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  • Crítica | O Último Ato

    Crítica | O Último Ato

    O veterano diretor Barry Levinson dá prosseguimento a sua parceria com Al Pacino, muito bem-sucedida em Você Não Conhece o Jack, para dar vazão ao metalinguístico O Último Ato, filme que conta a história de Simon Axler, um ator de teatro reconhecido por seu méritos dramáticos que de repente percebe-se do lado de fora do teatro, um pesadelo comum de qualquer ator. Na verdade, este é somente o primeiro aspecto de sua tragédia pessoal.

    O arroubo emocional em que Axler está metido faz com que ele tenha atitudes drásticas, impingindo a si uma dor tremenda na tentativa de sentir algo sob a própria pele, no desespero de não conseguir mais exercer seu talento. Os takes em lugares bastante distintos remetem à dificuldade que Simon possui em atuar por diversos cenários, tendo como constante o terrível temor de não conseguir mais pôr em prática os ensinamentos que propaga em palestras a seus alunos. A perda de sua essência enquanto artista invade inclusive sua perspectiva de identidade.

    Em meio a sua crise existencial, buscando fugir de sua depressão habitual, Simon prossegue seus dias, até receber a visita da filha de amigos de longa data: Peggen Mike Stapleford, mais um papel forte de Greta Gerwig. Peggen é uma jovem lésbica, de bela aparência, que fantasiava casar-se com o astro desde que era apenas uma garotinha. Após tomar bastante vinho, a moça inicia uma interação sexual com o homem, em um flerte que só ocorre em virtude das atitudes da moça, muito por causa da completa inadimplência emocional e sexual que o ator geriátrico vive em sua rotina.

    A apresentação dessa nova relação abre mais possibilidades de conflito, combalindo ainda mais a mente do artista, já em degradação, com novos paradigmas de brigas e disputas, a começar pelos antigos affairs de Peggen. Deparar-se com a amante de sua parceira faz Simon ter ainda mais dúvidas, principalmente sobre os motivos que a fizeram trocar a antiga rotina para estar com ele, sendo assim incapaz de enxergar o óbvio, que envolve a proximidade causada pela admiração do passado entre ambos.

    Da maneira mais patética possível, os pais de Peggen chegam ao  lar de Simon para indagá-lo a respeito dos desejos e atos lascivos do padrinho com sua afilhada. Mesmo tendo vivido sua rotina de modo dionisíaco até então, o artista começa a se perguntar sobre a moralidade, ou a falta dela, de seus atos, assim como a posição de conviver entre seres completamente insanos, que lhe pedem favores nefastos baseados na ilógica, tão tresloucados que fazem duvidar qual é o nível de realidade em que vivem.

    Toda a dimensão do trabalho de imersão de Simon Axler é duramente analisada sob os olhos atentos da câmera de Levinson, dionisíaca como todo o esforço de exercer atuação sobre material e texto alheio. A preparação e energia que deviam ser empregadas para fazer Rei Lear são gastas em discussões e na resolução das vicissitudes inerentes à vida do adulto, fruto da mesma rotina que lutou tanto para apagar ou fugir; o cotidiano que refutou graças à dedicação ao seu próprio, que, vez ou outra, contemplava também seu talento.

    A repentina crise que passa faz pensar que aquilo é a retribuição do que Simon plantou, resumida na perda da única coisa que lhe foi importante e constante em vida. A arte é tão ingrata quanto a soberba: só se permitiria ser capturada novamente quando a entrega do intérprete fosse completa. Os aspectos teatrais fazem lembrar o texto de A Pele de Vênus, de Roman Polanski, no desesperador ato que une rei e figura artística, os quais têm nas luzes da ribalta e aplausos a sua igual gratificação. Os momentos finais justificam tanto a versão brasileira de “último ato” quanto a descida ao cerne da humildade na tradução de “humbling”, tratando desta humilhação não como afronta, mas sim como a arma necessária para a entrega completa e a solução para o quadro depressivo.

  • Crítica | O Último Ato

    Crítica | O Último Ato

    Com profundos e furiosos olhos verde-escuros, um dos grandes atores americanos vivos, Al Pacino vive em baixa há quase duas décadas. Salvo três interpretações feitas em filmes televisivos, que lhe renderam indicações e prêmios, nenhuma das últimas produções envolvendo o ator foi suficiente para que pudesse se destacar como anteriormente, em personagens que se tornaram icônicas no cinema mundial. Talvez o último momento mais luminoso de sua carreira tenha sido em 1999 com O Informante, de Michael Mann.

    Representante de um estilo de interpretação extremada, chamada de overacting, o ator talvez esteja vivendo o declínio representativo devido ao envelhecimento físico. Diante das modificações físicas naturais do corpo, o semblante do ator ganhou mais vincos e, por consequência, uma imagem que sempre transmite desolação ou fúria. Além disso, papéis rasos de produções como Tudo Por Dinheiro, O Articulador, entre tantos outros filmes ruins ou desnecessários, não lhe deram o espaço para uma de suas grandes interpretações. Aos 74 anos, Pacino continua em cena, mesmo sem brilhar como antigamente.

    Adaptado do trigésimo livro de Philip Roth, O Último Ato estabelece um diálogo ativo com a carreira de Pacino, que representa Simon Axler, um consagrado ator de teatro que perde a habilidade da interpretação e, em um surto, se joga de um palco em meio a uma peça teatral. Dirigida por Barry Levinson, que trabalhou recentemente com o ator no premiado filme da HBO, Você não Conhece o Jack, a trama permanece entre o drama da personagem e o tradicional diálogo sobre a própria arte.

    Como Axler, Pacino entrega uma interpretação mais contida, ciente de que sua popular atuação explosiva seria incoerente com o declínio devastador do ator renomado. Conforme trabalha com um terapeuta sua inadequação perante a perda da capacidade interpretativa, o papel do ator se transforma em material filosófico para o longa-metragem.

    Comumente aproximamos dos atores o conceito de uma pessoa com talento e trabalhos suficientes para interpretar qualquer papel, sendo assim, transitando entre uma quantidade infinita de vidas e personagens. Trabalhando de maneira ativa com uma espécie de faz de conta, o ator também é observador atento que filtra reações diversas para espelhá-las em suas atuações. Não há um parâmetro definido que seja limítrofe entre vida real e universo interpretativo, com cada ator delimitando o quanto uma personagem influencia em seu cotidiano. Axler questiona a função do ator assumindo um distanciamento da realidade. Um observador que monitora a reação das pessoas, como se a vida fosse um conjunto de papéis cênicos. Um homem que perdeu a tessitura entre a ficção e o real.

    O talento interpretativo sempre visto como certo grau de erudição criativa também seria responsável pelo cansaço ao se inserir no cotidiano dos atores como um trabalho qualquer. A composição da arte sempre foi vista com parcelas de dedicação e suor, um amor estabelecido que, sem reciprocidade, se transforma em ato mecânico. Além das tensões internas, a indústria também promove, ou não, a continuidade do ator. Sabemos que muitos grandes atores chegam à velhice quase sem bons papéis, devido à demanda de um comércio que explora mais a juventude do que a terceira idade.

    Aos poucos, o drama sobre os limites de um ator se modifica para explorar o significado simbólico por trás da narrativa, a metáfora da humilhação da personagem central. Diante de uma história breve, originada em uma narrativa de aproximadamente cem páginas, Roth e consequentemente o roteiro adaptado acrescentam elementos demais para a discussão do crepúsculo da arte. A Humilhação, nome do romance e título original do filme, peca por excessos narrativos que vão contorcendo a vida da personagem de maneira demasiada, destruindo parte da realidade proposta por uma desvirtuação que suscita dúvida e deforma a intenção inicial.

    Em consequência da disparidade narrativa, o longa perde a potência e entrega um final comum a outras produções que fizeram da arte um objeto de reflexão e que ainda conseguiram manter a carga dramática. Uma pena para Pacino que, ao distanciar-se de uma interpretação explosiva, entrega um bom papel decadente, situação que, infelizmente, representa o estágio atual de sua carreira.