De nome traduzido bobamente, A Espiã que Sabia de Menos – do original Spy (Espião) – subverte o nome brasileiro da recente adaptação do livro de John Le Carré, ainda que sua base de paródia seja mais próxima aos filmes de espiões britânicos, como 007. Paul Feig retoma a parceria de sucesso com Melissa McCarthy, vista em Missão Madrinhas de Casamento e As Bem Armadas, ainda que toda a qualidade desta empreitada seja discutível.
A primeira cena é tão atrapalhada quanto a premissa do filme, mostrando uma sequência entregue já no trailer, com um Jude Law usando uma peruca fajuta e fazendo trapalhadas gerais enquanto agente. O personagem Bradley Fine, apesar deste momento em particular, é um exímio espião apoiado por Susan Cooper (McCarthy), sua parceira e auxiliar. A dupla funciona apesar de muitos percalços. Apesar de estimar a parceira, Fine (Law) não consegue deixar de subestimar sua conviva graças a seu avantajo físico, algo que faz agravar os problemas com auto estima da moça, o perfeito arquétipo de gordinha mal de vida, um estereótipo relegado a todo momento para a atriz, recurso cada vez mais irritante enquanto gag de humor.
O espectro de girl power aumenta através da opositora Rayna Boyanov (Rose Byrne) que passa por cima de qualquer inexperiência feminina em sequências de ação, mostrando que nem a CIA ou os agentes ingleses lhe são páreos, aumentando o escopo de propaganda feminina ao percebermos que o responsável ideal para a missão de revanche seria uma mulher, recaindo a missão sobre a invisível gordinha.
Ainda que o disfarce inicial de Cooper seja apenas de observar e relatar os fatos – repetindo as mesmas brincadeiras do seriado Mike And Molly –seu trabalho é cortado pela ação de Rick Ford (Jason Statham), um espião mais experiente, que também deseja desmantelar o clã de terroristas e que começa a agir de modo isolado.
Feig continua escatológico, fazendo sua protagonista ter cenas equivalentes a sequência do cocô na pia em Missão Madrinhas de Casamento, também executada por McCarthy. Ao menos, o protagonismo não foge das figuras femininas do elenco, ainda que a miscelânea de sequências toscas aumente com o acréscimo de cada vez mais figuras grotescas. As cenas em que se exige uma maior perícia em ação são bem construídas com corridas, manobras, golpes e parkour bem executados, ainda que seja perceptível os momentos em que os dublês entram em cena, com closes intrusivos nesses profissionais.
Mesmo com os esforços, o diretor prossegue reprisando os mesmos erros de seus filmes anteriores, somente mudando o cenário e melhorando sutilmente o nível das piadas propostas no roteiro. Há que se notar uma evolução em cenas de aventura, as quais a suspensão de descrença não é tão exigida quanto em As Bem Armadas, mas ainda assim, A Espiã que Sabia de Menos não consegue fugir da mediocridade habitual das caras paródias hollywoodianas. Sendo, no máximo, um divertido filme caso o público se permita não ligar para os graves defeitos de concepção da obra.
O astro de cinema Arnold Schwarzenegger participou de uma entrevista coletiva no Rio de Janeiro, no Copacabana Palace, para divulgação de seu novo filme O Exterminador do Futuro: Gênesis. Diante das perguntas dos jornalistas, periodistas e críticos de cinema brasileiro, esbanjando simpatia e verborragia, o ex-governador da Califórnia falou sobre política, sucessão de atores de filmes de ação e suas continuações, e discutiu a musculação na meia-idade como forma de se manter ativo.
Como foi trabalhar com uma nova Sarah Connor, vivida por Emilia Clarke?
Emilia Clarke faz os homens babarem, não só por sua beleza estonteante, mas também por seu talento. O sucesso em Game of Thrones a credenciou para participar da franquia, mas seus esforços foram muito além da simples fama. A sua predileção em meio ao treinamento físico revelava um esmero enorme, especialmente nas cenas com pesos e armas, onde sua evolução era vista gradativamente, apesar das dificuldades. Acho-a uma excelente escolha para o papel, respeito-a enquanto artista.
Como é agir como herói de ação com 67 anos?
Bom, como disse anteriormente, não me sinto obsoleto. Meu personagem é especial, e o roteiro me apoia nisto. A máquina só envelhece na casca, feita de tecido que emula a humanidade. Por ser uma máquina de matar perfeita, é preciso que eu faça ginástica todos os dias. Tive de engordar cinco quilos para igualar ao meu peso de 1984. Mas a maior novidade é a missão invertida daquela vista no primeiro filme de James Cameron, onde deixo de ajudar as máquinas para juntar as forças com a humanidade.
No processo de espera, o que faz o Exterminador?
O papel de T-800 é mais sutil: se infiltra, age como humano e tenta aprender a sorrir, como ocorreu no O Exterminador do Futuro 2. A gargalhada se assemelha a de um cavalo de tão caricata, mas vai evoluindo com o tempo. O Exterminador passa a se compadecer dos humanos, evoluindo com eles, e grande parte desse estimulo vem da música de Hans Zimmer.
Como é reencontrar o personagem?
Não foi difícil, é como andar de esqui após o verão acabar, você não esquece. Eu também não esqueço como fazer o personagem que me fez famoso. O mais difícil era gravar cenas de disparos, um trabalho árduo, já que eu não poderia piscar, porque uma máquina não piscaria, e sequer se assustaria com o barulho.
Como trata a tecnologia na sua vida pessoal?
Em primeiro lugar, em 84 não se imaginava fora da fantasia uma disputa entre homem e máquina. E hoje, finalmente, isso ocorre e levamos a pior. Não consigo ganhar uma partida de xadrez do meu iPad. A realidade das máquinas convivendo com a humanidade é presente e mais próxima do que se viu nos roteiros de Cameron, um visionário.
Depois de voltar com Conan e com a continuação de Irmãos Gêmeos, levando em conta a falta de tempo, você pretende voltar à política?
É uma honra voltar [o astro diz sua famosa frase “I’ll be back”, arrancando gargalhadas da plateia]. Conan foi um filme expositivo, fico lisonjeado por poder retornar à franquia. Estou verdadeiramente agradecido com a enorme confiança em mim. Trigêmeos (anunciada continuação de Irmãos Gêmeos) será engraçadíssimo, até por causa da mistura. Pelo grande número de projetos me dedico ao trabalho de ator, inclusive em matéria de manter a forma. Já ouvi muitos nãos desde os tempos de fisiculturismo na Áustria, até mesmo pela falta de tradição do país. Me deixaram com medo, mas superei. Diziam que eu jamais seria o ator principal e tentavam me alertar dizendo “olha o seu sotaque, olha o tamanho do seu nome”. Não levei isso em conta, usei isso pra me fortalecer. É importante não dar atenção às negativas. Se o homem tem um sonho, ele deve persegui-lo.
Ao final, o ator declarou amar o Rio de Janeiro, revelando que fez questão de passar pela cidade para falar sobre seu novo projeto, já que é íntimo da cidade carioca desde os anos 1970. Descontraído e desenvolto, Schwarzenegger fez revelações interessantes, como os bastidores das gravações de O Exterminador do Futuro original:
“Tá vendo aquele carro, com explosivos? Vou te filmar – dizia James Cameron a ele – no momento que você bater, vai explodir, dai você liga o carro. No meio do tráfego de Hollywood Boulevard. Eu ia, começava a andar como Terminator e todos me olhavam esquisito. Eu entrei no carro para dirigi-lo. Não tinha licença nem para filmar nas ruas que usávamos de locações. Eram outros tempos.”
Arnold ainda fala sobre a política do Brasil: diz que se fosse governador no país iria buscar conciliação, o melhor para o bem estar geral. Não se dedicar ao partido, mas sim, ao povo, já que enquanto executivo eleito dizia ser odiado por conquistar o amor do povo californiano. Após elogiar a organização da Copa do Mundo e afirmar que acredita estar vindo outro espetáculo nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, Schwarzenegger declarou novamente seu apreço pelo país, a despeito de uma polêmica sobre turismo sexual no Brasil alguns anos atrás. É visível o amadurecimento do Terminator após uma extensa carreira de ator, ex-fisiculturista e ex-político.
O Franco-Atirador não se trata de um remake do fantástico filme dirigido por Michael Cimino. O nome adotado no Brasil é o mesmo, mas o título original da produção de 1978 era The Deer Hunter, cujo método de caça aos cervos (deer) é um fator recorrente, de grande peso, para uma das cenas finais. Instiguei sua curiosidade? Vale muito a pena! Assista! Mas antes não deixe de conferir o lançamento de 2015, sob a direção de Pierre Morel (o mesmo de Busca Implacávele Dupla Implacável), o que pode nos fazer antever um filme com muita ação.
No elenco contamos com Sean Penn, com 5 indicações ao Oscar de Melhor Ator, entre as quais ele arrebatou a estatueta por Sobre Meninos e Lobos (2003) e Milk: A Voz da Igualdade (2008), e o espanhol Javier Barden, premiadíssimo em cerimônias europeias, e também com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Onde os Fracos não têm Vez (2007), e foi indicado na categoria de Melhor Ator com Antes do Anoitecer (2000) e Biutiful (2010).
Considerando a presença de ganhadores ou indicados ao Oscar, neste filme, há que se citar a trilha sonora de Marco Beltrani, o qual teve duas indicações por seu trabalho em O Comboio e Guerra ao Terror. Não, não estou levantando a possibilidade de isso se repetir este ano, mas também não dá para negar que Beltrani contribui eficientemente para a narrativa do longa, na construção de momentos de tensão, como aquele em que Martin (Penn) recebe de Felix (Barden) a designação para assassinar um membro crucial do governo do Congo, e a percussão musical acompanha com precisão a angústia que rege as batidas do coração de Martin.
Angústia? Para um atirador mercenário? Acontece que essa missão implica na saída do protagonista, do país e, consequentemente, da separação entre ele e sua belíssima namorada Annie (Jasmine Trinca) que, como Martin, trabalha para uma ONG, no Congo. Obra do acaso? Não! Plano orquestrado por Felix, que tem uma obsessão quase doentia pela moça e quer afastá-la de seu “rival”.
Aliás, devo dizer que O Franco Atirador, embora se inicie com um pot-pourri de reportagens sobre o cenário de destruição que envolve este país, não se trata de um filme com enfoque político. Ainda que as cenas de ação sejam sim, envolventes, e mostrem a boa forma de Penn, o roteiro, com co-autoria do mesmo, parece enfatizar o triângulo amoroso (com direito a venenosas maldades) composto por Martin, Annie e Felix. Neste aspecto, considero que a complexidade emocional dos personagens centrais poderia ter sido melhor explorada, já que tanto Penn quanto Barden (pessoalmente eu diria “especialmente Barden”) já nos provaram, em outras atuações, o quanto são capazes de imprimir profundidade e dinâmica a perfis conflituosos.
No entanto, os diálogos abusam da simplicidade, apesar da tentativa do diretor em criar elementos psicológicos subjetivos, através de closes em algumas expressões. Embora Flavio Martinez Labiano tenha recorrido a alguns clichês, como o tom amarelado para diferenciar a cronologia das cenas, e o efeito lens flare (quando a luz sofre uma distorção, entrando pelas bordas da lente e causando uma espécie de manchas) a fotografia atua com relevância nas diferentes ambientações da trama.
Martin cumpre com precisão a sua missão, e sai do país, como combinado, mas quando volta alguns anos depois, uma avalanche de surpresas transforma a sua vida e o seu coração numa busca frenética por respostas, das quais dependerá a própria sobrevivência.
Quer saber mais? Assista ao filme! Não se trata de uma obra-prima, tem sua falhas aqui e ali, e algumas cenas acho até desnecessárias, mas tem também seus pontos positivos e, com certeza, manterá você preso na poltrona… intercalando momentos de total imobilidade com algumas contorções, já que ação, suspense e impacto não lhe faltam!
Dezesseis anos após modificar estruturas do Terror como uma narrativa de baixo orçamento filmada sob o ponto de vista de câmeras amadoras com supostos registros reais, Eduardo Sanchez, um dos diretores de A Bruxa de Blair, dá continuidade ao estilo que se transformou em narrativa padrão nos lançamentos do gênero.
Mantendo a estrutura de sua obra consagrada, Eles Existem retorna à atmosfera isolada de uma floresta e a qual explora o mito da folclórica personagem do Pé-Grande. O estilo explicitamente documental cede à tradicional narrativa com um grupo de adolescentes numa viagem paradisíaca em local distante. Devido à tendência pública de registrar excessivamente cada momento, é natural que uma viagem mereça registro, motivação que fundamente o registro. De qualquer maneira, o roteiro de Jamie Nash ainda se apoia em um personagem viciado em tecnologia para dar maior verossimilhança à multiplicidade de registros.
Recorrer à figura mitológica do Pé-Grande é uma interessante escolha que difere levemente da tendência em apresentar comunidades isoladas de humanos sádicos. A presença de uma figura lendária gera a descrença inicial nas personagens e alimenta a lenda em torno desta criatura, descrita como um grande macaco, mas dócil quando não confrontada.
Mesmo em um estilo repetido ao extremo após tantos anos, a direção de Sanchez demonstra habilidade em transformar cenas propositadamente mal filmadas – que podem incomodar parte do público – em argumento a favor da tensão. A parcialidade e a inferência de um suposto elemento agressivo são mais fortes do que a visão direta dos acontecimentos. Uma sugestão suficiente para gerar medo e incitar o espectador a se imaginar em situação semelhante. A trama pontua momentos de pânico com breves pausas antes de mais um ataque do Pé-Grande.
A parcialidade das cenas filmadas por integrantes é contraposta com aquelas sob o uso de câmeras noturnas. Nelas, o público normalmente observa um pouco mais além do que as personagens, antecipando o medo de algumas cenas. Um equilíbrio bem realizado pela edição, cuja qualidade alia-se ao fato de que não há nenhuma restrição em cenas diurnas, sempre mais difíceis de serem compostas em um filme de terror por conta da luminosidade constante que nada esconde.
O filme não apresenta nenhuma novidade além da repetição daquilo que foi apresentado anos atrás ao lado de seu parceiro. Porém, demonstra competência ao retomar recursos estabelecidos e ainda assim causar impacto, mesmo que seja um medo momentâneo durante a história. A imersão promovida pelas imagens filmadas em primeira pessoa ajuda a estabelecer a conexão de uma possível narrativa real que dialoga com o medo do desconhecido.
Produzido pelo diretor queridinho dos aficionados por filmes de terror mainstream James Wan, Casa dos Mortos remete à tradicional história de casas mal assombradas, evocando clássicos como Poltergeist e Horror em Amityville, além da franquia recente Atividade Paranormal. O filme de Will Canon (diretor também de Brotherhood) se baseia em uma premissa intimamente ligada a criaturas satânicas, tendo na sua alcunha original Demonic a clareza de sua exposição de ideário.
Semelhante ao último lançamento de Scott Derrickson, Livrai-nos do Mal, a fita também inicia-se através de uma investigação policial, que logo faz lembrar flashbacks, explicitando o mal que seria averiguado. Um grupo de jovens, sem maiores prendimentos sociais, se meteria em uma caça a fantasmas, sem qualquer viés humorístico na busca. O detetive Mark Lewis (Frank Grillo) é responsável por conversar com o único sobrevivente do quinteto. As cenas iniciais mostram um homem tomado pela fúria, remetendo ao traço comum de possessão espiritual do cinema.
John (Dustin Milligan) tem receio de prestar seu depoimento a Doutora Elizabeth Klein (Maria Bello), em um misto de ansiedade e temor pelos acontecimentos misteriosos que acompanhou. O estilo de filmagem, emulando gravações documentais, intercalando com cenas do presente faz grande parte do impacto do suspense se perder em meio ao método utilizado.
O espectro de sustos ocorre através de transformações físicas, pioradas e muito por serem impingidas por conhecidos do narrador das histórias. A violência extrema é mostrada por jovens comuns, que “retornam” à vida, atemorizando o passado e o presente de John e dos policiais envolvidos no inquérito. No entanto, a maioria das sequências de ação é mal urdida, faltando a mínima ambientação de thriller espiritual, normalmente em lugares iluminados ao extremo, sem qualquer possibilidade de um susto mais elaborado, tampouco envolve o espectador no drama apresentado, pela pouca profundidade dos personagens e do texto em si.
Apesar de bem intencionado, Casa dos Mortos não consegue sequer chegar perto do dourado panteão de filmes de James Wan, resumindo uma história até interessante, mas sob execução meia boca, resultando em um filme genérico de terror/policial. O final surpresa consegue até surpreender, e dar um alento para o público que pacientemente acompanha a rotina de Klein e Lewis, salvando a fita de uma mediocridade ainda mais categórica.
O gancho, apresentado nos últimos cinco minutos, abre uma forte possibilidade de continuações, o que seria certamente um erro, visto que a premissa pobre mal durou em um filme, que dirá em uma franquia. Fora a competente direção de Canon, pouco se diferencia Demonic da patuleia geral que é o cenário de terror mainstream.
O começo do filme, com uma tomada aérea que compreende a cidade de Los Angeles em todo seu esplendor, já denota o que seria Terremoto, filme de Mark Robinson com roteiro de Mario Puzo (junto a George Fox), lançado pouco tempo depois do sucesso retumbante de O Poderoso Chefão. A música de John Williams ajuda a aumentar o espectro de classicismo do filme, que não demora a registrar imagens com seu herói tradicional Stuart Graff, vivido por um Charlton Heston já decadente física e profissionalmente.
Aos poucos, é mostrado que Stuart vive uma grave crise conjugal, já não suportando mais os disparates de sua cônjuge, Remy (Ava Gardner), uma mulher possessiva, dissimulada e extremamente ciumenta. O homem então passa a visitar a viúva da ex-colega de trabalho, a bela Denise Marshall (Geneviève Bujold), ainda que a intenção dúbia não seja correspondida pela senhora ainda em luto.
É bastante curioso a demora em que o roteiro tem para se inserir na questão tragédia natural, apresentando uma porção significativa de personagens cujas feições e comportamentos são bastante datados, exibindo como era o visual e ações típicas dos anos setenta, especialmente no que tange a sexualidade feminina e vestuário peculiar de mulheres caucasianas e negras, reproduzindo o pitoresco padrão de beleza em tela. A aura de filme b permeia toda a fita, que aparenta em cada detalhe da direção de arte um aspecto mambembe, ainda que não seja risível.
A tragédia começa a ocorrer pelos idos dos cinquenta minutos de exibição, sobrando cenas cômicas, com os prédios e câmeras balançando, graças a precariedade não só de recursos, mas de possibilidades de efeitos visuais que fizessem jus a um arrombo da natureza de proporções dantescas. As maquetes sendo destruídas e miniaturas de carros e casas caindo só não são mais toscas e mal feitas do que as subidas que o solo se permite dar, levantando terra para todos os lados.
Ao se aproximar de seu desfecho, a fita opta por explorar espaços de escombros, subterrâneos, onde as filmagens seriam mais fáceis de executar, e claro, de construir suspense. O grave erro é que a maioria dos personagens não geram empatia no público, já que não tem nem muito tempo de tela, e nem uma boa construção de caráter e personalidade. O excessivo tempo de duração ajuda a fomentar a atenção nos graves defeitos de produção, não restando quase nenhuma sensação que não seja de reprimenda a feitoria deste Terremoto, que não consegue se sustentar nem através da persona carismática de seu astro e nem através das miniaturas em chamas.
De começo inofensivo, mostrando uma família rica em uma região praiana, a continuação de Jurassic Park começa tão jocosa quanto seu protagonista, o Doutor Ian Malcolm (Jeff Goldblum), único remanescente do episódio primário. A mostra dos pequenos dinossauros atacando uma criança é bastante grotesca, dando o tom de como seria a exploração da trama spielberguiana – com auxílio de David Koepp e Michael Crichton.
O chamado aventura começa com a revelação de que Malcolm rompeu o contrato de sigilo sobre os fatos ocorridos no filme anterior, tendo absolutamente negado pela família de John Hammond (Richard Attenborough), especialmente por seu sobrinho e advogado Peter Ludlow (Arliss Howard). Hammond convoca Malcolm para conversar com ele sobre uma ilha reserva, próximo da Costa Rica, onde cultivava os animais pré-históricos, que graças a acidentes naturais, foram liberados. A mudança de postura do ancião é notada logo em seu discurso, de maior preocupação com as criaturas do que com os lucros, mas sua esperteza ardilosa também se nota, especialmente ao analisar o modo de convívio dele junto a Ian, pondo seu antigo par como a estudante de paleontologia responsável pelo grupo.
Mesmo contrariado, o matemático prolixo decide ir ao lugar, para resgatar sua amada como uma espécie de príncipe encantado às avessas. A busca por Sarah Harding (Julianne Moore) revela cenas belíssimas, de estegossauros se exibindo em meio a mata desbravada. O resto do grupo é formado pelo fotografo Nick Van Owen (Vince Vaughn) e Eddie Carr (Richard Schiff), antigos aliados da moça, o que faz com que o isolamento de Ian seja ainda maior, compondo assim um papel de párea no mesmo grupo que deveria liderar. A diferença de objetivos era notória, transitando entre o resgate e documentação fílmica do que ocorria na ilha.
Ainda sob uma égide de contar uma história (também) para crianças, o filme demora a ter baixas humanas, exibindo-se em quase uma hora antes de matar personagens, mesmo os que aparentemente tem mau caráter, como os caçadores liderados por Roland Tembo (Pete Postlethwaite). A excursão que deveria ser de quatro (na verdade cinco) pessoas logo é mostrado em dezenas, homens que buscam capturar os monstros para leva-los a cidade.
O primeiro momento de absoluto suspense, ocorre quando há um confronto entre o cuidado com as crias, mostradas com a caça da casal de tiranossauros indo atrás do quinteto, que tem a posse do pequeno filhote destes. A cena da queda do carro trailer é emblemática e simbólica, pois revela a fragilidade do homem diante das monstruosidades, revelando a impotência destes mesmo quando eles se esforçam para ser justos e bons com as criaturas. Outro bom confronto, é o esmero de Ian com sua filha Kelly, que o enganou, partindo junto a ele, escondido em sua bagagem, refutando qualquer possibilidade do protagonista de fugir daquela paternidade incomum que exerce. No âmago dos “dois pais”, há somente o desejo por ter seus filhotes em um habitat seguro, no alto, longe da ação frenética típica da predação.
A escolha por tons mais escuros e por lugares mal iluminados, revela uma evolução na narrativa proposta pelo realizador. Não havia mais espaço para a idílica fantasia de Parque dos Dinossauros, ao contrário, o que sobreviveu foi o espírito de caça e caçador, com o homem sendo o principal alvo da fome, apesar dos esforços de Tembo e de seus homens.
A baixa auto estima, unida a clara ganância fizeram Ludlow escolher errado, tolamente decidir por levar um dos tiranossauros para San Diego, planejando exibi-lo onde seria o mais novo parque temático dos Hammonds. Não demora para esta decisão se mostrar a mais desacertada possível, com a fuga da criatura, que atemoriza agora um ambiente urbano, igual ao visto no filme de 1925.
Apesar de os momentos finais deste apresentarem ainda mais maniqueísmo da parte dos T-Rexs, substituindo o Deus Ex Machina do primeiro volume pela vingança a la Charles Bronson, Mundo Perdido consegue ter um desfecho um bocado mais definitivo, completando o arco em si, impossibilitando em partes futuras continuações caça-níqueis, tratando os dinossauros como vítimas da ação predatória e irresponsável humana. Apesar de não conter um caráter tão edificante, o discurso de Hammond valida a frase que foi responsável por deixar Ian Malcolm famoso, de que a vida encontrará um jeito, claro, se o homem não interferir mais entre as criaturas.
Adaptado da peça de August Strindberg, Miss Julie é uma das muitas versões do conto, dessa vez capitaneada por Liv Ullman, que se mune de sua vasta experiência nos palcos para dar forma a famosa obra dramatúrgica. A história de Miss Julie envolve uma Irlanda em 1890, narrando uma trama de sedução e amores proibidos, ocorrido a partir das ações da personagem título, vivida pela cada vez mais linda Jessica Chastain. Logo no início é mostrado o outro ponto desta equação, o serviçal dedicado e hábil Jean (Colin Farrell), que chega a grande casa e se dirige ao cômodo de serviços, não se envolvendo com a realidade burguesa dos donos da casa.
O paradigma visto e revisto em milhares de novelas globais é mostrado sob um viés invertido, como o homem em uma posição degraus abaixo do ser feminino, curiosamente despertando a comicidade de uma peça antiga ter mais paralelos com a realidade do que os dramas chauvinistas vistos no horário nobre da televisão brasileira.
A transição entre completos desconhecidos e possíveis amantes ocorre muito rapidamente, fruto da vaidade desvairada de Miss Julie, que não pensa em nada além de seus próprios instintos e desejo. A vestimenta azul que usa faz grafar ainda mais sua pele alva e sedutora, produzindo em sua persona algo irresistível ao olhar e ao toque, mas ainda assim, Jean resiste bravamente nos primeiros momentos.
O espectro de sexualidade piora com a adição de álcool a interação de ambos, gerando não só momentos tórridos sexuais como aumentando o caráter de discussão, tanto do abismo entre a classe de ambos personagens, quando a hipocrisia e idiossincrasia do abuso de poder, que começa na questão econômica e termina em um embate sexista. A discussão a respeito da fidelidade conjugal também se intensifica, agravada pelo ranço da rejeição e da inveja clara, motivado pela disparidade de beleza entre Miss Julie e Kathlen (Samantha Morton), a esposa de Jean.
A frieza e crueza no tratamento com a vida inverte o seu interlocutor, o que permite a Chastain dar mostras de um over action soberbo, que não recai sobre vícios dramatúrgicos pueris. O desespero visto em suas feições gera empatia no público, que imediatamente apoia seu desespero e se apieda de sua alma. A boa condução de Liv Ullman faz até a ausência de talento de Farrell tornar-se suportável, já que sua interpretação serve de escada ao papel de sua patroa.
A encenação que a realizadora propõe, depende fundamentalmente de seu elenco, e o eco da experiência de Liv Ullman nos palcos é visto em cada gesto de sua personagem principal, abrilhantado claro pela forma exuberante de Jessica Chastain, em mais um papel que desafia suas capacidades dramatúrgicas.
Se não bastasse o absurdo que é o nível das atuações, as cenas finais contém um grafismo visual absurdo, com cores sobressaindo sobre a paisagem, lembrando o quando o cenário deveria ser subalterno e efêmero ante a existência, ante a vida. O sangue predominando sobre a água faz lembrar o quão pode ser curta a subsistência do ser humano, além é claro da continuidade do universo e da natureza independente da aparição do indivíduo, grafando a grandiloquência de Gaia em relação ao bicho homem. Miss Julie fala em diversos níveis, e serve a múltiplas interpretações de conteúdo.
O começo intimista do filme mostra o discurso do atual mandatário da FIFA, Joseph Blatter, em meio a paisagens curiosas que remontam a simplicidade destoante da falta de transparência do modus operandi da empresa, apesar de todos os esforços da entidade e do suíço em realizarem uma imagem diferenciada. E:60 Reports – Sepp Blatter and FIFA do documentarista e repórter Jeremy Schaap se preocupa em revelar a real face do dirigente, bem como a quantidade de escândalos envolvendo a organizadora mundial do esporte mais popular do globo, antes mesmo da recente caça às bruxas da justiça a políticos envolvidos em corrupção.
O primeiro caso analisado foi a decisão em 2010 de fazer do Qatar a sede da Copa do Mundo de 2022, cuja maior polêmica é a informação desvelada de que houve suborno junto aos votantes que elegeram o país devastado como sede do evento. O filme-denúncia foi exibido ainda em 2015, regatando documentos e depoimentos que ajudam a compor o quão grotesco é o caso mais recente de favorecimento ilícito da entidade.
O relato sobre a origem de Blatter, que tentou a todo custo trabalhar com futebol, é de um tom agridoce único, ambicioso mesmo diante das primeiras recusas que tomou, especialmente dentro de casa, quando seu pai rasgou um contrato que foi oferecido quando tencionava ser atleta. A fala de que “você jamais ganhará dinheiro com o futebol” não poderia estar mais errada, por não prever a aproximação gradativa do jovem Joseph do brasileiro João Havelange, que via no suíço o melhor candidato a sucessor.
A subida de nível do político faz quase afeiçoar a sua figura, que é deteriorada pelas cenas “fofas” do economista se envolvendo em hábitos dos países que visita, os mesmo com que faz conchavos. As homenagens que lhe rendem servem para tornar sua controversa figura em algo ainda mais pitoresca.
Outras tantas indiscrições são mostrada, como a polêmica eleição da Rússia como sede do mundial de 2018, ainda a acontecer, especialmente pelo lobby realizado através das figuras carismáticas do Príncipe William e do ex-jogador David Beckham, que, juntos, só conseguiram angariar míseros dois votos. O surpreendente não foi a derrota, mas sim a disparidade entre os votos dos candidatos, visto que desde a Copa de 2010, só foram escolhidos países subdesenvolvidos, com históricos largos de corrupção governamental, o que aumenta a esfera de suspeitas ao modo de operar da organização.
As gravações da Sunday Times, de compras de favores junto à federação nigeriana de futebol, faz perceber que a prática é bastante comum no meio. O estudo é amparado por materiais literários, como nos estudos de Andrew Jennings e pela coleção Ugly Game. A conclusão tirada pelo documentarista e por seu feitor é a de que um esporte que é lazer, tanto em prática quanto em acesso pelo mundo inteiro, não deveria ser de posse de uma empresa, ainda mais uma que constantemente se dobra aos desígnios e desejos de quem pagar mais. Ainda que seja utópico, o reclame vale muito, especialmente em território brasileiro, uma vez que o futebol sempre foi um evento consumido naturalmente pelas massas, recentemente elitizado de modo hediondo e mal feito. Ao menos, é reconfortante que os casos recentes estejam sendo investigados, ao menos neste primeiro momento.
Na esteira do possante e cheio de verve cinema pernambucano, Permanência faz ressonância com o tema de retorno a vida comum e a adaptação a um novo estilo de vida através da personagem de Irandhir Santos, Ivo, que é recém-chegado do Recife para a megalópole paulista, lotado na casa de Rita (Rita Carelli). A diferença climática é o primeiro dos muitos aspectos diferenciais entre as duas capitais brasileiras, unidas por destinos de seres que buscam um estilo de vida melhor e mais situado na realidade.
Leonardo Lacca usa seus poucos minutos em tela para apresentar uma história de reconciliação, munida de verossimilhança, sensibilidade, além de uma intensa relação com as vicissitudes da realidade. O foco na profissão de fotógrafo de Ivo faz relembrar a valorização do ato de contar histórias através de imagens, não só na fotografia de Pedro Sotero, mas também no roteiro de Lacca.
O texto é arredio e não tem qualquer receio em exibir questões espinhosas, como a necessidade de comércio da arte e a crescente discussão em relação à legalização das drogas, especialmente a maconha. A simplicidade da história é o principal fator que faz o espectador se afeiçoar pelas personagens, inclusive por tratar de dramas humanos universais, comuns em quase todas as classes, gêneros e pessoas.
Apesar da rusticidade do script, o texto não se reflete de modo banal ou simplório, pelo contrário. Os fatos narrados pela câmera fazem eco com o clamor da alma do espectador, apresentando um sem número de sensações intimistas. O diálogo sentimental que a película faz com a realidade é abissal, mostrando um aspecto comuníssimo de maneira original, e ainda assim passível de simpatia, especialmente para o espectador que está ou esteve em qualquer tipo de relação amorosa ou sexual. As indiscrições e infidelidades não são tratadas de modo maniqueísta, ao contrário, revelam uma humanidade poucas vezes vista no cinema mainstream, sem exacerbar qualquer aspecto grosseiro ou grotesco.
Nada fala mal alto no filme do que a nudez recorrente de Rita Carelli. Em cada fragmento de sua pele alva contém uma parcela de volúpia e desejo por amor livre, manietada é claro pelo julgo do casamento. Mesmo nas cenas em que habita o mesmo cenário que seu marido, há uma diferença visual enorme de postura e semblante, exibindo visualmente a distância abissal que existe entre ambos, tanto em diálogo quanto em pelo, suor, corpo e pelo.
As belas atuações de Irandhir Santos e Carelli fazem reverberar o conto repleto de solidão e arrependimento, compondo um quadro bem urdido, graficamente belo, como a maioria dos trabalhos expostos por Ivo em sua mostra. A quantidade acentuada de emoções conflitantes agrega um conteúdo curioso, ainda que não seja de profundidade enorme, até por se tratar de aspectos comuns e inexoráveis do cotidiano.
O tempo inteiro a narrativa monta uma ponte entre Recife e São Paulo, aludindo possivelmente a ascensão que o cinema de Pernambuco tem tido nos últimos anos, a exemplo de Som Ao Redor, de Kleber Mendonça, e da pérola de Camilo Cavalcante, A História da Eternidade. O crescimento de Ivo enquanto artista que expõe seu trabalho dialoga diretamente com esse novo crescente regional, mas carrega assuntos ainda mais ligados a intimidade humana, evocando expectativas, sonhos, anseios e remorsos, para uma parte mais palpável da alma do homem.
A ficção é capaz de produzir excelentes narrativas. Mas a realidade fornece bases para muitas histórias e, comumente, a frase “baseado em fatos reais” transforma filmes em objetos maiores, como se afirmar a veracidade de um fato causasse maior força na trama.
Russell Crowe demonstra apreço nas histórias reais ao estrear na cadeira de diretor nesta produção que retorna à Galípoli, em 1919, para apresentar a história de um pai, interpretado por Crowe, à procura de seus filhos perdidos durante a batalha.
Parte das batalhas da Primeira Guerra Mundial, a Campanha de Galípoli foi uma das mais caras e trágicas da guerra. Em uma tentativa de invasão da Turquia por parte dos aliados, houve um alto número de baixas de ambos os lados, além de falharem na missão de invasão do estreito de Dardanelos. Boa parte do grupo dos aliados era formado por australianos e neozelandeses, que ficaram desconfortáveis com a liderança das tropas britânicas após o feito.
Anos após esta batalha, Joshua e sua esposa ainda vivem a amargura de não saber ao certo o destino dos filhos. Após o suicídio da esposa, o homem mantém a promessa feita à mulher e parte para a Turquia para encontrar os filhos e enterrá-los no mesmo local da mãe.
A premissa parte desta promessa como um último ato de amor. Uma dor que reacende o luto no coração da personagem, que busca honrar o amor de uma mãe que nunca superou a perda de seus três filhos queridos.
Na Turquia, tratado como um estranho em meio a um país que luta pela saída dos britânicos de seu território, o pai é impedido de adentrar oficialmente o local da batalha mas, devido a sua insistência, um dos tenentes acolhe-o para uma expedição que busca encontrar as baixas britânicas anônimas no local. A trama se torna uma representação dos diversos núcleos familiares que foram desintegrados por conta da guerra, e ainda permanecem abalados pela falta de informação sobre seus entes queridos.
O roteiro de Andrew Knight e Andrew Anastasios focaliza a procura incessante do pai que nada mais tem a perder em sua vida devido à devastação causada pelo belicismo. Concentrar-se em sua história retira parte do drama comovente da guerra, ainda que poucas cenas demonstrem o absurdo e o horror existentes nestas batalhas.
A estreia de Crowe na direção foi suficiente para lhe garantir o prêmio de Melhor Filme na AACTA, a Associação de Filmes Australianos. Porém, não há nenhuma característica ímpar em sua direção que demonstre um talento nato escondido até então. Sua primeira obra é consistente como um drama, mas não ultrapassa nenhuma barreira além de um filme correto que explora uma história real, narrada pela força dramática diante de um período sempre relembrado e retomado por diversas películas mundiais.
O nome brasileiro, demasiadamente extenso, busca uma incessante vontade de esticar a falta de conteúdo do filme a partir de seu título. Na primeira cena, o grafismo da catástrofe é mostrado, com um deslizamento leve em uma montanha, que remonta a perícia de Brad Peyton em assinalar imagens visualmente deslumbrantes. Ray é o chefe da equipe de resgate, sendo a rocha que fundamenta a equipe, comprovada pelos músculos de Dwayne Johnson. A tônica do filme é intimamente ligada à verossimilhança moderada do serviço de auxílio, incluindo a ação intempestiva do chefe, que não resiste a uma cena de ação e já se lança rumo a momentos de adrenalina extrema.
A vida pessoal de Ray é bagunçada: enfrentando um difícil divórcio, o rompimento com Carla Gugino (Emma), e um forçado afastamento de sua filha Blake, vivida por Alexandra Daddario, o que já demonstra a maravilha genética em que o personagem esteve envolvido. Qualquer remorso é pouco. O ressentimento piora ao perceber que Emma se mudará para a casa de seu novo namorado. A tramoia rivaliza tempo e importância com a premonição de terremotos feita por Lawrence Hayes (Paul Giamatti) e Kim Park (Will Yun Lee), um advento interessante que revela uma tragédia ainda pior que a prevista anteriormente.
O heroísmo repleto de clichês não é exclusividade de Ray, pois a maioria dos que envolvem Blake age impulsivamente querendo salvá-la de qualquer modo, especialmente os que têm pretensão de pleiteá-la como par romântico. No entanto, ainda cabe a Ray os resgates gerais, mesmo com ajudas eventuais de personagens genéricos, que demonstram talentos incomensuráveis do mero acaso. O letreiro de Hollywood novamente destruído é o clichê que representa o intenso fim da indústria cinematográfica repetitiva, vista em espécimes como Terremoto.
O brutamontes super avantajado segue sua trajetória de tosca evolução apolínea, repleta de julgamentos morais e justiçamento a quem merece punição, fazendo uma valorização absurdamente moralista por tabela. As preces a deus, feitas por cientistas, fazem lembrar o quão pueril e contraditório é o roteiro, que atrela a tragédia natural ao trauma comum da perda de um ente querido, pondo as duas celeumas em níveis de igualdade, piorado pelo recente retorno do casal estabelecido. A espiral de pieguice ganha mais força ao demonizar a ação dos covardes, tratando o desespero como algo totalmente maniqueísta.
Os relatos do futuro Adão Negro não poderiam ser mais cafonas. É assustador como um filme que reúne Gugino e Daddario em poses moderadamente provocantes consegue não entusiasmar seu público, nem com o decréscimo das roupas das duas. Terremoto: A Falha de San Andreas não serve nem como conteúdo de inspiração para “amor próprio”, tampouco faz afeiçoar pelos personagens e seus dramalhões, e sequer faz rir.
O antigo The Rock é tão gigantemente poderoso que revela ao final poderes extra sensoriais, chegando a ponto de ressuscitar sua filha na marra, mostrando que a esperança é a base da vida, e, claro, que deus é pai, e não padrasto. O disparate só não é pior que a imbecil propaganda estadunidense, com a bandeira tremulando, fator que eleva a pieguice a níveis estratosféricos, destruindo qualquer hype em relação ao filme catástrofe de Peyton.
Direção de Jeferson Dê, do outrora premiado Broder, O Amuleto é a nova empreitada do realizador que optou corajosamente por executar cinema de gênero no Brasil, ainda que suas boas intenções não tenham alcançado um nível de excelência minimamente aceitável. A temática fantástica do roteiro de Dê e Cristiane Arenas, se assemelhando demais aos aspectos de fandom vistos na literatura de André Vianco e seus pares, ainda que a temática de bruxos e o nível das cenas em flashback sejam muito mais parecidos com os filmes de época mal feitos.
Os primeiros momentos de tela remetem à Inquisição, misturando elementos do pretérito com uma edição videoclíptica de músicas indie, estabelecendo a moda como cerne para sua historieta. As pernas à mostra da bela Bruna Linzmeyer demonstra a sutileza nula do filme ao retratar a sensualidade, aspecto típico da figura das feiticeiras, mas extremamente mal explorada neste. Apesar de alguns sinais esquisitos, Diana é mostrada como uma jovem normativa, que se perdeu em meio à mata após – supostamente – ter sofrido uma noite regada a álcool e muitas drogas, no primeiro momento de seu retorno à pacata cidadela onde nasceu.
As atuações são tão irreais quanto a direção de arte, que produz jornais completamente artificiais e não críveis com manchetes que idiotizam a trama. Os diálogos semelhantes a vozes de dublagens antigas só fazem piorar a situação, tornando praticamente impossível levar o filme a sério. Até o sotaque carregado de Maria Fernanda Cândido e Michel Melamed é forçado, se assemelhando a peças de comédia, distante da intenção que os produtores procuram passar.
A abordagem que o roteiro dá aos conflitos e tramas macabras é ridícula, grotescamente emulando teatros colegiais. A obviedade só foge na maquiagem que esporadicamente funciona. A maldição hereditária passa longe de ser digna de ser levada a sério, piorada com os recorrentes merchandisings e engessamento do argumento original, que tolamente acha que disfarçará os predicados negativos com um formato que relembra a modernidade da era dos telefones que executam vídeos.
O Amuleto vai de encontro ao típico público do recente exploitation de literatura fantástica que acometeu o Brasil, especialmente na falta de qualidade na urdição da história. O gore, limitadíssimo, não contém impacto visual, e o terror carece de atmosfera de sustos. Mesmo os palavrões parecem completamente difusos na oralidade, como um grão perdido em uma boca banguela. Só não mais desnecessário e fake do que todo o envolvimento dos personagens.
Engraçado como forças ocultas, supostamente incorpóreas, têm autonomia e discernimento para executar gravações em celulares. Interessante também é notar como a iniciação em magia é velada a ponto de ter zero construção de paradigma, o que faz não ter qualquer empatia pelas belas figuras mostradas em tela, até por serem pessoas monotônicas, somente capazes de gerar sensações fúteis e reações óbvias. Sequer as obsessões de Diana garantem qualquer reação que não seja o absoluto tédio ou risadas involuntárias graças ao medo da morte que se aproxima. Ao menos ao espectador, sobra o medo de o filme não ter fim, um terror absoluto.
O diretor tenta em vão gerar ângulos estranhos para a filmagem, mas o renovo jamais chega, graças à pobreza do script. Ao final, tudo parece esdrúxulo e bestificado. A quantidade de absurdos é um acinte. Praticamente nenhum aspecto funciona em O Amuleto, nem mesmo a boa intenção de retratar um mistério ligado à bruxaria, já que até o assunto é subalterno diante da estupidez que é filmada. O sobrenatural é subaproveitado, só tendo momentos em vultos e aparições vagas, que não acrescentam em praticamente nada.
O final tenta apelar para uma sobriedade ancestral e tradicional, que é completamente banal diante das palhaçadas exibidas. A boa intenção de retratar as bruxas como criaturas altruístas também não garante acréscimo de qualidade, já que até ali o estrago já havia sido instaurado. O caso arquivado é uma síntese do que deveria ter sido feito com a premissa desde o início, jamais executando a feitoria fajuta de vingança anunciada.
Um dos atores menos rentáveis de acordo com a lista da Forbes, Adam Sandler é reconhecido pelas comédias divididas entre uma categoria mais escrachada, sem pudor para piadas, e um caminho suave que envolve histórias de amor em comédias românticas.
Um dos cartazes de Trocando os Pés (imagem escolhida para o pôster brasileiro) comete um equívoco interpretativo que fará o público imaginar que esta produção é mais uma estrelada e produzida pelo ator com o humor peculiar. Porém, o filme dirigido e roteirizado por Tom McCarthy (UP: Altas Aventuras) apresenta outra dinâmica que recoloca Sandler em uma história levemente dramática – único gênero em que o ator se destacou interpretativamente – e com elementos fantasiosos. Talvez o título original, O Sapateiro, fosse simples demais para o mercado brasileiro. Mas evitaria o tom cômico que, aliado ao cartaz, nos faz imaginar mais um dos produtos típicos do comediante.
Na trama, o ator é Max Simkin, um sapateiro judeu que se sente desanimado em relação a vida. Não sabe se seguir a profissão do pai é sua verdadeira escolha e, dia a dia, vive a rotina sem muita animação. Em um dia consertando costumeiramente um sapato, seu maquinário quebra e o profissional recorre a uma velha máquina herdada do pai. Ao experimentar o calçado recém arrumado, descobre que qualquer peça consertada pelo aparelho lhe permite ter a aparência de seu dono original.
Se há alguma semelhança desta história com suas comédias anteriores está o uso de um argumento fantástico como gatilho para a trama. Como em Click e Um Faz de Conta Que Acontece, a realidade é modificada diante de um objeto ou situação mágica. O fantástico produz uma dimensão mais infantil para a trama pela maneira lúdica – e improvável – com que se apresenta, transformando esta trama em um filme familiar. A própria personagem central sente um encantamento puro ao descobrir a magia trazida pelos sapatos, inferindo ao público uma sensação de história fabular com um personagem bondoso, portador de um artefato mágico que, à procura de se encontrar, realiza peripécias contra inimigos qualificados como ruins e a favor de uma possível mocinha.
O diretor, McCarthy, que ainda está em início de carreira como diretor, é conhecido por suas obras alternativas com destaque para O Agente da Estação, com o pequeno notável Peter Dinklage. Trocando os Pés é seu filme de maior apelo até então, e a figura de Sandler – mesmo não rentável – um atrativo ao público. O roteiro escrito pelo diretor em parceria com Paul Sado destoa na composição entre fantástico e realidade. Um recurso que acrescente uma nova camada à realidade pode ser eficaz para produzir estranheza se o roteiro como um todo for coerente. Filmes como Mais Estranho Que A Ficção e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças demonstraram eficácia nesta afirmação com uma história voltada para adultos.
A maneira como inicialmente a transmutação pelos sapatos é apresentada não retira a impressão de um filme mais familiar, ainda que seu roteiro pareça voltar-se para um público mais velho do que para jovens e crianças. Pela falsa impressão de ser mais um produto bobo de Sandler, o filme pode afastar público específicos. Porém, mesmo com partes dissonantes, a sensibilidade da história vem à tona e sustenta o filme com leveza e ainda apresenta um Dustin Hoffman, como sempre, com excelência e credibilidade em seu papel.
A abertura de Morro dos Prazeres apresenta crianças brincando de mocinho e bandido. Utilizam armas de madeira e papel, representando as armas que conhecem nas mãos de personagens do morro. Ao contrário do que é naturalmente imaginado, não é a polícia que adquire o status heroico. São eles, representados pelas crianças, como opressores, humilhando a população do morro para, em seguida, serem subjugados pelo grupo de infantes desempenhando os traficantes armados. Um retrato daquilo que veem dia a dia em sua infância.
Localizado no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro, o Morro dos Prazeres foi uma das comunidades selecionadas para o projeto UPP da Secretaria Estadual de Segurança do Estado, estabelecendo polícias comunitárias em favelas outrora tomadas pelo tráfico de drogas. O documentário de Maria Augusta Ramos apresenta personagens anônimos que em conjunto formam retrato do local.
Com metragem breve de apenas uma hora, a câmera se transforma em um observador atento cuja intenção é apenas o registro dos acontecimentos. Não há nenhuma fala direcionada para a câmera ou a participação de especialistas que analisem as imagens apresentadas, traçando um panorama sociológico do local e da atividade policial com a chegada das Unidades Pacificadoras.
As cenas promovem uma crônica sobre o Morro identificando e acompanhando alguns personagens específicos para mapear as diferenças do local: um menor infrator tentando modificar sua vida com aversão explícita pela polícia; moradores que trabalham ativamente no local discutindo pontos positivos e negativos sobre a chegada da polícia; e membros do batalhão lidando com o dia a dia do local.
Nenhum julgamento pré-estabelecido é apresentado em cena, um fator positivo para explicitar que, diante desta construção social e política, nem tudo é uma estampa de poucas cores. A humanização em todos os âmbitos entregam ao público o material para desenvolver sua análise a respeito, sem nenhuma denúncia panfletária ou desmitificando estruturas complexas.
Como uma crônica visual, porém, é necessário que o espectador contextualize as cenas para interpretar adequadamente os fatos sem uma margem de erro. Talvez o público estrangeiro não tenha a base para compreender ou analisar a situação diante de cada depoimento apresentado.
Unindo dois assuntos primos, o jornalista Lúcio de Castro organizou quatro episódios exibidos no canal ESPN Brasil, onde seria explorado a proximidade entre as ditaduras direitistas que tomaram a America do Sul, e o futebol. Memórias do Chumbo – O Futebol Nos Tempos de Condor. As sedes dos estudos seriam Argentina, Uruguai, Brasil e Chile, e escrutinaria a influência semelhante ao ópio que o esporte – e mania – faria no povo, assim como o uso indiscriminado deste como arma governamental.
A análise sobre o regime que tomou a Argentina começa por depoentes de idades variadas, alguns que presenciaram o início da tomada do poder, e outros que relatam as experiências de pais e outros parentes. O enfoque dado as gravações é muito mais emocional que didático, graças a sensibilidade do feitor em entrevistar as pessoas próximas das vítimas dos desmandos dos militares, sempre ligados ao futebol. No episódio Argentina a Operação Condor é esplanada, com o detalhamento da completa falta de educação, crueldade e violência, mesmo a pessoas que nada tinham a ver com os desígnios socialistas.
A Copa de 1978 pareceu ao grupo de poderosos uma boa alternativa para retirar da opinião pública mundial a imagem de uma país opressor, mesmo que o custo fosse absurdo, beirando os setecentos milhões de dólares, incluindo nesta equação, o então presidente da FIFA, o brasileiro João Havelange, recentemente investigado por gigantescos escândalos de corrupção. É curioso como a uma distância mínima dos estádios, onde a torcida pulava e gritava, comemorando com Villa, Houseman e Kempes, havia salas de tortura, onde os cidadãos eram humilhados, fazendo daquela conquista a mais contestada da história das Copas. As falas das vítimas revelam um temor ainda existente, mesmo após décadas do acontecido, fortificando a sensação de que eram os militares os “donos da morte” dos prisioneiros, que nada fizeram, a não ser discordar do modo de governo.
No episódio do Uruguai os depoimentos começam com as falas de Eduardo Galeano, com a revelação de que o país era campeão em torturados e mortes durante os anos negros da América Latina, inclusive com participação, conivência e patrocínio do governo brasileiro. Segundo o autor de Veias Abertas da América Latina, a tortura não era útil para colher informações, mas sim para incutir medo na população e em qualquer oposicionista, semeando e disseminando o pânico.
O primeiro momento em que Castro se permite exibir-se para a câmera de Rosemberg Faria, é a conversar com Galeano, com quem tinha uma amizade bastante próxima. A intimidade faz com que os relatos do escritor sejam ainda mais intensos, agravados pelos detalhes do tratar dos poderosos, associando a esquemas de supostos favorecimentos, como num campeonato nacional para o Defensor Sporting, e um mundialito para a seleção uruguaio, associado a um campeonato inventado para desvirtuar a atenção do povo. Curioso é que nos relatos de Eduardo, revela-se uma das primeiras e mais notórias ações populares de torcida/sociedade, que gritava quase em uníssono “se va acabar, se va acabar, la ditadura militar”, fazendo da plebe finalmente um braço contrário aos desejos dos poderosos.
Chega de Saudade, executada por Tom Jobim remete ao fim dos anos cinquenta, que apresentavam uma nova era de glorias para os brasileiros, especialmente pela Bossa Nova. Na esteira do receio de os discursos de Ernesto Guevara tornar-se verdade, e apoiado pelo presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson, os militares assumem o poder após a renúncia de Jânio Quadros. Subitamente, toda a informação passaria a ser controlada pelos militares recém “empossados”.
No futebol não foi diferente, visto que ocupava uma boa parte do imaginário popular. Grande parte dos mandantes de federações estaduais, era aliada ou amiga dos poderosos, homens de confiança, que ajudava a alastrar a mentalidade dos governantes. Segundo o historiador Carlos Fico, o número menor de mortes em comparação com os outros pais do cone sul não fazia dos ditadores brasileiros menos implacáveis, piorando muito pela mentalidade reacionária se propagar no imaginário civil também.
A perseguição ao técnico João Saldanha é revelada, focando em práticas covardes dos censores, que o encaravam como informante comunista, com a suspeição de que ele fornecia documentos a estrangeiros nas viagens com a seleção canarinho, pós Copa de 1966. O extenso monitoramento abarcava toda a população, o que vinha de encontro também ao futuro time tricampeão mundial com a introdução de um major dentro da comissão técnica.
A tramoia do episodio varia entre os ditos sobre a guerra psicológica via slogans, como o “Brasil, ame ou deixe-o”, e claro, os relatos de torturados, como o de Cid Benjamin, professor e jornalista, motivador do grupo MR-8, que sequestrou o embaixador estadunidense Charles Elbrick. Os detalhes sobre as condições insalubres do cárcere assustam, especialmente pela sujeira, frequentemente deixando os presos chafurdados em seus próprios excrementos.
O estudo piora com a exposição da Operação Condor, onde se exportava tecnologias de tortura, pontuadas emocionalmente pela narração do funcionário da ESPN Luis Alberto Volpe, que imprime um caráter de denúncia mesmo em questões não tão espinhosas, agravado em momentos como nestas narrações. O episódio se encerra com a participação de Galeano expondo alguns detalhes das atividades de João Havelange e seu então genro, Ricardo Teixeira, que lucravam muito ainda nos tempos de chumbo, o que agravava ainda mais o martírio dos brasileiros comuns.
O espécime que analisa o quadro do Chile começa mostrando o motim que vitimou Salvador Allende, um complô que – mais uma vez – envolvia os governantes brasileiros, sendo a embaixada palco até de reuniões dos golpistas. O roteiro é prodigioso ao comparar a hipocrisia dos atos com o bom mocismo das atitudes pragmáticas dos homens fortes do Mercosul, exibindo a contradição entre teoria e prática.
O episódio é tomado por muitos depoimentos dos ex-jogadores da seleção chilena, que assumiram se sentirem como palhaços, graças a prática comum da ditadura em tornar o esporte como um circo. Ao mesmo tempo em que os atletas eram “protegidos”, seus familiares não o eram, então qualquer ato de rebeldia sofria represálias por torturas indiretas, a entes queridos, incluindo até suas mães.
Mas foi em um jogo, que uma das maiores manifestações ocorreu, ainda que por “acaso”. Um dos jogadores, que exercia mal seu papel tinha seu nome gritado, por coincidência, homônimo do ditador, e o “Fora Pinochet” tomou os pulmões das arquibancadas, que refutavam claro, um dos soberanos mais nefastos daqueles tempos.
Apesar de não haver uma ordem cronológica prévia para assistir a Memórias do Chumbo, é interessante tomar o capítulo chileno por último, por ser este encerrado de modo emocional, com depoentes prestes a chorar, em virtude do genocídio que ocorreu em seu país, quando os atletas corriam em atividades desportivas, com a certeza de que eventos como o túnel que ligava o campo de futebol a um local de fuzilamento, não se repetiria. O costume no Chile, Uruguai, Argentina e outros países é o de total desprezo por quem defende tais regimes, até por valorizar os homens que lutaram em favor da vida. Apesar do otimismo em seu final, não há qualquer aplacamento da realidade, ao contrário, a apresentação é visceral, informativa e emotiva, da parte de um estudioso que leva a sério o ofício de informar o espectador a qualquer preço.
Imagine a seguinte situação: com o avanço da medicina, e consequentemente do estudo da genética, tornou-se possível coletar DNA preservado de animais extintos e cloná-los. E se, em vez de recriarmos mamutes e tigres dentes-de-sabre, recriássemos os maiores e mais temidos animais que este planeta já hospedou? O diretor Steven Spielberg tornou isso possível e foi um sucesso.
Após o bizarro Hook – A Volta do Capitão Gancho (um de seus piores filmes), Spielberg juntou forças com os roteiristas Michael Crichton e David Koepp para criar um dos filmes mais extraordinários já feitos: Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros. O filme revolucionou com efeitos especiais nunca antes vistos e com um realismo absurdo, fenômeno esse que acontece de tempos em tempos na história do cinema. O resultado? Um sucesso de bilheteria que faturou mais de um bilhão de dólares. Vale lembrar que até o pôster e o logotipo do filme são sensacionais.
De início, somos apresentados aos arqueólogos e doutores Alan Grant (Sam Neill) e Ellie Sattler (Laura Dern), que estão muito preocupados com seu trabalho, uma vez que não conseguem mais financiamento para escavações. Porém, as coisas parecem mudar com a chegada de John Hammond (Richard Attenborough), um simpático senhor que os convida para uma viagem. No caminho, conhecem Tim (Joseph Mazello) e Lex (Ariana Richards), netos de Hammond e o Dr. Ian Malcolm, vivido por Jeff Goldblum e, após passarem por paisagens fantásticas, o helicóptero em que se encontram aterrissa numa misteriosa ilha. Não demora muito para que o primeiro Braquiossauro salte na tela em busca de uma folha num galho de uma árvore gigantesca. A história do cinema estava sendo feita. A cara do Dr. Grant nesse momento, aliada à trilha sonora certeira do maestro (e mestre) John Williams, imprime bem as feições de cada espectador naquele momento: como eles fizeram isso? Para ele, os dinossauros. Para nós, os dinossauros.
Passada a excitação inicial, os protagonistas fazem um pequeno tour que explica exatamente o parágrafo inicial desta crítica, além de mostrar o primeira momento de tensão entre os doutores Grant, Sattler e Malcolm ao descobrirem que a equipe de geneticistas do Sr. Hammond clonou Velociraptors e um Tiranossauro Rex, tidos no filme como as espécies mais perigosas. Assim, são demonstradas, também, as reais intenções do Sr. Hammond, que acabou por construir um parque, nos mesmos moldes da Disney World, para, futuramente, abri-lo ao público, após a consultoria dos especialistas que ali estão. O problema é que uma grande tempestade se aproxima, anunciada por um tímido Samuel L. Jackson e que põe a perder todo o plano.
Jurassic Park tem o que Spielberg sabe fazer de melhor: cenas de ação misturadas com suspense e até mesmo terror, algo que ele explorou muito bem em Os Caçadores da Arca Perdida, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Tubarão. E, sim, é possível se divertir, ficar tenso e sentir medo com as mais variadas situações e pequenas subtramas que compõem a trama.
E os dinossauros? Ah, os dinossauros…
O filme foi lançado em 1993, mas se você assistir a ele hoje, verá que ainda é atual. Os efeitos em CGI, junto com os dinossauros animatrônicos (efeitos práticos) criados pela Industrial Light & Magic são bastante realistas, o que justifica a surpresa do Dr. Grant e do espectador em relação aos dinossauros. Chega a ser emocionante a cena em que ele, juntos de Tim e Lex correm junto à “manada” de Galimimos. Aliás, é possível se deparar com diversas raças, mas, realmente, quem rouba a cena é o Tiranossauro Rex. Dotado de um rugido ameaçador e com um instinto assassino no mínimo cruel, aquele que foi o topo da cadeia alimentar há milhões de anos protagoniza uma das melhores e mais aterrorizantes cenas do longa, roubando para si o título de clímax do filme antes mesmo do final.
Felizmente, não há do que reclamar de Jurassic Park, um filme para ficar na memória e na estante de qualquer apaixonado por cinema.
Baseado no livro homônimo de Éric Holder, publicado em 1997, com roteiro e direção de Stéphane Brizé, o filme conta a história de Jean (Vincent Lindon) – bom pai, bom marido, bom filho, bom pedreiro. Sua família – a esposa Anne-Marie (Aure Atika) e o filho Jérôme (Arthur Le Houérou) – tem uma vida comum, fazendo coisas comuns. Um dia, ao buscar o filho na escola, conhece Véronique Chambon (Sandrine Kiberlain), professora de Jérôme. Ela, sem raízes, violinista amadora, professora substituta de cidade em cidade. Ele, pé no chão, quase literalmente enraizado pelas fundações das casas que constrói. Dois mundos diferentes que se cruzam e se entrelaçam.
Diz-se que todas as histórias já foram contadas e que o que varia é forma de contá-las. Neste caso, a história é o mais que manjado encontro entre pessoas de realidades diferentes que se sentem conectadas por algum motivo e que, devido a esse encontro, passam a se questionar e a questionar suas vidas. Roteiro e direção não tiveram sucesso em conseguir contá-la de modo a não parecer apenas mais um filme com essa premissa.
Para desgosto dos detratores do cinema europeu – o francês especificamente – e para deleite de seus admiradores, a estética é típica de um filme francês. Planos extensos que, em conjunto com longos silêncios, na maioria das vezes não contribuem em nada com a história – a menos que a intenção do diretor seja entediar o espectador. Há enquadramentos precisos e planos detalhe focando em olhares e gestos quase imperceptíveis – como o momento em que Anne-Marie percebe o que está havendo. Mas isso não basta para tornar o filme memorável.
O elenco está muito bem. Lindon dá a Jean um certo ar de “bronco sensível” bastante convincente. Kiberlain está perfeita como a professorinha tímida e contida, que não sabe ao certo como lidar com seus sentimentos. E Atika consegue dar a Anne-Marie, uma mãe de família trivial, uma altivez que a diferencia. Mas mesmo assim, com um bom elenco, com fotografia impecável, com uma trilha sonora encantadora, é quase impossível afastar a sensação de déjà-vu e a certeza de saber exatamente como a história irá terminar. Assistível, mas facilmente esquecível.
Película sob a direção de Daniel Espinosa – o mesmo de Protegendo o Inimigo – e produzido por Ridley Scott, Crimes Ocultos foi proibido na Rússia por ser considerado uma distorção da história, segundo o governo atual. O roteiro começa tratando do conhecido Holodomor, usado como arma (fascista) do governo stalinista impetrando fome aos ucranianos, fato que vai de encontro à questão atual da Rússia X Ucrânia, e “valida” – entre muitas aspas – o reclame censor do governo de Putin, conhecido por ser uma das viúvas da antiga URSS.
Fato é que, desde o princípio, a bandeira soviética é achincalhada durante a exibição do filme, enquanto a maioria dos oficiais do exército, ao menos os de compleição semelhante a paladinos, é mostrada com expressões resignadas, movidas possivelmente pela culpa. Todas as expressões de amor ou outros sentimentos tipicamente humanos são apresentados de modo raso e clichê, sem qualquer meio-tom ou ancenúbio.
Leo Demidov (Tom Hardy) é um dos poucos personagens complexos. Sua atuação enquanto militar é semelhante a de um Hans Landa socialista e sem carisma, sem piadas que evocam verborragia. A dura expressão esconde um caráter que não o impede de se importar com os seus companheiros, e que o faz não desistir de montar uma tropa de homens honrados, seja lá o que significar isto em sua distorcida noção de realidade. Logo de início, nota-se o seu fraco por infantes, considerados por ele como seres indefesos, independente dos pecados de seus pais.
O ethos de Leo é desafiado com a designação de dar cabo a um irmão de farda. Contrariando a fala de que “assassinato é uma prece capitalista”, o personagem central beira a condenação daquilo que Stalin desaprovava. De modo tórrido, mostra-se que o importante era manter a versão oficial, não discutindo o regime. Uma ação típica das ditaduras, claro, mas duramente criticada neste roteiro. A atuação de Hardy salva o filme de ser um desprazer completo, já que consegue mostrar emoções conflitantes mesmo diante da rigidez tipicamente militar que lhe é imposta.
Os relatos de um traidor formam o real chamado à aventura da trama, que põe frente a frente marido e mulher. Raisa (Noomi Rapace), antes mostrada como uma mulher indócil e frígida com seu cônjuge, tem sua fidelidade à pátria – e ao próprio esposo – discutida, passando a exibir a partir daí uma crueldade demasiada com os próprios soldados do Regime, e sua tortura é agravada devido a uma gravidez.
É curiosíssimo como a escalada das patentes é mal construída, casando convenientemente com as necessidades da trama, ignorando sempre os plots anteriores em detrimento da proteção de uma figura controversa como a de Vasili, feito por um Joel Kinnaman mais uma vez equivocado em seu papel, algo que tem sido comum nos últimos tempos.
O castigo pela fidelidade dupla, ao país e ao matrimônio, é o exílio. A comando do General Mikhail Nesterov (Gary Oldman), Leo tem de conviver com casos estranhos de tortura de crianças, um tormento agravado por sua possível e futura condição de pai. O atrapalhado script joga a verdade ao espectador de forma óbvia, produzindo mais um sem número de situações limite. De aspecto positivo há somente a realidade de ter uma relação calcada no medo, mostrada em detalhes sórdidos, pincelados de maneira ideológica para crucificar e demonizar o ideal dos personagens.
O Jogo da Imitação mostra os pecados da Grã Bretanha no pós Segunda Guerra ao tornar a homossexualidade um crime grave. Crimes Ocultos faz o mesmo com a ditadura do leste, ainda que trate de maneira ainda mais sensacionalista, como se fosse exclusividade dos comunistas tal defeito. Nenhuma morte e preconceito deve ser banalizada ou relativizada, mas há de não se ignorar a história. Usá-la para condenar somente um segmento ou partido é um artifício covarde, sendo esta a base de toda a história de Child 44 versão cinema.
O que deveria – ou poderia – ser um conto a la Dennis Lehane nos anos 50 torna-se uma estúpida propaganda anticomunista, sendo a ideologia vazia o principal mote da discussão do roteiro, evocando até a autotortura em nome de Stalin, absolutamente desnecessária. O argumento é raso e condizente com os fãs da direita ferina. Todos os assuntos se dobram diante da distorção do discurso político, o amor não correspondido, pedofilia, raptos, ataques de um assassino serial, praticamente tudo é subalterno em virtude da desconstrução da fala socialista. Até a possibilidade pragmática de fazer a justiça com as próprias mãos é validada somente para denunciar o quão falho é o sistema, como se toda forma de governo contrária fosse maravilhosa. A alternativa de culpar o nazismo e Hitler – mais um refutável lugar comum – é tardio, já que todas as conclusões a respeito da história podem já ser tiradas com menos de metade da duração.
O mini golpe dentro da revolução, mostrado em tela, assemelha-se ao comportamento de ratos que tentam contra-atacar as ações de homens armados. O cúmulo se dá ao notar que os mesmos rebeldes que condenavam os opositores por táticas de assassinato, são também exímios em armas brancas e assassinatos. O pecado maior é mostrar até os últimos momentos o exacerbo caricatural dos poderosos, como se fossem czares, e não socialistas, trabalhando sempre em favor do retrocesso, forçando a maré contra a verdade.
A luta final travada em meio à natureza é emblemática por revelar grande parte dos defeitos do filme e de seu texto, igualando o lodo e a sujeira da briga com o asqueroso pressuposto. A escolha de partido é equivocada e passa longe de retratar a realidade mundial da época, usando o russos como vilões, apelando para o sensacionalismo mesmo quanto deveriam mostrar lados positivos daquelas figuras. Se os papéis do roteiro estivessem encharcados da lama da batalha final, este ainda assim seria menos tendencioso e sujo do que o resultado final de Crimes Ocultos, que mais se preocupa em ser uma contrapropaganda anacrônica situada em uma Guerra Fria já inexistente, do que em um retrato da época, banalizando até a boa direção, fotografia e direção de arte de Espinosa e sua equipe.
Com um início narrado como um conto de um senhor lusitano de meia-idade, O Grande Kilapy necessita de legendas para ser completamente contemplado e entendido. Curiosamente, é com este mesmo espírito que se faz necessário analisar a trajetória do personagem de Lázaro Ramos. Kilapy é sinônimo de trapaça, golpe, e João Fraga é um autêntico malandro que, em um ambiente que deveria ser para ele o da exploração de mais valia, acaba sendo um picadeiro para suas peripécias.
A atmosfera política do filme compreende o período de ditadura de Salazar, e expõe sem pudor o modus operandi dos repressores aos possíveis comunistas, ainda que aborde tal questão com uma espírito cômico. A Angola, prestes a se livrar do julgo português, serve como símbolo da ainda muito presente escravização dos colonizados, e João servia como uma resposta sexualizada àquela opressão que sofria todo o país, barbarizando as moças de alta classe, como um Don Juan que ainda assim teimava em não se envolver com política.
A direção do angolano Zezé Gamboa é pontual para revelar os meandros do cenário político de seu país. As cenas em plano americano são bem urdidas, pressionando o filme a uma profundidade que não se compreende no roteiro de Luís Alvarães e Luis Carlos Patraquim. O elenco feminino é muito bem amarrado, munido de belas moças que fazem jus à fama de galanteador do personagem-título.
Apesar de estar bastante à vontade no papel, Lázaro Ramos não consegue fazer abrilhantar o filme, sem sequer superar os agravos da produção ser orçamentada por baixo. O conteúdo sequer chega a beirar o ativismo político, mas se preocupa em fazer graça com o tratamento que o exército tem com o cidadão que nada faz. João é vítima da típica e irônica paranoia dos mandatários do regime ditatorial, mas não há uma preocupação demasiada em traçar perfil nenhum de política e nação no argumento original.
Apesar de o final sinalizar uma maior maturidade na discussão, O Grande Kilapy carece de uma abordagem mais assertiva, uma vez que tem buracos imensos no roteiro e uma clara dificuldade em contar uma história que tenta se equilibrar entre uma comédia e um filme de mote político, não acertando nem no humor, visto que faz pouco rir, e nem no espectro social, já que arranha a superfície do que foi o panorama da ditadura angolana. Gamboa até mostra uma boa predileção em suas cenas filmadas, mas nada que salve o filme da mediocridade do circuito.
Na herança primitiva do homem, animal cuja natureza o permite ser também cultural, nela encontra-se a base para a explicação, e não a solução dos problemas de hoje em dia. Problemas que sempre existiram, afinal ainda estamos evoluindo (talvez a Terra nos sirva para isso, uma grande escola deteriorada por seu alunos), sendo que não há nada de novo debaixo do sol, já disse o poeta (não me pergunte qual, algum gênio que morreu de fome, provavelmente). Nem mesmo a reciclagem do costume mais básico de uma sociedade, que seja de um indivíduo como você, leitor, é natural: Tudo nos foi ensinado. Casar, se comunicar, estudar ou enriquecer, tradições enraizadas no nosso ontem coletivo, um passado cultural; fonte do presente, pista do enigma.
O próprio Cinema para os irmãos Lumière foi a América para Colombo – o trem que ia sair da tela assustando quem nunca viu uma projeção de movimentos. Pro animal natural que ficou cultural, o preconceito é a defesa dessa cultura defronte ao alienígena, ao extrafamiliar, o diferente, com o silêncio ou a revolta no papel de defesas naturais diante do desconhecido; nós não somos igualitários (You can’t sit with us!), nunca fomos generosos, mas nossa cultura nos obriga a ser para viver melhor em bando. É o jeito. Dos Lumiére até hoje, o silêncio no Cinema se tornou expressão sem uso de trilha-sonora muito cedo, mas só foi refinado numa soma de valores por Ingmar Bergman, deus sueco, em testamentos estilo Persona, tipo A Hora do Lobo, aonde palavras são mera verborragia e um close da boca fechada de Liv Ullman, ou a mudez profunda entre os poucos diálogos de Luz de Inverno falam e expressam mais que Ulysses inteiro.
O silêncio como salvação, meditação, a favor dos verbos que não passam na goela de quem tem tudo a dizer, e por isso diz quase nada. O silêncio como redenção, como liberdade de expressão, pois quem cala consente na vida como ela é, com ou sem defesa para encará-la de frente, sem medo. Tal silêncio como encarnação da linguagem distante dos jovens dos anos 2000, e o que de primitivo habita essa quietude moderna, essa falta de comunicação tão estudada por Michelangelo Antonioni, noutra geração e cultura que obviamente reflete na atualidade, são a base para A Gangue, que rouba do silêncio sinais e emoções maiores que a dialética e o poder da palavra, a fim de compor uma linguagem secreta e um intercâmbio de valores compartilhados por uma juventude inteira.
O filme ucraniano é uma espiral de causas e decorrências numa velocidade “piscou-perdeu”, tão ágil em narrativa quanto os gestos de um grupo de estudantes mudos, o que quase não são, tanto é que as cenas na sala de aula são pouquíssimas, e o filme nunca se prejudica pela exclusão do que fez o Cinema de Quentin Tarantino e cia. ser tão celebrado: o blábláblá falado em quantidade nuclear. Alternativas para a linguagem de A Gangue ser tão flexível, versátil e plástica ao nosso entendimento são tão naturais quanto o cantar da aves, tamanha a fluidez exemplar da história nas mãos de Miroslav Slaboshpitsky, um cineasta consciente do que faz as pessoas serem o que são: A forma como nós expressamos nossos valores, e não os valores em si.
O quanto isso lembra o poder audiovisual do Cinema tampouco pode ser medido em verbetes. A comunicação e o que brota dela, sejam valores ou a desconstrução deles, é o que interessa a Miroslav na investigação do comunicar, no limite de uma forma de linguagem que jamais pode ser subestimada pela voz de quem emite o que se pensa, ou sente, pela boca. Talvez usamos mensagens de texto ou emoticons para sentir como é estar do outro lado, sentir nos dedos essa ironia; a experiência do diferente. Os personagens de A Gangue jamais são tratados assim, com diferença e exclusão (a direção de atores é soberba), num universo de cores frias e semelhante ao nosso, cheio de equívocos e segundas intenções, numa cultura de dependência social que esmaga a preferência pessoal, expressando o que nos torna humanos num contexto brutal e primitivo, para o bem ou para o mal. A ética do filme é apenas se expressar da melhor maneira possível, e a tradução de seus sinais não poderia ser melhor traduzida ao público, em ações na história que, realmente, falam mais que mil palavras. A todo momento, os membros da gangue de jovens criminosos (e revoltados) assumem seus papéis de fantasmas, grupo de incompreendidos que só se comunicam entre si, mas que também querem amar, explorar o mundo, ser entendidos e ter um futuro como qualquer juventude, criando em bando recursos para se manterem ativos num mundo que os exclui, e os instiga a excluir o próximo. O bicho preso sempre canta mais que o liberto.
O clima num filme mudo é fundamental, aqui algo cru e direto para ilustrar as intenções do artista. Por isso, o filme explora o mistério do instinto nas suas bestas de gaiolas, gaiolas de função coletiva. Se esses personagens falassem, falariam o quê? O que um mudo falaria depois de uma vida em silêncio? Teria preconceito com a própria voz, ou se acostumaria com a palavra? Chaplin e Keaton nunca precisaram delas, mas entraram na onda quando o diálogo já era uma necessidade. Os cineastas Dreyer e Fritz Lang, mestres do preto-e-branco, só optaram pela cor pra continuar relevantes nesse mundo novo, pois nunca precisaram nem de som, nem de matizes. Manipuladores desse silêncio que tornou seus filmes diamantes no garimpo histórico dos filmes.
Mas talvez o que falta aos jovens de A Gangue não são palavras, ou outro sentido, e sim o diálogo, na língua deles, na realidade deles, na maneira deles. Sem isso, os conflitos do filme se tornam inevitáveis, como a emergência que só cresce nesses jovens perdidos, à margem da sociedade por suas condições. A ausência de cordas vocais implica no caos que existe no mundo desses adolescentes, que com certeza reflete no adulto do amanhã. A narrativa de hábitos e costumes os consome e nutre o meio-ambiente onde se violentam e transam, em desespero, rumo a um clímax que homenageia e condiz com o clássico Elefante, de Gus Van Sant. Retratos da geração das mil linguagens, e que por isso mesmo volta à estaca zero: O silêncio, na forma mais primitiva de se contar uma história. Se Godard disse Adeus à Linguagem, Miroslav faz saudação.