Categoria: Cinema

  • Crítica | Para O Que Der e Vier

    Crítica | Para O Que Der e Vier

    Para O Que Der e Vier 1

    Começando como um monólogo, a criação de Matthew Weiner narra as desventuras emocionais de Steve Dallas (Owen Wilson), que faz total questão de explicar para cada um dos seus pares sexuais as razões que o fazem optar pela solteirice e completa ausência de apreço a uma vida de compromissos amorosos. Mesmo neste primeiro momento, não se esconde o quão miserável é a sua vivência, ainda que o escopo seja muito mais agridoce que melancólico.

    Logo, Dallas tem um estranho reencontro com seu amigo de infância, Ben Barker (Zach Galifianakis), recebido de maneira agressiva e paranoica, remetendo ao comum aspecto que o fumo da maconha causa em alguns seres. Uma simples análise do ambiente ao redor de Barker revela uma tardia imaturidade, já que todo o cenário de seu quarto lembra o aspecto grotesco e pitoresco de um adolescente em idade pré-universitária, longe de qualquer preocupação mais rebuscada, comum a qualquer ser humano de rotina adulta.

    O cotidiano de Steve é repleto de atitudes banais e egoístas. Seus serviços como apresentador de um jornal local revelam uma enorme irresponsabilidade de sua parte, não tendo qualquer compromisso com prazos e horários, tanto que o chamado à aventura com seu amigo é aceito de bom grado, sem qualquer discussão. Sem jeito, a dupla faz uma viagem de carro para presenciar o enterro de Mister Barker, e ter a assustadora surpresa de ser Ben o seu maior beneficiário, a despeito de sua irmã Terri (Amy Poehler) e de sua bela madrasta Angela (Laura Ramsey), que foram muito mais presentes na vida do patriarca.

    A paranoia segue como comportamento padrão de Ben, já que ao receber o prêmio ele acha que aquilo é mais um artifício de seu pai para controlá-lo. A maturidade chega perto de acometê-lo ao decidir mudar seu estilo de vida, ainda que não saiba qual o direcionamento correto, nem para si e menos ainda para a pequena fortuna de que agora era dono. Mas a completa falta de noção faz o personagem enveredar por caminhos dionisíacos, tentando sem qualquer base teórica fundar uma ONG para mudar o mundo.

    Os trôpegos passos do confuso homem de meia-idade são observados por Angela e ao longe por Steve. Pioram-se os imbróglios familiares de sua irmã, que tenta restringir legalmente o uso do dinheiro herdado, visto que ainda é movida pela mágoa que sente de sua “mãe substituta”. A complexidade da estrutura familiar conservadora é prontamente debochada por um roteiro que teima em não se levar a sério, apesar de tocar em questões bastante espinhosas.

    O roteiro de Weiner divaga um pouco, perdendo o ritmo interessante da metade para o final da obra, ocasionando um círculo vicioso que tenta em vão achar virtudes em suas personagens, imitando aspectos comuns da vida dos homens. O script consegue ser tão confuso quanta a psique do personagem de Galifianakis, e é bem intencionado em essência, mas repleto de erros de ação contínua, fruto, talvez, da inexperiência do autor em dirigir filmes.

    Em alguns pontos, o texto lembra demasiado as fitas que Nick Hornby ajudou a compor, especialmente pela inevitabilidade dos destinos dos espécimes apresentados, que tem em seu carisma o principal ponto louvável, já que o currículo destes está longe de acumular grandes feitos. As curvas finais do script revelam uma inesperada evolução da parte de Ben, movida por uma sequência de entrópicas relações, que, além de fazerem-no levantar, acabam por findar a boa interação que tinha com seu antigo parceiro. Ambos afastam-se de uma maneira até então inédita, necessária para as duas contrapartes terem finalmente uma evolução franca e sóbria. Um afastamento que flerta com o pieguismo, mas que se sustenta em uma forte mensagem edificante, algo condizente com toda a trajetória de Ben e Steve, até mesmo nos defeitos, com um saldo extremamente positivo.

  • Crítica | O Destino de Júpiter

    Crítica | O Destino de Júpiter

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    A premissa do filme parecia clara: uma space opera ambientada em um grande planeta alaranjado e na qual questões puramente humanas eram abordadas em localidades inóspitas, por vezes hostis. Ação, perseguições, aparatos tecnológicos e demais recursos seriam de grande importância para somar fluidez ao roteiro, afinal até as melhores histórias precisam de progressão, de ritmo, senão estariam fadadas a desinteressar seu receptor. No entanto, em O Destino de Júpiter tais modos de dinamizar a trama acabam por suprimi-la, aumentando o espetáculo visual em detrimento do conteúdo.

    Com o nome incomum dado pelo pai, um astrólogo já falecido, Júpiter (Mila Kunis) é uma jovem que sonha com uma vida melhor para si e sua família, trabalhando arduamente ao lado da mãe limpando banheiros para se sustentar. Ainda nos minutos iniciais, descobrimos que a família teve a casa invadida por bandidos, e o pai, ao não deixá-los levar um telescópio, seu instrumento de trabalho, é assassinado por um dos ladrões. Além disso, a moça explica o fato de estar destinada a grandes feitos, pois nasceu sob o signo de Leão, com Júpiter ascendendo a 23 graus. Uma antecipação medíocre de sua “realeza galáctica” ainda não descoberta.

    Na sequência, um grupo de caçadores de recompensa segue um caçador de recompensa (!?), enquanto este vasculha arquivos de uma clínica de fertilização. O renegado Caine Wise (Channing Tatum), um híbrido metade humano, metade lobo, busca uma redenção junto a um velho amigo, Stinger (Sean Bean), que foi destituído de suas asas (sim, asas!) ao assumir sua culpa pelo homicídio de um nobre literalmente de outro mundo.

    A partir daí, a trama segue um caminho difícil de argumentos fracos, em que Júpiter é a reencarnação de uma rainha, morta há milhares de anos e dona da Terra. Dois de seus três filhos descobrem a “recorrência” na terráquea e resolvem levá-la de volta ao lugar que lhe era direito, para que pudesse governar e reaver o astro. Por outro lado, Balem (a figura insana interpretada por Eddie Redmayne) quer dar um fim à vida da moça, pois o retorno da mãe tiraria seu poder sobre o corpo celeste.

    Um detalhe importante é que eles são uma família de industriais, que povoam planetas com o intuito de coletar genes humanos para comercializá-los, como um elixir, uma forma de prolongar a existência de quem fizer seu uso. Inclusive, Stinger conta a Júpiter sobre esse comando superior exercido por eles também sobre outros mundos, e como os utilizam como plantação, além de relatar uma gênese humana fora da Terra esdrúxula, ideia igualmente mal desenvolvida em Prometheus.

    Os cenários intergalácticos (e nenhum deles é em Júpiter, sinto muito!) enchem os olhos por sua beleza criada em CGI e pelos momentos de contemplação, até nos esquecemos da protagonista engessada e levada pelo braço a qualquer lugar, sem questionar para onde vai ou aceitando tranquilamente ser a nova dona do mundo. Uma pena, pois Kunis não fez feio em Cisne Negro. Channing Tatum consegue se sair bem, não compromete em nada, e ainda tem os apetrechos mais legais do filme inteiro: um par de botas flutuantes. O destaque fica mesmo por conta de Redmayne que, de forma brilhante, traz à tona o filho ingrato, louco e assassino da mãe… duas vezes! Digo, quase duas vezes. Os demais coadjuvantes fazem seu devido papel, apesar de alguns simplesmente sumirem sem motivo aparente, como é o caso dos outros filhos.

    Nas duas horas de reprodução do filme, não é difícil se perguntar o que continuar esperando da obra. Fora as raras atuações louváveis, batemos de frente com piadas mal colocadas, figurinos e maquiagens de gosto duvidoso e uma epopeia espacial sem sentido. Para não dizer que a película é totalmente equivocada, a sequência em que Júpiter e Caise partem por vários planetas e setores visando reconhecer legalmente o título real da personagem me lembrou O Guia do Mochileiro das Galáxias, onde os personagens também esbarram na burocracia, nas papeladas e carimbos etc. Uma referência interessante que os irmãos Andy e Lana Wachowski empregaram.

    No final, assumindo sua nova vida e enfatizando não mais permitir colheitas de DNA humano onde quer que seja, Júpiter e Caise voam juntos pelos céus. Ele com suas asas restituídas; ela usando as botas flutuantes. E o mundo embaixo dos arranha-céus se mantém estático e indiferente a tudo o que se passou nas nuvens e além delas. Mesma sensação que o espectador tem ao ver os créditos subirem.

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    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | Vingadores: Era de Ultron

    Crítica | Vingadores: Era de Ultron

    Vingadores - Era de Ultron - Poster

    Três anos, quatro filmes e uma série (e meia). Isso é que separa as duas aventuras dos Maiores Heróis da Terra no já mais do que estabelecido Universo Marvel cinematográfico. Mas a sensação em A Era de Ultron é de que pouca coisa teve importância nessa pós-Batalha de NY. Para o bem e para o mal: as besteiras de Homem de Ferro 3 sumariamente ignoradas é de lavar a alma, não deixa de ser um desperdício os elementos de O Soldado Invernal e de Agentes da S. H. I. E. L. D. (fim da Shield, Hidra, Inumanos) na prática não fazerem muita diferença.

    A Hidra está lá, claro, mas apenas como um gatilho para o início da trama. Após atacar a última base da organização terrorista, os heróis recuperam o cetro de Loki. Fazendo uso do imenso poder do artefato, Tony Stark coloca em prática um projeto de inteligência artificial que deveria ser a solução final em termos de paz mundial (e substituir os Vingadores). Como em qualquer história com esse tema, as coisas obviamente dão errado, e surge o vilão Ultron, uma ameaça que vai colocar à prova não somente a capacidade da super equipe de proteger o planeta, como também a confiança entre seus membros.

    A força do filme, a exemplo do primeiro, está no equilíbrio que já virou marca registrada da Marvel no cinema. Há um passo além no desenvolvimento de personagens e no que se pode chamar de maior maturidade, mas as cenas de ação de encher os olhos e o bom humor (felizmente bem dosado e colocado) estão lá. E enquanto sequência, o longa habilmente se aproveita do universo e indivíduos já familiares para se concentrar em contar sua história em ritmo acelerado, sem qualquer enrolação ou preocupação com didatismo ao introduzir os vários novos personagens.

    Wanda e Pietro são rapidamente estabelecidos como “vilões por engano”, e organicamente fazem a transição. Havia potencial para maior exploração de ambos, principalmente do velocista, mas como micro origem num contexto maior, a participação dos gêmeos foi satisfatória. Em relação ao vilão de fato, Ultron sofreu um pouco com a expectativa: os trailers sugeriam algo muito mais sinistro. Contudo, considerada a proposta Marvel de ser, ele desempenhou bem seu papel de ameaça da vez. Além de claramente servir muito mais como ferramenta para desenvolver outros personagens, como Stark e o Visão.

    Visão, aliás, que foi a mais gratificante das novidades e talvez o grande acerto do filme. O conceito de um ser que está entre o artificial e o humano ficou bem representado, passando pela inteligente adaptação da origem do personagem e pela atuação precisa de Paul Betany. A dignidade semifilosófica e semimelancólica do herói foi transposta com perfeição dos quadrinhos para a telona.

    Dentre os velhos conhecidos, é interessante notar as relações de afinidade entre os membros da equipe, moldada a partir dos ideais e visões de mundo de cada um. Capitão América e Thor aparecem bem entrosados em batalha, o soldado e o guerreiro, ambos confortáveis em continuar travando o bom combate em prol dos inocentes. Na contramão, claramente, Stark e Banner. Cientistas, não lutadores, ambos concordam que o foco deve ser o de acabar com a necessidade de lutar. E por sua vez, Clint e Natasha ficam num meio-termo, mostrando um certo cansaço dessa vida, mas cientes de seu papel. Os dois também se assemelham no sentido de que o roteiro busca humanizá-los ainda mais; só que enquanto o espaço maior dedicado ao Gavião Arqueiro surpreende e agrada muito, o romance da Viúva com o Hulk soa pouco convincente.

    Em linhas gerais, A Era de Ultron sem dúvida entrega o que promete, perdendo talvez alguns pontos por não trazer nada efetivamente bombástico ou inovador. Como uma boa megassaga dos quadrinhos, o filme é divertido, grandioso, traz mudanças no status quo e entrega pistas do que vem por aí. Mas, como nos quadrinhos, há a sensação de mais do mesmo, ainda não um problema de fato, mas já perceptível. Fica a expectativa para as cenas dos próximos capítulos: a discordância entre Tony e Steve, Wakanda e mais uma vez as Joias do Infinito são elementos que até podem passar sem grande alarde para os não entendedores, mas mantêm aceso o interesse dos fãs.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Chappie

    Crítica | Chappie

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    A cotação é maior do que o filme realmente merece. As três estrelas são por todas as boas ideias e sacadas que mereciam ter sido melhor exploradas no roteiro. Boas intenções não fazem um bom filme, mas achei que valiam ao menos para incrementar a nota dada à história de um engenheiro – Deon (Dev Patel) – que, depois de ser o responsável pela invenção de droides autônomos, utilizados como força policial, esforça-se para desenvolver uma inteligência artificial que consiga replicar a consciência humana. Frustrado com a executiva da empresa onde trabalha, – Michelle Bradley (Sigourney Weaver) -, mais interessada em vender armas que poetas, resolve agir por conta própria.

    Desde Distrito 9, o público espera que Neill Blomkamp repita a dose do que se tornou sua “especialidade”: misturar ficção científica com crítica social. Elysium parecia promissor, mas deixou bastante a desejar. E este, apesar da boa premissa, também não chega aos pés do maior sucesso do diretor/roteirista.

    A maior falha é o roteiro não saber para que lado vai. A narrativa não se decide entre fazer graça, fazer crítica social ou partir para cenas de ação. Sem contar a infinidade de incongruências tecnológicas que deixam qualquer nerd indignado. Ok, é uma obra de ficção, mas um mínimo de bom senso e verossimilhança ajudam muito a mergulhar o espectador no universo da história. E o roteiro falha ostensivamente nisso. Vale reparar que essa “indecisão” vem desde os trailers. O primeiro dá impressão de que é um filme quase infantil, algo como Wall-E + ET. Enquanto o segundo já parte para a pancadaria, mais parecendo Robocop, dando enfoque ao vilão, Vincent Moore (Hugh Jackman).

    Inicialmente, parece que o roteiro irá focar na discussão sobre a substituição do contingente humano por um robótico no policiamento e em suas consequências, boas ou ruins. O filme avança mais um pouco, e o foco passa a ser a evolução da inteligência artificial, a possibilidade de construir máquinas (quase) à nossa imagem e semelhança, com capacidade para aprender e sentir. O espectador pensa “Ah, o filme é sobre a ética da IA.”. Ledo engano. Alguns minutos se passam, e o enfoque é o preconceito, a aceitação (ou não) de estranhos ou ‘diferentes’ em um grupo social. Mais adiante, é sobre a capacidade de adaptação e aprendizado de um ser inteligente não-biológico. Nesse meio tempo, o tom da narrativa também muda, mas de forma irregular e pouco consistente. Nenhuma história, nenhuma pessoa é séria ou cômica o tempo inteiro. Porém, neste roteiro o que fica nítida é a indecisão quanto à forma de contar a história de Chappie. Essa variação no tom mostra-se pouco “orgânica” – para usar um termo da moda. E incomoda quem assiste. Pois uma coisa é ir ao cinema achando que é um filme infanto-juvenil sobre um robô engraçadinho e descobrir logo nos primeiros minutos que é algo mais sério e violento. Outra coisa é o filme mudar essa perspectiva a cada cena.

    Falando dos personagens, apesar de algumas falhas na construção – perdão pelo trocadilho – Chappie é de longe o personagem mais bem estruturado, com mais profundidade. Os demais, em sua maioria, são estereotipados e, em alguns casos, pouco críveis. Michelle Bradley, diretora da OCP, digo, Tetravaal, é apenas uma executiva padrão. Ou até menos, pois que executivo não se apegaria à possibilidade de testar uma nova tecnologia que o deixaria à frente da concorrência? Deon Wilson é o engenheiro responsável pela criação do modelo de robôs policiais similares a Chappie. É um nerd típico que passa a noite em claro programando e movido a energéticos. E, convenhamos, por mais nerd que seja, ninguém deixaria sua própria criação, um salto tecnológico em IA, nas mãos de qualquer um. A gangue que “acolhe” Chappie – Ninja, Yolandi (Ninja e Yo-Landi Visser, vocalistas da banda sul africana de rap-rave Die Antwoord, responsável pela trilha sonora) e Yankie (Jose Pablo Cantillo) – está longe de ser ameaçadora, mais parece um grupo de comédia pastelão. Mas mesmo assim, em termos de complexidade e identificação com o público, estão anos-luz à frente de Vincent Moore. Mais clichê impossível. O engenheiro com ideias diametralmente opostas às de Deon, não é apenas um estereótipo, mas uma caricatura. Chega a ser chato, de tão previsível. Sua animosidade em relação a Deon é exagerada demais, teatral demais. Enfim, apesar dos personagens deixarem a desejar, não há o que reclamar do elenco, que faz o que pode com o material que tem em mãos.

    E há, como dito anteriormente, inconsistências, não apenas tecnológicas, que certamente atrapalham a suspensão de descrença necessária para comprar a ideia do filme: Douglas, parceiro no blog Cafeína Literária ajudou a lembrar as mais gritantes:

    1- O departamento, ou empresa, que cuida da segurança da Tetravaal deveria ser inteiramente dispensado. Que (falta de) segurança é aquela? Em que praticamente qualquer um tem acesso ao chip responsável pela programação dos robôs. Em que um funcionário consegue sair das instalações levando não apenas material da empresa mas também armas. E para que servem as câmeras de segurança que filmam essas ações, se aparentemente não há ninguém assistindo a elas?

    2- Como um capacete feito para ler ondas cerebrais – de novo, ce-re-brais – consegue ler o “cérebro” de um robô? Ok, são pulsos eletromagnéticos, mas até mesmo um leigo sabe que os pulsos emitidos por uma máquina, um forno micro ondas por exemplo, são beeeem diferentes da ondas emitidas pelo cérebro humano

    3- Se, como afirma Deon, Chappie tem poder de aprendizado acima da média, conseguindo inclusive descobrir como transferir a consciência de uma pessoa para um pendrive, por que continua falando como criança ou usando as gírias tolas de seus colegas de bando? Poderia, ao menos, sair falando feito He-man.

    É uma premissa muito boa, perdida em um roteiro mal construído. Na torcida para que o próximo Alien seja melhor que isso.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Fim de Uma Era

    Crítica | O Fim de Uma Era

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    O mais teatral, e também repleto de classicismo, filme da trilogia de Sonia Silk, O Fim de Uma Era, contém prelúdios, mesmo com uma duração inferior ao tempo cronometrado de uma partida de futebol. O roteiro de Bruno Safadi e Ricardo Pretti (também diretores) contempla o ócio de quem já trabalhou com a arte, ainda que o texto seja o hiato entre as obras, focando a metalinguagem inerente à busca por inspiração poética.

    Os momentos do filme se dividem segundo as etapas do processo criativo que desemboca na produção cinematográfica, incluindo Ricardo Pretti como elemento narrativo da história, uma vez que seu filme é uma ode ao “fazer um filme”. Os recursos de quebra entre os segredos de público e cineastas inclui uma reciprocidade poucas vezes vistas no cinema comercial, agravada e muito pelo caráter ensaísta, que insistentemente goteja sobre a cabeça do espectador, relembrando o espírito de experimento da fita.

    A narração e a ausência de cores faz lembrar o recente filme de Taciano Valério e Jean-Claude Bernardet, Pingo D’água, inclusive nos problemas de ritmo e de captura de atenção do público. Da trilogia, este é o filme de estética menos palatável para o público médio, exigindo de quem assiste a ele uma atroz paciência com os recorrentes maneirismos  e propostas que atravessam a normalidade cinematográfica.

    As viagens de carro visam remontar o deslocamento comum entre uma locação e outra, fazendo menção à falta de um lar que o artista tem ao se lançar no nomadismo comum em rotinas de viagens. O roteiro até tenta acompanhar a beleza das imagens, mas sem lograr êxito, somente arranhando a superfície do que deveria ser uma redação realmente profunda.

    Mesmo com uma duração somente um pouco maior que uma hora, é às vezes necessário o público acordar entre uma cena e outra, tendo interesse genuíno em poucas falas, excetuando, talvez, os diálogos que desconstroem a figura mítica do ator. Um caminho inverso da supervalorização do ofício da interpretação, cargo em que, normalmente, se atribuem os maiores méritos do sucesso de uma empreitada audiovisual.

    O enfado e cansaço tornam-se sensações comuns ao espectador, que prossegue até o final de O Fim de Uma Era, sem maiores conclusões ou aprofundamento filosófico. É na poesia rasa o mote de sua trama, com dificuldades tanto em emocionar quanto em fazer qualquer sentido além da simples frivolidade pretensiosa de um artista iniciante, pecados esses incondizentes com as filmografias e carreiras de Safadi e Pretti.

  • Crítica | O Rio Nos Pertence

    Crítica | O Rio Nos Pertence

    O Rio 1

    O segundo capítulo da chamada Operação Sonia Silk – iniciada com O Uivo da Gaita – inicia-se em um breu absoluto, onde a fúria do som predomina sob a paz que a escuridão deveria propagar. Após os preâmbulos, notam-se duas pessoas interagindo, com Marina (Leandra Leal) nua, poetizando sobre o corpo desnudo de seu parceiro, em um momento de extrema intimidade, convidando o público a usufruir do instante de epifania de ambos. O significado de amor líquido prossegue na nova história.

    O filme dirigido por Ricardo Pretti reúne uma aura de mistério exacerbada. Iniciada pelo retorno de Marina a sua terra natal, que se deu por motivos misteriosos, com conhecimentos aquém de sua existência. Ao atravessar as areias praianas, a bela mulher ouve urros, sons indecifráveis de criaturas possivelmente sobrenaturais, responsáveis por uma insônia que a assola, que aumenta a angústia de sua vida e a faz se isolar ainda mais.

    A paranoia fomentada por cartas recebidas em casa, com os dizeres “O RIO NOS PERTENCE”, convive  junto a afeição pela filosofia nietzschiana, profetizada pelo professor e estudioso vivido por Jiddu Pinheiro, um antigo amor de Marina. O reencontro entre ambos passa longe de ser tão calmo e resoluto quanto são as aulas do docente, excetuando os olhos atentos dos alunos ávidos por conhecimento. O que sobra são desprezos que visam retribuir  a ignorância ocorrida no pretérito, reflexos de uma parte da vida que o homem preferia esquecer, mas que insistentemente retorna.

    O regresso de Marina traz muitos infortúnios. Indagações da parte da personagem de Mariana Ximenes, que, impossibilitada de movimentar as pernas, anda com ajuda de muletas e faz questão de despejar sobre a protagonista seu azedume, o amargor do desprezo que ela achou sofrer com a partida de sua “igual”. A discussão que Marina tenta impetrar é adulta, diferente da fuga que sua irmã faz. O confronto aos fantasmas do passado é demasiado traumática para a mulher incapacitada, e bastante incômodo à “filha pródiga” que seguiu seus instintos.

    A ideia de remontar e costurar referências aos contos macabros de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft é válida, apesar de não ser inédita em produções brasileiras – em especial o seriado Contos do Edgar –. Mas apesar das belas intenções, o sentido presente no roteiro de Pretti é vago em essência, supervalorizando o suspense e todo o misterioso caráter dele proveniente. Em muitos momentos, o texto soa pretensioso, com as mesmas características negativas do primeiro episódio de Sonia Silk. Utilizando elementos de filmes de terror, no entanto, a obra se faz ligeiramente mais interessante.

    A dubiedade presente na incerteza entre toda a aura maligna ser fruto de uma ação espiritual ou apenas um reflexo de uma depressão ideológica e de sonho da psique frágil de Marina, O Rio Nos Pertence se perde em meio a uma trama que pretende muito e entrega pouco, reeditando a tentativa vã de utilizar um viés erudito. Ainda que a experiência de assistir a O Rio Nos Pertence seja bem menos tediosa do que no filme de Bruno Safadi, falta consistência ao produto final.

  • Crítica | Capitão América (1990)

    Crítica | Capitão América (1990)

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    Sob a tutela do expoente máximo dos estúdios 21st Century Films, Capitão América trouxe à luz uma adaptação das aventuras do herói da bandeira norte-americana, de modo ruim e bastante diferente dos quadrinhos iniciais de Jack Kirby e Joe Simon. O filme de Albert Pyun, começa mostrando uma coalizão científica, unindo a Alemanha nazista e a Itália de Mussolini, que logo trata de raptar um jovenzinho italiano, exímio pianista, que é retirado de seu lar para sofrer um experimento agressivo, que lhe daria capacidades físicas superiores de um homem comum.

    A maldade no entanto é assistida pela cientista Doutora Vaselli (Carla Cassola), que logo foge da ação malvada, lamentando e, claro, fugindo para outras paragens. Sua próxima aparição é nos Estados Unidos, onde produz uma fórmula menos agressiva que auxilia o jovem deficiente Steve Rogers (Matt Salinger). Logo depois de se prover do soro, o personagem torna-se tão forte que sobrevive aos disparos que mataram sua mentora, Dra. Vaselli. Steve então jura vingar sua “amiga” e defender sua pátria em meio a Segunda Guerra Mundial, e, sem qualquer preparo, munido de um uniforme que aparenta ser feito de massa de modelar, corre o território inimigo até encontrar seu arquirrival, o Caveira Vermelha (Scott Paulin), a criança carcamana que sofreu o experimento inicial.

    O facínora amarra o símbolo dos Aliados a um foguete para envergonhar seus rivais, mesmo que o plano esdrúxulo o faça passar por muito mais humilhação, especialmente quando o herói azulado faz o personagem cortar a própria mão em um movimento praticamente impossível. Antes de chegar ao presente, é apresentada mais uma gama de personagens, começando com o jovem filho de um membro do governo em seu quintal, o céu de Washington. Seu nome era Tom Kimball, e por pouco ele não morreu, já que o Capitão conseguiu desviar o foguete que o assassinaria e destruiria a Casa Branca.

    No futuro, Kimball seria interpretado por Ronny Cox como o presidente do país após uma longa jornada, lembrada de maneira tosca pelos informes de jornais, em uma exibição de trajetória exacerbadamente cômica, sempre motivada pela figura que o salvou. A trajetória do político incomoda estranhos membros de um escuso partido que planejam sua morte, até a sugestão louca de Tadzio de Santis, um cientista que planeja raptar o presidente e implantar nele um chip de controle mental.

    Enquanto isso, no Alaska, convenientemente um grupo de escavadores encontra o herói congelado, resgatando as esperanças de Kimball na sua figura exemplar, não duvidando por momento nenhum da inverossímil possibilidade de renascimento. De Santis também percebe, e intui – automaticamente –, que o herói tentará detê-lo, porque atrás de sua desfigurada face se esconde a identidade do vilão dos anos quarenta.

    Após uma perseguição louca de Valentina de Santis (Francesca Neri), a voluptuosa filha do vilão, que lembra todo o arquétipo visual de Talia Al Ghull (o motivo para tal é um mistério, já que o filme é da Marvel), o descongelado e inábil homem é salvo por um aliado do presidente, que o atualiza da situação mundial. O ponto de encontro para a consciência de Steve é na casa de Bernie, sua namorada de adolescência que envelheceu e teve uma filha idêntica a ela, Sharon, interpretada pela mesma Kim Gillingham, uma personagem que seria, a partir dali, sua companheira de aventuras.

    Após raptos de personagens desimportantes, inicia-se uma perseguição frenética que seria detida por qualquer ação mais bem pensada do protagonista, o qual em nada lembra o heroísmo do capitão nos quadrinhos da Marvel. As tomadas contempladas por Pyun são de um humor que se torna ainda mais caricato pelo caráter involuntário: as maquiagens, frases de efeito imbecis e aparições do herói em momentos convenientes, inclusive quando segura a mão do presidente na queda que provoca a morte do governante.

    As lutas entre o herói e os capangas são repletas de metralhadoras, que têm o mágico poder de atingir somente os personagens descartáveis, não trazendo perigo nem ao Capitão América, tampouco ao político, que até consegue ludibriar os emburrecidos bandidos. Ao final, Rogers agradece ao mandatário do país, que em suma age como Bucky, um auxiliar do potente justiceiro.

    Curiosíssimo é como o Capitão tenta vencer o Caveira, relembrando, através de uma gravação antiga, o rapto que sofreu ainda criançae. O vilão contempla o vento, em seu castelo medieval, ao lado de um piano clássico, que se localiza – terrivelmente – em um telhado. É com o escudo – guiado telepaticamente, afinal só isso explica a trajetória  física do armamento – que o prejudicado protagonista vence seu oponente, exibindo o belo modo de defesa estadunidense, pautado em uma arma de defesa tão fajuta e hipócrita quanto o script desta produção de Menahem-Globus.

  • Crítica | Caçadores de Emoção

    Crítica | Caçadores de Emoção

    Caçadores de Emoção - Capa - Blu Ray

    Causa estranhamento no espectador que analisa a fita do primeiro sucesso comercial de Kathryn Bigelow. Sob as fortes ondas da praia da parte costeira da Califórnia, estão as cenas de ação, em um chuvoso stand de tiro do FBI. O espírito de Caçadores de Emoção é resumido ainda nos créditos iniciais, com a apresentação de John Utah, vivido por um Keanu Reeves ainda cru.

    O cenário de eterno veraneio serviria como despiste para os olhos e para a alma de Utah, que, apesar da figura de certinho, não esconde a ambiguidade no olhar e no proceder policial. Sua apresentação ao seu novo parceiro, Angelo Pappas (do canastrão Gary Busey), deveria ser responsável por mais um pé na realidade, o que acaba por tornar-se um agravo na obsessão. O primeiro trabalho dos dois é analisar um bando de assaltantes, homens que, munidos de máscaras de presidentes, assaltam bancos fazendo arruaças barulhentas.

    O excesso de novidade e adrenalina faz Utah gritar e tentar motivar seu parceiro entediado, convencendo-o com argumentos vazios a se aprofundar na procura pela identidade dos “Nixons” e “Reagans”. Logo, os dois tiras percebem que no bando há ao menos um surfista, e John é indicado por seu parceiro a aprender a surfar, quase se afogando em sua primeira tentativa. A câmera debaixo d’água exibe um desespero quase suicida, um clamor de alma em busca de algo que claramente lhe falta. No caso, adrenalina.

    O primeiro contato do tira é com a mulher que o salva, Tyler Ann Endicott (Lori Petty), uma bela moça com antecedentes criminais a quem ele pediria ajuda para surfar, quebrando o gelo com seu óbvio charme, cedendo aos caprichos noventistas de realizar uma montagem musical treinando no esporte. Logo, o namorado da moça reaparece para demonstrar seus ciúmes e ser introduzido na história. Bodhi é um homem vidrado em adrenalina, um Patrick Swayze de cabelos enormes, que somente após um jogo de futebol americano na areia aceita o novo rapaz no grupo.

    Após sofrer duras críticas – a pergunta certa seria: “por que tão tarde?!” – John e Angelo são questionados por resultados, e é neste momento em que a dupla tem a brilhante ideia de coletar fios de cabelos dos surfistas para comparar com os dos assaltantes, e, assim, demarcar se aquela era a praia correta para a investigação. Depois de um imbróglio com outro grupo de surfistas, Johnny é salvo por Bodhi, que a partir daí começa uma intensa relação fraterna com ele, imune às ameaças de amor livre, aos enormes buracos de roteiro e às inúmeras gírias datadas.

    Caçadores de Emoção não tem qualquer semelhança narrativa com outros filmes de desafio e ondas, fora o óbvio visual. O espírito aventuresco tenta associar a vida burlesca ao comum ato de contravenção, onde os limites morais e éticos não são tão claros, mas ligados ao apolíneo. O comportamento de John aos poucos muda, assumindo esse caráter após fracassos em empreitadas policiais, distantes do estilo e do crescimento da subida que faz junto aos surfistas. Seu ethos é tomado por uma grande provação quando ele começa a associar a figura de seus novos amigos aos assaltantes de bancos, mesmo que a semelhança estivesse exposta ao público desde o começo do filme.

    Diante da obrigação empregatícia de pegar os fugitivos, Utah titubeia, se acovarda por não querer ferir o grupo que passou a chamar de família. A partir daí, ele sofre reprimendas e provações dos dois lados distintos que já defendeu. Após uma prova de morte, tem um mirabolante plano de redenção através de um assalto junto com seus novos companheiros. Apesar da justificativa patética, a cena em que todos os planos chegam a ruína se exacerba de emoção, causada por ações completamente irresponsáveis da parte dos que são agentes da lei.

    A tragédia e a confusão unem as almas gêmeas de John e Bodhi numa relação homoafetiva e platônica, que persiste mesmo diante do trabalho do policial e da fria letra da lei. Após brigas, ameaças de morte e prisão, os dois personagens olham um para o outro para somente enxergar o próprio reflexo e a vontade mútua de tornar carnal aquela união. Uma relação semelhante a de Top Gun – Ases Indomáveis, ainda que Caçadores de Emoção seja bem mais sutil. A aura de divertimento quase justifica as enormes falhas do roteiro, especialmente pelas belas cenas de ação e pelo embrião do que viria a ser o cinema de Bigelow.

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  • Crítica | O Uivo da Gaita

    Crítica | O Uivo da Gaita

    O Uivo da Gaita 1

    Primeira parte de uma trilogia de “amor líquido”, O Uivo da Gaita é uma história regida por Bruno Safadi que tem na rotina amorosa a pauta da segurança enquanto unidade familiar. O início, contemplativo, revela belas imagens da costa litorânea carioca, reunindo todos os sentidos possíveis da história de amor. Já na areia, as duas personagens femininas fazem uma descompromissada corrida atrás do vento, sem qualquer sentido ou moral, unicamente seguindo seus instintos.

    Luana e Antônia se entregam ao prazer proibido, maximizado por suas duas belas intérpretes, Leandra Leal e Mariana Ximenes, que fazem produzir cenas tórridas, dignas de qualquer fantasia heterossexual masculina, possantes e potentes, mesmo nos parcos minutos iniciais, para logo depois revelar o presente, momento em que o roteiro pretende montar sua história.

    Abrindo mão de falas que poderiam prever qualquer movimento, o roteiro contempla a “vida real” de Antônia, presa em uma relação comum com Pedro (Jiddu Pinheiro), relacionamento cujo cotidiano pesa mais do que qualquer outro aspecto. Os ecos audíveis das pessoas flagradas em cena só ocorrem aos quinze minutos, com quase um quarto de filme, somente para reforçar a ideia de discussão de relação, ainda que a abordagem entre os antes iguais esteja claramente na curva descendente, às vésperas de acabar.

    É em uma das interações entre Pedro e Antônia que Luana surge, a princípio para “brincar” com eles, dançando em um ritmo louco, levantando possibilidades de poligamia, artifício comum em relações em fase de degradação, mas aos poucos os paradigmas mudam. Os jogos de sedução começam brandos, algo bem diferente do explícito exibido no começo da fita.

    Os ângulos que Safadi escolhe primam pela sensualidade, esbanjando bom gosto especialmente ao analisar as voluptuosas curvas de Leandra Leal e seu poder de alcançar o fetiche das duas partes do casal. A naturalidade dos seus movimentos mostra-se também para a câmera, que causa choro e emoção às duas partes do casal, mas que não consegue passar tal ebriedade ao público, pelo caráter lento da narrativa, ambiciosamente dividida em três longas-metragens.

    Mostrando pessoalidade na confecção de seus heróis, o realizador insere uma desolação de alma no comportamento distinto de Luana, mostrando-a desagradável em sua rotina comum, longe das outras duas personagens. O affair construído causa uma interdependência que se assemelha à sensação abstêmia de quem é obrigado subitamente a deixar de usar uma substância da qual é dependente.

    O desfecho é inconclusivo, referenciando a segunda parte, O Rio Nos Pertence, que explora o mesmo elenco mas em tramas diferentes, tendo em comum o cenário da cidade maravilhosa. Depois das dedicatórias, há uma cena pós crédito que relembra a lentidão narrativa da obra, tornando erudito um texto simples, mas que pouco foge das convenções sofisticas. Apesar das boas imagens, o filme é mais digno de reprimendas do que de aplausos.

  • Crítica | O Conto da Princesa Kaguya

    Crítica | O Conto da Princesa Kaguya

    O Conto da Princesa Kaguya 1

    Concorrente ao Oscar de Melhor Animação, O Conto da Princesa Kaguya é um filme repleto de aquarelas, com cores leves em alto relevo. Se valendo de um conto tradicional, que por sua vez remete aos ritos comuns na nação milenar japonesa, a história mostra uma minúscula criatura em forma de menina, que é encontrada por um chefe de família. Chamada de princesa, toda natureza no entorno se dobra a ela, se condicionando ao seu estado de recém-nascido, como as cortes se dobram ante as necessidades de seus nobres, mas sem o maniqueísmo dos contos ocidentais. A obra não se preocupa em inserir juízo de valor na equação, pela origem e essência humilde de seus personagens adultos.

    O rápido crescimento prossegue surpreendendo positivamente seus pais idosos. A infância, uma fase onde descobertas são feitas, é ainda mais reveladora para a Princesa. A história contada é um mergulho aos clássicos orientais, pontuando os comuns aspectos culturais, mesmo com as reviravoltas do roteiro.

    O intuito dos céus parecia ser outro para a “Pequena Bambu”, longe demais da origem humilde que lhe caia bem, já que seu pai, o cortador de bambu, sempre encontrava ouro e tecidos finos no mesmo lugar onde “encontrou” sua filha. O entender do idoso era de que ela devia ter uma vida de luxo na cidade, distante da aldeia camponesa onde habitava. A sensação é compartilhada pelo infante Sutemaru, que obviamente lamenta a possível perda de sua amiga amada de criancice. A partida ocorre sem delongas, rumo à capital.

    Na cidade, os métodos e modos da família transformam-se: os ruralistas viram cosmopolitas, e o luxo logo atinge a feição da Princesa, que logo se mostra empolgada, só diminuindo o entusiasmo diante do arquétipo de sua treinadora, que lhe ensina os modos da nobreza. Um lembrete do roteiro de que a vida precisa de seus limites, mesmo na riqueza.

    O desenrolar lento da história compensa o crescimento acelerado da Princesa, além de fazer menção às diferenças narrativas presentes no modo de contar histórias do Japão, sem pressas e recorrendo pouco ou nada a fórmulas e clichês piegas. A discussão torna-se ainda mais adulta quando a menina discute os meandros do comportamento da classe real, como a negação ao suor, sorrisos e alegrias. A recusa de simplesmente existir é uma bronca interessante que tenta tirar o peso da supervalorização da formalidade.

    O amadurecimento da Pequena Bambu mostra-se em detalhes, quando ela é apresentada a um ancião rico, que até acha graciosas suas ações típicas da juventude, mas que se encanta de verdade a partir do momento em que ela segue as regras de sua instrutora Lady Sagami, recebendo então a alcunha de Kaguya, que faz menção ao brilho que ela exala. Ao perceber o que a espera, a Princesa se desespera, correndo rumo ao desconhecido, enfrentando de pés descalços os percalços naturais de pedras, madeiras e vias tortuosas, recusando o chamado de sua desventura, retornando a sua casinha, até vê-la ocupada por outra família.

    As marcas de sua infância se perdem. Perceber que tudo mudou é péssima para a nova Kaguya. O ciclo da personagem naquele lugar se fechou, como os ciclos naturais da montanha. Como se tivesse acordado de um sonho, Kaguya se levanta e aceita a sina de se enjaular como o pobre passarinho ao seu lado, deixando-o livre para voar, invejando a liberdade da pequena ave.

    A corrida dos nobres pretendentes em busca da possibilidade de casar com a mulher de fama lendária surge trazendo ainda mais confusão ao pensamento familiar, mas não à infante, que sabe bem que não conseguirá desejar um companheiro sem conhecê-lo. Munida da autoridade, dada a ela somente por sua fama, a pretendida pede prêmios, difíceis de encontrar, para cada um dos homens que se aproximam, para afastar o agouro de ter que decidir seus rumos e futuro.

    Após encontrar seu antigo amigo Futemaru, a Princesa começa a, enfim, ter paz de novo, mesmo vendo o rapaz passando por uma péssima fortuna. Ter noção de que ele estava vivo era um alívio, mas tal condição cairia por terra com o presente que o Príncipe lhe enviou. Sendo o único que respondeu à prenda que lhe foi imposta, o personagem passa por cima do orgulho próprio somente para ver a aura de Kaguya. O altruísmo logo é desbaratado, em mais uma mostra de enorme maturidade do roteiro.

    A moça finalmente toma coragem para enfim recusar os incômodos que se aproximam, tomando para si a virtude de ser a mais adulta da casa, a única capaz de refutar a hipocrisia do casório armado. A raiva pela necessidade de ser obrigada a pertencer a alguém revela a verdadeira origem e natureza da Princesa, que se faz mulher para perceber todas as agruras da vida enquanto ser feminino.

    Após dez anos, a Pequena Bambu retorna às montanhas para se entregar aos seres originários, não sem antes se encontrar com seu amigo Sutemaru, uma década modificado, mas ainda repleto de orgulho e vontade de lutar pelos seus. Kaguya, ou Pequena Bambu, finalmente tem sua jornada concluída, findada como um sopro, um sonho, um breve instante de brilho na existência dos terrenos, presentes em poucos momentos por ser este um mundo indigno de sua permanência. Mesmo com sua superioridade comprovada, a menina não queria se livrar das lembranças terrenas, nem dos defeitos e virtudes da mortalidade, ainda que o aspecto divino fosse inexorável. Ao final, O Conto da Princesa Kaguya é uma ode à mensagem positiva presente no budismo, repleta da sabedoria típica do milenar pensamento oriental.

  • Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Cake 1

    Apontando a desistência da vida como mote para a mudança de postura, o filme de Daniel Barnz mostra um grupo de apoio mútuo formado por mulheres, em sua maioria depressivas, que sofrem dores intensas devido a doenças raras. Juntas, elas lamentam o suicídio de uma das integrantes mais novas, Nina (Anna Kendrick). O ato quase teatral é valorizado através das ações de uma desfigurada Jennifer Aniston, que abre mão de sua intensa beleza para interpretar Claire Simmons, uma mulher desesperançada, que guarda em sua face marcas e sinais de descuido próprio, que em suma representam as muitas feridas que ainda manifestam-se dentro de si.

    Assistida somente por sua serviçal Silvana (Azana Bezerra), Claire não tem qualquer alento em sua rotina. Mesmo os poucos sentimentos passionais a que tem direito são frutos do comércio, com visitas noturnas de um amante que sequer entra pela porta da frente. Do alto de seu desespero sentimental, a protagonista não aparenta dar muito valor à mulher que a ajuda, suprimindo até seus vícios ilícitos. O momento primário em que a heroína, falida e monotônica, demonstra qualquer reação destemperada é quando esta assiste à própria piscina. A despeito de seu ateísmo, a protagonista vê boiando a figura de Nina, trajada de maneira sensual, conversando com ela através do além-túmulo.

    Sem ter certeza se a aparição era fruto de um delírio após o uso das substâncias das quais lançava mão, Claire começa a se interessar pelo dia a dia de Nina, chegando a ponto de dar vazão à agressividade que já era anunciada anteriormente ao ameaçar a organizadora do grupo, pedindo os dados e o endereço da menina que viu. Na antiga casa da moça, ela encontra Roy, interpretado por Sam Worthington, o marido da falecida, o qual permite que a depressiva mulher dê vazão ao seu comportamento tresloucado.

    Toda a compreensão que Claire não achava nas forçadas reuniões, ela passa a achar nas interações com Roy, unidos pela dor, desespero e também por interesses sexuais – que, ao próprio entender destes, significam intenções escusas – de ambas as partes. Trabalhando a culpa pelos atos ainda não praticados, um vê no outro a chance de finalmente se reabilitar, trabalhando os traumas de uma forma que, em algum dia, ambos possam finalmente dar prosseguimento a sua existência.

    O que se vê na segunda metade do filme é uma jornada de combate ao medo, onde a confiança de ambos é posta à prova, envolvendo os seres que dependem deles, como o filho de Nina e Roy, o pequeno Casey  (Evan O’Toole). É bastante curioso observar o quão tacanho é o flerte entre ambos e o quão pesado é o modo de lidar com seus fantasmas. Quando está começando a mostrar alguma melhora, Claire tem um terrível encontro com a figura de Leonard (William H. Macy), que seria o catalisador de sua angústia existencial. O dramático reencontro faz a protagonista ter uma recaída nos seus antigos erros.

    As “visitas” de Nina seguem crescentes, manifestando, entre outros sentimentos, a vontade de suicídio, além do profundo remorso por estar roubando da defunta a possibilidade de uma boa vida, sentimentalmente plena, apesar das dores. O desespero aumenta de tal forma que os espíritos, da delirante mulher e da personagem espectral, quase se encontram.

    A trajetória vista no roteiro de Patrick Tobin é de total reconstrução, de moral e autoestima através de ações espontâneas. Um panorama que não demonstra compadecimento de suas personagens, tampouco aplaca ou suaviza a mensagem para o espectador, ainda que todo o conteúdo se baseie em conceitos do senso comum. O mérito maior certamente está na atuação de Jennifer Aniston, ainda que não seja algo tão digno de nota quanto foi alardeado, especialmente pela proximidade de outra obra em que se destaca o desempenho de Juliane Moore, em Para Sempre Alice. Em Cake – Uma Razão Para Viver, sobressai uma atuação de sua maior estrela  conduzida na monotonia de um espírito único, sem liberdade para nuances.

  • Crítica | Mortdecai: A Arte da Trapaça

    Crítica | Mortdecai: A Arte da Trapaça

    Mortdecai - A Arte da trapaça - capa - poster

    Retomando a parceria com o diretor e roteirista David Koepp, com quem realizou o bom suspense Janela Secreta, adaptado de um conto de Stephen King, Johnny Depp retorna às telas com mais um papel evidenciando sua predileção por personagens bem caracterizados pela estranheza e afetação.

    Mortdecai – A Arte da Trapaça se baseia em uma personagem criada por Kyril Bonfiglioli, um romancista britânico que compôs uma trilogia cômica sobre um anti-herói aristocrata negociador de artes, principalmente no circuito alternativo. Com um proeminente bigode francês, a personagem, ao lado de seu fiel ajudante Jock (Paul Bettany), é considerado um pícaro. Um tipo que representa uma espécie de malandro, um homem que transita na sociedade sobrevivendo como possível dentro ou fora da lei. Normalmente nessas obras, o riso é provocado pelas situações, uma maneira de satirizar o conjunto da sociedade.

    Na trama, o Lord Mortdecai passa por uma crise financeira e aceita a proposta do inspetor Martland (Ewan McGregor) para investigar a morte de uma restauradora de quadros em troca da dívida perdoada. Ao mesmo tempo, tenta manter o investigador longe de sua esposa Johanna (Gwyneth Paltrow), pela qual é apaixonado. O humor focado em uma personagem estranha não é cativante. Afetado em demasia, como se vivesse em um mundo à parte, Mortdecai e o roteiro parecem ambientar-se em dois momentos diferentes. Mesmo que o anacronismo seja proposital para criticar uma visão atrasada da aristocracia britânica, o riso crítico se perde em meio a muitas piadas cênicas e corporais.

    Depp dá prosseguimento a sua má fase na carreira em mais um papel afetado que revela uma repetição dos trejeitos de outros personagens recentes e bizarros, como o capitão Sparrow de Piratas do Caribe e o vampiro de Sombras da Noite. Ainda popular devido a outras caracterizações marcantes, há certo tempo o ator não entrega uma grande interpretação, tanto de sua vertente estranha quanto de um papel mais tradicional, como o cientista do péssimo Transcendence – A Revolução.

    Esteticamente, o filme utiliza recursos de computação gráfica e ângulos diferentes em cenas de transição para promover uma agilidade à farsa. Mas esses procedimentos aumentam o tom bobo e superficial da trama e não são capazes de trazer o timing cômico à história. As piadas estão presentes, mas não trazem a carga de efeito necessária. E o roteiro frágil ajuda a ampliar a sensação de vazio, como uma obra trabalhando um potencial bom personagem, composto sem o cuidado adequado, como se o humor não fosse tão requintado quanto o drama.

  • Crítica | Mais Velozes e Mais Furiosos

    Crítica | Mais Velozes e Mais Furiosos

    Mais Velozes e Mais Furiosos 1

    Do alto de luzes neon, com muito mais cor saturada e blusões desproporcionais à magreza de seu astro Paul Walker, Mais Velozes e Mais Furiosos consegue perder completamente o aspecto visual e a ambientação do filme de Rob Cohen, Velozes e Furiosos. Repleto de super closes nos olhos, o filme já começa dentro de uma corrida, apresentando quase todos os personagens centrais: Ludacris Bridges (Ludacris), a oriental Suki (Devon Aoki), Brian, que não justifica os fatos ocorridos no primeiro filme, e a voluptuosa Monica Fuentes (Eva Mendes), a policial a quem o protagonista se reportaria, ainda não introduzida.

    Depois da corrida encerrada, os que conseguiram finalizá-la certamente comemoram, mostrando uma mediocridade não vista no primeiro episódio. Mais pasteurizado ainda, o conteúdo inconveniente é reprisado neste, até a captura do tira, que deveria mais uma vez realizar uma ação infiltrada em um cartel de drogas de Miami, claramente imitando alguns seriados famosos. Brian O’Connor escolhe então um parceiro condizente com sua paixão por carros, Roman Pierce (Tyrese Gibson), para justificar a química e tensão racial, que jamais se justificam no filme todo.

    As razões que envolvem as ações de O’Connor e Pierce são fracas, seguidas de cenas cômicas mal concebidas, com uma direção pesada e a pecha de alívio cômico de Gibson muito mal encaixada, uma vez que quase nenhuma de suas piadas consegue fazer rir. É curioso como a manobra de aposta do próprio veículo, usada por Brian como fator surpresa, vira rotina em Mais Velozes e Mais Furiosos, e é usada até em outros momentos da franquia. O que antes era uma novidade é brutalmente banalizado, assim como todos os fatores positivos da episódio original.

    Toda a exploração do tema é realizada como nos blaxploitation, desde a palheta de cores até o alto número de negros no elenco principal. John Singleton já havia realizado Baby Boy e Shaft, produções muito mais inspiradas. O tom de completo exagero faz com que o roteiro vazio consiga denegrir até as invenções das câmeras de Singleton, quase sempre artificiais, tentando explorar uma erudição que não combina em nada com o estilo dos filmes.

    Não há qualquer rastro de naturalidade nos personagens. Mesmo as cenas de tortura com ratos são risíveis. A longa duração também é um incômodo, não só por ter quase duas horas de exibição, mas também porque a trama não sustenta sequer um média metragem. As artimanhas de despiste, repletas de piadinhas e acenos para os policiais, fazem acreditar que o filme foi montado para atender a atenção de crianças pré-escolares, o que explicaria a violência sem sangue, as trapalhadas e piadas físicas, além dos cenários e figurinos semelhantes a Bambuluá, além da ausência de mortes, como nos desenhos de G.I. JOE.

    Exceto pela excessiva beleza de Eva Mendes, pouco há de positivo a se mencionar no filme. As cenas em CGI são muito mal feitas, os personagens não têm nem carisma nem profundidade, o vilão não convence em sua malignidade e não há plasticidade nas cenas de corrida. Possivelmente, a mudança de localidade ocorreu para distanciar a franquia do que ocorreu neste filme e sua trilha sonora fraca regada a PitBull – essa amálgama de defeitos faz deste disparado o mais vexatório de uma saga muito criticada.

  • Crítica | Caçador de Recompensas

    Crítica | Caçador de Recompensas

    Caçador de Recompensas - Poster

    Reunindo dois ícones das comédias românticas, Caçador de Recompensas põe frente a frente os personagens Millo Boyd (Gerard Butler), um caçador de recompensas que sempre está às voltas com os agentes da lei oficiais, e sua ex-esposa Nicole Hurly (Jennifer Aniston), uma atraente repórter que misteriosamente seria um dos alvos do primeiro personagem. Os dois surgem numa introdução que não possui nenhuma explicação prévia, já que, após a chamada inicial, a trama volta no tempo em vinte e quatro horas.

    Aos poucos, as diferenças básicas de estilos de vida de Millo e Nicole são notados, tendo em comum entre ambos a total dificuldade em lidar com autoridades, a ausência de pontualidade e a dificuldade de lidar com ordens superiores. Por algum motivo esdrúxulo, Nicole tem de comparecer ao julgamento que discutiria sua pena após a sua prisão, mas não consegue por ir atrás de uma matéria jornalística igualmente desimportante. Uma recompensa é avisada para que ela compareça em juízo, e um mandato é expedido, atendido convenientemente por seu antigo companheiro, que seria pago para encarcerar seu velho amor.

    Todos o entorno serve de pretexto para uma quantidade exorbitante de desencontros, além de uma caça mútua de Millo por sua “amada”, e de Nicole pelo seu desejo maior de se superar enquanto comunicóloga. As subtramas são na verdade um artifício bobo de roteiro para reunir os dois companheiros em volta do mesmo objetivo, que é a sobrevivência mútua, uma vez que o caso que a jornalista analisa tem forte ligação com o crime organizado, pondo em seu encalço o perigoso Earl Mahler, interpretado pelo sumido Peter Greene.

    Entre tantas incursões que visam reunir de volta os personagens que não se suportam, há um sem número de constrangedores momentos, que ao menos não irritam tanto quanto outros filmes adocicados que Butler tanto faz. O pouco uso da cafonice para contar a história do diretor Andy Tennant (de Hitch: O Conselheiro Amoroso) e da roteirista Sara Thorp (do suspense A Marca) consegue apresentar uma trama sem muita profundidade, mas que não é ofensiva para o espectador que não é o público-alvo.

    O final de Caçador de Recompensas guarda algumas cenas de ação bastante malfadadas, cuja orquestra patética faz perguntar o porquê de tanta falta de esmero com a direção. Como era esperado, os amores impossíveis ganham liga, claro, recheando o desfecho de humor, com uma entrega voluntária de ambas as partes. Eles preferem estar juntos, mesmo que todo o entorno e as circunstâncias lutem contra a obviedade do amor entre os protagonistas. É curioso como a cena final mostra Butler conseguindo pôr a cabeça entre o pequeno vão entre as barras prisionais, o que faz se perguntar se ele teria poderes sensoriais, ou se há qualquer preocupação da produção em tornar a cena algo que se enquadre no mundo real, mesmo em se tratando de uma comédia pasteurizada.

  • Crítica | O Biscoito Assassino

    Crítica | O Biscoito Assassino

    Tomando por base a fúria urbana, mostrada através de um perigoso assalto a uma lanchonete, e sem qualquer introdução, O Biscoito Assassino inicia-se com um fugitivo da lei chamado Millard Findlemeyer (do sempre canastrão Gary Busey), que ouve vozes do além, supostamente de sua falecida mãe. O vilão tem em sua mira uma família inteira, mas após assassinar um pai e um filho, ele opta por permitir que Sarah Leigh (Robin Sydney), a moça mais nova, viva, ignorando as ordens de sua mãe, que se comunica mentalmente com ele, como um Norman Bates mal instruído. Claro, sem que isso seja esclarecido jamais.

    O aspecto paupérrimo faz a fita parecer oriunda dos anos 70, mesmo que tenha surgido em 2005. Um entregador de capuz e capa preta deixa uma caixa de papelão, cujo conteúdo é incógnito, e misteriosamente vai parar dentro do estabelecimento, o que mostra que a personagem Sarah está fadada a sofrer. Neste momento, ela surge como uma confeiteira de mão cheia, que seguiu junto a sua “pinguça” mãe Betty Leigh (Margaret Blye) em uma padaria de pequeno porte.

    Nesse ínterim, percebe-se que Findlemeyer foi condenado à cadeira elétrica e, por isso, pereceu. Aliviados, os Leigh podem enfim concentrar-se em seus problemas mais flagrantes, que é o advento de uma megaestrutura, que feriria o público da panificadora, atrapalhando demais o sustento da família. É uma ode ao micro empresariado e uma crítica à globalização, mas feito nos moldes das esquetes cômicas do Chespirito, ainda que a defasagem de O Biscoito Assassino seja de três décadas posteriores.

    O padeiro abre a caixa da discórdia, que contém um saco de farinha deveras suspeitos. Após se cortar, gotas de sangue caem sobre o pó, em uma velocidade reduzida, num esforço do diretor Charles Band em emular um movimento sacro, de origem sobrenatural. Dentro da massa, em meio à batedeira gigante surge uma mão, preconizando o monstro que atacaria as pessoas dentro de muito pouco tempo.

    Após uma série de acontecimentos escabrosos, Sarah faz um biscoito com aquela massa, e a põe dentro do forno – que aliás é grande o suficiente para comportar ao menos dez pessoas. No entanto o patrimônio dos Leigh está bem mal, os amigos de Sarah atentam para isso, insistindo para que ela olhe para uma reforma do local. A moça prontamente diz algo, mostrando estar ciente dessa situação e de tantas outras: “não é só aqui que precisa de reforma, nossas almas também, mamãe voltou a beber”. Por onde passam os personagens, encontram-se garrafas e mais garrafas de Jack Daniels.

    O gestual das atrizes se assemelha muito às peças tipicamente encenadas em teatros de colégio. Todo o rami-rami tipicamente adolescente envolvendo Sarah, Lorna Dean (Alexia Aleman), e Amos (Ryan Locke), namorado da última é absolutamente desprezível e desinteressante. Um raio atinge o forno gigante para dar vida à massa assassina, que começa a atacar os pobres meninos.

    A continuidade do filme inexiste. Não há qualquer compromisso por parte da produção em fazer quaisquer as situações mostradas em tela terem lógica ou sentido. Repentinamente, um biscoito de pão e gengibre ganha vida graças ao raio, à farinha e graças a um roteiro completamente louco e que não explica nenhuma motivação para que essas coisas ocorram. Pior do que isso é quando o tal assassinato, com seu espírito preso ao tal alimento, passa no meio de todos os homens sem ser impedido em momento algum.

    Os personagens entram e saem sem justificativa e morrem do mesmo modo louco com que são apresentados. Mas isso é desimportante, uma vez que Sarah pretende reatar a relação antiga com Amos, eliminando a friendzone existente e deixada em segundo plano há anos. Na prática, ela guardou sua virgindade para um sujeito que não sabe nem ligar um gerador de energia, e que é péssimo de conta, já que sua principal fala é “não erro duas vezes” – frase proferida exatamente após disparar para o ar três tiros.

    Sem qualquer razão aparente, o padeiro Brick Fields (Jonathan Chase) retorna para acabar com Fiflemeyer, mas o ocaso se inverte e ele se torna o assassino de gengibre para logo depois ser assassinado, dentro do forno gigantesco. Impressiona como, apesar da curta duração (60 minutos, fora os créditos enormes de 11 minutos), todo o conteúdo da fita é muitíssimo enfadonho e pouco divertido. No quesito trash, há pouco gore, as atuações são tacanhas, claro (ponto positivo), e nem há tantas mortes. Havia um potencial enorme do filme em dar certo por seu caráter bronco e agreste, mas a obra não se mostrou tão exitosa quanto o esperado, nem em matéria de comicidade involuntária.

  • Crítica | A Caçada ao Outubro Vermelho

    Crítica | A Caçada ao Outubro Vermelho

    Caçada ao Outubro Vermelho - Poster - dvd

    Ao longo de sua duração, a Guerra Fria rendeu histórias maravilhosas, seja sobre eventos reais que ocorreram durante seu período, seja sobre eventos ficcionais inspirados por ela. No ano de 1984, praticamente no fim da guerra, o historiador e novelista Tom Clancy nos apresentou ao livro A Caçada ao Outubro Vermelho, primeiro de uma série protagonizada pelo personagem Jack Ryan. Em 1990, o livro foi adaptado para as telas do cinema com direção de John McTiernan, protagonizado por Alec Baldwin e Sean Connery, e com ótimo elenco coadjuvante.

    A trama do filme nos apresenta Markus Ramius (Connery), lendário comandante soviético que recebe a missão de capitanear o Outubro Vermelho, moderno submarino que possui um sistema revolucionário de propulsão que o torna praticamente invisível para sonares. Porém, Ramius desobedece ordens diretas da marinha soviética, vira o submarino para os Estados Unidos e segue em viagem, fazendo com que todos pensem em um ataque nuclear ao solo estadunidense. Entretanto, o analista Jack Ryan (Alec Baldwin) não crê em um ataque, mas em deserção, o que o faz entrar numa luta contra o tempo para provar sua teoria para seus superiores e à tripulação do navio USS Dallas, embarcação que conseguiu rastrear o submarino soviético e planeja afundá-lo.

    O diretor John McTiernan estava em grande forma na época, principalmente por ter dirigido Duro de Matar, um dos maiores clássicos do cinema de ação. Porém, enquanto seu trabalho anterior primava por sequências eletrizantes de ação, o diretor aqui prioriza a construção de uma sufocante atmosfera de tensão, uma vez que o filme possui uma série de núcleos narrativos onde se passam diversas partes da ação, tais como o submarino Outubro Vermelho, o USS Dallas, a Casa Branca, o outro submarino soviético V.K. Konovalov e ainda Jack Ryan, pois o protagonista passeia por grande parte desses núcleos. Em nenhum momento o diretor deixa o ritmo do filme cair, contando com a ajuda de uma bem orquestrada edição ágil da dupla Dennis Virkler e John Wright. A fotografia de Jan De Bont também ajuda a construir a atmosfera do filme.

    O roteiro da dupla Larry Ferguson e Donald E. Stewart é bem amarrado e interessante. Novamente, é necessário ressaltar a quantidade de núcleos narrativos. Seria muito fácil que o roteiro se perdesse em algum ponto ou que viesse a negligenciar algum dos núcleos, mesmo todos sendo tão importantes e necessários para o desenvolvimento da história, ainda que o foco principal da narrativa seja Jack Ryan e Markus Ramius. Porém, todos têm a sua importância bem delineada no roteiro. Os diálogos dos personagens são bem claros e objetivos, ainda quando vêm carregados de alguma linguagem mais técnica que precise de esclarecimento para o espectador. Nada fica didático demais, ou mesmo gratuito. Talvez o grande problema do roteiro seja a questão do sabotador, que até é abordada pontualmente, mas acaba ganhando uma importância excessiva no final. Por falar em final, a reviravolta que ocorre e se relaciona ao submarino Outubro Vermelho é muito inventiva e crível.

    O elenco do filme esbanja competência. Sean Connery entrega uma excelente interpretação para o comandante Markus Ramius. Sua imponência em cena reflete bem a importância da patente do personagem. Por ser um analista da CIA e não um agente de campo, Alec Baldwin cria um Jack Ryan meio deslocado e vulnerável, e isso acaba sendo uma escolha muita acertada do ator, afinal o personagem não se familiariza com o mundo em que acabou entrando quase que por imposição. Sam Neill interpreta o imediato do Outubro Vermelho e grande amigo do comandante Ramius com bastante competência, assim como Scott Glenn, que interpreta o implacável e inteligente comandante do USS Dallas. As breves aparições de James Earl Jones como o diretor da CIA a quem Jack Ryan é subordinado, e de John Gielgud como um diplomata soviético abrilhantam a fita. E um ainda desconhecido Stellan Skarsgard entrega ótima performance como o alucinado comandante do V.K. Konovalov, ainda que também tenha pouco tempo de cena.

    A Caçada ao Outubro Vermelho é um ótimo exemplar de thriller de espionagem e mostra que nem sempre os filmes do gênero precisam apelar para superespiões e sequências mirabolantes de ação.

  • Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    SH A Voz do Terror 1

    Primeiro dos doze filmes feitos pela Universal com Basil Rathbone e Nigel Bruce fazendo os canônicos personagens de Arthur Conan DoyleSherlock Holmes: A Voz do Terror é regido por John Rawlins (de As Mil e Uma Noites, Dick Tracy em Luta e Dick Tracy Contra o Monstro). A primeira história do detetive se passa em tempos atuais, no ano de 1942, e toca em um assunto relevante, a Segunda Guerra Mundial. Iniciando-se com uma transmissão de rádio de cunho sensacionalista, A Voz do Terror remete a Alemanha do III Reich na tentativa de apavorar o “bravo” povo inglês, anunciando um grande número de atos de guerra com o claro intuito de minar a autoestima dos estrategistas e do povo.

    Após uma reunião da inteligência nacional, a portas fechadas, uma parcela dos presente sugere a inclusão do detetive particular no encontro, ideia que seria prontamente rebatida pela ala mais temerosa. Rathbone encarna um Sherlock mais sério que nos filmes anteriores, menos piadista e mais autocentrado, um sujeito mais experiente, talhado pelo tempo. A escolha da iluminação do figurino junto a fotografia dão à obra uma atmosfera noir inexistente nos episódios da 20th Century Fox, o que faz do filme como um todo bastante pitoresco e competente.

    O trabalho de investigação de Holmes não funciona perfeitamente com o excesso de interferências e relatórios, o que deixa aqueles que eram contra a sua convocação em polvorosa. Sherlock é quase tão onisciente quanto o público, o que prova ainda mais o seu valor como investigador. Pouco depois de comprovar em tela quem teria entregue informações ao inimigo, Holmes chega à conclusão de que alguém trabalhara contra a causa.

    É complicado acreditar que o protótipo do MI6 aceitaria de forma tão condescendente as orientações de um profissional como Holmes, ainda mais após uma tratativa fracassada à primeira vista. Mesmo com toda a superioridade do protagonista em relação aos outros personagens, a explicação do herói mostra que o seu método de dedução não obteve o êxito esperado graças à ação e interferência de seus ditos superiores, tendo que terminar o seu raciocínio discursando aos presentes numa espécie de tribunal improvisado – que de forma profética antevia Nuremberg – desmascarando um agente infiltrado que agiu no alto escalão britânico por longos 24 anos.

    Apesar de inverossímil, e até infantil, a trama é intrigante. Como cinema-resposta aos filmes de propaganda partidária de Joseph Goebbels, na Germânia, a obra contempla uma mensagem positiva de “marcha em frente” contra o vil inimigo nazista, traduzindo-se em um discurso motivador para a Inglaterra e as forças do bem contra o Eixo.

  • Crítica | As Maravilhas

    Crítica | As Maravilhas

    As Maravilhas 1

    O  bucólico mundo da aldeia interiorana de Úmbria é muito bem flagrada pelas câmeras de Alice Rohrwacher. Com o raiar do sol, Gelsomina (Maria Alexandra Lungu) acorda seu pai, Wolfgang (Sam Louwyck), para cuidar da chácara e do serviço de apicultor. Após também despertar suas irmãs, a menina anda pela propriedade, até achar uma movimentação estranha, próxima dos rochedos onde corre uma cachoeira. Em meio ao brilho do sol, ela nota uma figura igualmente iluminada, olhando meramente para cada passo da artista que protagoniza a gravação de um programa de TV. Milly Catena (Monica Belluci) é o resumo de tudo o que Gelsomina e suas irmãs jamais serão, uma cidadã do mundo, livre para viver exatamente o que quer.

    A rigidez da criação que seu pai impõe faz o quarteto de filhas gastar cada minuto nos outros cuidados típicos da fazenda, como o cultivo de leguminosas, flores e frutos. O comportamento assemelha-se demais a um regime escravo, remetendo ao conceitos do clássico dos irmãos Taviani, Pai Patrão, no qual a figura patriarcal é dona de qualquer direito e esforço de seus rebentos, utilizando-se deles ao seu bel prazer.

    A proximidade entre as locações das gravações e o sítio faz a menina protagonista enxergar no show um oásis, uma ilha paradisíaca se comparada à morada desértica em que vive, concentrando no local possivelmente a única fonte de tranquilidade, alento e alívio de sua árdua existência. No entanto, o roteiro faz questão de mostrar todo o esforço que Wolfgang faz para manter as contas em dia e a rotina de sua família em ordem, assemelhando demais à estrutura familiar e a opressão entre pai e filho do recente Árvore da Vida, mostrando que a a rigidez de caráter não esconde a preocupação entre os iguais.

    É curioso notar toda a contemplação presente na película, com cortes secos que resultam em imediatos entreveros e conflitos existenciais, seguidos de qualquer introdução mínima, como se aspectos tão distintos tivessem habitação harmônica dentro do universo contido na ilha/aldeia, algo previsto na calmaria do trabalho braçal, seguindo o tratamento aos insetos capazes de matar um homem adulto.

    As semelhanças narrativas com o recente fenômeno pernambucano O Som ao Redor são muitas, especialmente por flagrar o ócio e observar a falta de movimentação da rotina, ainda que o escopo de As Maravilhas não esteja voltado para o urbano, e sim para o cidadão interiorano. Em determinados momentos, a obra serve de entretenimento ao cidadão cosmopolita, um motivo de deboche e riso, semelhante à chacota feita com arquétipos como os de Jeca Tatu de Monteiro Lobato.

    A exibição dos herdeiros de Wolfgang tenta compensar a vergonha do homem em estar no palco, mas o número perigoso, envolvendo as abelhas que provêm o sustento do clãs, não serve para nada, além de fomentar o quão grotescas e pitorescas são as pessoas que habitam o picadeiro, diante dos olhos dos civilizados espectadores. O final da fita remete à mesma escuridão presente no começo do filme, que antes anunciava a chegada dos integrantes do programa e que no fim despede as pessoas da aldeia daquela rotina com potencial de glamourização. Mesmo sem o brilho dos holofotes e sem as condições mínimas de conforto, é possível desejar a felicidade encontrada no alento por dias melhores, ao mesmo tempo não descarta a desesperança como modo de vida.

  • Crítica | Pecados do Meu Pai

    Crítica | Pecados do Meu Pai

    Pecados do Meu Pai 1

    Documentário confessional, Pecados de Mi Padre inicia-se na análise da efervescente cena política colombiana, mostrando um país violento, com queimas de carros e revoltas populares em pleno asfalto, eventos que ajudaram a cercear algumas vidas do panorama nacional. É nesse cenário que será explorada a história de Pablo Escobar, narrada por seu filho, radicado na Argentina, e que até o nome mudou, de Juan Pablo para Sebastian Marroquin, factoide utilizado para livrar-se de maiores ligações da controversa figura paterna.

    Chega a ser curioso que a justificativa das ações do conhecido negociador de drogas seja feita pela pessoa que refutou o próprio nome, renunciando ao sangue que, para muitos, era maldito. Sem ignorar todo o poder que Escobar tinha do tráfico de cocaína, sendo ele um barão da mundial da droga, o documentário de Nicolas Entel mostra uma faceta normalmente ignorada pela opinião pública norte-americana. Relacionada a ambições políticas, a figura compreendia ações filantrópicas, com construções de casas populares e até mesmo o subsídio a populações mais pobres, além de sua enorme vontade de participar diretamente do pleito eleitoral, apoiando candidatos que lhe eram caros.

    A extrema agressividade de Pablo com seus adversários é muito bem escrutinada, com cenas de arquivos visuais da época, mostrando o carro, onde ocorreria um dos assassinatos, ainda repleto de sangue do vitimado, e uma entrevista com parentes de alguns dos mortos. Mortes encomendadas pelo chefe do cartel.

    O crime que causou a maior cisão entre Escobar e a opinião pública civil foi o assassinato do candidato à presidência Luis Carlos Galán, que era uma das esperanças do início de um processo de limpeza moral. A partir daí, o antigo ativista passou a ser visto como terroristame inimigo número um do país latino, perseguido por cada um dos membros normativos da sociedade colombiana. O estilo de vida esbanjador prosseguiu vivo mesmo com o criminoso encarcerado.

    Quase tão assustadora quanto a volúpia por sangue e violência presente no comportamento do “facínora”, foi a resposta da população com os remanescentes da família Escobar, logo após o falecimento de seu patriarca, sendo cada um deles caçado como se tivesse culpa dos atos de seu pai. Curiosamente, o principal aliado dos parentes, especialmente de Marroquin, foi exatamente o filho de Galán, Rodrigo Lara, eleito senador e configurando-se em um voraz defensor da legalização das drogas em território nacional.

    Pecados do Meu Pai dá voz a uma parcela importante da história da civilização moderna da Colômbia, sem fazer concessões ao principal personagem biografado, mas também fugindo de qualquer possibilidade de maniqueísmo, apresentando um panorama político e social ainda bastante presente, e em nada aplacado pelo brutal assassinato do personagem focado pela lente e estudo da película de Entel.

  • Crítica | Não Olhe Para Trás

    Crítica | Não Olhe Para Trás

    Não Olhe Para Trás 1

    Estreando na cadeira de direção, após um longo currículo como roteirista, Dan Folgerton realiza seu filme como uma peça de redenção, baseada em uma figura supostamente real que remeteria aos longevos musicistas sexagenários que tiveram seu auge nos anos sessenta e setenta. Danny Collins – ou Não Olhe Para Trás (principal música do astro de rock biografado) – inicia-se com um jovem Eric Michael Roy para mostrar o personagem-título ainda cru, comentando sua influência enquanto compositor através de John Lennon. Ainda assim, uma figura estranha, uma vez que todos os discos espalhados pelo filme usam as imagens do acervo fotográfico de Al Pacino.

    As próximas cenas mostram a entrada de Collins em uma palco, toscamente abrindo uma porta que o leva diretamente ao centro – cena esta que seria pervertida no futuro –, exibindo um homem preguiçoso e acomodado pela eterna questão de ser rico, famoso e de ter o mundo aos seus pés. O uso abusivo de drogas ajuda a montar um arquétipo de bad boy geriátrico, repleto de whiskey e cocaína, enquadrando o idoso interpretado por Pacino como um homem cujos luxos e desilusões o dominam.

    O quadro de tranquilidade muda quando seu único amigo remanescente, e empresário, Frank Grubman (de um subaproveitado Christopher Plummer), lhe entrega um presente, uma carta que John Lennon lhe escreveu em 1971 sobre a entrevista que ele deu a revista Chime In, presa com o então editor, para que pudesse barganhá-la por muito dinheiro. O entrevistador faleceu, e a mensagem foi parar nas mãos de um colecionador, até ser comprada pelo manager, que tinha em mãos algo semelhante a uma garrafa perdida ao mar.

    A postura visual de Danny muda, quando, em sua cama, se permite ser ele mesmo, de óculos espessos e grande armação, que pretensamente o fariam ler melhor a carta, livre de qualquer aparência pré-fabricada do ser extremamente sexual que precisava pintar no passado, e que na vida idosa já não fazia quase efeito nenhum. O texto da carta envolvia a superação de qualquer condição monetária ante o ofício artístico da composição. Envergonhado, em frente a um outdoor com a sua imagem anunciando o volume três de uma coleção de Greatest Hits, o sujeito decide abandonar as drogas e rumar a Nova Jersey para escrever novas canções e uma nova história.

    Em um hotel modesto, Danny se interessa visualmente pela gerente Mary Sinclair (Annete Benning), que não chega perto das beldades com quem costuma transar, interesse este certamente ligado ao fato de perceber estar envelhecendo. A realidade, em uma análise frívola, revela somente uma crise de meia-idade. A busca por elementos diferentes faz com que encontre pessoas que deveriam ser de sua rotina, mas nunca foram.

    O cantor visita então seu filho perdido, encontrando sua nora Samantha (Jennifer Garner), grávida de seis meses, além da brava e linda Hope (Giselle Eisenberg), sua neta que sofre do transtorno de déficit de atenção. Ao encontrar Tom (Bobby Cannavale), ele é rejeitado, tendo enfim a retribuição por décadas de ignorância.

    Não Olhe Para Trás relaciona-se a Mesmo Se Nada Der Certo, mas em versão madura, tendo muitos dos elementos do roteiro de Última Viagem a Vegas. No entanto, falta o carisma dos filmes citados, e claro, o ponto alto do escritor em Amor a Toda Prova. Depois de compor apenas um pedaço de uma futura música, Danny decide ajudar sua neta a despeito do desprezo de Tom, começando uma miniaventura nessa jornada de reconstrução.

    O caso se agrava com a descoberta de que seu filho tem uma doença, o que acumula ainda mais a barra de clichês, um traço comum entre as gerações – que inclui também o roteiro –: a petulância. Em um dos poucos movimentos inesperados, Danny decide montar um modesta apresentação final, que até começa promissora na entrada do músico por uma porta de saída. Porém, logo a aura é quebrada com o retorno do showman e sua música tema, exibindo os ecos de uma carreira viciada que se importa com o público caquético que o acompanha, mas não o suficiente para o cantor sair de sua zona de conforto.

    Apesar do belo elenco de apoio, há poucas luzes da ribalta, mesmo para o redescoberto Al Pacino. A mensagem final é de que a natureza humana não muda, mas os préstimos de atenção e carinho podem ser presentes, mesmo na rotina de um velho homem, algo já foi visto em praticamente toda a filmografia do roteirista/diretor, mas sem a mesma inspiração das obras anteriores.

  • Crítica | Frank

    Crítica | Frank

    Frank - Poster

    O romance O Homem Que Encarava Cabras, de Jon Ronson, demonstrava o gosto do autor pelo bizarro como vertente narrativa de suas histórias. Mais do que apreço a um estilo de escrita, Ronson viveu momentos peculiares ao ser integrante de uma banda que tinha como líder um homem com uma cabeça de papel machê. Com base nos escritos do próprio autor sobre este período, ao lado do roteirista Peter Straughan (O Espião Que Sabia Demais), o diretor Lenny Abrahamson lança este estranho filme de humor negro sobre a criatividade na arte.

    A história de Frank (Michael Fassbender) se baseia no alterego de Chris Sievey, um comediante britânico de meados de 70, criador deste personagem que aparecia em programas televisivos com a cabeça de papel machê e pelo qual conquistou aura cult ao realizar uma turnê com um show cômico que se dividia entre stand-up e performances musicais. Como diversos produtos artísticos baseados em fatos reais, o filme modificou a estrutura da personagem, transformando-a em um símbolo do bizarro, desassociando-a da biografia de Sievey, como se ganhasse vida própria.

    O narrador da história é Jon Burroughs (Domhnall Gleeson), um músico-compositor à procura de seu estilo próprio. Caminhando pela ruas da cidade, observa a população com esperança de encontrar a fagulha para compor um grande hit de sucesso. Em seu ponto de vista, a inspiração vinha de atos mundanos, e ele, diariamente, trabalha neste exercício de observação. A oportunidade de participar de uma banda surge literalmente à sua frente ao presenciar a tentativa de suicídio do tecladista da banda The Soronprfbs, oferecendo-se para o posto vago enquanto o tecladista oficial está em observação e repouso em um hospital.

    O líder da banda, Frank, é um homem com um passado desconhecido que se esconde dentro de uma grande cabeça feita de papel machê. Com documentos que lhe dão autorização legal para usá-la, a personagem se sente desconfortável com rostos humanos e escolhe uma aparência fixa – uma máscara que não retira nem mesmo ao tomar banho – para ser observado pelo mundo. O jovem tecladista sofre um breve estranhamento diante deste homem diferente, mas reconhece que por baixo da cabeça falsa, existe um artista verdadeiro e muito inspirado.

    Frank representa o artista extremamente excêntrico que acredita na música como fruição vinda de qualquer local. Sua banda é intencionalmente alternativa, produzindo um som próximo do noise rock com distorções exageradas, e um teremim que dá maior intensidade caótica à melodia. Nos vocais, as letras beiram o non sense, com frases poéticas misturadas a descrições e palavras não usuais da língua. É sua liderança que guia a banda e promove verdadeiros rituais de composição musical.

    Enquanto a banda permanece em local isolado para gravar um novo disco, o músico produz um diário eletrônico sobre o dia a dia com os colegas, e publica diversas gravações dos ensaios e dos malucos rituais de liberação inspiracional. Consequentemente, a banda e Frank se tornam populares na rede e são convidados a participar de um festival nos Estados Unidos.

    Se Frank apresenta o que há de mais estranho em uma personalidade, Burroughs deseja levar a banda a um novo patamar pop com canções acessíveis que lhe trariam um sucesso maior. Uma mudança estrutural suficiente para gerar atrito entre a equipe que considera o som experimental o ápice da musicalidade. Os problemas internos são frutos de objetivos diferentes de cada um, e Frank aceita as mudanças por conta da simpatia que tem pelo novo tecladista. De maneira passiva, o líder de cabeça de papel machê vai cedendo aos desejos musicais do garoto e vendo a banda implodir lentamente.

    O bizarro é tratado com naturalidade pelas personagens, mas causa estranhamento no público. Mesmo baseando-se parcialmente em uma história real, é a diferença extrema entre a costumeira realidade que nos faz refletir sobre a mensagem da obra. Um diálogo que usa o estranho como meio de demonstrar a impossibilidade de definir o que é o artístico, já que não há códigos de conduta ou vestimenta que automaticamente produzam bons artistas. A figura de Frank é carregada de um mistério que o público deseja descobrir para compreender suas motivações.

    O estranho se revela com maior fragilidade do que se pressupõe inicialmente. Aumenta a ambiguidade da personalidade forte enquanto usa a máscara, mas delicada quando humana. Uma história que transita em extremos para se revelar mais sutil do que parece e, pelo exagero cênico, ser capaz de se diferenciar de tantas outras obras recentes que se articulam sob a arte e a composição artística.