Tag: Aldous Huxley

  • Resenha | A Ilha – Aldous Huxley (2)

    Resenha | A Ilha – Aldous Huxley (2)

    “Shivanayama!”

    Uma sociedade regida sobretudo pela iluminação. Em todos esses anos de profissão, o jornalista francês Will Fanarby, acostumado a viajar em busca de furos polêmicos de reportagem, não esperava ser possível algo tão delirante, e tão perfeito, assim. Quando um homem acostumado a ver de perto a fome e a miséria na África, encardido pelos horrores e valores do mundo, se vê como náufrago cada vez mais infiltrado em um verdadeiro modelo extraordinário de civilização, antagônico ao capitalismo e seus fatores socialmente excludentes, ele sabe que está a viver uma ficção científica que nunca julgou ser possível existir, na vida real. A experiência n’A Ilha é forte, inesquecível, e Aldous Huxley, autor do igualmente marcante O Admirável Mundo Novo, consegue ser atemporal ao revisitar, sob uma visão crítica e otimista, uma concepção de mundo idealizada no levante progressista do ser humano e suas relações para consigo e seu meio ambiente, muito antes da era da internet em que se esperava que a humanidade, então integrada na era da informação, finalmente fosse iluminar seu intelecto em prol de si mesma. Outra utopia, como mostram os eventos do começo do século XXI.

    O livro, um marco visionário do século passado e que ainda aguarda uma adaptação à altura no Cinema, possui uma abundância de personagens a influenciar Will por seus comportamentos, um tanto, diferentes. Nota-se a exploração desse termo “diferente” pela obra dentro da tradição de uma literatura utópica, pois esse estranhamento do jornalista com os habitantes da idílica ilha de Pala é derivado, aos olhos de Will, pela falta de adequação dessas pessoas com os valores perpétuos do capitalismo. Nosso distanciamento com a natureza e a espiritualidade, e a lógica que o cidadão capitalista aceita em descartar tudo (e todos) com total facilidade, nesse modo de vida onde todas as coisas é Mercado, e todas as pessoas são mercadoria, não é em vão: na modernidade líquida que o sociólogo Zygmunt Bauman tanto defendeu na sua obra, como seria bom escapar, numa fantasia plenamente escapista, para o único lugar da Terra onde o racionalismo capitalista não iria nos consumir, onde nós não seriamos os produtos espionados pelos olhos das grandes corporações. Onde não teríamos preço, e onde sua utopia seria justamente pautada por tudo isso.

    Mas qual o preço de escapar da normalidade imposta a civilização do capital? Revisão e horror, é claro: revisão do quadro inteiro que alguém faz parte, e por isso mesmo não consegue ver por completo, e no momento que está fora, consegue, e o horror decorrente a isso – para o homem que não nasceu na sociedade perfeita, mas foi ali colocado, o choque com a chamada “perfeição” é gigantesco. “As pessoas boas e cordatas não têm ideia do que o mundo é feito!”, vocifera Will em certo momento, encaixando as peças da realidade na sua mente, imune a cegueira que o dia a dia na sociedade desenvolve ao cidadão. No exercício de deixar para trás um sistema mundial vigente que só pensa em escala industrial, no uso as vezes violento e as vezes sutil das ovelhas para que os lobos alcancem seus objetivos, o jornalista Will se depara com uma vida bidimensional que se tornaria a maior prova de resistência de todas, afinal, ele se integra aos valores da ilha indo invariavelmente contra os interesses do mundo exterior. Pala, portanto, está longe de ser a ilha de Themiscera das Amazonas, a qual também seria, cedo ou tarde, invadida pelos lobos.

    Muito além da dinâmica “mártir versus vilão”, ou “imperialismo versus colônia”, Huxley no seu último clássico mostra o preço de se resguardar diante da realidade – o preço de viver sonhando na máquina não-eterna das experiências – através das cinco dimensões do conceito de bem-estar do ser humano, nos quesitos culturais, sociais, mentais, corporais e espirituais que regem a nossa percepção. Virtuosamente estruturados em cada uma dessas áreas de suas vidas, os habitantes de Pala são as melhores versões de si mesmos, enquanto que Will passa cada vez mais a entrar em contato com o seu Eu interior, algo condenável no capitalismo das coisas, afinal tudo e todos precisam ser superficiais para que não haja sentimentos envolvidos no descarte desse tudo, e desse todo. É esse capitalismo predatório, e inevitável nos quatro cantos da Terra como a lua influenciando suas marés que faz de A Ilha um romance tão trágico, quanto brilhante. A “antiutopia” aqui passa a ser real na narrativa, já que conhecemos um alojamento de inúmeras utopias, aprendemos a se apaixonar por esse lugar e suas virtudes até os mínimos detalhes, para que então, o castelo de areia se desfaça, e a coruja de Minerva possa voar para sempre, buscando por novos caminhos.

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  • Agenda Cultural 59 | Luther King, Sniper Americano e Demolidor

    Agenda Cultural 59 | Luther King, Sniper Americano e Demolidor

    agenda59

    Bem-vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Carlos Brito, Wilker Medeiros (@willtage) e Douglas Fricke (@dwfricke) se reúnem para comentar o que rolou nos cinemas em fevereiro e ainda comentam sobre alguns lançamentos de quadrinhos, música e literatura.

    Duração: 120 min.
    Edição: Wilker Medeiros
    Trilha Sonora: Wilker Medeiros
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    Bruno Gaspar

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  • VortCast 14 | Admirável Mundo Novo

    VortCast 14 | Admirável Mundo Novo

    Bem vindos à bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Rafael Moreira (@_rmc), Jackson Good (@jacksgood), Kell Bonassoli (@kellbonassoli) e Lucas Köln (@lucas_deschain) se reúnem para comentar de uma das maiores obras de ficção-científica distópica, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

    Duração: 112 mins.
    Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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    Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) – Compre Aqui
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    Outras obras do Autor

    Contraponto – Compre Aqui
    Sem Olhos em Gaza – Compre Aqui
    Despertar do Mundo Novo – Compre Aqui
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    O Gênio e a Deusa 
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    Outras obras comentadas

    1984 (George Orwell) – Compre Aqui
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    O Apanhador no Campo de Centeio (J. D. Salinger) – Compre Aqui

  • Resenha | O Gênio e a Deusa – Aldous Huxley

    Resenha | O Gênio e a Deusa – Aldous Huxley

    o-genio-e-a-deusa-aldous-huxleyVocês vão me chamar de chato insistente por falar de novo desse negócio de ler outras obras do autor além daquela pela qual ele é mais conhecido, mas eu vou me dar o benefício da dúvida e crer que vocês ainda não perderam a paciência com essa minha mania de leitura. Para isso vou dar mais um exemplo: O Gênio e a Deusa, de Aldous Huxley.

    O livro é curto e simples, pelo menos do ponto de vista do enredo. Um biógrafo interessado na vida do cientista atômico Henry Maartens procura John Rivers, seu aprendiz, para que esse revele detalhes particulares que o ajudem a compor a história da vida do notório cientista. John Rivers, numa frase que podia figurar naquelas listas de melhores inícios de história, começa seu relato dizendo:

    “O mal da ficção (…) é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido. (…) A ficção tem unidade, a ficção tem estilo. A realidade não possui nem uma coisa nem outra. Em seu estado bruto, a existência é sempre um infernal emaranhado de coisas (…) O critério da realidade é a sua incongruência intrínseca.” (p. 1)

    Quando li essa primeira frase sabia que estava diante de um livro que iria gostar. Não sei se porque isso faz um sentido enorme para minha pesquisa ou porque gosto muito de literatura que fala sobre literatura, mas o fato é que considero O Gênio e a Deusa um livro muito bom.

    John, ao relatar sua história com Maartens, nos leva a conhecer o tempo em que se tornou aprendiz dele, passou a morar com ele e sua família, se tornando assim, conforme constatamos com o andar da trama, também um membro dessa. Ele dá passeios com Ruth, a filha admiradora de poesia e de Edgar Allan Poe; conversa e brinca com o garoto Timmy; faz favores à Katy, a bela e espirituosa esposa de Henry etc. Tudo isso além de seus compromissos no laboratório.

    Quando Huxley nos conta a história do ponto de vista do biógrafo de Henry, nos parece que esse será um livro também sobre o cientista, que versará sobre as experiências e descobertas desse (e de seu assistente) no campo da Física, Química e afins. Descobrimos, entretanto, que mais do que a ciência, a vida de Henry Maartens está repleta de romantismo, completamente enovelada na sua relação com sua esposa.

    Assim, O Gênio e a Deusa não está repleto de termos científicos, de padrões frios e pesquisas levadas a cabo com uma exatidão por demais racional; mas sim abunda na humanidade da ciência, no que ela tem de mais proximal em relação a nossa própria consciência. Você não irá encontrar um cientista obcecado pela ciência, quase sendo por ela engolida. Você encontrará, sim, a ciência explorada em suas dimensões humanas, se comportando como evidências do potencial do homem em conhecer a natureza que o rodeia e a si próprio.

    Por isso a referência dupla (e aparentemente contraditória) do título. Não é preciso abandonar a beleza ao fazer ciência, não é necessário excluir a poesia do texto científico. Da mesma forma que o gigantismo intelectual de Henry repousava sobre o frágil equilíbrio de sua relação com sua musa, Katy; também a ciência se mantém construtiva para o homem na medida em que não se torna uma obsessão.

    Com um lirismo sensual, que explora facetas românticas da relação entre Katy e Henry, Huxley novamente nos fala (em outros termos) sobre a ciência e a tecnologia, e o que elas tem significado para os homens e a sociedade. A ciência convertida numa tecnologia bizarra, em Admirável Mundo Novo, onde se faziam homens em linhas de produção, é trazida aqui para uma trajetória individual. Descobrimos que a racionalidade que a caracteriza só lhe é útil até o ponto a partir do qual imperam conhecimentos que podem lhe parecer estranhos, como os sentimentos e as sensações, por exemplo.

    O que a ciência representa para Henry, entretanto, não é o que significa para a massificação com que ela é praticada no mundo atual, ou como foi utilizada na construção da bomba atômica. A relação entra a vida e a ciência, que deveria ser orgânica, intrínseca, deixa de estar ao alcance dos homens se tornando uma arma, algo que lhes causa dor, sofrimento e, porque não dizer, alienação.

    Com uma sensibilidade notória, Huxley coloca diante do leitor duas dimensões essenciais do conhecimento humano: a ciência abstrata e a empiria imediata. Embora elas pareçam estar irremediavelmente separadas no “mundo” como o conhecemos, elas são componentes de um mesmo constructo, uma não existe sem a outra. O questionamento que perpassa o conflito afetivo de Henry é o mesmo presente no cerne da reflexão de Huxley: do que serve a ciência e a tecnologia se não nos torna mais felizes, ou a vida mais prazerosa e justa? Ou em nível individual: do que serve a complexidade hermética da ciência de Henry se não torna sua relação com a esposa, parte capital de sua existência, melhor?

    Essa é deveras uma pergunta que já foi feita várias vezes por várias pessoas em vários tempos, ainda que de formas diferentes. Apesar da recorrência, ela não fica ultrapassada, permanece viva, desafiando nossa própria capacidade de compreendê-la.

    Texto de autoria de Lucas Deschain.

  • Resenha | Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

    Resenha | Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

    Admirável-mundo-novoCreio que “poucas” pessoas podem dizer que nunca tenham nem sequer ouvido alguém falar a respeito de Admirável Mundo Novo. Seja através da associação com distopias, seja através de comentários esparsos sobre realidades opressivas, bizarrices, experiências literárias ou simplesmente sobre o mal estar que a tecnologia carrega em seu bojo. O livro de Aldous Huxley certamente não se tornou um clássico e nem se ganhou tanta notoriedade à toa, é definitivamente um livro marcante.

    Ainda que, tenho certeza, algumas pessoas associarão a idéia de futuro pessimista a obra mais conhecida de George Orwell, há que se entrar em favor de Huxley e mostrar como na década de 30 já havia vozes se levantando para procurar mostrar hipóteses sombrias sobre o porvir do mundo.

    Huxley, por sua vez, não deve ser visto também como grande pioneiro desse estilo, o russo Yevgeny Zamyatin já havia escrito uma história que certamente inspirou Huxley, retratando um futuro onde a humanidade tinha dado passos largos rumo a uma direção nada acolhedora. De qualquer forma Admirável Mundo Novo está incrustado na literatura mundial não por acaso, e é isso que pretendo tentar por em relevo nessa resenha.

    O livro foi publicado em 1932 e retrata um futuro onde a tecnologia tem papel primordial na manutenção da estratificação social e na controle de todos os mais milimétricos aspectos da sociedade. Como sinal dessa mudança, podemos apontar a cronologia existente nesse mundo distópico: ela começa a ser contada a partir da invenção do modelo T por Henry Ford. A ligação com a criação tecnológica pode soar antiquada para nós agora, mas representava uma mudança bastante relevante para a década de 30, afinal Ford foi um dos principais nomes da indústria não só estadunidense mas mundial.

    A invenção do modelo T não aparece somente como notação de tempo, mas com um significado religioso, pois o formato da letra “T” passou a substituir a cruz, tão cara ao cristianismo. Não mais Cristo, mas Ford é que representava uma entidade basilar na constituição do mundo. Ao passo que a tecnologia impregna o imaginário da população sob essas formas, outros setores da sociedade se valem de maneira extensiva dos avanços tecnológicos.

    O primeiro capítulo já nos atira em uma fábrica de seres humanos. Sim, exatamente isso, somos convidados a um tour ao longo da linha de produção (ah, a emblemática e famigerada linha de produção) para sabermos como os embriões são gerenciados e levados, por meio de uma manipulação precisa, a se tornarem indivíduos de um modo ou de outro. Não se controlam somente fatores biológicos, como a cor de pele, a estrutura capilar, a altura e as tendências de crescimento; mas também condições mentais e capacidades fisiológicas e intelectuais, que acabam por garantir uma estratificação social rígida e muito bem delimitada.

    A tecnologia faz as vezes de natureza e condiciona de maneira bastante eficaz o que serão os seres humanos. As classes Alfa, Beta, Gama, Delta (etc.) são os repositórios dos indivíduos fabricados na bizarra linha de produção. De acordo com os condicionamentos recebidos, eles serão direcionados a uma determinada classe e ficarão responsáveis por um ou outro trabalho. Toda a vida, por conseguinte, se encontra acorrentada ao fato de que os sujeitos já foram desenhados biológica e socialmente, para ocuparem um determinado lugar, Ou seja, não passam de engrenagens ou peças quaisquer, já que perdem sua liberdade de ação pela programação padrão.

    As emoções são suprimidas por meio de drogas, a sexualidade é canalizada pela exacerbação em um ato físico descolado de sentidos humanos e cada vez mais os seres humanos (se é que podemos ainda assim chama-los) se tornam incapazes de resistirem a essa programação.

    Porém, com um jogo de nomes divertido, Huxley nos apresenta Bernard Marx, um sujeito que está cheio da situação como a vê e encontra em Lenina não só uma companheira para o sexo como uma confidente e potencial ajuda em seus objetivos.

    Eles se envolvem em uma tresloucada trama que os leva a conhecerem as reservas dos Selvagens (os seres humanos não feitos em laboratório e que vivem segundo os preceitos e modo de vida pré-Admirável Mundo Novo), traze-los às peculiaridades sem sentido da sociedade voltada à tecnologia para estudo e questionarem, sob muita pressão, o status quo do qual eram produto e vítima.

    Não gosto de encarar Admirável Mundo Novo como uma alegoria, acho que esse termo tem uma tradição de mecanicidade que esteriliza mais do que ajuda. Entretanto, através da construção literária, Huxley nos informa bastante a respeito de sua sociedade e sobre como a tecnologia (e seus mais diversos corolários: exatidão exacerbada, controle absoluto, condicionamento artificial, anti-naturalidade etc.) tendem, nas condições em que são geridos, a prevalecer sobre os seres humanos.

    Apesar do lampejo débil de esperança, a obra de Huxley toca numa ferida que jaz em aberto ainda em nosso tempo (quiçá com mais purulência ainda): a de que quanto mais avançam as tecnologias, mais elas suplantam a humanidade. Essa discussão não tem nada de nova mas nem por isso se tornou velha, e isso por si só, já é indício da atualidade da obra e da profundidade das questões que aborda.

    Compre: Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley.

    Texto de autoria de Lucas Deschain.

  • Resenha | A Ilha – Aldous Huxley (1)

    Resenha | A Ilha – Aldous Huxley (1)

    A Ilha – Aldous Huxley - 2

    “Nunca aceite o ‘sim’ como resposta”.

    Esse é o lema de um jornalista britânico, que como todo intelectual no Mundo Ocidental, sofre dos males do cinismo frente a uma Sociedade emocionalmente auto-destrutiva. Em um lado da moeda temos as pessoas alienadas da realidade, e em outro, aquelas que são esmagadas pela contemplação de um mundo construído sobre mentiras repetidas e falsas promessas. Acredito que o Bob Dylan uma vez disse: “Anúncios publicitários que te tapeiam em pensar que você é aquele que pode fazer o que nunca foi feito, que pode ganhar o que nunca foi ganho, enquanto isso, lá fora , toda a vida continua ao seu redor” (traduzido).

    É exatamente disso que esse livro se trata: sobre a prisão que acabamos construindo pra nós mesmos dentro das nossas cabeças. Aldous Huxley nos conta em 300 páginas a história de um povo que conseguiu achar outra saída, tendo a consciência de que a nossa inteligência evolutiva não precisa ser um fardo e tampouco fonte de sofrimento constante. Sua receita é simples, embora o resultado possa não ser assim tão fácil de engolir. Seguem algumas passagens curtas do livro que podem servir pra ilustrar o que quero dizer:

    “O ‘eu’ que penso ser e o ‘eu’ que realmente sou. Em outros termos, o sofrimento e o fim do sofrimento.”

    “Define-se como ‘fé perfeita’ algo que traz uma completa paz de espírito. Mas a paz de espírito integral é coisa que praticamente ninguém possui e, sendo assim, a fé perfeita não existe. Consequentemente, todos nós estamos de antemão condenados à punição eterna. Quod erat demonstrandum.”

    “Na escola que eu freqüentava não aprendíamos coisas. Só nos ensinavam palavras.”

    “Os povos são ao mesmo tempo os beneficiários e as vítimas das suas próprias culturas.”

    “No fundo, todos vocês não passam de platônicos que adoram as palavras e detestam os fatos.”

    Em seu último romance escrito, Aldous Huxley (famoso por sua fantástica fábula futurista “Admirável Mundo Novo”, referência na ficção científica-política) conta a história de Will Farnaby e sua libertação espiritual e filosófica em Pala, um refúgio paralelo a um cenário bipolar durante a Guerra Fria. Will viaja o mundo como repórter correspondente, exercendo secretamente o papel de intermediário nas negociações do dono do Jornal em que trabalha, um poderoso magnata do petróleo. É assim que ele acaba naufragando próximo a pequena ilha de Pala, onde na manhã seguinte, depois de ser acordado por gritos incessantes e desumanos de “Atenção” (um dos mais importantes recursos de Simbolismo presentes na história), é resgatado pelos nativos. Ainda traumatizado com a experiência de se ver subitamente rodeado de animais selvagens em um lugar desconhecido e com uma das pernas quebrada, Will passa por um tratamento psicológico que até então desconhecia, e se surpreende com sua eficácia. Sua curiosidade em relação aos métodos adotados por aquele povo é incitada e, durante sua recuperação, ele passa a conhecer muitos dos habitantes de Pala. Um deles é o Dr. MacPhail, descendente direto de um médico escocês que chegou a ilha já fazia mais de um século, inaugurando a influência Ocidental na cultura de Pala. Conforme o seu envolvimento com os nativos se torna mais íntimo, Will começa a absorver os conceitos apresentados a ele, descobrindo assim uma sociedade quase utópica, onde uma impressionante fusão entre o conhecimento científico Ocidental e a Espiritualidade Oriental dita todos os aspectos da vida da população. Deslumbrando-se com os longos e esclarecedores discursos de seus mais influentes habitantes, Will passa a hesitar sobre a intenção de seu chefe de, juntamente com os renegados do regime, promover a industrialização da ilha através do petróleo.

    Alternando entre discussões sobre Ciência, Religião, Filosofia, Sexo, Hipnose e Psicologia, Huxley nos apresenta um Estado Ideal, em que o foco é a plena satisfação de todos os potenciais de cada ser humano, em contraste com a realidade cruel de um mundo segregado entre um consumismo desenfreado e ditadores totalitários. Diferentemente de seu romance mais famoso, em que o enredo flui em uma história dinâmica envolvendo diversos personagens distintos, “A Ilha” é uma jornada individual em que o leitor é exposto a análises incrivelmente detalhadas e fulminantes de toda a estrutura da cultura a que foi condicionado. Huxley levanta questionamentos que sempre estiveram presentes em qualquer mente inquiridora e nos faz pensar sobre como encaramos nossa vida, o mundo ao nosso redor e a existência em si.

    Pra quem está preparado pra esse tipo de aventura, o romance pode servir como pontapé inicial de uma revolução em seu modo de pensar e de viver. Nenhuma questão é deixada sem resposta e o final transcende qualquer senso comum de auto-compreensão.

    Certamente vale a pena conferir a viagem, se o leitor for aberto a novas ideias e, acima de tudo, a morte das ideias antigas.

    Compre: A Ilha – Aldous Huxley.

    Texto de Thiago Debiazi.