Categoria: Cinema

  • Crítica | O Samba

    Crítica | O Samba

    O Samba 1

    Documentário que registra a visão do cineasta francês Georges Gachot sobre o ritmo brasileiro, O Samba é uma viagem ao ambiente tão conhecido pelo público nativo, investigando em detalhes o processo de ensaios referentes ao carnaval, bem como todo o enfeite que o envolve, como a produção das fantasias, coreografias e carros alegóricos na festa popular ocorrida tradicionalmente no Rio de Janeiro.

    A primeira parada é na Vila Isabel, recôndito de Martinho da Vila e de tantos outros operários da escola de samba. Desde os funcionários que operam a rotina das agremiações, como motoristas e faxineiros, até os musicistas e dançarinos, todos são explorados pelas lentes de Gachot, e em seus discursos há o mesmo orgulho no patrimônio cultural que é a música e seu entorno, quadro bastante diferente da marginalização que ocorria em décadas passadas, fruto especialmente das origens africanas e do racismo que permeia o país, e que era ainda mais gritante nos tempos de recente saída da escravidão.

    A centralização do roteiro em Martinho serve para aprofundar o tema, não tornando este o único objeto de análise, tampouco redundando a investigação, mas a decisão se mostra acertada, uma vez que a figura do cantor e compositor é unânime não só no cenário mainstream fonográfico como também dentro da comunidade, que de acordo com o filme é a força motriz do ritmo, aliado claro à simplicidade de um povo que apesar de não ter tanto acesso a informação secularmente, consegue produzir uma boa parcela de cultura, consumida por si e apreciada por quem não vive naquele ambiente.

    Martinho faz questão de declarar a inconformidade de sua música com as dificuldades inerentes à vida, o que abarca o descaso das autoridades com seu povo e sua gente. Canta Canta Minha Gente,  sua obra mais conhecida, é comumente gravada e traduzida na Europa, mas para ele as versões só seriam espiritualmente semelhantes da criação original quando tivessem em suas traduções o mesmo otimismo galopante que habita a letra.

    Os depoimentos de ilustres como Leci Brandão e Martnália assinalam a questão da africanidade do conteúdo de contestação das letras, tantas das de Martinho quanto nos enredos da Unidos de Vila Isabel, o que vai de encontro a tradição de perseguição da polícia aos sambistas, que associava a música a malandragem, criminalizando a manifestação do negro tanto na música quanto na religião, uma vez que eram os terreiros de candomblé e umbanda o refúgio de foragidos, além é claro de servir de localidade de culto.

    Apesar de não apresentar nenhum ineditismo ou maneirismo incomum no modo de filmar, é na simplicidade sistemática que O Samba se diferencia, usando o modo normativo de gravação para emular o quadro comum e humilde dos sambistas da velha guarda em compor suas canções e em expressar suas emoções. O roteiro, mesmo com estes destaques, segue analisando pontos-chaves, valorizando a cultura brasileira de um modo bastante tocante e reverencial.

  • Crítica | O Homem Que Elas Amavam Demais

    Crítica | O Homem Que Elas Amavam Demais

    O homem Que Elas Amavam Demais - poster br

    A adaptação de uma história verídica para o cinema nunca é simples, e tudo fica complexo ainda mais quando não há uma conclusão absoluta para tal história. Porém, nada impediu o diretor André Téchiné na produção de O Homem Que Elas Amavam Demais, drama francês baseado no caso real da família Le Roux, imperatriz dos jogos de azar no sul da França.

    A trama parte da cidade de Nice, em 1976, quando Agnes Le Roux (Adele Haenel), após o fim de seu casamento, decide retomar sua vida como herdeira ao lado de sua mãe, Renée (Catherine Deneuve), mas também visando a herança deixada por seu pai. Porém, devido a má administração de seu principal cassino, a matriarca se vê sem meios de suprir a filha. Completa o trio principal o advogado Maurice Agnalet (Guillaume Canet), um dos únicos aliados de Renée em meio a oposição de seus sócios e empregados.

    Quando Agnalet tem seus planos de ascensão frustrados por Renée, ele volta suas atenções para a filha de sua cliente. Mesmo casado e já com uma amante, eles iniciam uma relação amorosa que encontra seu ápice em 1977, quando a jovem desapareceu. O corpo nunca foi encontrado. Agnes havia tentado o suicídio pouco antes de sumir, e se sentia culpada por trair a mãe, após uma transação com Maurice envolvendo a máfia, para afastá-la dos negócios, tudo documentado nas gravações telefônicas do advogado e nas cartas trocadas entre ele e a garota, que nada provaram. O caso foi arrastado por mais de 30 anos (que infectam parte do filme), e ficou conhecido como Affaire Le Roux.

    Quem conhece o cinema de André Téchiné sabe que sua preocupação é maior com a construção de seus personagens do que com o desenvolvimento da história em si, e isso se repete aqui, mas não de forma satisfatória. Apesar da atuação empolada de Catherine Deneuve, quase como uma coadjuvante de luxo, Canet, apesar de esforçado, não se aprofunda no caráter duvidoso de Agnalet, e Hanel se mostra incapaz de trabalhar as nuances de sua personagem, dando um tom artificial e pasteurizado às suas transições de estado, indo do enérgico ao frágil sem degrau algum.

    A narrativa, dividida em camadas, em nada lembra o diretor seguro, mágico e consistente dos anteriores Rosas Selvagens e Tempos que Mudam. Toda a verborragia derramada no início do filme, com uma sequência – ou uma série delas – mal costurada para a introdução da história, dá lugar a um dramalhão que beira o clichê fácil da trama tribunal.

    No fim, O Homem Que Elas Amavam Demais parece ter elementos demais e, mesmo que alguns estejam bem acertados (como a belíssima fotografia), falta uma concatenação que os dê algum sentido maior. Possui uma série de méritos isolados, mas que em conjunto fica devendo, seja como registro histórico ou como cinema quanto suas intenções autorais.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Mais Um Ano

    Crítica | Mais Um Ano

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    Orquestrando mais um filme multi nuclear, Mike Leigh mostra em Mais Um Ano, de maneira agridoce, a rotina de personagens vivos, verdadeiros e repletos de nuances, que transmitem para a tela suas frustrações e sonhos, dos mais intensos aos mais simples. O roteiro, do próprio diretor, aborda temas corriqueiros, usando os costumes do homem comum para poetizar o respeito do livre existir.

    O início do filme mostra uma consulta de Janet (Imelda Stanton) junto a uma profissional de saúde, que trata de ouvir os desabafos de uma mulher idosa sem perspectivas positivas. Logo, o núcleo hospitalar se estende em uma estrutura que lembra bastante as novelas brasileiras, ainda que os diálogos no filme contenham muito mais substância. Dentro desse contexto, é apresentada a personagem Gerri (Ruth Sheen), que tem no auxílio social sua motivação maior, função que repercute diretamente em sua relação matrimonial com Tom (Jim Broadbent), sendo este o casal mais equilibrado da trama, fonte de inspiração para a maior parte das pessoas, cujas almas são absolutamente desoladas.

    O humor utilizado é de costumes, mas não calcado no nonsense como parte da escola de comédia britânica, ainda que haja doses cavalares de situações limites. A parte da história ligada a Mary (Lesley Manville) é a que mais flerta com a melancolia, pelos claros problemas de relação que tem, mesmo que suas feições sejam belas, especialmente para a idade que ostenta.

    A divisão da história por etapas de estação visa emular as mudanças inerentes que a natureza e o Divino fazem o homem sofrer, seguindo o intuito de demonstrar deboche com a constante questão do apequenamento do homem diante da sua vida. A existência é estudada através dos detalhes dos relacionamentos, em um aprofundamento não muito exacerbado; tampouco não há monopólio do tempo em tela, para qualquer das partes. A estratégia em retratar humanidade está em visões comuns, apelando para o genérico, mas sem parecer frívolo.

    Há uma predileção pelo proselitismo, como se a fala excessiva fosse uma válvula de escape para os momentos constrangedores. Curioso é que o aspecto acaba retratando um pouco da qualidade do filme, que começa em uma proposta interessante, mas que vai perdendo força e fôlego ao se aproximar de seu desfecho. Mais Um Ano tem uma métrica retilínea, sem muitas surpresas, emulando até o enfado e tédio comuns de outras comédias românticas bem menos inspiradas que o início do longa.

  • Crítica | Rota Suicida

    Crítica | Rota Suicida

    The Gauntlet - Rota Suicida

    Encerrando a década de 70 com seis filmes na direção, Clint Eastwood explorou, a cada uma de suas produções, vertentes diferentes de histórias como se desafiasse seu talento a cada novo projeto. Rota Suicida retorna a vertente urbana de suas narrativas, apresentando o ator em uma de suas composições tradicionais – a de um policial durão – selecionado para uma missão específica: escoltar do estado vizinho, Nevada, até o Arizona uma prostituta para depor em um importante caso.

    Apoiado em um argumento simples de uma travessia urbana, uma espécie de road trip policial, o filme explora com qualidade as locações no Arizona e Nevada em uma trajetória aparentemente simples que se torna repleta de empecilhos. Uma missão que se complica quando o policial Ben Shocley descobre ser bode expiatório de uma conspiração que, na verdade, deseja matá-lo com a testemunha.

    Ao lado de Eastwood como o policial central, a parceira Sondra Locke visa uma relação cinematográfica iniciada em Josey Wales – O Fora-da-Lei, contracenando com o companheiro. A relação que se expande na tela intensifica a química do casal e equilibra a produção em sua vertente policial simultaneamente, quando flerta com o humor através do conflito entre policial e testemunha. Shockey, como o bronco policial traído pela corporação que deseja a todo custo realizar sua missão para provar sua capacidade, e Gus Mally como a impaciente testemunha a contragosto.

    Ambientada nas rodovias interestaduais destes dois estados citados, a história é quase inteiramente voltada aos problemas dos personagens que, tentando sobreviver e chegar à delegacia, se metem em peripécias fugindo daqueles que desejam matá-los. Um filme que necessita do carisma de seu casal. As cenas de ação são cruas, claramente filmadas sem nenhum efeito especial sobreposto, um estilo não mais utilizado atualmente e que transmite urgência, além de perícia técnica. Como Shocley fugindo em uma motocicleta roubada enquanto um helicóptero atira no casal, uma cena comum em tantos filmes de ação, mas bem filmada e angustiante. Sem mencionar a cena mais popular deste longa-metragem, um tiroteio contra um ônibus filmado na claustrofóbica longa sequência que carrega o ápice dramático e de ação da história.

    A ação predomina na condução narrativa sobrepondo-se a história e demonstrando, mais uma vez, a potência do diretor ao conduzir tais cenas. Mesmo que pareça redundante observar a evolução de Eastwood filme a filme, é interessante ponderar em panorama como, nestas primeiras produções, o diretor evitou um único registro, aventurando-se em estilos diversos, como se experimentasse uma paleta de composições cinematográficas buscando, acima de tudo, o conhecimento e o desafio. Fazendo das diferenças, a cada filme, suas características como diretor.

  • Crítica | Infância

    Crítica | Infância

    Infância 1

    Baseado nas memórias bastante antigas de seu diretor, Infância narra uma trajetória curiosamente multinuclear, apesar de se basear basicamente em uma família tradicional da capital fluminense. Domingos de Oliveira, além de assinar a direção, faz às vezes de narrador, remontando um ambiente bucólico e repleto de magia típica da nostalgia, fruto do pertencimento aos sentimentos do passado.

    O elenco é capitaneado por Fernanda Montenegro, que reúne em sua Dona Mocinha a maior parte das qualidades do filme, uma vez que sua persona é a mais complicada, intrigada e mais repleta de nuances, como a matriarca de um clã de desajustados e encostados, que basicamente dependem da herança do falecido avô para sobreviver. Em volta de Dona Mocinha orbitam seus filhos, empregados e netos, que além de sofrerem de dependência econômica, também demonstram uma dificuldade em desenvolver seus papéis dentro da trama, mesmo que representassem pessoas que existiram no pretérito de Domingos. A verborragia do argumento faz remeter muito mais ao humor escrachado típico das chanchadas e rádio-novelas antigas do que a seriedade que deveria predominar em alguns momentos. O tom caricatural é claramente um deboche da época em que o roteiro se passa.

    No entanto, a variação estilística se prova pouco competente, especialmente nas participações de Nanda Costa, que faz algumas interferências e quebras de quarta parede, o que faz desconcentrar o público para o real motivo do longa. A dedicação em denunciar o inferno presente na rotina se perde um bocado, resgatando-se talvez na ode ocorrida entre a personagem de Montenegro ao jornalista Carlos Lacerda, revelando uma devoção cega a figura do histórico comunicólogo.

    A ótica infantil garante humor e irrealidade, uma visão fantástica dos aspectos mais surreais de uma época contraditória, como é a fase da vida ligada a criança. Apesar de contar em seu elenco figuras como Paulo Betti, Ricardo Kosovski, Maria Flor e Priscilla Rozembaum, quase todo o talento dramatúrgico é concentrado na experiente Fernanda Montenegro, inclusive nos momentos de enriquecimento situacional da trama, uma vez que os melhores diálogos são dela.

    Como filme-memória, talvez Infância funcione. Mas como espécime de análise fílmica, peca demasiado, já que não prova ser muito mais do que isso: um exercício de memória afetiva de seu realizador. Apesar de se mostrar bastante superior aos últimos exemplares da filmografia de Oliveira, Infância não logra êxito em causar em seu espectador uma sensação tão agradável quanto a que o diretor teria em relembrar os bons momentos de sua meninice, apesar dos grandes esforços de seus produtores.

     

  • Crítica | Um Pouco de Caos

    Crítica | Um Pouco de Caos

    um pouco de caos

    Sobre a harmonia da natureza interferindo na confusão das relações humanas. Definição tão bela quanto sua estética, infundada pelo tratamento prematuro de sua simbologia. Na história, um jardim precisa ser construído, e um filme também, de preferência em torno desse tal “jardim do éden” pré-planejado na área mais verde, do palácio mais suntuoso de uma era tão nobre, bela, de visual à margem do que há de mais impecável, visual e comportamental. Tudo vibra em sintonia com as cores, a naturalidade dos movimentos, do cenário. Nota-se que Um Pouco de Caos tem uma vontade, uma intenção, é nítido até ao espectador mais ingênuo. Mas querer não é poder, todavia. Através da luta pessoal, como são quase todos os conflitos do cinema atual, e do seu enorme desejo de provar seu talento que, da jardineira Sabine de Barra, encarnada por Kate Winslet, surge um arquipélago de intentos e aspectos tão nobres quanto a época retratada, nos arredores do Palácio de Versalhes, em pleno reinado de Luís XIV, cuja capa e peruca quem usa é o próprio Alan Rickman, o ambíguo professor Snape da série Harry Potter. Como cineasta, sua insegurança é envernizada por uma sensibilidade duvidável, sendo que, quando a história consegue respirar sem a mão pesada de Rickman, também nota-se que um pouco mais de caos na direção não seria nada mal.

    A cinestesia é o sentido de percepção de movimento, do peso, da resistência e da posição de um corpo no espaço; é tudo percepção. Quando a persistente mulher chega em Versalhes e, por impulso criativo, retira um vaso no jardim do palácio e o recoloca em outro lugar para, com mãos de fada, entornar a simetria do jardim, o filme mostra ter uma força de representação forte, ainda que insegura, por nunca mostrar aquele universo por completo. É como se tudo fosse resumido e condensado em um jardim de proporções quase bíblicas, incapaz de alcançar a floresta de emoções e infinitos aspectos que Kubrick alcançou, por exemplo, em Barry Lyndon. Diferente deste, o filme de Alan Rickman é uma leveza e sutileza que impedem o filme de ganhar ritmos, ganhar clímax ou de nos surpreender, de qualquer forma que possa vir dos altos e baixos da vida da burguesia.

    Em 1963, o mestre Visconti fez equalizar visões políticas em outro clássico, O Leopardo, ao narrar a decadência de uma “nobreza” com uma perspectiva tão parcial enquanto humana, sendo assim uma espiral de ambiguidades que jamais merecia ter seu exímio trabalho de câmera em preto e branco. Pode se dizer o mesmo de Um Pouco de Caos? Se tons de prata fossem substituídos pelos de verde, a graça do filme ainda seria intocada? Será que os vestidos, com cores cada vez mais quentes, teriam o mesmo impacto para realçar o alpinismo social que o filme, habilmente, também mostra?

    Fato é que as flores de Versalhes jamais refletem a beleza de Caos, e sim o filme que tenta, a todo custo, refletir a naturalidade dessa beleza, em contraponto a bagunça de como é viver junto a aristocracia, aos desejos dos monarcas. Aos poucos percebemos que Simone de Barra precisa muito mais que endireitar vasos, e sim impedir que a inveja dos outros chegue até ela. Além disso, Rickman se apoia na naturalidade das coisas para nos privar de emoções mais graves, mais agudas e dignas de ser expressadas numa tela de Cinema. O filme evita seu caos, essas digressões que tudo apresenta, até mesmo a natureza, tal Malick e outros cineastas não deixam de apontar suas alterações em filmes como A Árvore da Vida ou o recente Vidas ao Vento, de Miyazaki. Hoje está frio, amanhã calor (especialmente se você está em São Paulo), mas na natureza das emoções é onde surfamos, e os filmes também, ou pelo menos os melhores.

    Se fosse música seria Spiegel im Spiegel, sinfonia de 1978 escrita por Arvo Part, ouvida em filmes como Gravidade e Hoje eu Quero voltar Sozinho. Na primavera vive Um Pouco de Caos, uma despretensiosa e elegante metáfora, intuindo-se nessa estação a vivência que Rickman planta na história de superação, após 18 anos sem dirigir um filme. Na ânsia de realizar um novo Desejos Proibidos, obra-prima de 1953, o fôlego linear e a tal da elegância (exagerada) ao contar a história não conseguem acompanhar o brilhantismo dos figurinos, lindos, o luxo das locações, a fotografia que tenta englobar o visual… é como assistir a uma rainha tentando sambar. Com medo do vexame, optou-se pelo mais seguro. Num filme onde o visual rege o conto, e não o contrário, essa extrema prudência e cerimônia de Caos se justificam, mas deixando um gosto de “quero mais” nos lábios de quem se lembra o que é a tal da cinestesia. Um pouco frustante, na real.

    E o que faz um jardineiro, afinal? Do que foge quem decora e harmoniza um microcosmo, o que procura? Um flash de como seria a harmonia da vida se tudo fosse tão simples de cuidar, cultivar e combinar, talvez? Uma questão de simetria, algo que um limpador de quintal não pensa, mas pode sentir no feitio do ofício. Caos traz à tona, afinal, o desejo de mudança habitante em todos nós, mas com uma precisão quase fria e matemática, compatível com a aridez do assexuado O Discurso do Rei.

    Kate Winslet ilustra nos olhos e no vestido sujo de pétalas e terra seca o penar em criar um pedaço do paraíso sendo honesta o suficiente para atrair a inveja dos outros. Talvez nisso, no lado intertextual do filme, resida o caos que, como um lírio escondido no mato, quase não salta aos olhos de quem vê, senão a superfície linda e agradável. A perturbação que a natureza não traz a Um Pouco de Caos por ser tão sistemático, e a desordem que ela traz às relações por ainda sermos tão humanos: é no equilíbrio entre essas duas forças, a racional e a natural, que o filme pende mais à primeira.

  • Crítica | Magic Mike XXL

    Crítica | Magic Mike XXL

    MAGIC-MIKE-XXL-Poster-05Maio2015

    A arte imitando a vida, por mais que não seja possível saber, realmente, o que é arte aqui. Um Pequena Miss Sunshine com tanquinhos e suor, numa viagem ao (retorno ao) show business. E que bundinha é essa, sr. Tatum? Difícil desgrudar os olhos da tela, mas mais difícil ainda é tentar curtir a sequência de Magic Mike (2012) sem ter meio litro de álcool nos rins. Um desafio, sóbrio, se o que se SEMPRE procura é uma história com algo a mais para contar. Quando um stripper entra num mercadinho para provar que ainda pode seduzir com seu corpo já não tão jovem assim, o filme merece aplausos. Por ser mais raso que uma piscina de 20ml, seria? Não, mas por ser honesto. Explícita e cruelmente honesto, desde o começo até o fim! A putaria é olfativa, é ouvida, quase degustada, mas vista? Jamais.

    Porque é possível sentir essa putaria exalar das músicas de gente como Rihanna, Beyoncé e Lady Gaga. Elas cantam/dançam, fervem sexo e muito mais; despertam a imaginação nos fazendo dançar. Com os strippers é o oposto, e o resultado é o mesmo. Magic Mike XXL é tanto, é essas divas também, e ao mesmo tempo não é nada. É, sobretudo, o extinto (talvez) cine-privê da Band, que começava às 3 da manhã na madruga de sábado e durava meia-hora, atraindo a audiência da molecada ao mostrar um mamilo por minuto, mas sem esquecer uma historinha a envernizar as insinuações. Simples. Produto honesto, e no caso do musical de strippers, Tatum e companhia encarnam o que uma geração inteira sente e ama; puro reflexo de geração. Sorte de Clark Gable e outros cânones do cinema americano antigo. Eles já não precisam assistir cine-privê.

    Todos querem se provar. Em Tampa, Flórida, o povo encontra seu ópio na corda bamba, entre grana e travestis após torneios de hip-hop e sexo primeiro, amor depois – beijo pra Rita Lee. O tesão vibra no ritmo dos passos e cores de um universo misterioso, com muita coisa que nem o filme de 2012, nem este em 2015 ousa mostrar (faz parte do show). O trabalho de câmera nos palcos, seja no inspirado clímax ou onde quer que os dançarinos escolham dançar, é de longe o melhor aspecto do filme. Intimidade é uma coisa difícil de capturar, ainda mais quando a intenção é nos fazer sentir parte dela, e não como observadores, apenas. Von Trier não conseguiu isso, mesmo apostando no formato informal nos seus imbecis Ninfomaníacas, mas por incrível que pareça a sensação de “zero privacidade” é facilmente obtida aqui, talvez pela necessidade de mostrar o proibido até o limite do possível. Rolamos entre as pernas de todos e o suor parece pingar do lado de cá, aliás, porque ninguém pensou no recurso 3D para aproveitar isso? Love, o pornô-francês de Gaspar Noé, provou-se mais perspicaz… O que não quer dizer nada! Sexo pode ser putaria, mas putaria não é erotismo. Não é tão fácil atingir o efeito erótico. Esse erotismo que, no Cinema, um tal de Nagisa Oshima fez dele uma arte.

    Imagina se o Brad Pitt dos tempos de Clube da Luta tomasse formol e continuasse daquele jeito? 1 bilhão de bilheteria, por favor! Os dois Magic Mike são icônicos, na verdade, por não ser milagrosamente protagonizados por mulheres, até porque, na música, nossas divas modernas são divas por isso. Por falar nisso, não havia alguém na produção para a trilha-sonora combinar mais com o estilo do filme, e apelar um pouco na escolha das músicas? Previsíveis e toscas, como som de fim de balada, embaladas, contudo, com o que sabemos que vamos assistir: muita, muita gente rasgando calça e camisa ou falando de fama num Showgirls com testosterona. O filme tenta insuflar a alma de discos como Exile on Main Street, dos Stones, mas não consegue mostrar liberdade: É tudo libertinagem, numa cena mais oca que a outra, mas nenhuma surpreende mais que o close final em Channing Tatum, forte, gostoso, admirando fogos de artifício na praia, e revirando seus olhos para baixo, sentindo, talvez, um vazio insondável, e para si mesmo, um tanto inexplicável.

  • Crítica | O Destemido Senhor da Guerra

    Crítica | O Destemido Senhor da Guerra

    O Destemido Senhor da Guerra 4

    Invertendo qualquer expectativa torpe, ao tentar ligar a filmografia de Clint Eastwood ao dito “esforço de guerra” ou ao incentivo a belicidade, O Destemido Senhor da Guerra já expõe seu caráter de troça ao conflito na sua introdução, mostrando imagens de arquivo, em preto e branco, acompanhado da trilha de uma bandinha militar, que rufa tambores ao menor sinal de tiro, disparo de bombas e da movimentação dos camuflados nos descampados. Tudo para, mais à frente, mudar sua música para um ritmo tipicamente regional, composto por Lennie Niehaus, que faz lembrar a simplicidade e origem da maioria dos alistados.

    O texto de James Carabatsos compreende uma situação limite, em que o personagem de Clint, Sargento Tom Highway, sai da detenção por conta de seu gênio forte. Já em seu primeiro contato com outros seres humanos, ele demonstra seu anacronismo, chamando qualquer arruaceiro de hippie, o que demonstra o quanto acha o estilo de vida pejorativo, além de revelar um claro problema em lidar com pessoas de outras gerações e background.

    O retorno às origens faz Highway confrontar não só seu passado, como também causa conflitos básicos com seu novo pelotão, um grupo de recrutas indisciplinados, que terão de “entrar na linha” rapidamente ao comando de seu novo mentor. A experiência do veterano no Vietnã deveria credenciá-lo para treinar tais moços e realizar resgates em Granada, não fossem estas pessoas sem a menor vocação, e não fosse claro pelo passado amoroso dele com Aggie (Marsha Mason), que faz desconcertar não a si, mas o seu antigo matrimônio.

    A direção de Eastwood favorece o comentário crítico a respeito da militarização de seu país, exibindo seres despreparados para o combate em quase todos os níveis hierárquicos das forças armadas. O principal fator de discussão é a falsa impressão de vocação quase inevitável dos Estados Unidos para qualquer conflito beligerante, como se tal aspecto fosse natural, e não forçado pelas autoridades e claro pelo empresariado, sob o pretexto de que a guerra impulsiona o desenvolvimento tecnológico e (supostamente) o instinto de nobreza de um povo, exibindo o conflito como objeto de sátira e deboche, semelhante ao realizado no recente Sniper Americano.

    A trajetória de Highway envolve uma derrocada primária, seguida de uma superação, tanto em sua vida pessoal, como na subida de carreira, reunindo em si uma nova faceta, repleta de carisma, ao contrário do estereótipo primariamente visto em O Destemido Senhor da Guerra. O subtexto com viés de contestação está em uma camada não superficial, mas ainda assim bastante aquém em comparação com todo o conteúdo de diversão da fita.

  • Crítica | Rita Cadillac: A Lady do Povo

    Crítica | Rita Cadillac: A Lady do Povo

    Rita Cadillac - A Lady Do Povo - capa - blu ray

    Famosa na década de 80 ao se tornar uma das dançarinas do programa Chacrinha, Rita Cadillac se tornou um ícone por suas curvas que a transformaram em símbolo nacional. Destacou-se como cantora de um único hit, É Bom Para o Moral e, na década seguinte, seguiu sua trajetória como Rainha dos Detentos, realizando show em presídios. Mesmo quem desconhece sua carreira, reconhece Rita pelos seus atributos e seu pomposo nome artístico.

    Dirigido por Toni Venturi, Rita Cadillac – A Lady do Povo revisita uma das grandes figuras populares da década de 80. A história de Rita de Cássia é narrada sem nenhuma ficção, apoiando-se na sinceridade e no carisma da dançarina para desmitificar a figura popular e engradecer a mulher que a sustentou.

    Recontando sua trajetória enquanto retorna ao bairro da infância, Rita relembra momentos bons e difíceis da juventude e a guinada de sua vida devido a sua beleza. A honestidade em identificar seu sucesso é impressionante. Não nega a beleza e a força de seu derrière, responsável pela projeção nacional. Se hoje o apelo erótico é comum, a exposição da sensualidade na época era uma válvula de escape devido a uma sociedade opressora, um misto de apelo sexual a uma inocência potencializada pelas jovens dançarinas.

    Os depoimentos apresentados são de fãs, personagens e amigos que passaram por sua carreira, como o doutor Drauzio Varella, um dos médicos da prisão carcerária do Carandiru a qual assistiu in loco a força de Cadillac ao se apresentar sem medo para os prisioneiros que a viam como uma musa inspiradora. A fama e o carisma são traduzidos como um hipnotismo característico, aponta Varella, de uma grande figura.

    Como sua autora, não há pudor nesta história nem mesmo assuntos deixados de lado. Reinventando-se a cada década para se sustentar, a figura trabalhadora emerge e discute a velhice, os percalços da fama e a motivação para a breve carreira de filmes adultos.

    Formal em sua composição seguindo uma linha cronológica com depoimentos, imagens e registros da época, o documentário se destaca pela força desta trajetória representando bem a força de renovação de uma personalidade simples mas, acima de tudo, carismática e batalhadora.

  • Crítica | O Escritor Fantasma

    Crítica | O Escritor Fantasma

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    Dúvida e culpa têm seus lugares reservados em qualquer situação sensível a erros. Você pode ser julgado de maneira brutal por qualquer minúsculo defeito assim que o mesmo estiver exposto. É esse sentimento que Roman Polanski nos passa na perspectiva do escritor fantasma (Ewan McGregor) ao acompanhar por alguns dias a vida de Adam Lang (Pierce Brosnan).

    Na trama de O Escritor Fantasma, McGregor, do qual eu não me recordo perfeitamente, mas acredito que não tem seu nome citado em momento algum no filme, consegue ser contratado para algo que não tem interesse algum e do qual não entende: Terminar de escrever as memórias de um político que foi muito popular durante seu mandato e que agora vive recluso em um único local, com sua equipe e esposa devido a trágica morte de seu antecessor.

    Em momento algum inicialmente as poucas migalhas de algo que possa ser um mistério soam gritantes ao espectador. É tudo cirurgicamente suave, mas elegante e ao mesmo tempo incômodo. Parece que tem algo a acontecer, que sempre está perto de acontecer. É essa dúvida do início desse texto que percorre a cabeça do personagem. Fazer parte integral da vida de alguém sem nem ao menos ter participado parece o pior trabalho do mundo. Uma pesquisa intimista que terá valor para todos, menos você.

    Durante um momento essa dúvida é tão berrante que começa a fazer parte de uma ideia perigosa, mas que ao mesmo tempo soa estranha, e é daí que surge todo o suspense do filme. O ponto mais interessante ao terminar de assisti-lo é pensar que estamos acompanhando apenas quatro dias da vida do protagonista, que transparecem pelo sutil peso das pistas se encaixando e criando uma teia de ligações suspeitas, mas que nunca passam disso.

    Cores sóbrias tomam conta das cenas. Você passa a não perceber detalhes junto do protagonista exatamente porque eles não são feitos para serem percebidos. A vontade de guiar o espectador em alguma direção se mantém imponente até o último momento dessa película. A trilha, assim como a fotografia, é sutil e aparece pontualmente para dar ritmo a poucas cenas onde existe a necessidade.

    É curiosa a forma como a sensação de que poderia ser você ali no meio de um mal entendido, ou alguém que você conhece, fica presa quando você para para pensar nas peças se encaixando. Paranoico, até.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Homem Comum

    Crítica | Homem Comum

    Homem Comum 1

    Baseado em uma proposta que se modificou com o tempo, Homem Comum era para ser um documentário de Carlos Nader sobre o sentido da vida iniciado nos anos 1990, quando o diretor visitou homens simples, caminhoneiros, e faria junto a eles algumas perguntas filosóficas a respeito da inevitabilidade da morte, fruto de uma obsessão que o realizador tinha em relação ao filme A Palavra (ou Ordet), do cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer.

    Nader inseriu pedaços inteiros do filme dos anos 1950, resumindo-o e contando grande partes de seus segredos e mostrando-o como objeto de análise de seu documentário. A mudança no projeto de longa-metragem se deu logo no início, com uma troca de caráter completa, ocasionada pela paixão que Nader teve pela trajetória de Nilson de Paula, um caminhoneiro paranaense, que tinha em sua base familiar o maior motivo de seguir vivendo, como era comum para milhares de brasileiros.

    A intimidade do homem passa a discutir as perguntas planejadas primariamente, simplificando as questões. Simultaneamente há um agravamento do questionário, já que a rotina de Nilson e dos seus passa longe de ser fácil de lidar, com dramas familiares que se avolumam, refletindo a condição de perdas contínuas, inexoráveis na vivência humana.

    A necessidade do diretor em injetar metafísica era comum na época, e segue viva nos idos dos anos 2000, ainda que este aspecto esteja mais velado na década atual. A narração de Nader, que deveria elucidar as questões difíceis, acaba por tornar óbvias as demandas levantadas, sem permitir ao público que haja alguma conclusão que não seja dada pelo próprio realizador. O aspecto, que deveria ser negativo, acaba sendo uma surpresa positiva, já que fomenta uma questão fundamental da vida, que é o incômodo com algumas situações cotidianas, que fazem eco na difícil relação de Nilson com sua filha, sendo esta um dos poucos resquícios de sua vida anterior, daquela outra praxe do primeiro ato.

    Nilson tem certezas que só a simplicidade é capaz de garantir ao homem, e a escolha por levar todo o script para esta vertente é um acerto em cheio do cineasta. O filme invade a vida e a vida se passa na frente da câmera, de modo literal, em um comentário mais metalinguístico do que qualquer pretensão alternativa e arrogante da premissa original. Homem Comum consegue de modo comovente flagrar a sensibilidade do cotidiano e a dificuldade que o sujeito médio tem em equilibrar suas próprias emoções, sensações e sua existência, sem grandes mensagens de aprendizado e sem apelar para fórmulas fáceis.

  • Crítica | O Pequeno Dicionário Amoroso

    Crítica | O Pequeno Dicionário Amoroso

    Pequeno Dicionário Amoroso 1 A

    Começando por uma paródia dos filmes de tribunal, a brincadeira em forma de longa-metragem O Pequeno Dicionário Amoroso representa o que deveria ser as comédias românticas, falando de forma leve de coisas graves, como a solidão.

    Com um estilo direto, mesmo dentro da proposta ensaísta de Sandra Werneck, que mistura documentário em formato de entrevistas com uma típica trama de romance, por vezes é refém no melhor dos sentidos do formato do filme. As personagens escolhidas pelo roteiro de José Roberto Torero e Paulo Halm para exemplificar as etapas do processo de paixão, sedução e sexo são Gabriel (Daniel Dantas) e Luiza (Andreia Beltrão), um carente casal que tem um encontro casual num cemitério, e que a partir deste lugar improvável começa uma estranha relação de mútuo querer, abarcando a questão sobre a identidade de quem seria a caça e quem seria o caçador.

    A estratégia de contar as etapas do convencimento amoroso por nomes e eufemismos de sensações inerentes ao comportamento humano e aos reflexos sexuais é uma das melhores

    As expectativas são mostradas gradativamente e sob uma ótica inteligente que privilegia nuances e sentimentos comuns, com uma estética que foge da obviedade e dos lugar comum dos romances populares, apelando para alguns clichês, mas sem abusar desses bordões, como se não houvesse o que explorar fora isso. A discussão a respeito das diferenças entre os órgãos genitais é bastante singela, apelando para diferenças e adjetivações que contêm bastante conteúdo sacana, mas que passam longe de qualquer vulgaridade que pudesse por ventura afastar quaisquer parcelas de público.

    Luiza e Gabriel passam por todas as etapas comuns de uma relação duradoura, tocando em detalhes de alguns namoros/matrimônios efêmeros, inclusive a fase decadente que envolve a proximidade do rompimento, levando poesia a esses momentos, com saídas inteligentes de roteiro e tiradas que claramente não condizem com o típico humor escrachado e bobo que predominava nos anos 1990. A melancolia presente no iminente fim é conduzida de um modo bastante sensível e cabível mesmo dentro da inusual proposta.

    A sensação de estar adentrando em uma peça dramatúrgica traz um frescor na comum filmografia brasileira da época, que infelizmente foi pouco imitada. O Pequeno Dicionário Amoroso flagra momentos de absoluto arroubo criativo no retratar dos amores perdidos e achados, de representar belamente o romantismo e a desilusão, reunindo grande parte das sensações que inevitavelmente habitam o ideário de homens e mulheres apaixonados e desolados, assim como os românticos incorrigíveis.

  • Crítica | Maze Runner: Prova de Fogo

    Crítica | Maze Runner: Prova de Fogo

    Maze Runner 1

    Após um com começo de trajetória cinematográfica, no primeiro filme que adaptava a saga de James Dashner, Maze Runner: Prova de Fogo dá sequência a trajetória dos adolescentes que habitavam o mundo pós-apocaliptico e que tencionavam escapar da forte opressão que os adultos gananciosos queriam para si.

    A trajetória de Thomas (Dylan O’Bryan) começa bem neste segundo tomo, com Wes Ball retornando a cadeira de diretor, o que garante um ponto positivo, retomando uma identidade visual que ajuda a marcar presença no imaginário popular – aspecto interessante em uma franquia blockbuster. No entanto, o fôlego do roteiro claramente não é o mesmo, uma vez que a odisséia dos rapazes torna-se gradativamente mais frívola, com o passar dos eventos desencadeados após a chegada a uma base que, a priori, representaria um oásis no meio daquela existência árida que os sobreviventes tinham.

    Mesmo os aspectos positivos em Maze Runner: Correr ou Morrer, demonstram ser completamente trôpegos neste. Os personagens que antes eram inspirados, não passam de sombras da complexidade que antes apresentavam, com atitudes e feições genéricas, que fazem o público rir diante de tantas semelhanças com atores mais famosos, especialmente de Karen Scoledario e Kristen Stewart, tentando claramente abraçar os fãs de A Saga Crepúsculo. O conjunto de sósias faz ofuscar até os bons atores, como Lili Taylor, que adentra e se retira da trama quase sem ser notada, de tão fraca e desperdiçada que é sua participação.

    O desenrolar da história faz banalizar quase todos os assuntos  que deveriam ser sérios, enfraquecendo cada um dos dramas propostas na correria desenfreada que ocorria, onde o argumento abra uma ramificação cuja premissa é até interessante, mas que é conduzida de um modo frouxo. A inevitabilidade da morte, a predação das criaturas que habitam aquele mundo distópico e a notícia de que aquele grupo talvez não seja imune a tal doença que predomina aquele ambiente perde importância, diante da enormidade de situações estúpidas e da péssima construção de background das novas pessoas.

    A quantidade de frases de efeito e o acúmulo de péssimas cenas de ação, além dos erros de continuísmo, tornam ofensivos as comparações de Maze Runner com o óbvio universo de Mad Max de George Miller, soando como uma versão mais light e pasteurizada do filme setentista, fugindo neste segundo filme até do conteúdo mais contestatório, tanto do clássico, quanto de Maze Runner Correr ou Morrer. Lastimável notar como toda a construção do primeiro exemplar se rui aqui, o que infere em pessimismo até sobre as futuras continuações que estariam por vir.

  • Crítica | Escalado para Morrer

    Crítica | Escalado para Morrer

    Você é um astro. Você é o diretor. E você gosta de alpinismo e nunca pode fazer um filme do James Bond porque não é Inglês!?  É daí que surge a grande trama baseada no livro de Trevanian, Escalado para morrer (The Eiger Sanction), esta bela película que completa 50 anos em 2015.

    Filmes de espionagem não são novidade em hollywood há muito tempo, por isso mesmo é interessante ver como um grande diretor trabalha a mesma fórmula tentando dar a ela um pouco da sua própria identidade. A tomada inicial muito bem temperada com a trilha de John Williams já nos mostra ao que o filme veio, com uma paisagem sóbria de clima misterioso, acompanhamos a trajetória de um homem até sua inesperada morte num apartamento, e daí se desenrola toda a trama dessa aventura de Clint.

    Na trama, Jonathan Hemlock (Clint Eastwood) é um elegante professor de artes que não dá mole pra suas alunas. Ele é durão, dá porrada, e não tem medo mandar o garoto de recados catar coquinho se necessário. Mas temos um problema, Hemlock possuí um passado como funcionário de uma organização secreta, e seus serviços da época lhe renderam obras de arte valiosas no porão de sua casa. Então seu ex chefe o ameaça com um último serviço, para acabar com suas dívidas de uma vez por todas!

    É difícil ainda mais com a perspectiva de hoje ver um filme se dar tempo para desenvolver um pequeno problema que é parte fundamental para o desfecho que a história irá seguir. O filme tem duas horas de duração mas desenvolve todos os seus detalhes na trama de maneira bem simples. Hemlock passa quase que a primeira metade do filme desenferrujando suas habilidades fazendo caminhadas e corridas com belas tomadas panorâmicas e aéreas de paisagens e montanhas ao lado de sua instrutora índia-fatal.

    Outro grande trunfo do filme é ser muito divertido pelos comentários sarcásticos e atitudes pávio-curto do nosso protagonista junto aos diálogos dele com George Kennedy que possuí tiradas engraçadíssimas também. É óbvio que aquela história toda não se leva a sério e essa é sem dúvida a melhor parte dela, principalmente pelo clima aventureiro que a trilha de Williams proporciona durante toda a duração, com arranjos de violão muito interessantes em alguns momentos, e o tema principal que é uma variação ambivalente de jazz e música sintética nessa trama meio espião/ filme de aventura. Não se compara em peso com muitos dos grandes trunfos de direção de Clint, mas nos faz lembrar que esse mesmo senhor tem um ótimo senso de humor e gosta de entreter o espectador além de evocar emoções.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Cobain: Montage of Heck

    Crítica | Cobain: Montage of Heck

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    Durante os últimos anos, fomos bombardeados com diversos documentários sobre Kurt Cobain; a maioria, tentativas frustradas de “desvendar” o suicídio do lendário vocalista do Nirvana. Não é o caso de Cobain – Montage of Heck, documentário dirigido por Brett Morgen, que deixa Kurt falar, nos levando a uma viagem por sua mente e sua alma.

    Cento e trinta e dois minutos se passam antes de vermos em tela: “No dia 5 de julho de 1994, Kurt Cobain pôs fim a sua vida”. A sensação de estar na pele do vocalista nas últimas horas é tanta que a pequena frase volta a ter os mesmos efeitos que teve em seu tempo.

    Os filmes, as fotos e os vídeos presentes no longa deixam claras as intenções de Morgen ao produzir o documentário da forma mais completa e sincera possível. Temos um retrato biográfico completo de Kurt, começando em seus primeiros passos, passando pelo “boom” do Nirvana, até chegar aos seus últimos dias. A atmosfera criada, cheia de relatos, fotos e até sequências de animação, demonstra que o intuito principal aqui é deixar Kurt falar por si, contar suas histórias e, talvez, explicar seu estilo de vida.

    Trechos de entrevista, capas de revista e notícias em jornais, são elementos utilizados na formação de um “quadro” muito maior, ao lado de todos os poemas incompletos, das listas bizarras e dos traços perturbadores de seus desenhos, visando um olhar mais aprofundado e inquietante da vida pelos olhos de Kurt.

    Ao passo em que nos aproximamos do fim, somos aprofundados na relação Cobain-Love, com uma atmosfera densa, melancólica e pesada. É desconcertante ver Kurt Cobain aos beijos com Courtney Love. Ambos parecem ter tido toda a vitalidade consumida, seja pela fama ou até pela união. Aliás, ter um vislumbre da relação, independentemente do momento, já é desconcertante por si só. É como se o chocante fosse comum para eles, a ponto de vermos Courtney Love injetando heroína durante sua gravidez.

    Porém, o maior choque existente em Cobain: Montage of Heck é a entrada brusca na vida de Kurt, feita de forma repentina, singular, até mesmo crua. Antes da figura lendária, o símbolo da rebeldia que pouco se importava com as críticas e opiniões, vemos um homem. Um homem frágil que não suportava humilhação e abominava invasão particular.

    E quanto a isso, ao fim, resta apenas uma dúvida: o que Cobain pensaria se visse sua vida exposta de maneira tão crua e intensa, como realmente foi?

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    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Um Filme Francês

    Crítica | Um Filme Francês

    Um Filme Francês 1

    Após um período trabalhando como co-diretor, Cavi Borges volta para a direção solo em seu Um Filme Francês, longa-metragem que finalmente encontra exibição no circuito brasileiro de cinema – seguido do recente Dois Casamentos, de Luiz Rosemberg Filho, também produzido pela Cavídeo. O roteiro de Cavi evoca as sensações típicas de um cinéfilo, apresentando uma história que mistura aspectos muito pessoais, enquanto amante do cinema, abarcando a universalidade de quem tem no ato de consumir filmes um vício constante.

    A fotografia em preto e branco faz referências óbvias ao cinema de Jean Luc Godard, fazendo dele e de sua Novelle Vague o ponto alto de influência no argumento, além de simbolizar um marco de reverência dentro do ideário de seu diretor. As semelhanças com Acossado também são vistas dentro dos arquétipos físicos do trio de protagonistas Cleo (Patricia Nidermeier), Michel (Erom Cordeiro) e Patrícia (Juliana Terra) que, reunidos, começam a planejar um script, discutindo ideias a partir do mero acaso, seguido por uma filmagem que mescla ideias ainda brutas e muito improviso, em uma prática ensaísta a qual remete a um tipo de cinema tristemente ignorado  pelo público e especialmente pela indústria.

    Um Filme Francês passa a sensação de uma ode à sétima arte, se valendo apenas do talento dramatúrgico, da engenhosidade de quem carrega a câmera e da volúpia por contar uma história com imagens, ainda que os recursos para fazê-lo sejam bastante escassos, como era na época mais romântica do cinema.

    As conversas e diálogos quase não têm significado além das alusões ao amor pela película e o fanatismo pelo celuloide. Nos pequenos detalhes filmados, nota-se uma entrega dos personagens à execução artística e seus derivados. É interessante notar que o mesmo mote utilizado por Borges em Mateus, O Balconista é reinventado em Um Filme Francês, ainda que o foco seja o cinema alternativo, dito preconceituosamente como “de arte”. A evolução do cineasta se percebe no tom mais sério e no claro amadurecimento na abordagem do tema.

    A nudez e exploração do feminino são feitas e um modo delicado, sexualizado mas não comum, fugindo da pecha de sensualidade sem vulgarização. As curvas de Terra e Nidermeier são exploradas muito além das coxas, nádegas, seios e afins; os detalhes flagrados pela câmera têm um tom poético valorizando pessoas reais. Apesar de se enquadrarem nos padrões de beleza normativos, também possuem imperfeições físicas, não necessitando em se encaixar em neuras comuns da vida adulta.

    O filme dentro do filme, Um Segundo, tem sua produção mostrada em detalhes mínimos, com todo o processo de brainstorm, captação e montagem analisados e bastante criticados. O comentário metalinguístico tem muito de Truffaut e dos outros mestres da Nouvelle Vague, e a extensão desta influência passa também pela percepção de quem assiste ao primeiro corte do trabalho de Cleo. O conjunto de sensações resulta em uma grande noite de gala, no Cine Odeon, o bravo sobrevivente dentre os cinemas de rua da Cinelândia, que resulta em mais uma das muitas homenagens ao cenário cênico tradicional carioca.

    Tudo em Um Filme Francês possui um significado, desde os maiores e mais emblemáticos, até os mais modestos. Este aspecto remete ao emular da vida, o que deveria ser o principal papel do cinema, tantas vezes esquecido pelos cineastas. O fim, de análise do trabalho alheio, serve de ponte com o público, utilizando o ato de analisar e replicar um filme como exercício profundo, um papel poucas vezes valorizado no cenário audiovisual brasileiro, que ganha uma bela homenagem no longa de Cavi.

  • Crítica | Ricki and The Flash: De Volta Pra Casa

    Crítica | Ricki and The Flash: De Volta Pra Casa

    Ricki 1

    Partindo de uma curiosa parceria entre Diablo Cody – escritora responsável pelos roteiros de Juno e Garota Infernal – e o diretor Jonathan Demme, Ricki and Flash: De Voltan Pra Casa é mais um drama que se vale de arquétipos musicais e de um astro para valorizar uma história simples, sem grandes aprofundamentos morais, usando o carisma como chamariz principal de sua estrutura narrativa.

    Ricki, ou Linda Brummel, é interpretada pela premiada Meryl Streep, que consegue exibir inspiração e alcance vocal de maneira bastante promissora, com um caráter eclético atroz, afastando-se da imagem do recente Caminhos da Floresta e do não tão contemporâneo Mamma Mia. Desde o princípio, o personagem parece resignado, atormentado por seu passado e de certa forma arrependido, ainda que em cada canção que execute haja uma forte carga de emoção destilada, artifício somente comum a quem trabalha com a sua paixão. A presença de Ricki e de sua banda The Flash em um pequeno bar, sem o glamour  e holofotes dos rockstars faz diferir a premissa da obra do recente Não Olhe Para Trás, com Al Pacino, ainda que a personagem de Streep tenha um drama bem semelhante ao de Danny Collins, especialmente em relação ao drama familiar.

    Falida de uma forma que não preserva qualquer traço de romantismo, e que claramente exala o aroma de fracasso, Ricki recebe o chamado da aventura convocada por seu ex-marido, Pete Brummel (Kevin Kline) para socorrer Julie (Mamie Gummer), sua filha que recentemente se divorciou. Em sua cidade natal, Ricki volta a ser Linda, e inicia uma trajetória de reconstrução de seu passado, confrontando traumas e fantasmas, tendo que assumir seus próprios erros e abandonos do passado, mas não sem travar uma nova trajetória, repleta de bordões típicos do gênero de filmes de superação, estabelecendo assim uma rota agridoce.

    Apesar de ter uma porção exagerada de clichês, o roteiro de Cody consegue estabelecer uma relação de rivalidade entre o life style da pretensa roqueira com a bela vida familiar normativa dos Brummel, já que, fora do eixo das apresentações, nada funciona bem, exceto pela química nostálgica de Streep e Kline, retirada de A Escolha de Sofia, para ser reaproveitada em uma nova década e em uma proposta bastante diferenciada.

    Ainda que haja uma uma grande quantidade de personagens pré-fabricados – especialmente os do núcleo familiar de Linda -, Ricki and the Flash – De Volta ao Lar consegue fazer referência às sensações nostálgicas de quem já tencionou cortar a estrada do sucesso e que fracassou nesta jornada. As atitudes de Ricki condizem com toda a construção de sua personagem, tendo sua lógica ratificada por cada reviravolta do roteiro, mesmo que estas teimem em contradizer o argumento. Apesar de bastante aquém dos melhores momentos de Demme na direção, o produto final é simpático, funcionando perfeitamente como diversão descompromissada.

  • Crítica | Firefox: Raposa de Fogo

    Crítica | Firefox: Raposa de Fogo

    Firefox - Raposa de Fogo - capa

    Já iniciando de modo dramático, ao exibir a rotina estranha de Mitchell Gant – vivido pelo diretor e astro Clint Eastwood – Raposa de Fogo evoca o comum estado de paranoia dos veteranos que combateram no Vietnã, aludindo de modo caricato e crítico o comportamento das forças armadas estadunidenses, que não titubeiam ao utilizar suas instalações e métodos armamentistas para recrutar novamente o protagonista, que era um piloto aposentado.

    A trama vista no roteiro é fruto da comum desconfiança que permeava a Guerra Fria, mostrando a nova missão de Gant, ligada ao roubo de um caça aéreo soviético, onde o aviador seria o sujeito perfeito para a missão, já que seus pais eram russos – como se somente esse fato fosse o suficiente para que um homem há muito longe da ação, pudesse se infiltrar em meio a um ambiente hostil e desconhecido.

    Uma vez na URSS, o herói usa um outro nome, e Sprague passa a ser sua identidade. Imediatamente a fotografia chapada e repleta de luz dá lugar a planos escurecidos, onde o predomínio é da noite, remetendo a falta de lucidez e claridade de uma época onde tons em breu predominavam. Perto de completar quarenta minutos, já uma reviravolta em relação a pátria de Gant/Spraguel, onde o próprio se vê confuso graças a tentativa de seus opositores de ludibriá-lo. O artifício aparente simplicidade num primeiro momento, mas se analisado minuciosamente, serve de símbolo para uma época onde as inimizades não eram de identificação tão fácil.

    Já em território de inimizade, Gant ao investigar os procedimentos que deveria tomar, percebe que o comando da aeronave se dá por vínculo mental, sendo este mais uma das muitas alegorias a confusão mental pela qual o protagonista sofre. É por meio da mesma psiquê confusa, que não sabe ao certo distinguir devaneios traumáticos da realidade e que tem dificuldades em se posicionar nacional e ideologicamente, que o objeto de desejo deverá ser moderado.

    Um bocado do caráter presente no roteiro de Raposa de Fogo, é calcado nos filmes de 007, especialmente no clima aventuresco, ainda que o cunho escapista seja voltado para outros aspectos, não ligados a sedução gratuita ou ao exacerbo de tecno bable, excluindo claro o manuseio mental do dito avião. Exceto pela estado de pandemônio intelectual e espiritual, baseado no veterano – que seria reprisado mais tarde em Rambo, Bradock e tantos outros – o filme baseado no livro de Craig Thomas não possui momentos épicos, nem na construção do personagem, tampouco nas cenas de ação, mas remete bem o seu tempo, com todos os bordões típicos de uma época nebulosa, onde o preconceito imperava até sobre o bom senso.

  • Crítica | Nós Somos a Legião: A História dos Hacktivistas

    Crítica | Nós Somos a Legião: A História dos Hacktivistas

    we are legion

    A ingrata missão que Brian Knappenberger assume é a de catalogar um movimento que tem em sua essência o anonimato e uma origem não facilmente encontrada – quando muito – o estudo sobre o grupo de hacktivistas Anonymous começa por meio da única posição facilmente rastreável relacionado ao modus operandi do grupo: a opinião pública, confabulando desde falas de pessoas  mais conservadoras, que os associam naturalmente a terroristas, hooligans e outros grupos intolerantes, até a quem os vê como heróis em uma era de informação livre.

    Uma breve discussão sobre o termo “hacktivismo” é aberta, inclusive revelando-se a sua origem em um discreto fórum internético, da época onde tais grupos de discussão não estavam ainda abertos ao grande público. A essência do comportamento tem desenlaces com ativismo político e compartilhamento irrestrito de informação, para que daí, não haja mais barreiras ou fronteiras a se transpassar, especialmente para o homem comum que quer se informar por fontes não oficiais.

    O começo modesto, via 4chan, em uma plataforma que garante o completo anonimato de seus participantes, mudaria de paradigma ao adentrar as redes sociais, em especial o facebook. Parte da cultura por trás da figura do troll é descortinada, focando em ações bastante politicamente incorretas, ao mesmo passo que em momentos depois destaca o ataque a Hal Turner, um fundamentalista branco, estadunidense dono de um podcast que faz apologia ao neo-nazismo. Os hackers que tinham sua base de relações pelo 4chan organizavam desde denúncias em massa por e-mail até comentários mil, todos de conteúdo vexatório, execrando a atitude e a fala excludente do racista formador de opinião.

    Os imbróglios com os advogados relacionados aos fiéis e praticantes da cientologia fizeram com que grande parte dos usuários de fóruns, que tinham simpatia a causa da liberdade de expressão se juntassem, virando a hostilidade de lado e plantando uma semente de inconformidade que provavelmente não ocorreria sem essa interferência. Os Anonymous seriam nomeados e passariam a agira de modo “oficial” a partir dali, segundo os entrevistados por  Knappenberger.

    Pouco antes de completar uma hora de duração, o documentário passa a analisar o fenômeno do wikileaks, mostrando que o vazamento de informações oficiais dos governos dos EUA, assim como as contas detalhadas de grandes empresas de crédito era algo de suma importância, entre outros fatores, por mostrar a face rude do capitalismo para quem teimava em negá-la. A contrapartida a isso logo veio, por meio monitoramento e vigilância da parte do governo aos ativistas identificados, tendo toda a sua liberdade invadida unicamente por pratica a própria opinião e posição política.

    Os últimos momentos do filme tentam fechar o certame de modo otimista, apresentando uma mensagem positiva, apesar de toda a repressão que o grupo focado sofria. Esse desfecho, assim como boas partes da extensão do filme parecem demasiado irreais, especialmente após toda a escrutinação da repressão das autoridades. O estudo sobre o modo de vida do grupo de hackers é pouco efetivo, pela enorme quantidade de informação desencontrada, além da óbvia falta de fontes totalmente confiáveis.

  • Crítica | Carga Explosiva

    Crítica | Carga Explosiva

    kinopoisk.ru

    Na vertente de filmes de ação franceses recentes, que começavam a fazer sucesso no mercado norte-americano, Carga Explosiva tem uma trama simples e violenta, com seu protagonista Frank Martin em um mundo surreal, cuja profissão de piloto de fuga é extremamente necessária, com serviços dedicados a momentos específicos de saída de assaltos e outros trabalhos criminosos, claro, sob uma égide muito mais irreal do que seria o excelente Drive quase dez anos depois.

    O intérprete de Frank, o astro de ação britânico Jason Statham, em ascensão graças aos filmes de Guy Ritchie, ainda não tinha um papel que o reconhecesse como herói protagonista, ou neste caso como anti-herói, já que seu ofício envolve um envolvimento com a vida bandida, repleta de regras e aforismos éticos. A arma que carrega é seu BMW 735 s 1999 preto, o que faz Martin ser facilmente reconhecido entre o corpo policial de Nice, na França, algo agravado por ser um estrangeiro.

    As normas para seus trabalhos por vezes manietam Frank, mas não faz dele insensível a questões óbvias da vida, mas faz ele interferir em casos que não devia, o que a priori serve apenas para uma desculpa para que ele exiba seus dotes enquanto assassino; depois, revela que seu ethos é segmentado por uma visão paladínica, como visto na maioria dos protagonistas de Luc Besson.

    As cenas de luta envolvendo tiroteios e embates com armas brancas são de um primor exacerbado, muito bem orquestrados pela dupla Louis Leterrier (ainda estreante em longas) e Corey Yuen. A dupla, isolada inclusive da influência do roteiro de Besson e Robert Mark Kamen, reúne duas escolas de cinema de ação bastante distintas, que ao serem mescladas fogem bastante da pasteurização que fazia os action movies estadunidenses entrarem em baixa, longe demais do auge dos clássicos acéfalos vividos por Schwarzengger e Stallone nos anos 1980 e por Van Damme e Seagal em 1990. Ainda que o filme seja muito mais moderno e menos piegas, no entanto carrega uma forte carga de clichês do gênero.

    A força da franquia é baseada em seu personagem principal. Frank é “apenas” um transportador de carga, silencioso, sem passado, sem um background estabelecido – ao menos em grande parte do longa. Seu misterioso modus operandi emula o Pistoleiro Sem Nome vivido por Clint Eastwood e criado por Sergio Leone em Por Um Punhado de Dólares. Seu código de conduta é ligado a alguma vertente de bondade, que obviamente é retribuída com bons tratos da parte de sua protegida, Lai (Qi Shu).

    O argumento abusa de momentos de extrema pieguice, mas consegue contornar os maus momentos com sequências de ação que fazem relembrar os momentos áureos de Bruce Lee em O Dragão Chinês e de Chuck Norris em quase todos seus filmes, claro, sem uma habilidade de luta tão exímia, mas graficamente muito interessante, apesar da clara falta de um oponente à altura do herói.

    Apesar de ter um final cuja sincronia entre a ação e a qualidade do texto praticamente não existir, Carga Explosiva consegue acertar a dose de adrenalina, fazendo se importar com os personagens do lado justo mesmo sem aprofundar em absolutamente aspecto nenhum de suas personalidades e caráter. Todo o ideal defendido na fita seria passado por muitas outras produções de ação, o suficiente para transformar Statham no ator moderno mais requisitado para produtos de ação descerebrada, e que alçou Leterrier a um patamar que certamente não é equivalente a sua qualidade como realizador.

  • Crítica | Fahrenheit: 11 de Setembro

    Crítica | Fahrenheit: 11 de Setembro

    Fahrenheit 11 de Setembro 1

    Mergulhando ainda mais no estilo documental que emula o jornalismo gonzo de Hunther Thompson, após dois anos do recolhimento de louros por Tiros em Columbine, Michael Moore apresenta uma faceta muitíssimo cômica da vida política estadunidense, começando a esmiuçar a controversa e duvidosa subida ao poder no ano de 2000 por parte de George W. Bush, uma questão mal explicada – ou nada explicada – até a atualidade, com toda a polêmica posterior que envolveria também a posição de Al Gore como vice-presidente do país. A alegação de que toda aquela movimentação seria um sonho fazia da fantasia uma boa medida de escape, ante uma realidade insana o suficiente para ser desacreditada.

    A cena ocorrida dentro da casa da lei, onde os senadores afro-americanos falam e tentam o apoio dos seus colegas, sem sucesso, é tão inapelável que mais parece um ato encenado, dada a completa ignorância que todos os opositores sofrem, mesmo com a clara manipulação de assinaturas. O desconforto ganharia as ruas, W. Bush não conseguiria sequer fazer a caminhada pela posse até a Casa Branca, dada a presença do povo na rua protestando contra ele. Toda esta movimentação ocorrendo após a declaração da Fox News, contestabilíssima, de que ele havia vencido na Califórnia, conquistando então a maioria dos colégios eleitorais.

    O retrato de cowboy, descerebrado, é arquitetado nos primeiros 12 minutos do longa de Moore, tudo para fazer crer que o político era na verdade um fantoche, parte de todo o circo midiático que fazia do público massa de manobra, acreditando que seu presidente não teria muitas diferenças entre eles. Um autêntico boi de piranha para interesses de mandatários mais poderosos. O encerramento da construção deste arquétipo é pontuado por um ensaio em frente a tela, onde Bush e outros parlamentares se maquiam frente às câmeras, emulando a falsidade de suas feições e expressões, igualando-as de seus discursos falaciosos e vazios.

    O artifício usado pelo realizador para desmascarar ainda mais a possibilidade de farsa do republicano foi um evento em uma escola, após o atentado de 11 de setembro, onde Bush teve imposto, por si e pelos assessores um ensurdecedor silêncio de sete minutos, diante de câmeras inclusive, possivelmente refletindo sobre a quantidade de acordos comerciais que ele, pessoa física e sua família, incluindo George Sênior, também ex-presidente, tinham com o clã dos Bin Laden, que tinha em Osama um dos seus principais suspeitos, sendo amputado a culpa quase automaticamente.

    O destaque que o documentarista dá a multiplicidade de discursos midiáticos – da faceta mais podre e manipulatória possível – é ímpar, pois destaca a alienação que a população tem ao ingerir palavras oficiais tão ambíguas, de que os inimigos existem e querem o sangue inocente, e de que deve o cidadão comum curtir suas férias sem maiores preocupações. O tratamento a base de sofismas é exibido de modo categórico, e no qual Moore acaba por destacar a maior isenção possível dentro da fita, não narrando as falas mais desavergonhadas, de pura manipulação midiática exercida sobre o povo.

    A ironia nada fina de Moore chega a ser rude, ao comparar a paranoia do cidadão médio americano a um comportamento baixo e egoísta, capaz de denunciar um vizinho pelo simples fato dele discordar da postura presidencial de avanço rumo à exploração do petróleo do Oriente Médio, além de tratar grupos de discussão, desde os mais simples, como potenciais terroristas. As táticas esdrúxulas de cerceamento de liberdade também são flagradas, como a proibição de viajar com leite materno, mas com isqueiros e caixas de fósforos liberados, mesmo em voo. A contradição não é perdoada pela fala ferina do cineasta.

    Mas não há somente cinismo na fala do realizador, há também uma profunda compaixão aos moradores de cidades menos abastada de dinheiro, que veem no ingresso ao exército a possibilidade de ascensão social. A investigação dentro do corpo de alistados é municiada por argumentos e falas completamente soltas, onde os alistados falam livremente, deixando ao público claro o nível de desinformação geral e claro, levando o espectador a possivelmente aderir à ideia do idealizador de Fahrenheit.

    Cada meandro, cada detalhe e cada close que Moore flagra serve para provar o seu ponto, gritando aos quatro cantos do mundo a quantidade de injustiças e contradições do modo belicoso como os republicanos governam seu país e o quão prejudicial é sua política externa. O modo como ele aborda o causo é bem menos sensacionalista do que em Tiros de Columbine, mais moderada e amadurecida, mas prossegue tenaz e inconspícua, sem medo de reabrir feridas ou de sofrer perseguição, sem receio de parecer exagerado sequer nas cenas em que apresenta os mutilados; claro, em cenas de forte cunho visual, que visavam aterrorizar a audiência, tanto quanto a política atormenta os concidadãos norte-americanos.

    No final apelativo, Moore se dedica a entregar panfletos aos congressistas, para que eles possam alistar os próprios filhos. O argumento comumente usado – e achincalhado – dito por bocas direitistas é como um mergulho ao mundo dos conservadores, que tem o intuito de resgatar os corações e mentes daqueles que não conseguem ver na política expansionista de Bush e companhia um problema tão grave e real quanto o é, e ao menos nesse ponto o documentarista acerta exatamente na verve, sem chance alguma de argumento contrário, utilizando as armas de seus rivais para fazer valer seus próprios pontos de vista. Em uma perversão que acalenta a vergonha do político-alvo, destacando o modo grotesco como tudo foi arquitetado.