele local. A casa de Forrester também tem muito marrom, em especial nos velhos móveis de madeira, mas aqui se misturam com o cinza, e que com uma tonalidade mais escura, que reflete a personalidade do velho homem, que já não parece mais propenso a viver em sociedade.

    É curioso como esse foi um dos últimos filmes de Connery antes de se aposentar, sendo obviamente mais bem aceito que o seu último de fato, A Liga Extraordinária, onde ele também se utiliza de uma peruca para emular mais cabelo do que tem. Por mais que o longa de Van Sant contenha fragilidades, nada justifica uma comparação com o outro produto.

    As partes onde mostram o basquete são bem feitas. O diretor encontra bons ângulos, seja nos treinos em que Jamal disputa contra Hartwell (Matthew Noah Word) ou nas partidas de fato. O jogo de pés do rapaz é bom, a câmera registra a cintura e coxas dele se movimentando em quadra muito bem, assim como dá fluidez ao seu movimento rumo a cesta. As bandejas executadas ganham um tom quase poético, assim como o mergulho do rapaz na intimidade do escritor que é seu vizinho. Em comum, os dois personagens tem a casca grossa, que dificulta uma real aproximação – embora cada um aja temperamentalmente diferente a novas investidas de estranhos – e claro, a melancolia proveniente de morarem em um mundo que está longe de ser o ideal para os seus talentos e anseios.

    O estudante e o escritor vêem um cenário em que o passado os machuca e o presente é só de cinzas, como se o pretérito tivesse sido um incêndio que não deixou vivo nada do que já foi bonito. Van Sant já demonstra aqui boa parte dos elementos narrativos que utilizaria em Elefante, em especial a dificuldade do jovem americano em lidar com a pressão constante de ter que vencer, de ter que ser alguém. Toda a jornada de Jamal passa por isso, desde a rivalidade e carência dele em relação ao seu colega Hartwell, até a aproximação da bela Claire (Anna Paquin), que simboliza a garota dos sonhos que dificilmente teria contato com um rapaz como ele fora do cenário de Mailor.

    Não há muita sutileza no que tange ao personagem do professor Crawford, de F. Murray Abraham. Seu arquétipo é o do anti mentor, quase o de um vilão, um homem branco e velho que não consegue acreditar que o jovem é capaz de escrever o que escreve, e por mais que o tema seja caro e toque em um clichê bem rasteiro do pensamento racista – de que o negro é capaz de feitos físicos e não intelectuais – o que se vê aqui ultrapassa a linha da normalidade. Os personagens são postos em pólos antagônicos, mas de uma forma tão forte e visceral que soa até irreal a perseguição do homem velho ao jovem

    Por mais que não seja perfeito, e tenha um bocado de maniqueísmo em sua performance, Procurando Forrester compõe uma boa saída de cena de Connery, sendo também um bom retorno de Van Sant aos bons tempos, inclusive com referencias claras aos seus sucessos do passado, como Gênio Indomável. Além disso, seus créditos finais ocorrem enquanto meninos jogam um rachão, a beira da janela onde acontece o ato final, mirando uma abordagem poética do apreço desses jovens ao esporte, mostrando a face da inocência também por meio dos hobbies da juventude.

  • Crítica | O Grande Hotel Budapeste

    Crítica | O Grande Hotel Budapeste

    o grande hotel budapeste

    O Cinema de Wes Anderson, sendo a arte antes do artista, é claro, é um corredor de pinturas, uma ida ao museu numa tarde chuvosa onde não há mais nada a se fazer senão apreciar a viagem histórica. O cineasta tem a preferência de centralizar seus mundos enquanto expande os significados deles através de uma simbologia única em nível de identificação universal. Mundos onde todos os personagens são totalmente imprescindíveis à história ao mesmo tempo em que são totalmente desnecessários à narrativa em retalhos: substituíveis e relevantes ao mesmo tempo. O Grande Hotel Budapeste é o Cinema de Jacques Tati e Stanley Kubrick feito para todas as idades e mentalidades. Lindo, matemático, extremamente planejado em planos cênicos milimétricos, mas não é superficial em toda a sua estilização, afinal de contas, apenas por denunciar a beleza existencial do mundo a partir dos valores humanos de cada vida vinculada à teia apresentada.

    Até porque Anderson tem olho clínico e confiança de chamar atores do mais alto nível, assim como semi-desconhecidos, para interpretar figuras icônicas que pertencem a mentes de pessoas como Alan Moore, genial escritor inglês e famoso por sua excentricidade. Logo no começo de Budapeste, percebemos os traços marcantes da filmografia do diretor de Moonrise Kingdom, seja na (ótima) direção de arte, seja na atmosfera visual ou na musicalidade inocente e eclética de sempre. Enfim, temos, ao longo de uma hora e meia de projeção, a desconfiança da releitura artística que o filme vem a ser, na real, muito antes do clímax esperado.

    Releitura devido ao ponto alto da carreira que o cineasta já conseguiu alcançar “por acaso” é onde repousa seu belo e extravagante hotel. Um cume no qual não carece mais provar seus talentos e visão pessoal a mais ninguém, vide a falta de pretensão, de autoestima, e de altos e baixos de uma energia linear e constante ou mesmo de alguma dose de seriedade da história de corre-corre e de amizades inesperadas pelos caminhos. Veredas a partir e muito além dos corredores e escadas sinuosas do edifício homônimo.

    A fusão entre realidade e realidade particular pode ser uma das explicações para definir a arte de cada um; o Cinema, inclusive, o qual muitos chamam de “a arte completa” por ser justamente a fusão da maioria delas. Seja como for, e sem mais delongas, Anderson e seu elenco espetacular – Tilda Swinton aparece 5 minutos depois do início do filme, durante 60 segundos apenas, e é tão impressionante sua participação que a projeção poderia terminar com sua saída e tudo seria maravilhoso do mesmo jeito – defendem a teoria que abre este último parágrafo na aurora de uma realidade particular, a que todos nós aprendemos a amar, cada um à sua maneira, e que muito completa a verdadeira realidade das coisas.