Tag: J. G. Jones

  • Resenha | Crise Final

    Resenha | Crise Final

    Quando um dos novos deuses aparece morto e os céus mudam de cor, os heróis começam a desconfiar de que algo está errado. O que eles não imaginavam é o quão crítica a situação já era, e “algo errado” se torna um eufemismo de péssimo gosto, diante do caos que se avizinha no horizonte.

    Ao se infiltrar na Terra, Darkseid e seus asseclas prepararam o estratagema definitivo, o plano dos planos, e assim deflagram uma crise de proporções monumentais, sem qualquer precedente, e opõem Vida e Antivida, fragmentando tempo e espaço por todo o Multiverso, com consequências imprevisíveis.

    Diante de uma ameaça tão grande e tão inesperada, talvez nem mesmo a força combinada de todos os heróis seja o bastante para vencer a batalha das batalhas, um embate decisivo pela existência, que leva o conflito de “bem versus mal” a um patamar inimaginável. Exigidos ao máximo de suas forças, os heróis do multiverso DC se colocam contra deuses, em uma guerra definitiva dos paladinos da justiça contra os arautos da morte, servos de Darkseid.

    Grant Morrison concebe em Crise Final uma saga hermética e envolvente, que capta a essência dos personagens da editora das Lendas. O autor escocês aplica na saga conceitos que lhe renderam fama ao longo dos anos, como viagens no tempo, conflitos multiversais e narrativas em paralelo que posteriormente se perpassam e assim tecem uma intrincada colcha de retalhos, cuja significação só se mostra possível em sua plenitude ao final da trama, quando tudo se encaixa e começa a fazer sentido.

    Tal como num épico de guerra tradicional, a crise intercala diferentes focos narrativos, múltiplos frontes de batalha, dando urgência para os eventos e espaço para que os personagens se desenvolvam em cena. A diferença, contudo, reside no forte apelo da ficção científica que recai sobre a narrativa e lhe dá um charme incomum.

    Como de costume, o roteirista concebe sua trama trafegando por referências incontáveis à mitologia DC, muitas delas somente reconhecíveis para o leitor médio com o auxílio do Google, mas que se transformam em um deleite para o fã de longa data, que imerge na história tanto a nível diegético quanto na caça desenfreada a referências, das mais sutis às mais evidentes.

    Acompanhado de diversos artistas de alto calibre como J.G. Jones, Doug Mahnke, Carlos Pacheco entre outros, a trama se resulta em um trabalho de difícil fruição mas cuja experiência de leitura é bastante recompensadora.

    A edição definitiva de Crise Final publicada pela Panini Comics reúne as sete edições de “Final Crisis”, originalmente publicadas em 2008, além de “Final Crisis: Submit #1”, “Final Crisis: Superman Beyond #1” e “Final Crisis: Superman Beyond #2”. Com tradução de Jotapê Martins, o encadernado merece um maior apuro na revisão para as próximas reimpressões, pois apresenta muitos erros diminutos, que quando lidos em sequência acabam chamando a atenção.

  • Resenha | Fruto Estranho

    Resenha | Fruto Estranho

    A Grande Cheia do Mississipi, ocorrida em 1927, foi uma das piores catástrofes naturais norte-americana de seu tempo, atingindo as margens do rio e os diques com força, inundando áreas de grandes proporções e deixando um rastro de destruição por onde passou.

    Paralelo a isso, a segregação racial perpetuava um ciclo de desigualdades, fortalecendo movimentos supremacistas brancos como os da Ku Klux Klan, que se propunham a perseguir descaradamente as pessoas de pele negra.

    Com esse contexto em mente, J.G. Jones procurou Mark Waid para juntos trabalharem em uma história ambientada nesse começo de século XX, no sul dos Estados Unidos, no qual surge diante de uma sociedade racista e desigual a figura de um ubermensch, o super-homem nietzschiano, porém negro.

    A história se passa em Chatterlee, no Mississipi, durante o supracitado ano de 1927, quando aterrissa na Terra um misterioso e aparentemente desorientado homem. De modo bem diferente da chegada à Terra do recém nascido Kal-El, nas histórias clássicas do Superman, o homem chega já adulto e e imponente, um verdadeiro colosso entre os homens, a epítome da perfeição humana, em meio a uma sociedade que representa de forma inequívoca o atraso total da humanidade.

    Paralela à chegada desse estranho indivíduo, chega à cidade o engenheiro Fonder McCoy, enviado por Washington para ajudar durante a crise dos diques. McCoy, como a maioria da classe trabalhadora da cidade, é negro, o que resulta em doses cavalares de racismo sendo destiladas contra sua figura ao longo de toda obra.

    Amparado pela figura do controverso Senador e da bem intencionada, porém alienada viúva Lantry, McCoy vislumbra na figura do colosso uma chance de garantir a sobrevivência da cidade e da subsistência de seus moradores, tanto a elite branca e racista quanto a grande quantidade de humildes trabalhadores negros, que ali vivem em condições paupérrimas.

    Jones e Waid, famosos na indústria dos comics mainstream norte-americanos, angariaram fama e prestígio narrando a história de homens e mulheres superpoderosos, se digladiando contra ameaças inimagináveis em prol do bem da humanidade, buscando evocar o melhor que o ser humano tem em si.

    Ao se juntar para conceber Fruto Estranho, contudo, a dupla se propôs a narrar um conto sobre o racismo estruturalizado na sociedade norte-americana, em contraposição ao surgimento de uma espécie de Superman indesejado por conta de sua cor. O quadrinho possui grande apuro no que se refere ao trabalho de pesquisa histórica e apresenta questões relevantes, padecendo com alguns problemas de ordem narrativa.

    Os diálogos frios e violentamente racistas com os quais Waid povoa a obra dão verossimilhança para a trama, dialogando com a soberba arte realista pintada por Jones, mas a noção de direcionamento da história acaba comprometida quando pensamos no papel principal da trama.

    O silencioso e colossal alienígena tem desenvolvimento praticamente nulo ao longo da trama, de modo que o destaque das ações recaia sempre sobre Sonny, o pobre homem negro que inicialmente encontra o poderoso extraterrestre e que subsequentemente o acompanha ao longo das desventuras na cidade.

    Cumpre-nos ressaltar que é Sonny quem objetivamente resolve as subtramas da narrativa, se irrompendo contra as forças opressoras e racistas que se impõem sobre ele e seus semelhantes, ainda que o catalisador que motivou a população tenha sido o superpoderoso colosso negro.

    A trama se ambienta com sucesso dentro do contexto histórico e tem êxito ao apresentar as reações da cidade à presença daquele descomunal homem. A Ku Klux Klan exerce um papel relevante na obra, demonstrando a absurda influência desse grupo abjeto dentro das instâncias de poder dos Estados Unidos.

    Se nas histórias lúdicas da DC Comics a figura do Superman se constrói como um símbolo de esperança para a humanidade, em Fruto Estranho o colossal super-homem negro assume papel semelhante para seus iguais, em um grande trabalho de examinação do mito heroico realizado por Waid e Jones.

    O título, publicado pela Boom! Studios nos EUA, saiu por aqui através de Mythos Editora em uma belíssima edição em capa dura e com papel couché, propõe uma discussão pertinente, mas que conta com alguns desequilíbrios em sua organização.

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