Categoria: Críticas

  • Crítica | Code 8: Renegados

    Crítica | Code 8: Renegados

    Disponível desde o dia 13 de dezembro em alguns serviços de streaming do Brasil, Code 8: Renegados é um esperto filme de ação/ficção científica que foi concebido inicialmente como um curta-metragem de 16 minutos cujo financiamento se deu via Kickstarter e outras plataformas de crowdfunding. Devido aos elogios, os roteiristas Jeff Chan e Chris Paré conseguiram transformar o projeto em um longa-metragem que conta com boa parte do elenco do curta. Ainda que o resultado não seja tão impactante quanto o curta-metragem, Code 8: Renegados é um competente filme que abre possibilidades para a criação de um universo bem interessante.

    Na trama de Code 8, somos apresentados a um planeta Terra em que 5% da sua população possui poderes sobre-humanos como telepatia, super força, a habilidade de conduzir eletricidade, fogo ou mesmo habilidades de cura. Num primeiro momento, esses super-humanos se inserem na sociedade sem maiores problemas, levando o mundo a uma era prosperidade. Especialmente nos EUA, eles fundam um município chamado Lincoln City, que se torna o mais desenvolvido da nação. Porém, uma onda de preconceito passa a assolar a sociedade e os super humanos são substituídos por máquinas e robôs, acabando marginalizados. Existe ainda uma epidemia de consumo de Psike, uma droga feita a partir do liquido da medula dos mutantes. É nesse contexto que Connor Reed vive. Trabalhador braçal, Connor luta para ajudar sua mãe a ter uma vida digna, visto que ela também tem poderes e está sofrendo de câncer. Ao ficar desempregado, Connor se alia a uma gangue de super seres e juntos passam a cometer uma série de crimes pela cidade, despertando a atenção de um policial e seu parceiro.

    O roteiro de Jeff Chan e Chris Paré estabelece muito bem o contexto do filme. Através de uma ótima e bem sacada sequência de créditos iniciais, toda a linha temporal dos eventos desde o surgimento dos super humanos é apresentada ao espectador. Tudo é feito a partir de notícias de telejornais, recortes de documentários e programas especiais, entrevistas… Ainda que seja um artifício expositivo, a forma como é feito faz desperta o interesse de quem assiste e ainda estabelece alguns paralelos interessantíssimos com a nossa sociedade atual, principalmente no que tange ao preconceito e a opressão das minorias, além de toda a questão econômica e ideológica que está em evidência atualmente no mundo. Outro ponto positivo do roteiro, é que tudo isso é estabelecido de forma natural, sem parecer panfletário ou forçado. Entretanto, em um determinado ponto do filme, há uma virada que acaba o tornando um pouco mais comum, pois o filme deixa de ser uma ficção científica para se tornar um filme de assalto. É evidente que essa virada se dá muito mais por limitações orçamentárias do que propriamente por intenção dos roteiristas, mas não chega a ser algo absurdo.

    Chan se mostra um diretor bastante competente, principalmente nas cenas de ação. Porém, como dito no parágrafo anterior, as limitações orçamentárias acabam por prender o diretor a um básico, ainda que muito bem executado. Ele joga muito bem com os efeitos especiais simples do filme e usa de soluções criativas de câmera quando os robôs da polícia estão em cena. Aliás, o design desses robôs é bem bonito e lembra um pouco a robô de I Am Mother, produção da Netflix. Já o elenco, que tem como rostos mais conhecidos Sung Kang (o Han de alguns Velozes e Furiosos), os primos Stephen e Robbie Amell (respectivamente o Arqueiro Verde de Arrow e o Nuclear de The Flash) defende muito bem os seus papéis, mas sem entregar nenhuma atuação memorável.

    Enfim, com todo esse mundo interessante que foi bem apresentado, não é de se estranhar que Code 8 ganhe seu próprio universo. Recentemente saíram notícias de que uma rede de streaming pretende desenvolver uma série com os personagens do filme dando continuidade aos eventos apresentados no longa e ainda apresentando outros personagens que teriam suas próprias tramas em outras séries ambientadas nesse mundo alternativo. Veremos como os ambiciosos planos se desenrolarão.

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  • Crítica | As Golpistas

    Crítica | As Golpistas

    Convenhamos: As Golpistas é um nome bem mequetrefe pra um filme tão bom quanto esse. Aliás, seria um nome mequetrefe até mesmo pra um filme ruim. Infelizmente estamos diante de mais um caso de tradução ruim que faz com que o filme seja inicialmente interpretado de forma diversa daquela pretendida. O seu título original é Hustlers, que além de fazer uma alusão à polêmica revista masculina criada por Larry Flynt, é uma gíria de rua que designa alguém batalhador que quer crescer na vida, porém também serve pra descrever uma pessoa que usa de meios fraudulentos ou inescrupulosos para ganhar dinheiro. As protagonistas de As Golpistas personificam a união desses dois significados.

    Baseado em fatos reais, o longa conta a história de um grupo de strippers que se une durante a crise de 2008 depois que os clientes abastados vindos de Wall Street somem do clube onde elas trabalham. Dispostas a subir de vida, elas tramam um plano para lucrar e, de uma certa forma, se vingar daqueles que ajudaram dilapidar a economia mundial.

    Explicado dessa forma, o longa baseado em um artigo da revista Rolling Stone parece ser simplório. Porém, é o exato oposto disso. O roteiro escrito pela também diretora Lorene Scafaria tem uma estrutura muito próxima dos filmes de máfia, principalmente Os Bons Companheiros. A inspiração fica nítida na forma ágil em que estabelece o background de cada personagem, nos interlúdios e principalmente nas sequências de montagem. Scafaria vai provocando a imersão do espectador naquele mundo, na vida de cada personagem, mas sem estabelecer as mulheres como uma espécie de Robin Hood que tira a roupa, mas como pessoas decididas a crescer na vida e prover para a sua família tudo do bom e do melhor que elas não puderam ter acesso quando na infância. Outro aspecto muito bacana é o desenvolvimento das relações interpessoais, primeiro as de mestra e aprendiz e depois quando um laço forte de amizade é estabelecido entre o grupo e principalmente entre as personagens de Constance Wu e Jennifer Lopez. Já no terço final, quando a situação do grupo degringola, o roteiro fica dramático, porém na dose correta, desembocando em um final agridoce comovente.

    Como diretora, Lorene Scafaria se sai ainda melhor, bebendo na fonte de Martin Scorsese e deixando clara sua inspiração no diretor. A diretora também emula um pouco do estilo que Adam McKay imprimiu nos últimos tempos, principalmente no ótimo A Grande Aposta e de Steven Soderbergh nos seus filmes de assalto como Onze Homens e Um Segredo e Logan Lucky. Entretanto, a diretora imprime sua marca ao misturar as influências e criar um estilo próprio, às vezes usando de uma câmera mais ágil que gira por todo o ambiente captando as reações das pessoas e a dinâmica dos arredores e também de uma mais estática, onde capta as emoções das protagonistas em todas as suas nuances. Há de se elogiar também seu trabalho de direção de elenco, onde cada personagem coadjuvante tem seu momento de destaque, além das ótimas atuações que entregam. Só que o ponto alto é a dupla Constance Wu e Jennifer Lopez. A diretoria trabalha muito bem a dinâmica das duas, tirando momentos sensacionais quando estão juntas em cenas e outros quando estão separadas. Só que apesar da grande atuação de Wu, o grande destaque é J Lo. Além de sua beleza magnética, Lopez entrega uma atuação vibrante, com muita alma e coração. Não são à toa os elogios que ela vem recebendo e toda indicação à prêmio que ela receber será totalmente merecida. Ela está um deleite.

    De todos os filmes que pude assistir no ano de 2019, As Golpistas talvez foi a maior surpresa. Um grande filme com ótimas atuações, uma diretora sensível e segura, que sem dúvida nenhuma estará presente na minha lista de melhores do ano.

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  • Crítica | Contato Visceral

    Crítica | Contato Visceral

    Contato Visceral é mais uma das várias recentes produções da Netflix. Juntamente com outros filmes da gigante de streaming como Fratura, Eli, Campo do Medo e Cascavel, o filme é um terror psicológico, focado mais no suspense do que na parte gráfica de outras produções.

    Logo no início, na cidade de New Orleans, somos apresentados a seu protagonista, Will, vivido por Armie Hammer. O rapaz trabalha num bar local e parece não querer muito mais de sua vida fútil, a não ser trabalhar no bar e beber de graça junto de sua amiga Alicia (Zazie Beetz), por quem tem certa queda. Will namora Carrie (Dakota Johnson), mas parece que o relacionamento dos dois está próximo do fim. O bar é frequentado por pessoas bastante conhecidas por Will (algumas muito excêntricas) e sua vida começa a mudar quando um grupo de jovens menores de idade decide ir ao bar. Mesmo sabendo que o grupo é menor de idade, Will faz vista grossa e permite que o grupo beba no bar. Acontece que o grupo acaba se envolvendo em uma briga entre velhos frequentadores do local, sendo que um dos amigos de Will fica gravemente ferido. O grupo vai embora, mas acaba esquecendo um aparelho celular que fica com o Will. A partir daí, o filme abre espaço para o terror psicológico mencionado no início deste texto, uma vez que Will passa a receber sinistras mensagens pelo aparelho, colocando em risco sua vida e de todos que estão ao seu redor.

    Dirigido pelo jovem talento, o britânico Babak Anvari que foi contratado após o bom À Sombra do Medo, seu primeiro longa, o filme até tenta se espelhar em ótimos clássicos do cinema, como Bug ou em escritores, como H. P. Lovecraft. Fã de Cronenberg, o diretor tenta emular o clima retratado em A Mosca, adiciona uma “pitada” de David Lynch e um “aconchego” de Roman Polanski, como ele mesmo diz. Mas por algum motivo, ele falha. Anvari também assina o roteiro do filme, que na verdade é uma adaptação do livro The Visible Filth, escrito por Nathan Ballingrud e o fato dele querer ser um cineasta que dirige e assina a história, foi uma decisão bastante ousada logo em sua primeira experiência em Hollywood. O elenco tem um certo peso, mas todos eles soam apáticos em tela. Johnson parece que está ali somente porque pagaram suas despesas de viagem e alimentação, assim como a personagem de Beetz, que é boa, mas falta consistência no roteiro para aprofundar ainda mais sua trama. Aquele que foi melhor explorado foi Will, sendo que, Hammer sabe muito bem fazer esse tipo de papel. Contudo, como dito, o filme poderia explorar muito mais os arcos de seus coadjuvantes, mas o tempo de fita (pouco mais de uma hora e meia) impede esse desenvolvimento. Então podemos dizer que talvez tenha faltado o dedo de Anvari para extrair um pouco mais do seu elenco, assim como um roteirista mais gabaritado e obviamente, pelo menos quarenta minutos a mais de filme.

    Ainda assim, o que salva é a atuação de Hammer, aliada à algumas poucas situações que envolvem o grupo de amigos, o bar, Carrie e Alicia. As partes de suspense são realmente bem feitas e é possível perceber facilmente a transformação de Will no transcorrer da fita, o que é de fato ponto positivo. De qualquer forma, se você é fã desse gênero de filme, vale a pena conferir.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Dois Papas

    Crítica | Dois Papas

    Podemos dizer que a quase década que perdurou do ano de 2005 até 2013 foi bastante agitada para a Igreja Católica. Com o falecimento de Karol Wojtyla, mais conhecido como João Paulo II, um dos maiores papas da história, deu-se início ao conclave, que consistia na busca por um novo papa. O conclave é como se fosse uma eleição, porém, ultrassecreta, onde os cardeais se reúnem para eleger um novo líder de Roma, do Vaticano e consequentemente, da Igreja Católica. João Paulo II foi um papa extremamente carismático, sendo que morte e a consequente escolha de um novo pontífice foram recebidas pelo mundo com muita tristeza e ansiedade. Foi então que após quatro fumaças pretas, os cardeais escolheram o alemão Joseph Ratzinger como novo papa, que adotou o nome de Bento XVI. O papado de Bento XVI foi muito difícil. Logo no início, as acusações de que ele havia sido um soldado durante o regime de Adolf Hitler começaram a pipocar pelo globo. Mas, obviamente, a mensagem compartilhada por milhares de pessoas eram recheadas de maldade e principalmente falta de um mínimo de conhecimento, além disso, o Vaticano foi exposto a uma série de sérios escândalos que envolviam corrupção e pedofilia, o chamado Vatileaks, onde o secretário do próprio papa vazou as informações. É quase certo que os escândalos foram responsáveis pela renúncia de Bento XVI em 2013, um fato inédito na Igreja. Assim, um novo conclave foi realizado e o argentino Jorge Bergoglio que passou a adotar o nome de Francisco, foi eleito o novo papa.

    Dois Papas busca retratar exatamente esse período tão turbulento tratado como um claro pano de fundo, focando, mais precisamente, na relação entre Bento XVI e Francisco (ainda como cardeal Jorge Bergoglio), dois seres extremamente cultos, estudiosos e conhecedores de suas doutrinas, mas com uma única diferença: cada um tinha sua própria maneira de interpretar a Bíblia e os ensinamentos de Jesus Cristo. O que começou com embates intelectuais entre os dois seres, terminou com uma bonita relação de amizade, o que não é escondido de ninguém.

    Dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, que tem no currículo filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira, e escrito por Anthony McCarten, que emendou a trinca A Teoria de Tudo, O Destino de Uma Nação e Bohemian Rhapsody, a produção da Netflix é bastante leve, focada principalmente nos diálogos e na humanidade dos dois personagens, ainda que Bento XVI (Anthony Hopkins) seja um pouco mais seco e Bergoglio (Jonathan Pryce) mais bem humorado, piadista e até sarcástico. Apesar de o filme retratar a relação dos dois, fica mais que evidente, que, na verdade, o foco é no argentino, já que podemos observar por meios de flashbacks toda sua trajetória, desde o curioso (e bastante bacana) momento decisivo que fez com que ele decidisse optar por entrar já adulto no seminário, bem como um momento onde muitos enxergam como uma mancha em sua história, durante o período da ditadura militar argentina. Acredita-se que Bergoglio se aliou ao ditador Jorge Rafael Videla, e muitos o culpam pelo sequestro, tortura e morte de algumas pessoas. Obviamente, esse trecho da fita retrata o ponto de vista do futuro pontífice sobre o fato. Falando em fatos, o filme é baseado em fatos reais. Portanto, nem tudo que vimos em tela pode ter realmente acontecido. Obviamente, a simplicidade do cardeal é algo muito bem retratado, já que ele compra suas passagens com o próprio dinheiro, não aceita que carreguem sua bagagem, além de usar uma pasta e um par de sapatos velhos.

    A direção de Meirelles é característica. Com seu braço direito, o diretor de fotografia César Charlone, a dupla usa e abusa de técnicas que hoje são suas marcas registradas: muita câmera na mão e o chamado ângulo holandês, onde a câmera é levemente inclinada deixando a imagem “torta”. Mas o destaque fica por conta da interpretação da dupla de protagonistas. Anthony Hopkins é um estudante metódico do texto. Segundo Meirelles, o ator pediu que o roteiro fosse entregue cerca de cinco meses antes do início das filmagens e pediu que o texto não fosse alterado, o que é muito difícil. Já Jonathan Pryce, buscou observar mais o jeito de Bergoglio, estudando seu jeito de falar, seus movimentos, como gestos, postura, modo de andar e o resultado disso tudo é uma aula de interpretação dos dois atores que são mundialmente respeitados.

    Como dito, Dois Papas é um filme bem leve e bastante equilibrado no quesito drama/humor e traz uma trilha sonora bastante ousada, porém, diferente do que se espera de um filme dessa natureza. Obrigatório para os católicos, o filme também agradará os amantes de bastidores, já que procura mostrar aquilo que, de certa forma, não chega sempre ao conhecimento do grande público. Ainda que seja uma obra de ficção baseada em fatos reais, é algo que vale a pena.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Jojo Rabbit

    Crítica | Jojo Rabbit

    O novo filme de TaikaWaititi, Jojo Rabbit começa com seu protagonista, Jojo Betzler de Roman Griffin Davis olhando para frente, onde ele dedica um discurso ao soberano da Alemanha, Adolf Hitler, em um juramento ao exercito de Jungvolk, onde em breve ele irá acampar. Seu sonho é ingressar na juventude hitlerista, e sob sua ótica infantil e inocente, ele tenciona se tornar um cidadão alemão fiel e temente a palavra nazista que impera em seu país, a Alemanha.

    É bizarro como nessa comédia o mundo varia entre uma versão alternativa e ao mesmo tempo é real, onde o nazi-fascismo alemão tem uma popularidade semelhante a Beatlemania, pontuado inclusive por uma versão da música I Want to Hold Your Hands. É fato que na Alemanha havia realmente uma idolatria cega, que é bem exemplificada pelos desejos do pequeno e esperto Jojo, que inclusive, tem sonhos e ilusões com figuras políticas importantes do Regime. O quadro só tem uma mudança real quando a mãe do menino é apresentada, a Rosie de Scarlett Johansson, mas até o seu drama é levado de maneira lenta e gradual.

    Assusta um pouco o fato de crianças usarem a saudação nazista típica da SS – Heil Hitler – e tal artifício serve para mostrar como ocorre a dominação de corações e mentes. Antes mesmo de receber a  alcunha que dá nome ao filme, Jojo aparece tendo contato com Adolf, personagem de Taika que obviamente usa as roupas do Fuhrer, e que serve de inspiração bizarra/alter ego do protagonista, numa relação semelhante a do Clarence Worley de Christian Slater com Elvis em Amor a Queima Roupa. No imaginário geral, Hitler é um herói, que precisa de adulação e adoração cega, tal qual boa parte das maléficas e egoístas entidades das religiões soberanas no ocidente.

    Há um sem numero de versões de músicas famosas, como I Don’t Wanna Grow Up dos Ramones, sendo embaladas pelas crianças, que dentro do campo de verão, sob a supervisão do estranho e louco Capitão K (Sam Rockwell, engraçadíssimo por sinal), brincam com armamentos reais, e lidam com o bullying dos garotos arianos mais velhos.

    A descoberta do menino a respeito do que Rosie guardava em casa se dá em um momento bem semelhante a um filme de terror, em que a menina judia, Elsa, feita por Thomasin McKenzie aparece  realmente como um fantasma, ou comum uma mulher possuída que se escondia nas paredes. É natural que para uma mente fraca e que apóia o nazismo, a moça pareça um monstro, numa clara alusão ao documentário alemão O Eterno Judeu, mas há nisso também uma crítica muito inteligente, pois somente uma mente imatura e sem caráter formado poderia achar a iconografia e o visual bonito dos uniformes nazistas algo lúdico o suficiente para ser seguido. A demonização dos judeus só poderia ocorrer por via de mentes sujas, porcas ou ignorantes, e o caso do protagonista é o terceiro.

    Mesmo nessa versão fantasiosa da Alemanha nazista, há espaço para estanhamento, e muito. O lugar onde o rapaz se recupera é um ginásio, onde K e seus assistentes Finkel (Alfie Allen) e Fraulein Rahm (Rebel Wilson)  treinam os futuros soldados, fazendo-os pular na piscina com roupas e fardas de escoteiros, não sem conviver com jovens mutilados, por ações de armas e de bombas. Os novos e possíveis membros dos alistados lidam com os feridos como se nada de errado houvesse naquela vida, e mesmo Jojo defende o ideal da guerra, invocado claro por Adolf, na mesa  de jantar junto com sua mãe.

    Há um largo uso de piadas repetitivas e de momentos fálicos, como quando o personagem de Stephen Merchant, o oficial Deertz afirma que o boato de que Hitler tinha apenas uma bola era mentira – ele teria quatro na verdade – mas também há muita tensão e receio de que Elsa seja pega, pois dela, vinha afeição e carinho.

    O terço final se passa na virada da guerra, e é assustador de certa forma, tornando esse Jojo Rabbit um irmão em espírito da temática de A vida é bela, denunciando os males do extremismo e sendo pragmático, ao menos em seu encerramento. A fantasia adocicada e colorida  do menino é interrompida de maneira  brusca pela guerra e pelo sangue derramado de justos e dos injustos. Em determinado ponto, por vias tortas e sentimentais, Jojo para de ter contato com Adolf, numa alusão clara ao amadurecimento, mostrando que sua jornada mudaria ali, ainda que guardasse em si um pouco da ingenuidade infantil, não havia mais espaço para a intolerância, pois Elsa é a prova viva de que o anti semitismo era algo cruel e fútil, alem do que, discriminar qualquer pessoa por uma condição de nascença não faz sentido em um mundo civilizado, nem em um mundo sem uma visão adulta das coisas.

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  • Crítica | A Chave do Enigma

    Crítica | A Chave do Enigma

    A Chave do Enigma faz Jack Nicholson retornar ao papel de Jake Gittes, em mais um roteiro do veterano Robert Towne, dessa vez trabalhando no caso de Jake Berman (Harvey Keitel) que acredita que sua mulher e seu sócio estão tendo um caso amoroso. Este é bem mais explicativo que a obra de Roman Polanski, seu antecessor Chinatown, o que é natural, uma vez que ele foi lançado quase treze anos depois do original

    Passados onze anos depois da morte de sua amada Evelin Muwray, Jake segue seus dias como um homem solitário, desconfiado e muito paranoico. O caso que ele toma logo se torna algo maior, envolvendo um assassinato e muitas mentiras sobre as razões que inspiravam cada um dos personagens.

    O filme dirigido por Nicholson prossegue didático de maneira desnecessária, se debruçando um pouco sobre o ofício de detetive matrimonial que  se dedica a explicar algumas das nuances que incorrem no trabalho de verificar a paranoia ou o motivo das infelicidades. Além de investigador, o detetive tem de agir em alguns pontos como psicologo de casais, face essa bem diferente do cinismo típico que ele tinha que impor na outra adaptação da literatura de Towne.

    A inversão de causo, entre ser um adultério e um crime a sangue frio com motivos empresariais faz o personagem ter dolorosas lembranças sobre o caso do primeiro filme, ocasionando até uma catarse pela morte mostrada no encerramento do primeiro capítulo da saga, e justificando bem a tardia digestão da perda de seu par, somente uma década depois do ocorrido. A briga em que Gittes se mete serve de gatilho sentimental, liberando enfim as lembranças reprimidas, para que pudesse se liberar do fardo de não ter conseguido desabafar sobre a perda de um grande amor.

    A aura de noir colorido não predomina nesse, dessa vez ganham destaque os tons pastéis, assemelhando a escolha das cores numa amalgama entre o Scarface de Brian de Palma, com um tom escurecido semelhante aos filmes oitentistas de Martin Scorsese em especial Cassino. Nicholson consegue estabelecer uma direção concisa e que não cai no erro de imitar a de Polanski.

    Próximo ao final a trama discorre sobre um realismo fantástico envolvendo o retorno do cliente junto ao prestador de serviços, e isso causa um certo estranhamento, já que a saga de Gitter sempre foi muito calcada no real. Apesar de resvalar em uma grave pieguice, o final escolhido para o detetive é cabível e demonstra a evolução do personagem enquanto pessoa repleta de sentimentos conflitantes e que finalmente tem  alguns sinais de possibilidade de se resolver. A Chave do Enigma consegue ser uma continuação enxuta e que não denigre o filme original, e mesmo não sendo tão brilhante, também não cai na armadilha de utilizar o mesmo como muleta.

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  • Crítica | A Doce Vida

    Crítica | A Doce Vida

    Federico Fellini realizou três tipos de projetos. Filmes pra saciar sua alma (A Cidade das Mulheres, 8 ½ …); em nome do público (A Estrada da Vida, Amarcord…) e sobre a arte de se produzir a tão amada sétima arte (Julieta dos Espíritos, A Voz da Lua…); não necessariamente, é claro, fazendo jus ao artista diverso que suas visões, as quais ele julgava serem sempre semelhantes, resgatam através da película e proposta, cada uma dessas impecável. Particularmente, este escritor encaixa A Doce Vida (soa melhor em italiano) na segunda categoria sugerida acima, em especial. Vejamos: Caso fosse na primeira hipótese, o artista teria feito esse perfeito documento das relações humanas, nos mais altos patamares de ficcionalização, para discursar seus próprios valores humanos no mundo de cristal das celebridades? Válido, desde que o diretor de Cinema é um dos tipos mais egoístas do mundo.

    Contudo, o alvo de Fellini desta vez não era si próprio, e sim uma valorização fora do comum à arte que usou como base e plataforma por boa parte da vida. A crítica e a adoração aqui é sempre externa, se apoiando nas beiradas da janela pela qual a assistimos; mesmo que sob as grossas cortinas da metalinguagem que o maestro aprimorou. Isso porque os filmes, assim como o homem, e a mulher ainda mais, têm alma que não pode ser vista nem mesmo em vista da mais bela fotografia – ainda que sentida por uma trilha de Nino Rota, em alguns casos. Não existem meias verdades da essência do audiovisual, esse enquanto não transcendental naquilo que cumpre, onde faz parte. Após isso, quaisquer perspicácias ficam a cabo do ponto de vista alheio, uma vez que diante dos prismas de Fellini o que é ambíguo brota da contemplação e arrebata as plateias sem o auxílio de nenhuma apologia, ou arrogância. Em A Doce Vida, Fellini já era mestre aqui, e exerce seu poder com todo o esplendor possível.

    Na jornada do jornalista Marcello (Mastroianni, debutando na carreira com o cineasta) adentro o universo individualista dos flashes, a riqueza da vida é extraída das extremidades da mesma. Personagens que correm em cordas bambas por serem incapazes de controlar suas veredas, numa sociedade colocada em microscópio por planos cênicos cirúrgicos e iluminação prateada, muitas vezes, ao invés do preto, brancos e matizes cinza normais até meados dos anos 60 na filmografia mundial. O que é imprevisível na narrativa multiplot reflete e combina, por fim, na mise en-scène arquitetada vigente; atores entrando e saindo de quadro simultaneamente em meio a diálogos que não falam mais alto que as mensagens evocadas pelas imagens do mural, este eternamente vivo e pulsante, como qualquer legítimo Fellini.

    Se A Doce Vida fosse uma ficção-científica, seus integrantes ou personas ficariam orbitando a Terra na grande missão de suas vidas: Encontrar um sentido no vácuo, o vácuo amargo, azedo, nem mesmo agridoce de suas existências interligadas. Na verdade, para um filme o qual o próprio anúncio é uma ironia ao conteúdo, não que seja trágico no que não é subjetivo, uma metáfora mais óbvia é só aquela que afirma a desglamourização da elite num filme sobre ela, no amor e na dor de pertencer a tal classe, como em qualquer outra. Um conglomerado de cenas síntese a trama existencialista, em prol de um público mais vasto que o filme almeja alcançar, e apaixonar, arrebatando a todos com imagens dignas de uma representação dionisíaca.

    Ao mesmo tempo, o mais reverenciado dos cineastas italianos profetizou em larga escala dramática a mentalidade pós-Beatles, ou seja, o tipo de público do século XX que venera a revista Caras e os besteiróis de fofoca e degradação humana no rádio, TV e internet. Por outro lado, Fellini ilustra excentricidades não apenas em A Doce Vida, sem esquecer o elemento do fascínio por parte de quem admira as cores desse circo por fora. Um filme que realmente mereceu ser filmado em PB… Por essas e por outras, o mistério que toda esfera chamada de mundo contém, seja esse rico ou pobre de intenções, “autêntico” ou “teatral”, é mantido e nutrido em forma de arte, aqui através do alter-ego do diretor numa equilibrada e emotiva posição de Mastroianni, e elenco ao todo – um fato generalizado. Isso porque no poético e balsâmico A Doce Vida, Fellini colocou com prazer a audiência no picadeiro do seu circo, domando-nos com o chicote que viria a emprestar a seu grande ator, mais tarde, e gritando desde já com ele: Ação!

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  • Crítica | O Poderoso Chefão II (1)

    Crítica | O Poderoso Chefão II (1)

    Após ter adaptado com maestria o livro O Poderoso Chefão de Mario Puzo, apenas dois anos depois do filme O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola, sua equipe de produção e elenco retornam para este novo toma de história, que traduziria a parte de flashbacks do livro que contava sobre a juventude do Don Vito Corleone na Sicília – feito dessa vez por Robert DeNiro – enquanto também dava seguimento aos acontecimentos da família na atualidade, comandada de novo por Michael, personagem de Al Pacino.

    As primeiras cenas de O Poderoso Chefão II dão conta dos empregados e paisanos, participando de uma festa de Michael, o aniversário de seu filho. Os que frequentam o lugar o tratam como fizeram com Vito Corleone no casamento de Connie, normalmente beijam as mãos de Michael, prestando homenagem a ele, já que é o atual e novo Don, e por mais que esse seja um filme que intui ser bom independentemente do primeiro episódio

    Ao mesmo tempo que há essa preocupação de ser algo independente a tolice de se negar o primeiro capítulo da saga, bem como seu legado, assim como há o cuidado de mostrar uma realidade mais simples, siciliana, com o enterro do velho Andolini em 1901 e o infortúnio do pequeno Vito, que perde seu pai e seu irmão em um período muito próximo.  A essa altura, se acreditava que Vito era mudo, que não gozava da plenitude de seus sentidos e faculdades mentais, e sua mãe, implorou ao chefão mafioso local que poupasse o menino. Esse era Don Ciccio, feito por Giuseppe Sillato, e foi dessa fraqueza que surgiu a figura imponente, que no futuro, dominaria os negócios ilegais na Little Italy de Nova York.

    Toda essa jornada reflete uma forte influencia do teatro clássico, desde Sófocles até artistas mais contemporâneos como Shakespeare, e apesar de não ser exatamente original, há ali todo um cuidado em retratar uma realidade bem longe do glamour que acusavam a trilogia de Coppolla de ostentar, e de fato, ao ir atrás das raízes da família Andolini/Corleone, se humaniza toda a jornada torpe rumo ao crime, mas não a faz ser moralmente correta, tanto que um dos lemas da Saga é voltada para o assumir de que aquela é a vida que eles escolheram, com todos os infortúnios decorrentes dessas escolhas. A gênese da Família é voltada para a violência, o pequeno Vito não vê outra alternativa a não ser correr, condenado por Ciccio a ou morrer ou a vagar por lugares que não eram os seus.

    O garoto teve sorte de ter uma família caridosa, que o enviou para a “terra das oportunidades”, onde ele teve a oportunidade de trabalhar, crescer e constituir família, claro, com dificuldades típicas de um estrangeiro. Coppola e Puzo tomam cuidado para dar voz a um povo sofredor, e utilizam um menino com dificuldades de fala para explicitar isso, através de seus filmes, mostra uma parte desigual e sanguinária do país que sempre se julgou o mais justo e ordeiro dos lugares.

    É até injusto chamar a introdução que dura onze minutos de prologo, uma vez que ela casa bem com a historia recente, fomenta a ideia de repetir ciclos, e ainda mostra as marcações em cima dos meninos que chegam de barcos semelhantes e muito a marcação que se faziam nos judeus na Alemanha Nazista, embora as circunstancias do holocausto fossem clamorosamente diferentes, havia a sensação do Apartheid. Além disso, as duas linhas temporais se misturam.

    O roteiro não tem medo de quebrar seus paradigmas, há semelhanças claro  com o casamento de Connie (Talia Shire) do primeiro filme, mas há também um bocado de diferenças, não só nas vestimentas e posturas – Kay Adams Corleone por exemplo usa roupas com cores átonas – e toda a família orbita em torno do Don, mas claramente não existe da parte de Michael o mesmo cuidado que seu pai tinha. Ele é mais vaidoso e centralizador, parece seduzido pelo poder e tem gosto por ele, ao contrario de seu antecessor, que era discreto, isento de ambição e tinha o poder como norte por necessidade e não por desejo próprio.

    Entre negociatas e acordos, ele conversa com senadores e com subalternos, desde os “descendentes” de Clemenza, que permaneceram em Nova York – Frank Pentageli, de Michael V. Gazzo e Willi Cicci (Joe Spinell) – até os eméritos e famosos, que não ligam para a tradição italiana. Há uma cena que resume isso bem, envolvendo Frank, que tenta obrigar a banda do aniversario a tocar a Tarantella, mas não consegue, uma vez que eles não sabem tocar aquilo. Apesar de pequena, a demonstração ali é de que os tempos do crime organizado mudaram drasticamente, ao ponto desta nova geração não saber lidar com isso do  modo como os antigos faziam.

    É incrível como a moralidade em relação a assuntos comportamentais impera, ainda mais quando toca o sexo, mas para ilegalidades em negócios não é alta. Impressiona também como em Nova York as coisas mudaram, a profecia de Don Vito se cumpriu, os Irmãos Rosato, que deveriam ter territórios após a morte de Clemenza, não os tem entregue por desculpas de Frank de que eles vendiam muitos entorpecentes. Os sete anos foram inclementes com os Corleone de Nevada e da cidade antiga, não houve legalização dos trabalhos, tampouco havia uma hegemonia indiscutível na cidade natal do clã.

    O crescimento do comportamento criminoso de Vito, na fase passada é feito de modo quase didático, com um passo de cada vez, mas não é tão lento quanto se espera. Desde a dispensa que ele tem até matar Fanucci, o Mão Negra se vê uma frieza e uma enorme falta de escolha, assim como se percebe o início do que seria a organização criminosa, com Clemenza, Genco e companhia com suas contrapartes jovens. Ali já se percebe o cuidado dele para se livrar da arma – momento inclusive referenciado em outros filmes, como Os Bons Companheiros e O Irlandês – do crime, em só mais um símbolo do trabalho dele para se manter incógnito. Ainda assim, ele comete os atos maus, e depois vai descansar com sua família, como em mais um dia de trabalho, transbordando normalidade.

    Michael é um belo jogador, ao perceber que sofreu um ataque ludibria os dois maiores suspeitos, os faz pensar que estão livres  de seus olhos e de suas suspeitas enquanto as tramoias se desenrolam, e outros tantos tentos, envolvendo toda sorte de influenciadores da sociedade, os políticos inclusos, tudo isso, levado pela batuta de Tom Hagen (Robert Duvall) que certamente só se tornou cascudo assim pelas privações que passou, pois ele age como um autentico Don, autoritário quando precisa.

    Se o desafio do primeiro filme era retratar uma Nova York quarentista, o nesse é passar a mesma aura e atmosfera não só em NY, mas também em cenários mais tropicais. Nevada, Cuba, Florida, sempre mostrando a pompa dos que são poderosos. É curioso como o visual e figurino dos personagens pomposos do mundo inteiro não é tão diferente entre si, ao contrário, seus modos e etiquetas mostram um vestuário comum, mais voltado para algo que todos eles tem, pois sequer a língua que falam é a mesma.

    A melancolia de Fredo é muito bem representada por John Cazale, o que aliás, é ótimo já que ele foi sub aproveitado na primeira parte. Aqui, ele pode mostrar o quão ressentida ele era por ter sido maltratado por sua mãe, que o renegava e dizia que ele foi deixado por ciganos, ou por seu caçula, que tinha poder e nunca compartilhou com ele. O estado de espírito de Fredo é outro resumo do quão mal vão as relações da família, que tem como exemplo as problemáticas reconciliações entre Connie e todos os outros, o abandono do lar e até a volta dela a casa da Família. Ela, após a morte de sua mãe se torna a grande madre, exige coisas, como o perdão entre os irmãos, além de promessas de ela cuidará do atual chefe da organização/família. Isso é uma semente, que só germinaria no filme dos anos noventa, mas tudo é tão bem costurado que não há como considerar isso como algo oportunista.

    As atuações conduzidas por Coppola são assustadoramente absurdas, desde Pacino, que se firma como um dos maiores nomes entre os atores do mundo, até Shire, que prova ser algo a mais que apenas prima do direto. Cazale e Duvall também fazem papeis de peso, que variam entre a tristeza e euforia muito facilmente, e mesmo alguns coadjuvantes, como Gazzo e Cicci traduzem bem como eram os mafiosos, e se não são “realistas”, com certeza ajudaram a influenciar os criminosos do lado de fora da tela.

    A saga do herói falido prossegue, com rumos diferentes entre as gerações, e a poesia provinda disso torna toda a ópera de Puzo e Coppola em algo bonito e preocupado em passar uma mensagem além do usual e do comercial, mas sem se distanciar do caráter popular de entreter quem quer que assista.

    O Poderoso Chefão II contradiz a pecha de que continuações são exemplares do clichê de mais do mesmo. Há um momento em especial que mostra como Coppola driblou bem a questão de ter que dar continuidade a uma historia, se baseando no material base mas também avançando na fase atual. A cena é a famigerada espera por Vito Corleone, onde Marlon Brando faltou a gravação e o diretor improvisou e adaptou o roteiro de Mario Puzo para contar com a ausência do mesmo, como se todos os estivessem esperando, para comemorar seu aniversario, e lá se percebe as falhas de pensamento e ideal de Michael, seu desejo de não se tornar o seu pai, e ela é seguida de um momento, onde ele está sentado sozinho, em uma cadeira imponente, sozinho como no momento anterior, onde segundo Sonny, ele partiria o coração do velho, por se alistar. Naquele momento, Michael seguiu os passos de Vito, e de fato, partiu o coração do pai ao seguir seus passos, ao não ser alguém diferente. Vito se sentia obrigado a ser um criminoso, Michael não, um era abnegado e o outro vaidoso e carente por aprovação de todos.

    https://www.youtube.com/watch?v=mESL4ojdH5A

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  • Crítica | Klaus

    Crítica | Klaus

    Jesper é o filho de um homem muito rico, um nobre dono do serviço postal real que vive de maneira desordenada e sem qualquer compromisso em se tornar um bom profissional. Após muito protelar, ele recebe o encargo de ser testado como carteiro, mas falha, como parte desse treinamento ele é levado a cuidar de uma agência num lugar ermo, chamado Smeerensburgo, onde ele aprenderá um sem número de lições sobre humildade e sobre como viver bem.

    Já no início de Klaus se percebe que essa é uma animação de beleza ímpar, que mistura gráficos em 3d com uma fina camada de movimentação e compleição bidimensional, como se misturasse os diferentes estilos de animação entre o visto em A Nova Onda do Imperador e A Lenda de Eldorado, animações tropicais com cores gritantes, com a sobriedade e beleza arquitetônica de Frozen – Uma Aventura Congelante, além de também conter uma atmosfera de desconstrução de contos de fadas semelhante aos clássicos da Dreamworks como Shrek e Formiguinhaz. Impressiona que em meio a tantas referencias e inspirações, o filme também consiga ter uma identidade muito própria e uma forma de abordar a temática

    Smeerensburgo é uma cidade peculiar, seus habitantes vivem brigando e em pé de guerra, jamais consegue se entender sem algum conflito e isso atrapalha Jesper, que imaginava poder ficar tranqüilo na missão que lhe coube.

    O diretor  Sergio Pablos traz a trama personagens bem legais, que possuem personalidade própria, em especial Alva que é uma professora e  mulher em furia, a mais nervosa entre os cidadãos da pequena cidade. Mesmo o drama egoísta de Jesper faz sentido, e faz discutir o espírito natalino, pois há uma variação entre a miséria de querer voltar as regalias provindas do dinheiro do pai e a inevitável tristeza de lidar com uma cidade repleta de sociopatas, onde ninguém quer trocar mensagens, ou comprar cartões ou dar boas novas aos outros

    O quadro muda quando finamente alguém quer enviar uma encomenda, um sujeito grande, com muitos pêlos no rosto, todos grisalhos. Os momentos após essa interferência são legais, pois mostram uma oportunidade de trabalhar, explorando um secto capaz de driblar a ranzinzice, que vem a ser as crianças, ainda que as habitante da vila não sejam as mais fofas, tampouco são imunes a agressividade. O sujeito é Klaus, chamado nas legendas brasileiras de Noel, numa clara referência ao entregador de presentes muito popular nas datas de dezembro, mas dispensando os clichês de feriados. Ele é um homem sensível,  que alimenta passarinho e desafia os paradigmas preconceituosos de que os homens grandes são brutos

    A mensagem de que o vilarejo é um lugar de penitencia, de rito de passagem não é exclusivo para Smeerensburgo, e o fato de ser um filme espanhol certamente garante uma abordagem que foge bastante do maniqueísmo comum a produções dos Estados Unidos. Não ha tanto apelo a questões maquiavélicas mesmo quando se mostra a maldade e egoísmo  do homem, e o fato de a lenda de Noel ser criado num lugar de tão áridos corações é bem simbólico

    É incrível como o incentivo a crianças escreverem cartas, desejando coisas boas causa alvoroço na comunidade, ao ponto de Jesper ser olhado como um párea. A inversão de valores visto aqui mostra que sociedades diferentes tem modos diferentes de ver a vida e não se resumem a ignorância xenófoba de uma nação desenvolvida ou conservadora ou ao puro  consumismo que normalmente é associada as festas de fim de ano. Pablos mostra ser um diretor de mão cheia, traz a luz um filme tocante, divertido e belíssimo visualmente, cuja mensagem é forte e até original nos temas que aborda, mesmo que seja parte de um filão repleto de clichês.

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  • Crítica | O Diário de Anne Frank

    Crítica | O Diário de Anne Frank

    A versão de George Stevens para O Diário de Anne Frank tem um desenrolar lento e gradual. Os créditos iniciais primam por uma normalidade que não poderia ser mais irreal, mostrando pássaros no céu enquanto uma música instrumental é tocada, como se aqueles fossem dias comuns, uma vez que a natureza não se curva aos  desígnios humanos sejam eles quais forem, sejam os homens poderosos ou não.

    Na casa dos Frank há um lamento, por que algo sumiu dali, um livro diário, que é encontrado após as pessoas que lá chegaram procurarem bastante.  Curiosamente, o escrito não estava em um lugar inacessível, e sim bem a frente dos que procuravam. As pouco menos de três horas de filme seriam baseadas na leitura daquelas palavras de intimidade, da personagem-título feita por Lea Van Acken, que datam a partir do ano de 1942 quando o III Reich já estava estabelecido como dominador da Alemanha e como potência mundial, elevando a bandeira do nazi-fascismo ao patamar de parte do governo e ideologia de uma das potências do velho mundo.

    Há uma exploração gradual do dia a dia da menina, que até os momentos iniciais, não tinha muitas privações. Ela vivia uma vida simples junto com os outros Frank, mas não havia grandes necessidades que não fossem supridas, fora o óbvio fato dela não poder sair muito de casa, com receio de ser atingida ela e sua família pela guerra e obviamente de serem perseguidos por sua condição religiosa e de origem, que era judaica. O filme consegue ser sutil em muitos momentos, mas também não tem medo de apelar para a fobia dos personagens. Anne acorda subitamente a noite, com um pesadelo de que seu esconderijo era invadido e todos seriam consequentemente violados.

    É estranho verificar  a guerra como um evento visto a partir dos olhos de uma moça, que mal pode se aventurar em seu quintal. O conflito visto pelas janelas ou pelas frestas da casa causam uma falsa ilusão de que estavam longe da pólvora e do ódio provindo dos alemães que tomaram a Holanda, e essa situação casa perfeitamente com a também falsa sensação de normalidade em possíveis tomadas de poder de extremistas de direita. Os Frank eram cativos em seus próprios domínios assim como boa parte dos povos são reféns de governantes que pensam mais em seus próprios interesses  e em seus próprios dogmas e moralismos mesquinhos. A realidade não é tão distante, considerando obviamente que a o visto no livro/filme já é um estado de exceção bem avançado.

    Um dos maiores simbolismos dentro do longa, leva em conta curiosamente um livro bíblico não presente na Torá, que são os manuscritos sagrados dos judeus. A cena envolvendo um ladrão emula bem a parábola do retorno do Messias, que é dito que chegaria de surpresa como um ladrão na noite, no livro profético do Apocalipse de São João. Esse pequeno momento sincrético entre judaísmo e cristianismo é muito bem encaixado, principalmente por que para os semitas, esse era um período bem semelhante ao fim do mundo como era dito no livro das revelações.

    A vida de Anne é triste não por conta apenas da questão da perseguição a si e a dos seus motivada claro pela intolerância, mas também porque ela não consegue viver sua vida de maneira plena, sem ser prisioneira. Mesmo quando ela está prestes a viver um amor, ela deve faze-lo embaixo de seu teto, ao lado de seus pais e parentes, sem direito a privacidade sequer para conseguir um par para ser seu futuro noivo.

    O modo como os traumas aos judeus foram causados reúnem elementos mais explícitos e outros ligados ao surrealismo do cinema alemão clássico. É incrível como a mistura de influencias se da até com a arte cinematográfica que  foi praticamente sepultada após a chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha.

    Os momentos finais tem outra curiosidade com mistura, uma vez que fala a respeito de uma violência sofrida pelos Frank, mas que não foi exatamente descrita por Anne, já que se imagina que ela sofreu tudo aquilo em seus últimos momentos de vida, e não pôde registrar exatamente o que lhe ocorreu. O Diário de Anne Frank traz uma boa versão do famoso livro homônimo, é tocante, sentimental, muito bem filmado e atuado em mais um filme de caráter bem épico de Stevens, se não tão forte como Assim Caminha a Humanidade, ao menos é bastante forte e distinto.

    https://www.youtube.com/watch?v=b4C0taJ39zA

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  • Crítica | Um Duende Em Nova York

    Crítica | Um Duende Em Nova York

    Apesar do nome diferente, Um Duende em Nova York trata de elfos, e começa com uma apresentação do Papai Elfo, interpretado por Bob Newhart, falando a respeito dos três trabalhos que cabem aos seres dessa raça, que vem a ser: fazer sapatos a noite enquanto o sapateiro dorme, fazer biscoitos em árvores, e o emprego das elites, fabricar brinquedos no ateliê do Papai Noel. O especial infantil com roteiro de David Berenbaum tem uma apresentação animada, que mostra vários desses seres lidando com as festividades de natal.

    No Brasil, convenciona chamar os seres pequenos de duendes ou gnomos, até para diferenciar o “elf” dos elfos de J.R.R. Tolkien em Senhor dos Anéis, seres poderosos e imortais, diferente dos quase pigmeus das fábricas do Papai Noel. Logo, aparece Buddy, um humano que nasce no Polo Norte e que é adotado por Noel logo cedo, e que é treinado para ser um elfo. Ele cresce e se torna o astro de comédia pastelão Will Ferrell, cujo humor escatológico o faz um não candidato a contos infantis, naturalmente, mas curiosamente, ele casa bem, principalmente por conta do dueto que faz com o narrador Papa.

    Logo o paradigma do filme muda, quando Buddy é incumbido de procurar seu pai, Walter (James Caan), na cidade de Nova York, um homem de negócios importante que não tem tempo para ele e nem para ninguém. Nesse meio tempo, ele trata de andar pela metrópole, interpretando o perfeito idiota que normalmente faz, e o palco de seu novo emprego é perfeito cenário para esse teatro dele.

    O fato de Buddy ser completamente alheio a tudo o faz parecer uma criança, sua alienação não o faz estranhar, por exemplo, o fato de andar com roupas élficas o tempo todo. As loucuras como as guerrs de bola de neve não o fazem estranhar, ao contrário, ele é especialista nesse tipo de conflitos. Por não entende ironia, sarcasmo ou qualquer coisa que o valha, o elfo simplesmente não tem capacidade de compreensão para perceber como funciona o rito do natal ensaiado nos shoppings, quando se fala que haverá um Papai Noel ele acredita que é O Original, e toda essa literalidade gera ótimos momentos no filme. A aproximação que o personagem central tem dos seus rivaliza com a magia da fantasia realista que se estabelece em torno dos personagens natalinos, e o modo como Favreau apresenta esses aspectos lúdicos são muito bonitos, contendo tudo o que Meu Papai é Noel tentou estabelecer ao longo dos seus múltiplos filmes, com pouquíssimo tempo de tela.

    Tudo que envolve os momentos finais é bem bonito e grotesco em simultâneo, a variação entre o mágico e o escrachado funciona de maneira singular. Buddy alcançar seu intento, de ser um bom auxiliar da festa natalina, a sociedade lida bem com a realidade de que o Papai Noel existem e até os números musicais fazem sentido. Há alguns problemas com a computação gráfica, principalmente nas renas que fazem o trenó voar pela cidade símbolo dos EUA, mas o filme sabiamente não foca muito nelas, deixando com que Ferrell e seus colegas de elenco capturem a atenção das crianças e dos demais espectadores.

    Um Duende em Nova York é quase como um anti Grinch, e curiosamente guarda bastante semelhanças com o humor ácido dos livretos do Dr. Seuss, embora seja mais para o público geral que os livros infantis do autor citado, e tenha um caráter mais generalista, mas ainda assim contém uma mensagem otimista bem bonita e que foge da ideia materialista do natal, mesmo com os presentes sendo um objeto bem importante de sua trama, mesmo sendo uma ode a glutonaria tipica das festas de fim de ano, mesmo sendo focado num personagem que claramente sofre de retardos mentais.

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  • Crítica | Esquadrão 6

    Crítica | Esquadrão 6

    Quando você inicia Esquadrão 6 na Netflix, surge o aviso “Algumas cenas contém efeitos estroboscópicos que podem afetar espectadores fotossensíveis”. Não me lembro de ter visto algo semelhante em algum filme de Michael Bay, mas nesse aqui é um aviso que não deve ser ignorado. O diretor está no auge da sua forma aqui, o que não significa que seja algo bom. Tirando uma ou outra sequência de ação, Esquadrão 6 é um amontoado de coisas que são explosivamente jogadas na tela, com um fiapo de trama genérica que tenta se passar como espertinha e uma narrativa que deixa o espectador mais perdido que funcionário das Lojas Americanas na Black Friday.

    Na trama, Ryan Reynolds é um bilionário que forja a própria morte e reúne um grupo de profissionais altamente treinados em suas áreas de atuação (e que também forjam a própria morte) para atuar em missões ao redor do mundo. A primeira empreitada deles é derrubar o ditador de um país fictício chamado Turgistão e substitui-lo por seu irmão, um democrata idealista amado pelo povo da nação.

    Esquadrão 6 se inicia com uma perseguição absurda pelas ruas de Roma, onde o diretor Michael Bay mostra toda a sua capacidade de construir algo simultaneamente alucinante e confuso. Alguns momentos da perseguição de uma pirotecnia visual que chega a ser sublime, enquanto outros exigem algum tempo para que o cérebro processe o que acabou de acontecer. Após essa perseguição inicial, o filme segue entre uma sequência de ação e outra enquanto é mal costurado pelo roteiro extremamente genérico da dupla Rhett Reese e Paul Wernick, idealizadores da duologia Zumbilândia. Não é exagero dizer que o ponto do alto do filme é o início e depois a qualidade despenca vertiginosamente, provocando um cansaço no espectador que não aprecia algumas outras sequências engenhosas que acontecem ao longo do filme. Nessas sequências, Michael Bay mostra que tem capacidade de fazer coisas boas, mas prefere elevar tudo à enésima potência e entregar uma pornografia de explosões, tiros, gritaria e piadas ruins.

    Como dito anteriormente, o roteiro não ajuda nada ao resultado final da fita. Ainda que tente conferir background a cada um dos personagens, as histórias não tem nada de crível e nem conseguem despertar simpatia no espectador. Os flashbacks são tão confusos que é muito fácil se perder nos eventos e pra piorar, foi feito à moda dos filmes de início de carreira do cineasta inglês Guy Ritchie. Só que enquanto esse artifício funciona muito bem até mesmo nos filmes ruins do ex-marido de Madonna, aqui só pesam contra a narrativa. As relações interpessoais dos personagens são as mais artificiais possíveis, com direito à romances forçados, cenas de sexo sem o menos contexto e tornando enfadonho o conceito estabelecido por Ryan Reynolds de que o esquadrão não deve ter nenhum tipo de relação afetiva entre si e a derrubada dessa proposta com o desenrolar do filme. No tocante às atuações, Reynolds se esforça em tela e segura bem a onda, assim como a sempre competente Melanie Laurent, mas o resto do elenco fica preso diálogos ruins e piadas sem graça, o que é uma pena porque todos tem capacidade pra muito mais.

    O sentimento que fica após Esquadrão 6 é bem agridoce, pois ao mesmo tempo que gera uma decepção pelo que acabou de ser assistido, fica a esperança de que Michael Bay coloque a mão na consciência e reflita que tem potencial para entregar ótimos filmes de ação. Só precisa segurar a onda e não sucumbir aos seus delírios pirotécnicos.

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  • Crítica | Memory – As Origens de Alien: O Oitavo Passageiro

    Crítica | Memory – As Origens de Alien: O Oitavo Passageiro

    O documentário conduzido por Alexandre O. Phillipe começa no templo de Apollo, na Grécia em 1979, entre momentos de contemplação vendo insetos e outros predadores da natureza terráquea e um momento encenado, mostrando os monstros mitológicos gregos, as fúrias, que seriam inspirações para o roteiros Dan O’Bannon e para o restante da produção de Alien: O Oitavo Passageiro.

    Alien estreou em uma época em que alienígenas bonzinhos brilhavam, como os de Guerra nas Estrelas e Contatos Imediatos em Terceiro Grau, e boa parte do estudo que Memory – As Origens de Alien O Oitavo Passageiro passam por isso, por mostrar como a tradição de se retratar extra-terrestres como antagonistas voltaria a moda, e como seria pavimentado o caminho para Enigma de Outro Mundo, Sinais e Independence Day. Memory foi o nome do primeiro rascunho que O’Bannon fez para o filme, tinha apenas 30 páginas, e naquele planeta onde os astronautas pousariam haveria um “saque” a memória deles, deixando-os desmemoriados, como se sofressem de amnésia. O processo para que virasse esse um filme de monstro é mostrado aos poucos, e tem muito a ver com os trabalhos de John Carpenter e Alejandro Jodorowsky.

    Tempos atrás, uma versão da quadrilogia Alien foi lançada em Blu-Ray, com uma edição de luxo, incluindo featurettes diversos e o documentário Beast Within: The Making of ‘Alien’, que inclusive, é a fonte para boa parte das entrevistas com pessoas que já faleceram a altura do obra de Phillipe. No entanto, Memory acerta por não ser literalmente um making off, e sim um filme que reflete a respeito de questões filosóficas chave, como a evolução da idéia de monstros, que até os anos cinqüenta e sessenta, se restringiam a animais agigantados tocados pelo horror atômico. O medo agora viria do espaço,de algo externo, uma vez que as guerras deixaram o publico inerte e imunes a medos mundanos.

    Além de Memory, o rascunho do roteiro já foi chamado de They Bite, e Star Beast, e o estudo não explora só as influências de O’Bannon, como os quadrinhos pulp ou a ficção cientifica/fantástica de H.P.Lovecraft, mas também desenvolve bem os laços afetivos e agressivos com Carpenter, em Dark Star (que foi um proto-Alien só que voltado pro humor) aqui com muitos dissabores, e toda a frustração pelo fato de Duna de Jorowsky não ter dado certo, ao menos desse, muitos frutos vieram, para além até do fato dele conhecer H.G. Giger, mas também serviu para que ele tomasse coragem para revisitar seus textos antigos, já que pouco lhe restou.

    O longa é quase  uma biografia documentada de Dan, explicita que Roger Corman se ofereceu para financiar “Star Beast”, mas só se O’Bannon não conseguisse uma boa verba para faze-lo, pois achava o script bom, mas claramente não era um filme B, também se detalha que Walter Hill quase deixou a oportunidade passar, de dar luz ao filme, uma vez que as primeiras páginas causavam enfado, só ficava realmente interessante um tempo a frente.

    O ponto alto do filme é quando descrevem a criatura nascendo do peito de John Hurt, fato que fez Veronica Cartwright escorregar, com o susto e com a quantidade de sangue falso espalhado pelo chão após as tentativas frustradas. Esse trecho é um bom resumo de todo o esforço de Memory, que não é perfeito, tampouco muito original, mas é tão íntimo como o recente Friedkin Uncut, sendo que dessa vez, o principal alvo de investigação não estava mais vivo, fato que não permitiu que o filme fosse desinteressante.

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  • Crítica | Dr. Fantástico

    Crítica | Dr. Fantástico

    É possível alguém responder como o Brasil, tendo o quadro político histórico e contemporâneo que se apresenta, não possui em sua filmografia nacional um épico cinematográfico como Dr. Fantástico? Por que essa loucura doméstica ainda não nos foi projetada para rirmos ou chorarmos de nós mesmos? Afinal de contas, todos os escândalos dentro (e fora) de Brasília e dos gabinetes dos poderosos justificam com louvor crescente, a cada dia que passa, a falta de uma dessas sátiras pontuais e metódicas a respeito dos nossos inacreditáveis e grotescos absurdos verde e amarelo – e que parecem se inspirar na adaptação do livro de Peter George, Alerta Vermelho, para se perpetuarem em ritmo alucinante por este vasto primo tropical dos EUA. Acontece que Dr. Fantástico está longe de ser “mais uma piada” acerca de um surrealismo político que, ao encará-lo, é melhor rir para não chorar diante de sua bizarra face – face esta que controla o mundo, e portanto, o torna tão louco quanto seus chefes.

    Em plena Guerra Fria, no começo dos anos 60, Stanley Kubrick se deparou com uma missão que muitos cineastas atuais poderiam assumir, também, em países cujo cenário caótico inspira e faz produzir tais incumbências: procurar uma história adequada para um filme que exalte a loucura política do momento, e que na Guerra Fria, exaltasse o desvario quase cômico (se não fosse trágico) da corria armamentista nuclear entre as superpotências EUA, e a antiga União Soviética (URSS). Após descobrir o livro de George, vê na publicação o gatilho perfeito para estabelecer um de seus melhores filmes. Aqui, temos um general norte-americano arrogante que manda soltar uma bomba atômica sobre a União Soviética, e “danem-se as consequências, Sr. Presidente”, pois o avião já está a caminho de fazer um segundo sol nascer no horizonte. Ao tratar o ridículo de forma irônica, Kubrick expõe como as nações são moldadas por ações do tipo, quase sempre decididas por meia dúzia de loucos vestidos com paletós e uniformes cheios de medalhas numa sala de guerra em que um não pode brigar com o outro, afinal, é uma sala de guerra.

    Como se a regra do jogo fizesse sentido, alguns generais e embaixadores realmente querem provocar um inverno nuclear para alcançar a supremacia americana, mesmo que isso custe o mundo inteiro e a própria segurança nacional (?!). São homens descontrolados que falam de paz com faces odiosas, figuras que nos lembram porque vilões de histórias em quadrinhos, em especial, são deliciosamente detestáveis e sempre acham que estão fazendo a coisa certa, mas que, felizmente ou não, brigam tanto entre si que atrasam suas decisões políticas tomadas em comitê, a portas fechadas em um perturbador estado de confidencialidade. Para encabeçar o elenco com chave de ouro, Kubrick no início pretendeu fazer um suspense pré-apocalíptico com John Wayne, a lenda dos faroestes, mas acabou por escalar o astro da comédia Peter Sellers, com quem já tinha trabalhado antes em Lolita. Aqui, Sellers se divide em três papéis que representam um planeta à beira da autodestruição atômica, incluindo o próprio presidente atordoado dos EUA, e o tal do Dr. Fantástico, um médico da mais alta cúpula do governo cuja prótese do braço direito está sempre fazendo uma inconveniente saudação nazista – e que ele nunca consegue evitar.

    O ridículo e o paradoxal então vem justamente disso: da caricatura de um poder ceifado por seus próprios fundamentos imorais e malucos de tão frenéticos e absurdos que, historicamente, acabaram sendo. Sellers entrega a melhor atuação de sua carreira entre outros homens “importantes” tão descerebrados (e desesperados) quanto, marchando entre gritos e acusações em direção ao precipício suicida. O roteiro sobre as motivações em conflito para que este grande crime contra a humanidade aconteça é nada menos que genialmente adaptado em grandes cenas, quase todas tendo como cenário a icônica sala de guerra, ou uma base militar atacada por inimigos que parecem muito mais coordenados que os dois políticos americanos presos no ataque, feito um par de garotos indefesos. No fundo, todos são assim, e há ousadia para demonstrar isso sob a égide do mais refinado humor negro que Kubrick conseguiu transmitir. Dr. Fantástico é literalmente, como o próprio cineasta classificou, uma “comédia de pesadelo” sobre os meninos mimados que controlam as nações, e que por fim, cavalgam mísseis como brincam em gangorras. Não é a cria mais marcante de Kubrick, no geral, mas é a sua direção mais poderosa, simplesmente irrepreensível, equilibrando drama e humor à perfeição. E nesse ponto, é sempre bom lembrar, mais uma vez: que se dane o Oscar.

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  • Crítica | Angry Birds 2: O Filme

    Crítica | Angry Birds 2: O Filme

    A Sony Animation mais uma vez apostou na adaptação do game para aparelhos móveis para gerar um hit de bilheteria. Angry Birds 2 tem Thurop Van Orman na direção, nesse que é seu primeiro longa para o cinema. A trama desse segue os rumos pós Angry Birds: O Filme, onde Red e os outros pássaros vivem atualmente em guerra com os suínos verdes, em atenção a trama mais básica do game.

    Seu início mostra ainda mais semelhanças com o jogo de fato, com os pássaros se lançando bravamente contra as casas e instalações dos porcos, que são rivais das aves raivosas nos jogos. Red coloca catapultas e estilingues gigantes e a maior parte da graça se dá exatamente na exploração dessa rivalidade cabal, mas obviamente quer era preciso um elemento externo para causar uma nova desventura.

    Uma terceira ilha aparece no globo, e os antigos inimigos deverão se juntar em trégua e esforço para enquadrar esse novo cenário. A partir daí uma porção grande de clichês é explorada, sendo o aspecto mais rico aí o receio de Red de perder o posto de protetor de sua respectiva ilha, já que finalmente encontrou uma função social importante e rompeu a solidão que tinha anteriormente. O novo antagonista, uma ave que ficou muito tempo escondida e que tem uma jornada semelhante a sua, também é isolada, e tem de viver num ambiente gelado, que não o permite usufruir de nada, nem com comida e nem com outros prazeres. A repetição de mote e historia para por aí, pois claramente ele tem desejos bem diferentes de todos os personagens mostrados até então.

    Os personagens novos ao menos são carismáticos, e o filme visualmente é bem bonito e arrojado. As cores se sobressaem e a qualidade da animação em 3d é bem grande, diferente do hiper genérico visto nas produções da Ilumination por exemplo, ainda que a historia seja quase tão repleta de clichês quanto os últimos O Grinch e Minions.

    Realmente incomoda o fato do longa precisar apelar para músicas de modas passadas como Baby Shark ou Turn Down for What para fazer rir. As peripécias e trapalhadas dos personagens deveriam ser suficientes para fazer rir e até fazem. O final adocicado não combina muito com a simples rivalidade presente em todas as versões de Angry Birds, mas elas dão vazão a possibilidades de novos confrontos em outras continuações, e se forem tão genéricas quanto esse Angry Birds 2, certamente não ocorrerão, já que apesar de ter dobrado o valor de orçamento em bilheteria, o valor arrecadado foi bem menor que o do primeiro filme.

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  • Crítica | Little Joe

    Crítica | Little Joe

    Ficção cientifica de premissa distópica e com claras influências do sub gênero literário New Weird, Little Joe apresenta a vida e rotina de Alice Woodard (Emily Beecham), uma mulher independente, bem resolvida, que tem um bom equilíbrio entre vida profissional e pessoal e que está em vias de ser premiada pela criação botânica de uma estranha planta, que vem a ter o mesmo nome que o filme. O longa de Jessica Hauser tem uma caracterização diferenciada, que reúne elementos de filmes de suspense e horror cientifico, um visual deslumbrante no que toca a questão botânica e um desenrolar lento e gradual de sua estranha trama.

    Alice vive com Joe (Kit Connor), um filho atento e que tem com ela uma relação de tanta intimidade que faz o menino desejar que ela  arranje um par, mirando por sua vez Chris (Ben Wishaw) o colega de engenharia de sua mãe. A fim de conectar personagem com público, se expõe que ele tem problemas com o pai, demonstrando traços fortes da personalidade do rapaz, que prefere não ir para o interior com seu parente,  ficando quase sempre no mesmo lugar, mesmo que fique sozinho durante a preparação da feira que Little Joe concorrerá.

    O que mais causa estranheza de fato é o cenário das instalações da corporação onde Alice e Chris prestam serviço. O ambiente de trabalho é saudável aparentemente, mas ânsia para que o experimento dê certo torna os doutores e engenheiros em seres tão insensíveis e alienados que parecem ser robôs automatizados, isso até antes de terem contato com o pólen da planta, que de acordo com os testes,  traz leves mudanças comportamentais em quem tem contato com ela. É como se alienação e insensibilidade estivesse só encubada, a espera de ser despertada por um elemento externo qualquer, que finalmente chega.

    Hausner utiliza muito bem o som, que normalmente, dá a nota de urgência e apreensão aos que suspeitam que algo está (muito) errado, e isso ocorre desde o início do longa. A trilha sonora  faz prevalecer sons graves, que variam entre tambores e sintetizadores, que pontuam não só a questão pioneirista em matéria laboratorial, mas também na aproximação do perigo, que vai crescendo ao longo do desenrolar da historia.

    É incrível como os sentimentos e sensações são todos pervertidos, desde a cumplicidade entre mãe e filho, até a confiança entre colegas de trabalho. Quase todos os encontros são constrangedores, inebriantes e irritantes, emulando de certa forma os efeitos do pólen de Little Joe, assim como toda a atmosfera de estranheza. O terror da obra reside na paranoia, no suspense e na super valorização da conformidade e tudo é justificado, pela lisergia ou pela loucura resiliente e de alto engano, com um conformismo por vias químicas, que resulta em atividades mecânicas, artificiais e incapaz de agrupar mentalmente a maior parte das nuances. Os momentos finais guardam algumas surpresas, cuja revelação certamente atrapalharia o leitor que por ventura não tenha visto o filme ainda. O que se pode falar é que o caráter agradável e passivo causam incomodo, principalmente por conta do final que abre possibilidade para algo ainda maior acometer a humanidade, fato que poderia até resultar em uma versão de pós apocalipse mais moderno. A apreciação de Little Joe é grande muito por conta das discussões filosóficas que ele suscita, além abrir possibilidades nada otimistas de vida e de futuro  dos homens.

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  • Crítica | Star Wars – Episódio IX: A Ascensão Skywalker

    Crítica | Star Wars – Episódio IX: A Ascensão Skywalker

    Não é de hoje que vinha sendo afirmado que Star Wars: A Ascensão Skywalker seria o último filme da saga da família Skywalker iniciada lá em 1977 com Uma Nova Esperança. Após uma bem sucedida trilogia marcada também por O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, anos mais tarde, o criador da saga, George Lucas resolveu responder as questões e os por quês de seus filmes anteriores serem os episódios IV, V e VI, numa nova e contestadíssima trilogia, ao final dos anos 90, onde nos foi mostrado o nascimento do Império e de seu mais importante membro, Darth Vader. Os resultados dos episódios I, II e III não foi nada satisfatório. Mas os fãs sempre tinham algumas perguntas em mente: o que aconteceu após a derrota do Império? O que aconteceu com Luke Skywalker, Leia Organa e Han Solo? Essas perguntas foram respondidas por meios de livros autorizados por Lucas, mas nunca chegamos a ver nada na tela do cinema. E essa era a vontade de muitos, porém, não era a vontade do cineasta, que ao deixar essa enorme marca na história do cinema, praticamente parou de produzir e criar, se concentrando somente em seu próprio império, a Lucasfilm e a Industrial Light & Magic, além de empresas menores, todas elas praticamente criadas para Star Wars, pois na época, não havia quem fizesse o que estava arquitetado na mente do diretor. Foi então que em 2012, uma bomba foi anunciada: A Disney comprou a Lucasfilm e, junto do anúncio, trouxe consigo o renascimento da franquia com uma nova trilogia com o episódio VII já programado para 2015 e mais, com o aclamado diretor J.J. Abrams na cadeira de direção e o aguardadíssimo retorno de Mark Hamill, Carrie Fisher e Harrison Ford. Muita coisa aconteceu desde o anúncio até aqui. Prazos curtíssimos, roteiros não aprovados, troca do time de roteiristas e troca de diretores. Após um correto filme (mas que deixou a desejar em alguns pontos), como foi O Despertar da Força, o oitavo capítulo, Os Últimos Jedi dividiu os fãs. Rian Johnson ousou muito trazendo uma visão bem peculiar sobre aquele universo e coube a J. J. Abrams retornar à direção com a clara missão de tentar “salvar” a franquia, buscando trazer  para o lado da luz aqueles fãs que ficaram extremamente descontentes com o filme anterior. É esse o propósito de A Ascensão Skywalker.

    Ao término de Os Últimos Jedi, podemos perceber que a Primeira Ordem dizimou quase que de uma vez por todas a Resistência. Não se sabe exatamente quanto tempo e passou da Batalha de Crait para o início do filme, mas a película já se inicia com um sanguinário Kylo Ren (Adam Driver) indo em busca de uma misteriosa e horripilante pista, enquanto Poe Dameron (Oscar Isaac) e Finn (John Boyega) estão numa perigosa missão para conseguir coletar informações importantíssimas vazadas por um espião infiltrado na Primeira Ordem. Por pouco a missão quase dá errado e Rey (Daisy Ridley) é duramente criticada por Poe, já que ela preferiu ficar em terra em treinamento Jedi sob os olhos da General Leia (Carrie Fisher). Rey está afobada, com sérios problemas de foco, o que interfere diretamente em seu treinamento e no seu julgamento por todo o transcorrer da fita, sendo que as informações coletadas são profundamente aterrorizantes, pois mostram um plano para um retorno triunfal do Império e a destruição de toda a galáxia.

    O Despertar da Força e Os Últimos Jedi tiveram tempo suficiente para trabalhar o desenvolvimento do trio principal e isso não acontece no novo episódio da saga, uma vez que o filme já começa frenético e urgente, sem tempo para que o expectador tenha uma pausa para respirar, até mesmo porque, com o perdão do trocadilho, os momentos de respiro são de tirar o fôlego. A propósito, algumas das teorias apresentadas são verdadeiras, contudo, acontecem de uma maneira diferente que aquele que assiste espera, deixando A Ascensão Skywalker com aquela impressão de ser um filme que busca o sorriso (e o choro) a cada momento.

    O filme é bem diferente de seus antecessores e muito mais em relação ao anterior, principalmente no que diz respeito ao tom e à fotografia. “Skywalker” é um filme bem mais colorido e leve, com vários momentos de humor e, curiosamente, equilibra bem com o contraste da violência, já que, talvez, seja o filme mais violento da franquia. Como dito no início deste texto, Os Últimos Jedi se desviou muito do “caminho” que a franquia costuma percorrer e aqui nos é mostrado as claras intenções de corrigir o curso e muitas vezes chega a soar forçado, sendo que em outras, parece que o filme é um gigante boneco de vodu de Rian Johnson, onde ele é alfinetado vez ou outra. Mas é importante deixar claro que não estraga em momento algum a experiência, e o sentimento, sinceramente, é de sorrir de maneira sádica ao experienciar certas situações lá apresentadas. Importante destacar que Abrams busca corrigir até seus próprios erros cometidos em O Despertar da Força.

    É interessante como J. J. Abrams e Chris Terrio, ao escreverem o filme, se preocuparam em fazer uma história em que o quarteto principal (Rey, Ren, Finn e Poe) seja o destaque. Se o fã tomar a consciência de que o filme é deles e não de Han, Luke e Leia, as coisas fluem com muito mais leveza. Tanto é verdade que, embora tardiamente, se trata da primeira aventura onde Rey, Finn e Poe aparecem em tela ao mesmo tempo, já que Rey só havia conhecido Poe ao final do filme anterior e junto deles estão novos personagens como Zorii Bliss, vivida por Keri Russel e Jannah, vivida por Naomie Ackie. Os droides que ficaram bastante sumidos tiveram participações significativas, principalmente quando se trata de C-3PO, brilhantemente vivido por Anthony Daniels, o único a gravar todos os filmes. Podemos sentir que A Ascensão Skywalker passa a ter novamente aquele aspecto familiar de amigos que se unem na batalha do bem contra o mal, algo que ficou bem definido e muito elogiado na trilogia original. O resgate desse sentimento é extremamente satisfatório.

    É inegável que o filme ainda divide opiniões, principalmente com relação à ameaça do Imperador Palpatine (Ian McDiarmid), em sua presença real e assustadora e os rumos tomados pelos personagens, principalmente o caminho de Rey e Kylo Ren, cuja química estabelecida no filme anterior continua sendo bastante explorada, mas de uma maneira que pode fazer com que o fã mais hardcore não aprecie, mas a questão é que o filme é desenvolvido em terreno seguro, sendo totalmente burocrático e em algumas vezes se espelhando em Vingadores: Ultimato.

    Diversos tipos de emoções definem Star Wars: A Ascensão Skywalker. Um filme que não só fecha a saga da família Skywalker, mas coloca um ponto final, fechando um capítulo importantíssimo na história do cinema e na história da cultura pop mundial. Obviamente a Disney tem planos ambiciosos para a franquia, como o já bem sucedido The Mandalorian, além de projetos futuros como a série de Obi-Wan Kenobi, que será protagonizada por Ewan McGregor, além de novas trilogias de longas metragens que devem focar em épocas como a da Velha República. Star Wars cresceu tanto que quase foi vítima de seu próprio crescimento e a nova trilogia, mesmo dentro de suas próprias limitações, nos permite agradecer e dizer “obrigado” por tudo isso ter existido.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Adoráveis Mulheres (2020)

    Crítica | Adoráveis Mulheres (2020)

    Greta Gerwig é uma atriz de mão cheia e recentemente, resolveu voltar a dirigir, mesmo que o hiato entre seus dois filmes, Nights and Weekends e Lady Bird – A Hora de Voar fosse de nove anos. Sua obra atual, Adoráveis Mulheres conta a trajetória da família March, começando pela existência e vivência de Jo, personagem de Saorsie Ronan, uma moça com talentos de escrita, que ganha a vida vendendo contos anônimos. Não demora-se a mostrar a intimidade dos seus e as dificuldades que todos tem em manter sustento.

    O roteiro é uma adaptação literária, do romance homônimo (chamado originalmente de Little Women, em atenção ao modo carinhoso como o pai da família fala das meninas) de Louisa May Alcott se percebe que cada filha de Marmee (Laura Dern) tem um talento ímpar. A Meg de Emma Watson é uma boa atriz, Amy (Florence Pugh) pinta e Beth (Eliza Scanlen) é uma eximia pianista. Elas convivem bem com o vizinho abastado das mesmas, e com seu filho, Laurie (Thimotée Chalamet), e a linha  narrativa varia entre momentos temporais diversos, explorando as relações e contradições sentimentais de cada personagem, obviamente voltado mais para a vida das garotas.

    A reconstituição de época é bem feita, embora boa parte do discurso supostamente progressista seja mostrado de uma forma gratuita. Há pouca sutileza na tentativa de mostrar as mulheres como independentes e empoderadas, e na maioria dos pontos, não há muito desenvolvimento além da rasa premissa de mostrar gente independente – ou algo que se aproxime disso – vivendo só um dia normal. Esse caráter raso dá ao longa uma impressão de abordagem folhetinesca, quase como as novelas de época da Rede Record (excluindo obviamente os dramas bíblicos) misturado as famigerados comerciais de margarina. O auge dessa situação adocicada é uma cena de dança, que grita o tempo inteiro como se esse fosse um “evento que conecta”, isso soa tão infantil que faz irritar o espectador.

    O filme também investe em alguns simbolismos que, apesar de óbvios, não são gratuitos, como o uso do fogo como elemento de consumo e renovo. O fato disso se repetir em muitos momentos soa desnecessário, mas certamente não é o maior dos pecados da obra de Gerwig. Tanto Dern quanto Meryl Streep (que faz uma tia das moças) estão ótimas. Elas servem como a âncora moral de Adoráveis Mulheres, e representam a beleza e segurança provenientes da vida adulta, ainda que as duas tenham um código de conduta bem diferente, sendo uma bastante otimista e necessitada, e outra azeda e pragmática. De certa forma, a personalidade de cada uma das quatro meninas pega emprestado alguns elementos da experiência de ambas.

    A idas e vindas temporais amenizam boa parte dos momentos piegas do filme, em especial nas futilidades das jovens, que tem boas  lições morais ao longo de suas vidas. A rivalidade de Amy e Jo por exemplo é um bom aspecto, pra muito alem do discurso arrogante do script. As duas são certamente as personagens mais ricas, pois são encantadores enquanto também são falhas, com uma sendo o resumo da definição de pedância e a outra a personificação da inveja e ressentimento.

    Quando o filme não aposta no discurso pseudo revolucionário e é “só” uma historia familiar cheia de dissabores, acerta muito, pois emulaa vida. As partes que mostram as pessoas se frustrando por não terem dado certo até certo ponto da vida também revela o que é mais rico nas personagens de Adoráveis Mulheres, e o que salva é exatamente isso os laços sanguíneos que não permitem muita pretensão, e ainda garantem momentos de rara emoção, seja a melancolia ou alegria por ver pessoas tão tangíveis vivendo confusões mentais e sentimentais, tal qual é na vida.

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  • Crítica | Chorão: Marginal Alado

    Crítica | Chorão: Marginal Alado

    O filme de Felipe Novaes começa em uma pista de skate vazia, que vem a receber o nome de Alexandre Magno Abrão, o Chorão como homenagem, ele que foi um grandíssimo defensor da modalidade no mainstream. Chorão – Marginal Alado é um documentário que tem a pretensão de falar a respeito da controversa figura que foi frontman da banda Charlie Brown Jr., que foi um rockstar nos anos 90 e 2000 e que veio a falecer em 2013, sob circunstâncias trágicas e até hoje discutidas, tendo a ver com o uso largo de drogas.

    Aliado as cenas de introdução, Chorão é mostrado manobrando seu skate, que segundo ele, é um instrumento que o liga demais a música, como uma parabólica para a arte. As partes em que ele fala são tiradas de muitas outras entrevistas, já que é um filme póstumo. As falas dele são tiradas especialmente de uma entrevista dada a Tv Cultura, enquanto Champignon, a esposa de Chorão Graziela Gonçalves, os outros integrantes da banda dão entrevista para o próprio Novaes.

    O documentário tem méritos grandes, como destacar as influencias musicais da banda de do cantor, como Suicidal Tendencies e o Planet Hemp, que fez eles chegarem a conclusão que poderiam fazer um som pesado com letras em português. Isso também dá ao filme a possibilidade de falar sobre o modo de Chorão compor, e sobre as muitas “poesias” que escrevia, com letras longas, e que vez por outra, ultrapassavam até o espaço das canções. A maioria dos entrevistados – incluindo João Gordo e Serginho Groisman – destacam que ele tinha muita coisa entalada na garganta, e precisava falar o tempo todo, servindo ao menos na opinião desses, como um por voz da geração jovem deles, ou como disse Marcelo Nova, Alexandre era a Xuxa do Rock Nacional, dado que atraía muitas crianças.

    O filme é repleto de informações para quem não conhece absolutamente nada sobre a trajetória do CBjr, as falas de Rick Bonadio então são ótimas para ambientar isso. Se fala também sobre a produção de O Magnata, o que se sente falta é uma discussão mais profunda da alta criatividade dos clipes da banda, em especial Couro  Vai Comê e Rubão, que tem historias bem legais, quase como filmes em curta-metragem. Já havia ali uma narrativa cinematográfica, e isso funcionaria melhor do que simplesmente afirmar que ele era cinéfilo.

    As entrevistas mais ricas resultam em João Gordo, que destaca as brigas com Chorão e a capacidade dele de fazer chicletes, e até de fazer as pazes com alguns dos seus desafetos – aliás, a parte em que se descreve a briga com Marcelo Camelo é hilária – além de um dos amigos de infância, que foi ajudado por ele ( e que saiu da prisão graças a ele, que investiu em advogados caros). Champignon também dá boas afirmações, pois mostra um lado mais egocêntrico e vaidoso de Alexandre, e entre brigas e abraços, eram os dois grandes amigos. O baixista morreria sete dias após a entrevista, vítima de suicídio, mostrando o quão trágica era a jornada de Charlie Brown como um todo.

    Chorão era a alma da banda, tinha uma alma pregadora, parecia um pastor evangélico mas com linguagem mas chula e popular e nisso o filme acerta. O que não há tanto aprofundamento é no uso que ele fazia de drogas, tendo um trecho que obviamente destaca a problemática mas que só arranha a superfície. Por ser um documentário encomendado pela família, é natural que seja um pouco chapa branca, ainda que isso conflite com a exigência extrema que  Alexandre impunha a si e a coisa mais importante de sua vida, que era a banda. Ao menos nas brigas e retornos da banda não se economiza em criticar ele, nem em tornar problemático o fato dele centralizar as responsabilidades da banda, fato que o fez sobrecarregar, claramente.

    Bonadio fala algo correto, Chorão não evoluiu, ele já nasceu com talento e muito pronto, só ganhou experiencia. Isso se reflete na eterna repetição que tinha, em letras, harmonia e lançamento de discos, e isso realmente marcou a carreira e discografia de Charlie Brown Jr. As cenas de arquivo sempre muito boas, mas não salvam o filme de um formato muito protocolar de contar historias, o que é uma pena, pois o cantor era complexo e anárquico para ter o seu documentário algo tão quadrado.

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  • Crítica | Aqueles Que Ficaram

    Crítica | Aqueles Que Ficaram

    Expoente do cinema húngaro, Aqueles Que Ficaram começa seu drama em um hospital e usa esse cenário como gênese de sua historia, acompanhado de um número silencioso  que simboliza bem o silêncio travado na garganta de seus personagens centrais, em especial, Körner Aladár chamado pelos mais íntimos por Aldo, o médico interpretado por Károly Hajduk e uma paciente de 16 anos, que chega (supostamente) grávida, Klara (Abigél Szõke). Dessa dupla nasce um relação diferente e inesperada.

    Klara tem pesadelos o tempo inteiro, é carente e tem dificuldade em achar um lugar para ficar. Ela se aproxima de Aldo que por pena, vai permitindo sua aproximação. A compleição física e a timidez do personagem fazem eco com seu passado, ele foi vítima dos campos de concentração nazistas, sofreu na pele um infortúnio gigante, fato que o marcou demais, e por isso ele não consegue negar ajuda a moça que parece variar entre um caráter interesseiro e necessitado, praticamente na mesma medida inclusive.

    Barnabás Tóth usa elementos visuais bem marcados para estabelecer uma atmosfera de melancolia e desesperança. A historia, que se situa entre os anos quarenta e cinqüenta do século XX é repleta de um moralismo exacerbado – há de se lembrar do conservadorismo ainda mais agressivo dessa metade de século – e de julgamentos que objetificam e condenam as mulheres, e Klara não é exceção.

    Os olhos fundos da moça representam não só suas preocupações mundanas como o que comerá no dia seguinte, ou se terá um teto sobre sua cabeça, mas também é um símbolo das terríveis condições de vida das pessoas que compunham as Forças do Eixo. O nazi fascismo não deixou só os países vitimados esfacelados, mas também os que lutaram ao seu lado, como a Hungria, e o que se vê aqui são pessoas doentes, esquálidas, mal nutridas, uma representação da vida pós holocausto, e que não foi consertada sequer pelos soviéticos.

    Próximo do final (e após muita coisa ocorrer) Aldo assiste um personagem masculino comemorar a morte de Joseph Stalin, mas ele mesmo não comunga desse pensamento, pois não foi alienado o suficiente para igualar o poderio soviético a influência nefasta dos nazistas. Para quem realmente viu os horrores da guerra e o autoritarismo via extrema direita não há como comparar sequer com os desmandos de Stalin e companhia, afinal, são métodos e modos de viver bem diferentes entre si.

    A confusão mental propicia que a paranoia do pós 1945 tenha efeitos, e isso enriquece ainda mais toda a questão tabu envolvendo Aldo e Klara. A relação evolui para um romance celibatário,  mas que não impede a ideia de posse por ambas as partes, e a chance dessa abordagem parecer algo grotesco é driblado por uma direção pontual e bem pensada. De negativo, há a quantidade grande de cenas escuras, que tem uma difícil compreensão em muitos pontos, sobretudo nas cenas à noite. Dependendo da sala de cinema, boa parte do filme não será totalmente compreendido.

    Barnabás traz um produto repleto de intimismo e lirismo, a forma como se fala de sentimentos bem comuns como carência, relação paternal e amor proibitivo é bem delicada, mesmo ao apresentar curvas dramáticas que flerta com o incesto (ou semi incesto, dada a estranha relação aqui mostrada), há referências claras ao Complexo de Édipo e os diálogos fogem de algo expositivo, são naturais ao extremo. As privações como a dificuldade de tomar banho ou de se alimentar são a maior mostra pragmática dos malefícios do fascismo, todos tem que lidar com a miséria e as sombras do que já foi ima vida plena para muitos, alem de questões econômicas inclusive.

    https://www.youtube.com/watch?v=jNbOXlGfsKU&feature=emb_title

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  • Crítica | Fotografando a Máfia

    Crítica | Fotografando a Máfia

    De Kim Longinotto, Fotografando a Máfia é um documentário sobre uma figura italiana, a fotografa Letizia Battaglia, que tinha por especialidade na juventude e na vida adulta, registrar ações e conseqüências da Máfia e da Cosa Nostra por todo o território italiano, seja nos lugares provincianos ou nas zonas urbanas.

    Letizia, já idosa, narra sua própria historia, e costura o roteiro através de sua vida pessoal e o interesse que sempre teve em denunciar os atentados mafiosos e as conseqüências sanguinárias disso. Sua paixão por fotografia e por registrar a vida e a verdade esbarravam na condição de casada que tinha, e toda essa discussão sobre o âmbito pessoal é um pouco desinteressante, em especial se comparado ao belo trabalho que Battaglia cumpria.

    Seu esforço quase sempre passava por mostrar como era a vida e tragédia dos funcionários criminosos rasos. Corpos mutilados, famílias órfãos de pais ou de filhos mais velhos eram eventos comuns no interior e nas cidades grandes italianas. O exemplo de Corleone é assustador, uma vez que é dito que a cidade que tem só quinze mil habitantes tem também 4 mil analfabetos e 3 mil desempregados. Longinotto usa a narrativa d seu filme para afirmar o óbvio, que a dificuldade do Estado em chegar nesses confins facilita a proliferação da criminalidade, assim como a carência de oportunidades.

    Ao menos, há demonstrações da vida imitando a arte, como foi no julgamento de Salvatore Totò Riina, que emulava um Michael Corleone diante do tribunal como foi em O Poderoso Chefão – Parte II, negando participação criminosa mesmo que fosse evidente que ele tinha.

    Apesar do já citado enfado das desventuras amorosas da protagonista, as fotos das mortes fazem o filme valer a pena. Battaglia poetizava sobre o sangue e sobre o gore real que povoava e ainda povoa a Itália. A escalada da violência era tão bem registrada por si que ao se cercar disso, ela resolveu agir de maneira mais veemente, se tornando vereadora. Sua carreira política era voltada para defender operações de perseguição aos gangsteres, como a Operação Mãos Limpas, e isso dá chance ao documentário de falar sobre o combate a máfia.

    Nesse ponto, o caráter e intuito de Fotografando a Máfia se perde um pouco, embora a exploração de figuras como Don Liggio, Bernardo Provenzanno, Salvatore Totò Riina e principalmente do juiz Giovanni Falcone, que para ela, era um herói. O espectador que não conhece muito a respeito da Máfia realista tem aqui um bom exemplar de estudo de caso, que não fecha os olhos para a violência, soando até moralista na maioria das vezes.

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