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  • Crítica | Uma Viagem Extraordinária

    Crítica | Uma Viagem Extraordinária

    O atual cinema francês não tem nada de atual, é de tradição e de comprometimento social como vem tentando ser desde os anos 60, com a resistência de grande parte da crítica e dos cinéfilos franceses, temerosos – no fundo – pelo tamanho das garras e presas da globalização prestes a engolir tudo e todos, muito além da terra do croissant e de outros clichês idiotas. Em termos de prestação de serviço ao registro da vida do público, de mistificar o que não cabe em jornais ou revistas, o cinema française mistifica e expande o sentido de seu microcosmo sócio-político como, hoje em dia, nenhuma outra filmografia de qualquer país consegue fazer, e esse é o principal de seus méritos: não apenas evitar ser uma televisão gigante com fatos não descartáveis, se atendo apenas a interesses públicos, como foi no século XXI o cinema inteiro da América Latina, mas ser mais teatro do que TV, muito mais nobre do que o horário nobre da telinha – como Alan Resnais tratou objetivamente de provar na ‘‘peça filmada”, ou no ‘‘filme encenado”, que é Amar, Beber e Comer, grande e rica obra de 2014.

    Mas nenhum filme desde a virada do milênio encantou tanto o mundo feito Amélie Poulain, de 2001, com um visual acachapante (e a beleza de Tautou) em prol do impacto que uma história simples e comum pode ter, se contada usando todo o poder absoluto da sétima-arte. Esse filme levou às grandes massas um cinema até então muito ligado à intelectualidade exagerada, digamos, algo arrogante e frio como ficou conhecido desde os tempos que Godard, Chabrol, Rivette e outros cineastas mandavam no jogo da exposição artística – de novo, com muito desdém pela turma mais antiga, acostumada só com Renoir e Carné, artistas de cinema em estado bruto. A Nouvelle Vague também já é passado, e, agora, Uma Viagem Extraordinária é a consolidação, o fruto do que começou no ano de 2001, quando o cinema do sotaque parisiense e do l’amour e da revolución ficou mais pop e livre do que nunca. E todo mundo, claro, amou e está amando o que não precisa mais ser rebelde – mas que não evita ser quando é preciso.

    A beleza e o encantamento como difusores de um conceito. Esse é a ideia, iniciativa e visão de Jean-Pierre Jeunet, o mais comportado dos surrealistas, justamente por ser mais expressionista que surreal, apesar de brincar de um jeito único com as duas vertentes. Para o artista, usar a lupa da graça ao analisar a vida neste mundo é básico, é uma obrigação a ser alcançada em cada facho de luz contra as sombras da desgraça. Com influência visual de grandes artistas do passado, franceses, americanos, e principalmente britânicos, poucos cineastas filmam o mundo de maneira mais viva e exuberante que Jeunet – Malick e o fotógrafo Roger Deakins podem entrar na lista. É burrice dizer que a estética de Amélie Poulain já não encanta mais, 10 anos depois, pois quem ainda não conhece o cinema de Jeunet vai se encantar do mesmo jeito ao assistir à obra, ao absorver a história francesa (em solo americano) de um jovem gênio, Spivet, um guri carismático que decide cair no mundo em busca de um prêmio conquistado por uma de suas invenções – que mais remete a um daqueles projetos de Da Vinci.

    O fantástico vem da extravagância que faz o filme ser o ícone de si mesmo. Tudo é visto pelo deslumbre que só uma criança vê o banal, o cotidiano, que não tem mais graça, visto da janela de um trem por um adulto, já integrado demais na vida real. O garoto Spivet é irmão do menino de Os Incompreendidos, cada um em uma realidade, mas unidos na curiosidade pelo proibido; ambos netos de Cabral e Colombo, todos sedentos pela promessa do além-abismo devido à sede pelo amanhã. Assim sendo, antes de ser um cientista, o moleque é descobridor da vida, e antes de ser um artista, Jeunet é adulto o bastante para expor sua criança interior na pele de outra, e sem medo de ser feliz. O resultado é o melhor e mais belo filme infantil desde O Garoto da Bicicleta, de 2011, na tradição do primeiro filme da história a se dedicar ao universo infanto-juvenil: O Ator Tokkan Kozo (1929), do mestre Yasujiro Ozu.

    Uma Viagem Extraordinária pode investigar o papel da criança no mundo de hoje, diferente da época do filme de Truffaut, mais livre e inteligente do que as gerações passadas para se libertar de dogmas familiares e descobrir seu lugar no mundo, de forma prematura. Ou ainda, pode debater o autoconhecimento através das relações pessoais que uma viagem nos traz, a todos nós, independente de nossas idades, por que não? Acima de tudo, atrás da paleta de cores e da experiência audiovisual que nos convida a assistir várias vezes o filme, sempre descobrindo algum sentido novo, com certeza é indiscutivelmente gratificante quando o cinema americano brinca de ser francês, e brinca de maneira tão graciosa.

  • Crítica | Para Roma com Amor

    Crítica | Para Roma com Amor

    To-Rome-with-Love

    Woody Allen é um cineasta de fórmulas: sua filmografia consiste em algumas histórias contadas repetidas vezes de forma mais ou menos parecida.  Porém o diretor é tão dono de seu estilo que é capaz de injetar frescor na obra e manter o interesse em filmes que apresentam pouca coisa de novidade.

    Mas, se o talento de Woody Allen é ser Woody Allen, seus filmes não são tão bons quando ele tenta ser outro diretor. Ainda que esse diretor seja Federico Fellini.

    Para Woody Allen (como para mim e, imagino, para a maior parte daqueles que já ficaram atrás de uma câmera de cinema), Roma é de Fellini, e ele enche seu filme de referências e homenagens ao diretor italiano: o núcleo do casal em lua-de-mel é adaptado de Abismo de um Sonho, o surrealismo da história de Leopoldo ou do “cantor de chuveiro” são absolutamente fellinianos.

    Mas de todas essas histórias a mais interessante é que tem menos Fellini e mais Woody Allen. O personagem de Jesse Eisenberg é um dos muitos alter-egos do diretor, um daqueles personagens inseguros, neuróticos, intelectuais e desajustados que ele analisa tão bem, mas que nesse filme não ganha espaço para ser olhado de perto, justamente por conta dos múltiplos núcleos.

    O forte de Allen são seus personagens e a forma como ele destrincha suas inseguranças, medos e neuroses. A graça de seus filmes é a lupa colocada nas nossas relações, nas brigas e detalhes de cada personalidade. Assim, ao optar por contar várias histórias ao mesmo tempo o diretor perde aquilo que tem de melhor e constrói um filme bastante simpático e eficiente, mas que não tem o carisma de seus melhores momentos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.