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  • Crítica | Bird

    Crítica | Bird

    Bird - poster

    É difícil dizer algo sobre isso no momento. Enquanto escrevo isso me cerco ouvindo novamente toda a trilha do que acabei de assistir. O mais agradável em ver um amante desse gênero como realizador de um filme desses é a sobriedade na construção dramática e nas atuações. Você não se questiona em momento algum na imersão que ele propõe, só está lá e é apenas isso.

    Bird, dirigido por Clint Eastwood e lançado em 1988 narra em suas quase três horas de duração o desfecho final da vida de Charlie Parker. O sagrado Jazz, que estava ali antes das guitarras, que ressoa forte tal qual o rastro de uma chuva no dia seguinte e até hoje deixa o frio por onde passa, me parece ser o personagem principal, antes mesmo de Charlie.

    O filme se inicia esteticamente como um noir, mas como quem não te quer como espectador. Logo após um show, podemos ver Charlie sendo interrogado por sua esposa, Chan (Diane Verona) após um rápido monólogo. Claramente não somos convidados ali, e aparentemente nem ele. Estamos falando de uma biografia que não é certamente engessada, mas, caso não lhe traga interesse por ir atrás do assunto, certamente será uma ótima viagem dramática e musical. Volto novamente no ponto do noir, não só pelo figurino e pelo ano que se passa, mas diretamente pelos diálogos entre Whitaker e Verona. Existe uma relação forte entre as duas pessoas, mas ela é tratada da maneira mais humana possível, enriquecendo mais ainda algo que já seria sensacional simplesmente pelo que aborda.

    Ele traz um retrato de época, mas que também é registro musical de pelo menos três momentos distintos. É confuso pensar ao final de cada cena qual foi o tempo de gravação total do filme, pois encaramos diversos recortes temporais dentro de uma mesma elipse, que retorna de maneira bem didática de onde ela partiu, mas ao mesmo tempo dentro dela existem múltiplas passagens históricas e pontos de vista diferentes. E nesse acompanhamento não linear da história de Parker que pude capturar uma divisão do clima que o filme propõe logo após encerrar sua primeira hora de exibição. Você pode se perguntar o que ele tem a mostrar depois de tudo o isso e os arcos seguintes te levam a respirar uma nova jornada de maneira perfeitamente clara, adoçando o momento, principalmente depois desse momento com mais música. Fico a pensar que em primeiro momento ele de fato trazendo o pior momento da vida de um gênio para depois voltar ao filme. É uma maneira dura de contar a vida de alguém, mas ao final não consigo imaginar se poderia ser feito de outra maneira.

    Apesar de tudo isso o real protagonista é de fato Forrest Whitaker, que entrega uma interpretação cheia de camadas, tiques e maneirismos para encarnar o saxofonista. Todo o elenco de apoio é incrivelmente bem escolhido. Existe uma pequena cena durante um dos flashbacks que te mostra perfeitamente o que era a febre musical de New York nos anos 50 nas costas de um personagem. E não é apenas porque dentro desse estilo reside o ouro cultural do povo americano, o filme toma um cuidado particular em quando começar a tocar sua trilha sonora, e é nesse cuidado que a música vira a dualidade tão pesada de uma história trágica. Não é possível ditar ou prever coisas assim e a película faz bem em não julgar de fato o que houve ali: simplesmente mostra passagens do que foi, no final talvez tenha sido o medo que encerrou a vida de um dos gigantes da música, mas que sua sombra nunca sumiu. Apesar de tudo isso não foram feitos muitos filmes sobre Jazzistas, mas Clint conseguiu registrar em pouco drama, algo único.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Whiplash: Em Busca da Perfeição

    Crítica | Whiplash: Em Busca da Perfeição

    Whiplash 1

    Antes de abrir os créditos iniciais, ainda com a tela negra, ouve-se um barulho frenético de uma baqueta tamborilando agressivamente sobre os tambores, num solo longo, o único ponto existente naquele universo que seria apresentado no filme de Damien Chazelle. A tônica do que seria Whiplash apresenta-se antes mesmo do “início do filme”, como uma longa preparação de um sujeito que busca o sonho de viver da arte.

    Andrew Neyman (Miles Teller) mostra-se tão entorpecido pela ideia de tocar o instrumento que se impressiona com qualquer audição de seu trabalho, na escola de música de Shaffer. Na execução de seus ensaios, ele vê vultos, silhuetas formadas pelo seu inconsciente e desejos, que, aos poucos, ganham contornos reais. Sua perspectiva é completamente distante e distinta da de seus entes queridos, mesmo diante de seu pai – vivido discreta mas magistralmente por Paul Reiser -, o homem que sempre lhe apoiou mesmo não o entendendo completamente, seja pelo choque de gerações, seja pelos níveis díspares de ambição.

    Shaffer é uma escola onde deveriam brotar anseios pela música, mesmo sendo ali o lugar em que são sepultados muitos desejos de notoriedade. Quando o sonho começa a se materializar, a trilha sobe num suspense atroz. A expectativa em parecer perfeito o faz se atrasar e “quase” – mentira – perder o encontro com o mentor. O método paramilitar do regente funciona, ao menos para ele. A mão de ferro ajuda-o a separar os bons dos maus músicos, ainda que a crueldade impere, às vezes. O agressivo método chega a ser cômico, dado o seu tom caricatural.

    A entropia e um pouco do caráter estabanado do protagonista permitem a Neyman ser titular na banda de Terence Fletcher (J. K. Simmons), que é um referencial enquanto professor, músico e garimpador de talentos. O estado de espírito de Andrew é mostrado pela câmera na mão, tão passional quanto a mente juvenil do formando. A busca pelo ideal é sangrenta e exige tudo do personagem, o que o faz perder o tato com aqueles que o consideram caro.

    Ao mesmo tempo que a raiva deveria predominar em seu ser, Andrew vê na piedade uma boa forma de encarar seu maestro exigente. Nem mesmo a emoção o faz aplacar o castigo físico a que se impõe. Em alguns pontos, ele encara a rigidez do ensino louco de Fletcher como combustível para sua luta, um obstáculo a mais para sobrepujar na jornada rumo ao sucesso.

    O envolvimento de Andrew com a música faz submeter o drama a seu público. Mas nem isto parece ser o suficiente em determinado momento, e ele cede à pressão dos que antes achavam-no fraco, denunciando seu antigo mentor após ser agredido. A leveza com que Fletcher apresenta os acordes no piano é diferenciada de seu método docente – no reencontro dos dois, o regente já teve sua derrocada –, como se os dois personagens fossem encerrados na mesma mente e psiquê, fazendo-o um ser ainda mais rico. A desgraça faz o professor se mostrar mais solícito; seu intuito é empurrar os alunos a conseguir superar suas expectativas.

    No retorno aos palcos, convidado por Fletcher, Neyman vê uma chance de retomar sua jornada rumo à fama, mas, ao executar os acordes, tem uma terrível surpresa. A rivalidade está presente e, junto ao azedume vingativo do mestre, o aluno é esmagado pela banda e plateia. Diante da queda iminente, ele contra-ataca, fazendo do palco seu objeto de revanche, uma emocional réplica digna dos grandes, semelhante ao que a sua ambição sempre buscou, pervertendo-se todos os preceitos do maestro ante sua presença e a dos seus, ganhando o jogo – ao menos em alguns momentos – na casa do adversário.

    A guerra de ego prossegue até mesmo ao final da música, com a última tentativa de apogeu de Andrew. O papel de condutor é incumbido ao baterista, não mais ao maestro. Suas vezes de Charlie Parker o fazem sentir o torpor de dar o seu máximo, passando por cima de todas as convenções e formalidades. Ser grande envolver ser mais do que ele é, exercer mais o que lhe é devido, ter mais braços do que um simples par, e também contrariar a si próprio, para que, finalmente, o talento bruto se aprimore e dê vazão a sua essência. Neste espírito, o filme de Chazelle tem na excelência a sua madura adjetivação.