Na missão de adaptar um dos maiores clássicos da literatura moderna mundial, A Revolução dos Bichos, de George Orwell, o ilustrador brasileiro Odyr não poderia ser mais bem-sucedido, em sua empreitada. Aos transpor o romance direto para o mundo das formas e cores de uma HQ, o artista gaúcho oferece uma nova roupagem digna de aplausos a mais trágica das parábolas ocidentais, e claramente universal, agora com uma dinâmica visual diferente. Preservando consigo a força deste “conto de fadas rural”, que Orwell imaginou há quase oitenta anos, e cuja glória o Cinema ainda não deu cabo de honrar, nada mudou na essência da alegoria histórica, muito pelo contrário.
Desde 2019, temos aqui uma potência fabulesca e gráfica inéditas a embalar esta obra-prima sobre porcos e cavalos, cães e vacas que, cansados do chicote, formaram oposição com os seus cascos e chifres à violência do Sr. Jones, o fazendeiro da Granja do Solar, no interior da Inglaterra. Foi lá que a epopeia da bicharada começou, e sob a égide da coragem, da revolta e da esperança de serem donos de seus próprios destinos, sua Revolução expulsou o Sr. Jones daquelas terras, e a liberdade então se instalou. Desimpedidos, os trabalhadores e pacíficos bichos da Granja instituíram regras (a mais famosa, sendo “quatro patas bom, duas patas ruim”) a fim de simbolizar a verdade suprema: todos os animais são iguais! Só assim a dor da escravidão poderia ser, um dia, esquecida.
Mas não tardou de aparecer uma maçã podre entre as aves e cães, entre os equinos e galináceos, traindo os princípios da Revolução, e arruinando a utopia desse paraíso. Logo, os ‘cidadãos’ da Granja dos Bichos são envenenados por uma inteligência superior entre eles, sem piedade ou culpa, e uma ideologia de violência e paranoia chega para encobrir a tirania, que só cresce. E de repente, onde antes imperava a felicidade, corre o risco de voltar a ter um imperador pior do que jamais se viu, antes. A sátira a política Stalinista na antiga União Soviética não poderia ser mais explícita ao leitor mais esperto, nem um pouco suavizada pelo texto ou pelos sublimes desenhos em nanquim de Odyr – muito mais que meros acessórios de luxo, à história.
Em A Revolução dos Bichos, ao tecer de modo crítico e impactante a formação de um tirano, e seus seguidores cegos, envoltos neste sistema de pensamento único que aterroriza uma sociedade sem livre-opinião (submetida a um intérprete oficial que dita o certo, e o errado), Orwell flerta com o fascismo, a barbárie, a origem das distopias e toda sorte de injustiça que são injetadas, ou ainda, acordadas dentro de uma civilização. Todos os temas, como já afirmado, seguem intactos nesta obra-prima consequente, publicada no Brasil pela editora Quadrinhos na Cia., e que por seu colorido apelo e linguagem irresistíveis para todos os públicos, deve fazer parte das bibliotecas escolares para atrair os mais jovens a vivenciar, e aprender com esta aventura de modo divertido, mas não menos reflexivo.
O cinema político é o cerne da filmografia do haitiano Raoul Peck. Transitando entre o cinema e a TV, o diretor se tornou conhecido pelo caráter crítico e social de seus filmes, em especial com a indicação ao Oscar de melhor documentário por Eu Não Sou Seu Negro, sobre a vida e obra do escritor e ativista James Baldwin. No entanto, seu prestígio se destaca desde os anos 2000 em filmes como Lumumba, cinebiografia do líder congolês Patrice Lumumba; Abril Sangrento, sobre o genocídio de Ruanda; além de uma ampla filmografia sobre as mazelas sofridas pelo seu povo ao longo da história. De modo que não se mostra uma surpresa a escolha de Peck em filmar um período da vida de um dos teóricos mais importantes dos últimos séculos: Karl Marx.
O Jovem Karl Marx, escrito por Peck e Pascal Bonitzer, com a colaboração de Pierre Hodgson, foi lançado em um período bastante controverso de nossa história. Não apenas pela série de retrocessos sociais que os trabalhadores vêm sofrendo, mas também pelo avanço e crescimento do conservadorismo no mundo. “Se eu não usar o trabalho infantil outros farão e eu perderei mercado”, alega um empresário em determinado momento do filme, desculpas não tão distantes daquelas que costumamos ouvir hoje. Se tratando de Peck, não há coincidências. Seu cinema anda lado a lado com o nosso tempo.
O trabalho do diretor procura discutir a constituição histórica do marxismo. Se voltando para a gênese da teoria social desenvolvida por Marx e Friedrich Engels (Stefan Konarske), o longa busca retratar todo o cenário do movimento revolucionário anticapitalista do século XIX, desde anarquistas, como Mikhail Bakunin (interpretado por Ivan Franek) a diversas variantes de socialistas. Culminando na construção do chamado socialismo científico que superava as teses idealistas e utópicas dos pensadores da época.
Assim, o filme se inicia com um período bastante específico da juventude de Marx, a perseguição do Estado prussiano aos camponeses por conta do “furto” de madeira – lei que criminalizava qualquer cidadão que apanhasse lenha caída na floresta por se tratar de propriedade privada. O legislativo responsável pelo projeto de lei entendia ser necessário um alargamento do termo “furto” para essas situações, já que se versava apenas de mera contravenção penal. O absurdo era tamanho pois não se referia meramente de furto de madeira verde, mas sim a criminalização pela subtração de madeira caída e apanhada no chão ou ainda o recolhimento de madeira seca. Para Marx, ainda um democrata radical neste período, se tratava de um claro exemplo de mercadorização da natureza e uma adequação das leis segundo os interesses de uma maioria e não a natureza jurídica das coisas. A visão do direito para o pensador também sofreria modificações a partir de então.
Essa criminalização culminou em prisões e até mesmo em assassinatos de camponeses pobres pelo governo, marcando profundamente o pensamento de Marx acerca do papel da propriedade privada e do próprio Estado. O fato é fundamental, pois, em poucos minutos do filme somos apresentados ao protagonista quando ainda escrevia no jornal prussiano Gazeta Renana, publicação que mantinha um postura severa à monarquia. Criticado pelos seus pares pela radicalidade de seu artigo sobre o tema (texto que pode ser lido no livro Os Despossuídos, da Boitempo Editorial), o acontecimento marca não apenas sua entrada na vida política, mas também o primeiro embate com questões “materiais” e não apenas filosóficas. Em cena, temos o primeiro rompimento de Marx com a escola de pensadores radicais democratas e idealistas, por se dar conta dos limites e contradições dentro da ordem e do caráter de classe do Estado burguês.
A produção é calcada na tomada de consciência de Marx para um modelo teórico-econômico que seria desenvolvido ao longo dos anos, mas que tem como pedra basilar sua aproximação com Engels, as superações do pensamento crítico-radical e a definição da classe trabalhadora como o sujeito revolucionário. Todos esses importantes períodos da juventude de Marx são bem retratados, mantendo uma boa didática para os que não conhecem o cerne da obra do pensador, inclusive desmistificando a demonização constante do autor e sua obra.
Após essa apresentação inicial, somos apresentados ao jovem Engels, no interior de uma das fábricas têxtil de seu pai na Inglaterra, mostrando uma revolta de mulheres diante da completa falta de condições e segurança de trabalho. Interessante notar como Peck retrata as contradições do parceiro de Marx, filho de um legítimo burguês que explora sem piedade seus funcionários, mas que ao mesmo tempo luta contra essa exploração. O contraste entre as condições materiais de Marx e Engels funcionam como um espelho ao longo do filme, seja pelo figurino de cada um ou pelos cigarros que fumam e os ambientes que frequentam.
A união é apresentada em cena de maneira curiosa, após um encontro dos dois em que discutem sobre as obras A Situação da Classe Operária na Inglaterra, de Engels, demonstrando a face mais cruel do pauperismo a que estava submetido o proletariado moderno, e Crítica da Filosofia do Direitode Hegel, em que Marx investe contra a existência do Estado político que aliena a participação direta das massas impondo-lhe a condição de Estado-não político. A cena se inicia sempre em plano e contraplano, remetendo a divisão dos dois. Ao longo dos diálogos, a câmera procura enquadrá-los num plano único, desenvolvendo uma aproximação que se completa na cena do jogo de xadrez em que, com o companheirismo já selado, observamos não só a união intelectual, mas também fraternal desses dois homens, ainda que estivessem em mundos divididos.
Outro ponto interessante no trabalho do diretor é a sensibilidade e a congruência em caracterizar as mulheres do filme. Ao retratar Jenny Marx (Vicky Krieps), o cineasta deixa claro sua contribuição real na teoria marxista, não se tratando meramente de um papel passivo frente às decisões centrais. Ao abordar Mary Burns (Hannah Steele), companheira de Engels, destaca sua responsabilidade tanto à frente da organização de mulheres que trabalhavam em fábricas de tecelagem, como na introdução dos dois companheiros na Liga dos Justos, uma organização internacionalista de trabalhadores que se tornaria a liga dos comunistas.
Dá metade para o final, o filme aborda tanto o processo de redação do Manifesto do Partido Comunista como também a luta entre as tendências do nascimento do movimento operário, retratando ainda o trabalho de desenvolvimento teórico das obras Teses Sobre Feuerbach, Miséria da Filosofia e A Sagrada Família, além de apresentar o rompimento com Joseph-Pierre Proudhon (Olivier Gourmet) e Wilhelm Weitling (Alexander Scheer).
É certo que a obra se configura como um cinema didático, sedimentado em um roteiro verborrágico que procura explicitar ao longo de quase duas horas de duração diversas teorias e teóricos. O trabalho de direção de arte é bastante fiel, em especial no que diz respeito aos cenários e ambientações, ainda que minimalista, retratando uma Europa no auge do da Revolução Industrial, demonstrando com excelência as contradições da miséria existente nas ruas inglesas em comparação ao luxo dos salões franceses.
O elenco se mostra bastante acertado com August Diehl interpretando Karl Marx entre explosões de arrogância, sorrisos sarcásticos e o desespero no olhar por não poder dar o melhor de si, seja à sua família ou a contribuição para a própria classe como gostaria. Konarske faz um trabalho interessante em sua interpretação de Engels, com as necessárias contradições de seu personagem e a gentileza de quem parece ter deixado de lado sua própria genialidade em prol do seu companheiro.
Peck não faz proselitismo e foge de qualquer viés propagandístico, deixando de lado qualquer aspecto messiânico ou demonizado de seu biografado, entregando uma visão humanizada de Marx, repleto de alegrias e tristezas, contentamento e decepções, ainda que essa tônica passe por problemas típicos de cinebiografias que seguem certa fórmula. Contudo, seu cinema sempre deixou claro que não pretende ser tecnicamente exuberante, afinal, em entrevista ao jornal mexicano El Universal afirmou que “nunca quis fazer um filme para contar histórias, [pois] o cinema para mim era uma forma de fazer política”.
Em outras palavras: somente o conteúdo importa, sendo a técnica apenas um instrumento para expressar com melhor qualidade as intenções e objetivos do diretor, uma ferramenta de engajamento político da sociedade. Remetendo a uma frase do próprio biografado: “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo”. Peck, assim como Marx, está interessado nessa transformação.
Na virada do século XIX para o século XX, o anarquismo era a ideologia revolucionária mais radical, com mais adeptos e consequentemente a mais perseguida, tanto na Europa quanto na América. A forma com que se organizavam e viviam a política, sempre apaixonados, serviu de fonte de inspiração para várias histórias românticas, que muitas vezes terminaram de forma trágica, ainda mais no período de refluxo das lutas operárias após a queda da Comuna de Paris e consolidação da Terceira República. É nesse contexto histórico que o diretor Elie Wajeman escolhe para nos contar a história de Os Anarquistas, com roteiro de sua autoria juntamente de Gaëlle Macé.
Situado na França de 1899, o filme conta a história do policial Jean Albertini (Tahar Rahim) quando é recrutado pelo chefe de polícia para se infiltrar e passar informações sobre um grupo local de anarquistas parisienses. Jean aceita imediatamente e logo é colocado para trabalhar em uma das tantas fábricas para fazer contato com os supostos líderes do movimento. Dotado de carisma, ele logo faz amizade com Elisée Mayer (Swann Arlaud), Biscuit (Karim Leklou), Marie-Louise (Sarah Le Picard) Eugène Levèque (Guillaume Gouix)e a bela e jovem Judith (Adèle Exarchopoulos), por quem logo se sente atraído.
Logo, Jean conquista todo o grupo, enquanto continua provendo informações vitais para a polícia a respeito das ideias e das ações do grupo, o que torna confuso para o espectador entender as suas motivações, pois ao mesmo tempo em que o mostra preocupado e suscetível às ideias anarquistas e acolhido pelos ativistas, Jean não hesita em momento algum em continuar a informar seus atos à polícia. Ele não tenta esconder ou mesmo dar informações falsas. Continua sem problema algum, mesmo estando apaixonado por Judith.
Filmes sobre política com casais apaixonados como protagonistas raramente resultam em algo positivo, e nesse caso não é diferente. Apesar de todo o rico contexto histórico da época, os anarquistas do grupo não fazem muita coisa além de reuniões e festas. Ao mesmo tempo, as investigações policiais não oferecem muito risco a eles, a não ser no desfecho da história. O que parece é que todo o contexto foi utilizado apenas para contar a história de Jean e Judith, dois apaixonados de lados diferentes que não poderiam ficar juntos. Se esse fosse o caso, chamar o filme de algo diferente de Os Anarquistas teria sido mais interessante. Porém, a força de tal título, mesmo sem embasamento na história, era mais sedutora.
Mesmo que visualmente o filme seja vislumbrante com a tonalidade opaca e azul, de tempos sombrios que o grupo e a França estavam vivendo, assim como a brutalidade da vida do pobre da época (que também poderia ser mais explorada), Os Anarquistas falha até mesmo em nos fazer sentir cativados pelo grupo, transformando o anarquismo numa série de bordões e frases bonitas que mais parecem desculpas de jovens para um estilo de vida alternativo do que realmente uma ideologia política. No final, sobra apenas um vazio que a história não conseguiu preencher.
Para quem procura uma história rica tanto no sentido político, ou no sentido romântico, ou mesmo na soma destes dois elementos, infelizmente Os Anarquistas deixa a desejar em todos eles.
Grant Morrison introduz anarquismo, terrorismo e viagem temporal em Os Invisíveis – talvez a mais louca experiência do autor em quadrinhos desde Patrulha do Destino. Sem usar os clichês, comuns neste universo, sua abordagem é diversificada e lembra o efeito de barbitúricos, pois é ácida e psicodélica.
Dane McGowan, de alma arredia, é um menino que tenta ser nefasto e criminoso a despeito até de sua idade. No entanto, sua tenra juventude não permite que esse desejo se realize. Seu olhar registra as inúmeras pichações de King Mob que, como um mantra, penetram em sua mente por meio da repetição. A rebeldia dos meninos é reprimida num ambiente semelhante a de uma casa de repouso, a qual, na verdade, realiza tratamentos psíquicos nos detentos. O intuito destas experiências envolve a reeducação dos garotos.
No primeiro arco, há uma bifurcação que se relaciona ao protagonismo da história: as partes são Gideon, um sujeito que esconde uma habilidade incomum de longevidade, e o outro é Dane, movido por ideais incendiários e que parece habitar um mundo de extremos, onde não tomar uma atitude significa não ser ninguém. A rejeição que o menino sofre dentro de casa ajuda a agravar ainda mais o seu sentido de inexistência e o complexo de inferioridade que sofre.
A rebeldia e o vandalismo são as formas que o jovem encontra para chamar a atenção do mundo dos adultos, e, após um crime, ele é julgado e sentenciado a ir para uma casa de reabilitação, a Casa da Harmonia, uma instituição com viés alienador e que corrige seus detentos com métodos esquisitos, envolvendo criogenia e castração dos internos. Dane é salvo por uma mini-sociedade secreta, com motivações semelhantes às suas próprias, mas que tem poder real para mudar o status quo e não para mantê-lo, como tanto queriam os homens da Casa da Harmonia. Estes se chamavam Os Invisíveis.
O que o personagem orelha ainda não parece ter entendido é que algo “oculto” comanda seus opositores, aumentando ainda mais o escopo de teoria da conspiração presente no título. No segundo número, denominado Pra Baixo e Pra Fora no Céu e no Inferno, um pregador, mostrado como um pseudo-revolucionário, começa o arco gritando sobre a ditadura da ideia. Ainda que seu discurso seja fraco, ele contém uma indagação forte: “quando foi a última vez que você teve um pensamento que não foi imposto por eles?”. Logo, o rapaz encontra um mendigo chamado Tom, que, atrás de seu comportamento de pedinte bêbado, esconde um enorme poder, convocando Dane para ser parte da tal sociedade secreta.
O mendicante é um mentor pouquíssimo inspirador, seja por seu estilo de vida ou pelo seu método de ensino, pouco ortodoxo, para dizer o mínimo, que se utiliza da violência com o aluno. O intuito de libertar Jack Frost faz com que ele seja deveras agressivo com Dane, a fim de que este rompa com seus antigos medos e meios de vida para ressurgir como um novo homem. Certamente sem estas reprimendas, Dane não conseguiria expor todo o seu potencial e jamais chegaria ao ponto de sentir falta do mestre quando este sumiu. Depois de uma bad trip, Dane se encontra finalmente com King Mob e com os Invisíveis, e a ele é revelado que jamais lançou mão de alucinógenos. A doideira que viveu realmente aconteceu, e subitamente é obrigado a fugir com o grupo, antes que os opositores o alcancem.
A lancinante fuga dos opositores faz Dave olhar o ancião com outros olhos. Aos poucos, muda sua perspectiva, mas em momento algum parece forçado a mudar a própria postura. A utopia do pensamento poético é discutida por meio de um retrocesso temporal que contempla uma discussão entre um par de artistas, o qual demonstra o prazer em falar da realidade e do metafísico, inclusive pondo em pauta a sua importância enquanto emissor da contestação no panorama político e o quão vazio ou repleto de conteúdo ele pode ser. Além disso, a dupla fala da sua importância enquanto formadora de opinião para gerações vindouras, especialmente as que não sofrem com uma tirania tão presente quanto a que vigora naquela linha temporal.
Ainda neste ínterim, Jack Frost – alcunha dada pelos membros do grupo a Dean – começa seus treinamentos junto ao quinteto elemental, e enquanto aprimora sua parte atlética, discute os clichês do Thug Life com Boy, uma mulher negra de compleições femininas, apesar de seu codinome. Paralelo aos dois comentários, o planeta mostra-se como um ambiente em que coexistem “mundos” muito diversos. Nele, há um modo orgânico e simbiótico que permeia esta paisagem e onde, além de se notar uma forte influência militar, discute a máxima física de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. O paradigma é notório. As criaturas, modificadas geneticamente por influência da radiação, condição que ultrapassa o arquétipo do normal e passa pela figura de mal necessário, parecem ser apenas parte de um efeito colateral de uma sociedade (supostamente) evoluída, mas que, obviamente, não pode ser levada de modo tão categórico quanto a apelação apolínea pede.
Em outro momento, o quinteto consegue – vias misteriosas fontes – retornar ao passado, a uma era distante demais daqueles anos 1990. A Era Vitoriana deixa toda a sua aura clássica para apresentar uma fina camada de neblina, inebriante, cujo torpor quase ameniza as situações violentas mostradas na publicação.
Arcádia tem um cunho contestatório ligado ao aspecto social e político, num arremedo de Morrison deveras inteligente que se utiliza de um clichê dentro do gênero ficção científica para perverter a mensagem e elevando-a a um ponto anarquista do aspecto político. As fronteiras entre realidade e o mundo imaginário ainda não são completamente claras, e neste início não é sequer correto declarar se há realmente uma diferenciação clara entre dois aspectos.
Invisíveis é uma obra que foge do mainstream de quadrinhos, e, nos episódios posteriores, se aprofunda mais nas questões e aspectos políticos da trama, uma vez que os arcos precisam ser lidos em seguida para se ter uma compreensão completa do todo. Neste momento, Frost ainda era um neófito, um Invisível em começo de carreira. No entanto, este tomo, Revolução, já deixa o leitor a par do que virá nesta abordagem anormal da sociedade, retratando temporalmente, de modo singular, muitos períodos.