Categoria: Cinema

  • O Cinema em 1914

    Ele ainda não era arte – não aos olhos de quem o assistia, e o via não mais do que mero divertimento, fadado ao limiar do tempo. O Cinema não ganhava C maiúsculo e não era levado a sério em 1914, mas já tinha arrumado a mala e se posto na estrada para ser. Griffith e DeMille ainda engatinhavam, com Chaplin mamando sedento no seio de todo o experimentalismo que marcaria a ascensão além-mar da sétima das expressões, tecnológica e grande enquanto teatro filmado no começo do século XX, mas sob a confiança daqueles que floresceram aos lados de uma câmera de filmar. Eis a memória reunida do que de melhor foi captado há um século.

    Figuras de Cera
    Figuras de Cera, de Maurice Tourneur

    Primário e interessante exercício das dimensões de uma câmera, do ofício de suspense através do ângulo de uma imagem, e da importância do cenário e do uso da trilha sonora no produto final.

    Corrida de Automóveis
    Corrida de Automóveis para Meninos, de Henry Lehrman

    Primeiro curta-metragem com Charles Chaplin, onde nos foi apresentada a figura de Carlitos. Despretensiosa e bem-humorada introdução ao símbolo do mito.

    The Perils of Pauline
    The Perils of Pauline*, de Louis Gasnier e Donald MacKenzie

    O filme que eternizou a cena da donzela presa nos trilhos do trem, como metáfora implícita de todo o machismo que permeia o filme como tema que move a história, aqui mascarado de ambição. Aula de como equilibrar drama e comédia em uma trama de reviravoltas constantes, numa escola clássica de Cinema.

    In the land of the Head Hunters
    In the Land of the Head Hunters*, de Edward S. Curtis

    Teste de elenco incluso numa narrativa empolgante de gêneros paralelos (drama, comédia e aventura), que através da direção de Curtis já tentava provar o potencial da montagem cinematográfica. É Cinema cada vez menos como teatro filmado ao ar livre.

    Photo-Drama of Creation
    Photo-Drama of Creation, de Charles T. Russell

    Documentário (literalmente) primitivo de temática religiosa e evolucionista, e principalmente transgressora, devido a enorme iniciativa de uma produção de mais de 400 minutos, acerca da criação da vida no planeta Terra. Conhecido como o primeiro documentário a incorporar som sincronizado a um slide colorido de imagens históricas, biblicamente ou não.

    Judith de Betúlia
    Judith de Betúlia, de D.W. Griffith

    Filmado em 1913, mas tendo sua estreia um ano depois, por motivos de pós-produção, provavelmente, foi um dos ensaios profissionais do lendário Griffith para realizar sua maior contribuição ao cinema, em 1915, O Nascimento de uma Nação. Já é possível atestar em Judith, contudo, a visão técnica que vira arte nas mãos do diretor, mesmo pontuada pela emoção e leveza de uma história de amor à moda antiga.

    Amor de Índio
    Amor de Índio, de Oscar Apfel e Cecil B. DeMille

    O primeiro projeto do diretor de Os Dez Mandamentos no cinemão, e exemplo de um dos primeiros faroestes da América, numa conflituosa história política, e também pelo choque da cultura britânica com a americana, com uma pitada de romance, talvez apenas para satisfazer o inocente e impressionável público da época. A montagem de B. DeMille em Amor de Índio, característica do ponto de vista dos personagens, foi extremamente copiada e aprimorada ao longo do tempo.

    Carregadores de Piano
    Carregadores de Piano, de Charles Chaplin

    A falta de responsabilidade lógica na narrativa e na história, e as “proezas” de Chaplin e elenco, remetem de forma notória à Meliès, cineasta francês já reconhecido nos Estados Unidos. Divertidíssimo!

    Cabíria
    Cabíria, de Giovanni Pastrone

    O primeiro épico do cinema e o mais famoso filme de 1914, a obra de Pastrone segue, cem anos depois, como uma das mais inacreditáveis estilizações e reproduções de uma realidade babilônica em larga escala para um filme, com a liberdade criativa de desconstruir as palavras do roteiro e se apropriar do poder lúdico e expansivo da imagem em movimento, em prol de uma inédita mitologia de um mundo novo, nada menos que admirável. Para os moderninhos compreenderem tamanho impacto artístico, Cabíria foi O Senhor dos Anéis de 1914, ainda que incomparável, é claro, em diversos fatores.

    O Paladino da Vitória
    O Paladino da Vitória, de Cecil B. DeMille

    No mesmo ano de Amor de Índio, é notável a naturalidade, o criticismo, a sagacidade e a elegância das duas direções iniciais de B. DeMille, agora com o estilo do diretor começando a emergir, ainda em processo de conduta estética e narrativa. O filme tem muito mais tensão e interesse derivado da continuidade dos planos e sequências, criando uma história nada frágil e segura de si, com várias referências de Griffith para ajudar a criar as facetas da natureza do faroeste norte-americano, muito antes de John Ford virar sinônimo do gênero e um dos inúmeros discípulos dessas criações esquecidas, ou quase esquecidas, do caldo primordial do Cinema.

  • Crítica | Barra 68: Sem Perder a Ternura

    Crítica | Barra 68: Sem Perder a Ternura

    Visando resgatar o ideal do cineasta Darcy Ribeiro, que tencionava formar em seu público um ideário mais crítico que o censo comum, com a fundação da Universidade de Brasília, mas que teve seu trabalho interrompido no ano de 1964, graças ao apogeu da Ditadura Militar no Brasil, Barra 68 conta um pouco sobre esses dias tão temerosos.

    A escolha do subtítulo, executada por seu diretor, Vladimir Carvalho, visa ironizar através da máxima guevarista o que ocorreu naqueles anos de chumbo, como se o dizer do lema fosse também um grito revoltoso, pelas ações holocáusticas que os docentes e funcionários da instituição de ensino sofreram com o Regime. Logo nos primeiros depoimentos do documentário, se traça como funcionava a formação do panorama cultural da capital do país, quase toda proveniente do ideário carioca, mas que aos poucos formava a sua própria identidade.

    Não demora muito para o foco ir para o viés combativo, onde alguns professores da época contam como foi uma invasão a universidade, sem qualquer aviso prévio e com uma truculência típica de uma guerra. A procura era por professores que supostamente passavam o ideal comunista aos alunos, numa mostra de como funcionava o pensamento paranoico dos militares que acabaram de assumir o poder, em 1964.

    É curioso como se fala a respeito de alguns membros das fileiras dos alistados, que declaravam a plenos pulmões que, se fosse aquela uma revolução socialista, eles estariam ao lado do governo, exemplificando que nem todos estavam lá pela ideologia, e sim porque era conveniente. No entanto, medidas por parte da direção da faculdade tiveram que ser realizadas, com demissões em massa. A UNB sofria com a pressão dos que estavam no poder.

    Os que restaram dentro da faculdade sofreram ações de conflitos, como as mostradas em filmes de guerra, cujas imagens executadas por estudantes foram resgatadas e reunidas no acervo do filme. Ex-alunos e professores veteranos contam o terror que sofreram ao longo daqueles anos enquanto a invasão acontecia dentro da faculdade, reportando ações dos repressores e de simpatizantes civis.

    O revanchismo entre os repressores e Darcy era tão grande e de cunho tão pessoal que alguns órgãos de imprensa, pressionados pelo governo, não citavam mais qualquer nota a respeito da universidade, visando jogá-la na vala do esquecimento, tornando-a irrelevante culturalmente. As dores da perseguição tocaram o emocional de todos os envolvidos, que têm em seu final, uma justa homenagem, dada a Ribeiro em 1995, quando já estava perto de falecer, onde o próprio discursa belamente, dizendo que quase chorara ao ouvir o hino nacional naquelas dependências, um lugar tão sofrido e que guarda uma parcela considerável da história do país. Vladimir Carvalho exibe mais um belo retrato de sua amada Brasília, narrando um conto agridoce, que varia entre o choro pelas perdas na luta e o orgulho de ter travado um bom combate.

  • Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 3

    Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 3

    Jason Voorhees é, indiscutivelmente, um dos personagens mais queridos dos filmes de terror. Entretanto, o motivo para isso pode ser um tanto difícil de entender. Se for comparado a outros ícones do horror moderno, como o diabólico Freddy Krueger ou o assustadoramente divertido Chucky, Jason é, na verdade, meio bobo. Não é sutil, não é inteligente, não é sarcástico, nem mesmo diabólico. Então, por que será que ele é tão assustador? Talvez as pistas para entendermos o medo e admiração que sentimos pelo personagem está na segunda sequência de sua franquia, Sexta-feira 13 – Parte 3.

    O filme, lançado em 1982, foi marcado por ser o primeiro em 3D da Paramount Pictures em quase trinta anos. De certa forma, o 3D alavancou a bilheteria do filme na época, inclusive derrubando o lugar de E.T. – O Extra-terrestre no fim de semana de estreia. Assistindo a ele, hoje, em home video, percebemos como esse 3D era gritante e às vezes sem sentido. Muitas coisas apontadas para a câmera – que vão desde um taco de beisebol até um globo ocular, passando por um baseado e um ioiô – com o simples intuito de impressionar o espectador, não acrescentam em nada à trama ou ao modo de contar a história. Ainda assim, parece mais honesto do que a maioria dos filmes picaretas convertidos ao 3D que vemos hoje em dia.

    A história começa no dia seguinte ao último filme, o que faz com que, tecnicamente, seja um “sábado 14”. Jason sobrevive e ataca uma loja local, ganhando novas roupas. Depois, somos apresentados a um novo grupo de jovens que estão à procura de diversão e vão passar uns dias no campo. Tal qual o filme anterior, todos são perseguidos e mortos por Jason, restando apenas uma garota ao final do filme (Chris Higgins, interpretada por Dana Kimmell). O que difere dos dois filmes anteriores é a forma mais elaborada com que as mortes são retratadas. Um dos rapazes é cortado ao meio enquanto andava “plantando bananeira”, em uma das cenas mais bizarras da película. Em outra cena, um rapaz tem a cabeça esmagada até os olhos saltarem das órbitas – embora hoje seja possível notar a cabeça falsa e o cabo que puxa os olhos, na época deve ter rendido um bom susto pra quem a assistiu em 3D.

    Entre as diferenças em relação ao filme anterior está a música de abertura, agora com uma pegada eletrônica para parecer mais moderna. Além disso, há a presença de uma gangue de motoqueiros punks, o que deixa o filme ainda mais datado. Mas o grande diferencial mesmo é a adoção da máscara de hóquei pelo assassino Jason – até então, ele usava um saco de pano na cabeça. Um dos rapazes é um loser estereotipado, infeliz com sua aparência e rejeitado pelos seus colegas, que extravasa seus sentimentos pregando peças nas pessoas ao seu redor. Em uma dessas “pegadinhas”, ele aparece usando a famosa máscara de hóquei, que Jason passa a utilizar depois de matá-lo. Não existe nenhuma explicação para isso, Jason apenas passa a usar a máscara e pronto!

    O duelo final acontece no celeiro, onde Jason é enforcado, mas sobrevive para ser morto, logo depois, com um golpe de machado na cabeça desferido por Chris. Realmente, essa é uma das cenas mais tensas e o clímax do filme. Ao final, tal qual a sobrevivente do primeiro filme, Chris foge de barco pelo lago e dorme até o amanhecer. Ao acordar, ela vê o assassino sem a máscara correndo em direção ao lago para atacá-la, quando do nada surge das águas… a mãe de Jason! Esta parte do filme é bastante confusa, pois logo em seguida vemos Chris com os policiais, o corpo de Jason no celeiro, ainda com a máscara e o machado na cabeça, deixando claro que foi uma alucinação. Mas então por que usar a mãe de Jason nessa cena se ela não apareceu durante o filme? E sua cabeça não estava separada do corpo no filme anterior? Seria essa cena apenas uma homenagem ao filme original? Não ficou claro o propósito, e o filme termina assim mesmo.

    Sexta-feira 13 – parte 3 é melhor que seus dois antecessores. O filme consegue criar bons momentos de tensão, nos dá personagens com quem podemos facilmente nos importar e é a gênese da máscara de hóquei mais famosa do mundo. Mas seu maior mérito talvez seja responder à pergunta do começo deste texto. Jason é assustador não por alguma qualidade marcante, mas por ser a encarnação da morte. Cada aparição do personagem, cada close-up na máscara, cada take de câmera em que ele aparece nos dá a certeza de que alguém vai morrer. Jason, neste filme, ainda não é um zumbi extremamente poderoso tal qual se tornou nos últimos filmes da franquia. Sua aparência é mais humana e não menos perturbadora. Um psicopata, uma criança fragilizada em um corpo de adulto, um assassino frio e sanguinário. Não há propósito algum em seus atos, e é isso que dá medo.

  • Crítica | Virada no Jogo

    Crítica | Virada no Jogo

    Após dois mandatos consecutivos, o presidente americano George W. Bush deixava a Casa Branca com um espantoso nível de rejeição. Uma porcentagem, divulgada em uma pesquisa da CNN, suficientemente alta para torná-lo o presidente mais impopular desde Nixon no caso Watergate. Na eleição presidencial de 2008, o Partido Republicano tinha dois objetivos na composição de sua campanha: a primeira era vencer o democrata Barack Obama, o senador americano considerado ponto de mudança na política mundial. Para isso, o candidato John McCain precisava demonstrar ao seu eleitor que, apesar de oito anos de governo Bush, o partido ainda era forte o suficiente para continuar na presidência do país e conduzir os Estados Unidos da América de maneira diferente daquela realizada pelo antecessor.

    Baseado no livro de John Heilemann e Mark Halperin, com roteiro de Danny Strong (O Mordomo da Casa Branca) e dirigido por Jay Roach (Os Candidatos), Virada no Jogo, lançado pela HBO, apresenta a versão republicana das eleições e a composição da chapa de McCain. (Considerando que toda história baseia-se em uma verdade parcial, além do universo político ser carregado de interpretações variadas, a análise seguinte enfocará o conteúdo apresentado por esta produção, sem um amparo maior no contexto americano e em especialistas políticos).

    Roach já realizou outra produção política para o canal: Recontagem, que analisa a eleição de 2000, em cuja contagem de votos elegia Al Gore mas fez George Bush o 43º presidente do país. Virada no Jogo é mais uma narrativa centrada em acontecimentos contemporâneos da política americana. Ed Harris personaliza o candidato republicado à procura de uma chapa forte o suficiente para derrotar Obama. Diante das poucas opções para vice-presidente, a equipe escolhe um caminho inédito e incômodo para a ala mais conservadora ao colocar Sarah Palin (Julliane Moore), governadora do Alaska, como representante.

    Entre partidos, havia um jogo silencioso de intenções. Se os Republicanos confiavam em um presidente que ganhava status de celebridade e promovia um novo contato com o público jovem, o partido opositor escolheu um representante que também apresentava novidade ao eleitorado e, neste caso, a escolha de Palin demonstrava a importância de um estado normalmente diminuto ou ignorado e evidenciava uma disposição partidária nova, a de escolher uma mulher como vice-presidente. Um embate oculto e absurdo que, silenciosamente, fazia da raça e do gênero, aliados.

    A princípio Palin demonstra coerência com os objetivos de McCain, porém, aos poucos, demonstra uma alienação disfuncional para um candidato desse porte, destacando-se na mídia não como ponto de mudança, mas sim por entrevistas e depoimentos inusitados, tornando-se constantemente alvo de deboche. A atriz Tina Fey, no programa Saturday Night Live, compôs uma das paródia mais elogiadas, em parte pela semelhança física de ambas. Uma representação que resumia de maneira exagerada um pensamento interno do partido: Palin poderia ser suficientemente boa para o Alaska, mas não possuía apelo nacional. Incapazes de retroceder e nomear outro líder, a governadora é dominada como pode, sendo vista com respostas decoradas e um discurso preestabelecido.

    A produção analisa a incoerência dentro do sistema político e o quanto é difícil unir políticos com visões díspares para representar os mesmo interesses. Palin reconhece os conflitos que surgiam, mas parece negar sua incapacidade. Impõe seu estilo em diversos momentos, causando desconforto no partido. Como mérito de uma história biografada, a composição física das personagens estabelece a credibilidade das cenas. Harris e a sempre talentosa Julianne Moore estão caracterizados com esmero. Além da maquiagem e figurino que os deixaram idênticos aos candidatos, a atriz compõe uma governadora que demonstra uma força interior destruída aos poucos, questionando a própria credibilidade como representante político.

    A obra é considerada fiel aos acontecimentos factuais. Porém, gerou discussão quanto à veracidade dos fatos, tanto da própria Palin quanto de militantes que apontam incongruências e mentiras nesta produção. Mesmo considerando uma possível parcialidade dos fatos, a trama demonstra a delicadeza do agressivo jogo político e do necessário alinhamento interno de um partido para selecionar seus representantes.

  • Crítica | Sex Tape: Perdido Na Nuvem

    Crítica | Sex Tape: Perdido Na Nuvem

    Utilizando o nome original no mercado brasileiro, dada a universalidade do termo, Sex Tape – com o ótimo e autoexplicativo complemento Perdido na Nuvem – toma por base uma narrativa engraçada para argumentar a respeito das interações inerentes a vida de um casal, que tem na rotina o principal motivo para perder o alto nível de estreiteza na relação, distante demais do que ocorria no começo do affair.

    O filme funciona fundamentalmente por sua dupla de protagonistas, que já de início consegue expressar uma química muito intensa, sem qualquer necessidade de preâmbulo dada a qualidade da comunicação e diálogo corporal entre eles. A paixão de Jay (Jason Segel) e Annie (Cameron Diaz) é notória e inegável, até nos momentos em que é mostrado o casamento com os dois filhos dos dois, onde a líbido de ambos é pautada segundo as brechas que os pequenos dão a eles, e ás vezes, nem isto.

    A dificuldade em recuperar a espontaneidade na cama faz o carismático casal se embrenhar em táticas das mais loucas para conseguir algo tão simples quanto o gozo. O momento em que Annie tem a epifania relativa, ocorrida após ingerir um bocado de álcool, a solução encontrada dos seus problemas é salutar o tônico da coragem, e o par enfim decide gravar a si enquanto copula, o que se mostra um erro, já que o vídeo foi elevado a uma rede caseira, onde todos os computadores remoto da comunidade deles teria acesso a isso. A situação se complica quando eles recebem uma mensagem de texto, anônima, dizendo que o resultado da gravação era surpreendente.

    A partir deste ponto começa uma epopeia para recuperar cada um dos dispositivos que armazenam o vídeo, buscando o incógnito piadista, enquanto se quebra todas as barreiras possíveis de moral e decência contidas no tradicional modo conservador do americano médio. O roteiro de Segel, Nicholas Stoller e Kate Angelo segue o modo de comédia que nos últimos anos ficou famoso pelas mãos de Todd Phillips na trilogia Se Beber Não Case, onde os limites do humor físico ultrapassam o bom senso em nome do riso fácil.

    O filme de Jake Kasdan consegue flutuar entre a comédia pautada no constrangimento e a exposição corporal de seus astros, revelando atos erráticos e dionisíacos, com o típico comportamento sexual libertino, claro, sem provocar qualquer discussão em nível de superfície, mas exibindo uma camada de situações não tão comuns e usuais ao cinema mainstream estadunidense.

    O desespero por ter a intimidade evazada ganha proporções dantescas, algumas vezes assemelhando Sex Tape a um filme de terror, claro, lotado de gags cômicas. Apesar da trajetória tresloucada e carregada de entropia, o final é muitíssimo conservador e conciliatório, mesmo que a “sombra”, ditada pelo manual de Joseph Campbell em Herói de Mil Faces, seja na obra uma figura inesperada e de idade precoce, mas isto não garante qualquer ousadia ao filme, visto que até Robocop 2 tinha um vilão infanto-juvenil.

    Talvez o ponto que faz de Perdido na Nuvem uma comédia um pouco superior a tantas semelhantes – da escola Judd Apatow – no humor, esteja no pequeno mergulho na indústria pornô, unicamente posto ali para salvaguardar a mensagem piegas, mas equilibrada, de que a alegria dos dois personagens vem por estarem juntos, manifestando o amor por meio desta união. As linhas engraçadas do guião não são tão genéricas e afeitas ao riso estúpido quanto seus concorrentes, mas também não há qualquer reflexão mais profunda, o que faz com que o filme caia num limbo existencial sem muita identidade quanto ao público o qual é destinado, fazendo este valer quase unicamente pela corajosa e sincera nudez de Cameron Diaz, que não tem mais tanto medo de envelhecer.

  • Crítica | Eles Não Usam Black Tie

    Crítica | Eles Não Usam Black Tie

    Talvez nem fosse proposital, mas a versão restaurada do filme de Leon Hirzman tem um início onde os créditos são apresentados em uma tela negra, sem som nenhum, como se quisesse inconscientemente remeter ao luto, consequente dos anos iniciais da década de oitenta. O drama baseado na peça contestatória de Gianfrancesco Guarnieri mostra um casal de apaixonados, Tião (Carlos Alberto Riccelli) e Maria (Bete Mendes), que tencionam tornar o seu tórrido romance em um matrimônio, uma vez que a moça tem um segredo para contar ao seu amado.

    A cabeça do metalúrgico Tião está na greve que se avizinha deles, quase ofuscando a chegada do bebê que sua amada esperava. De casamento marcado, os dois vivem em seu paraíso particular, curtindo suas histórias escapistas no cinema – tomando por exemplo a ficção científica Jornada Nas Estrelas: O Filme, de Robert Wise, igualmente fugaz em suas outras obras. O par de jovens está distante do estado de ebulição e do furacão emocional em que está a casa de Tião, com todos preocupados pelas condições da fábrica onde os homens da família trabalham, entre eles seu pai Otávio (Gianfrancesco Guarnieri) e seu irmão Bié (Fernando Ramos da Silva), além da inconformada mãe, Romana (Fernanda Montenegro) que é a principal voz de alerta para a precipitação da consumação da relação.

    A sexualidade latente nas atitudes das crianças, bem como a greve servem como signos da teimosia juvenil que ainda tomava conta das ruas. A polarização de ideais cada vez mais crescente fazia com que os homens tivessem que, mais cedo ou mais tarde, tomar posição, e isso logo ocorre com o sonhador Tião, que vê a partir de um colega de trabalho vir uma proposta, para que ele entregue algumas informações do modus operandis da categoria, que ainda discute os detalhes de como a categoria agirá.

    Enquanto os eventos dentro do sindicato estão cada vez mais ásperos e repletos de animosidade, a vida familiar de Maria começa a melhorar, com seu pai aos poucos largando a bebida. Em comum o casal de protagonistas têm no seio familiar alguns problemas, por ambos serem considerados ovelhas negras, como páreas mesmo dentro de suas casas, já que Otávio pensa muito mais no social e na sua classe do que no bem-estar dos seus

    Até o hábito do consumo alcoólico é utilizado para demonstrar a diferença de atitudes, já que Otávio não enxerga na bebida um problema e sim uma forma de socializar com aqueles que lhe são queridos, mas mesmo nos momentos de lazer, a violência que corre as ruas não deixa que pai e filho se esqueçam do velado terror que corre o asfalto, com um exemplar categórico, onde a polícia invade um boteco para assassinar um fugitivo, nos fundos do bar, enquanto na fábrica, as demissões seguem acontecendo.

    Francisco Milani vive o personagem Sartini, que dos revoltosos é o mais radical, que tenta quase sempre em vão inflamar os ânimos, sendo quase sempre tranquilizado por seus amigos Bráulio (Milton Gonçalves) e claro, por Otávio. Ao mesmo tempo em que o patriarca enxerga no extremismo um erro, mas na apatia algo até pior. A inconformidade do senhor o faz entrar em conflito com seu filho, que após guardar muita mágoa, solta seus impropérios e ofensas ao seu genitor, movido supostamente pela situação de ausência dele, nos anos de chumbo, quando Tião era ainda um menino e quanto o chefe da família estava em cárcere.

    A greve finalmente se instaura, deixando filho e pai em lados opostos. Os sindicalistas se mostram sem cabeça, com quase todos seus adeptos baseando seus movimentos na arruaça e na desmedida maneira de encarar as injustiças com o proletariado. O fantasma da prisão volta a assombrar Otávio, enquanto Tião apanha de seus colegas de trabalho, os grevistas que o culpam por furar o motim. Os ecos da repressão continuam assolando as pessoas comuns, o massacre faz até Maria se revoltar com seu futuro esposo, na prova cabal de que a repressão prossegue.

    Sebastião é condenado pelo júri familiar, com a pena de ser deserdado, por se aliar àqueles que se conformaram e que apoiam os patrões. Enquanto o primogênito se despede em viagem, os companheiros de classe sofrem as ações homicidas da polícia, tendo vidas valiosas cerceadas de modo cruel e brutalmente injusto, o que obviamente abala o emocional dos personagens, que em qualquer análise não passam de pessoas comuns, que mesmo após traumas tão fortes como os mostrados em tela, têm de voltar às suas vidas, à rotina sufocante de ter de trabalhar arduamente para produzir o seu próprio sustento sem as garantias mínimas de que poderão fazer isto sem sofrer qualquer selvageria, cujo rigor excludente é tamanho enquanto a contrapartida é ínfima. Os poderosos permanecem, o povo falece na penúria.

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  • Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Contestatório desde o início, com falas de algumas personalidades conhecidas do grande público, a narração sensacionalista do filme foca na vivência e poderio de Roberto Marinho, idealizador do grupo Globo de Comunicação que tem na sua rede de televisão homônima o seu maior expoente. Produzido pelo Channel Four britânico, Muito Além do Cidadão Kane teve sua exibição proibida dentro do Brasil, mesmo que seu lançamento tenha sido originalmente em 1993, após a abertura política da democracia.

    O foco narrativo do início da fita centra-se na disparidade social e na quantidade exorbitante de analfabetos do país. Quase tão gritante quanto a distância financeira entre os ricos e pobres é a diferença de televisores ligados quase exclusivamente na Vênus Platinada, que até então, eram de 78% da totalidade das casas brasileiros, atingindo o grande público com anúncios publicitários luxuosos extremamente diferentes da realidade econômica dos típicos brasileiros. O consumo era apenas das imagens, já que apenas um terço dos espectadores poderiam comprar qualquer dos produtos mostrados em tela. Apesar disso, o conteúdo ideológico por trás de toda mensagem veiculada é sempre compartilhado.

    As concessões das redes de canais são denunciadas, inclusive aventando-se até a possibilidade de políticos terem poder de controlar uma empresa comunicacional no Brasil, o que obviamente vai ao encontro da maior rede televisiva. O destaque dado ao Fantástico é quase tão execrada quanto as polêmicas aquisições de filiais, criticando o otimismo exacerbado e total falta de conteúdo relevante, que encontra paralelos com a pauta atual do programa.

    A trajetória de Roberto Marinho é reconstruída, desde a fundação do jornal O Globo, feito por seu pai. Uma vez no poder, o grupo se expandiu, primeiro para o rádio e depois para a TV, ganhando concessões dos presidente Juscelino Kubitschek (apoiado por Marinho) e João Goulart (político que seria deposto antes de assumir a presidência, tendo a sua “renúncia” apoiada pelo empresário/jornalista). As falas de Armando Falcão vão muito ao encontro do pensamento do documentarista, que acreditava ser escusos os meios de obter seus licenciamentos mil.

    Em paralelo à transmissão da Copa de 70, aconteceu um boom econômico que permitia ao povo comprar televisores por meio de crédito, um artigo caríssimo, o que obviamente facilitou muito a propagação do canal da família Marinho. A audiência se dividia entre o futebol e os festivais de música, sendo o primeiro algo que fomentava a calada do regime militar, onde não se pronunciava nada sobre política, enquanto o segundo, exibido na Rede Record, mostrava a nata artística brasileira, que tentava, através de suas mensagens subliminares, falar do holocausto político que ocorria.

    Os detalhes da derrocada da Rede Excelsior e da TV Tupi são abordados. Os principais rivais pela audiência, chegando ao ponto dae causar o fim da concessão do primeiro canal, único que havia manifestado descontentamento em o assumir do Regime Militar. Mesmo os que apoiaram a Ditadura eram proibidos de noticiar qualquer situação que causasse a menor possibilidade de frisson nos que dominavam o poder e, segundo alguns dos entrevistados, a emissora ratificava a censura e perseguição a artistas supostamente condenáveis.

    Outro fator focado era a ascensão das novelas desde Selva de Pedra, que foi a primeira novela com 100% de audiência, até Gabriela, que exibia as curvas de Sônia Braga numa reimaginação do conto de Jorge Amado. A influência era tamanha que ditava moda até para aspectos comportamentais, como o advento de discotecas em cidades minúsculas, que sequer tinham tradição no consumo de música disco, mas que, por influência de Dancing Days, precisavam montar espaços assim em sua extensão territorial. Para muitos, o poder do canal se igualava ao de um Estado dentro do Estado.

    Apesar de mostrar o quão promíscuas são as inter-relações da Globo com os governos, até de interdependência dos políticos com os comunicólogos, o roteiro não toma partido de modo resoluto, nem mesmo ao exibir o modo raso como o Jornal Nacional tenciona emitir a comunicação para o Brasil inteiro, dando curtos segundos para notícias políticas, enquanto minutos preciosos são dedicados a parte de exibição de celebridades, sem qualquer cunho informativo maior.

    O cúmulo da manipulação da informação se daria nos episódios com Luiz Inácio Lula da Silva, desde a época de seus serviços com metalúrgicos e líderes sindicais, com negação de muitos dos argumentos das classes até sonegação dos mais básicos, em que se escondia até a quantidade correta de adeptos, sob a alegação de que a ordem viria de cima, da presidência militar. Semelhante a isso foi a não comunicação da eleição de Leonel Brizola, que acabava de voltar ao país e que ganharia a cadeira máxima do estado do Rio. Mais flagrante ainda seria a edição do resumo do debate de seis minutos, entre Fernando Collor e Lula, três dias antes do segundo turno, favorecendo o governador de Alagoas, onde a manipulação que se assemelhava a um informe publicitário causou um furor até dentro da rede, cuja reclamação ocorreu até de membros muito antigos da central de jornalismo como de Armando Nogueira e Wianey Pinheiro, que seriam aposentado e exonerado, respectivamente.

    Os últimos momentos do filme são pautados em mais reclames que discutem o valor da imprensa na formação da opinião pública e na moralidade de uma nação, especialmente em um órgão com tanto alcance como é com a Rede Globo, condizente com a realidade do início de suas transmissões até os anos noventa, com destaque até para o seriado Anos Rebeldes, onde se falaria sobre o hediondo regime, excluindo o papel do canal na legitimação dos anos de chumbo. A mensagem final questiona se o povo deveria se libertar dessa influência, ou ao menos contestá-la, com a trilha de Televisão, dos Titãs, que remete à burrice proveniente de quem assiste ao aparelho de vídeo. A imagem de Marinho é tomada por baratas, na expressão simbólica mais explícita da rejeição da figura do magnata das telecomunicações, por parte dos realizadores do filme.

  • Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Democracia em P e B

    Cuidadosamente focado em sua introdução sem cores – em preto e branco -, o filme de Pedro Asbeg emula a barra pesada da época, com a repressão do Regime Militar ainda sem as “novidades europeias” do futebol, e da democracia. O medo tomava conta da vida dos cidadãos, os mandantes não tinham qualquer pudor em demonstrar o seu poderio, humilhando as pessoas comuns, que não tinham acesso aos mesmos direitos dos que impunham fardas. O contra-ataque precisava acontecer em alguma instância, e sob o som de Núcleo Base do IRA!. uma destas facetas é mostrada, sob os campos de São Paulo; uma outra luta, ligada a igualdade, ao esporte e a música.

    A narração de Rita Lee grafa o quanto havia um não-desejo pela alternância no poder, tanto dos presidentes nacionais militares, quanto no certame do Corinthians, com Vicente Matheus no posto mais alto. A realidade aviltante que ocorria no quadro político brasileiro gritava mais do que qualquer receio “clubístico”, uma vez que a insegurança que tomava os não-poderosos, por sua vez era motivada pela “segurança” dos governantes.

    A derrocada do Brasil fez com que os integrantes da nova chapa do poder no Sport Club Corinthians Paulista se interessassem por um maior progressismo não condizente com os outros tempos, os de Matheus especialmente. Com o tempo, o laranja do antigo presidente, Waldemar Pires. O catalisador desta mudança viria primeiro pela figura de Sócrates, um jogador elegante, inteligente, letrado e inconformado, mas ainda sem um norte, sem uma direção para lutar. Este paradigma mudaria com o acréscimo do lateral Wladimir. O rapaz de pele negra acompanhava as greves no ABC Paulista, se via então como um operário da bola. Dali começava uma discussão mais profunda a respeito dos direitos civis, ainda no elenco de um time de futebol. O último fator para que o grito fosse completo viria com a juventude, com Walter Casagrande Júnior, o centro-avante de apenas 19 anos, que trazia a polêmica do Rock’n Roll na postura, cabelos e na pele para dentro de campo, paro algo além do simples “tatibitate” do futebol.

    Os jogadores passaram a ganhar voz, se valendo até da queda de divisão do time, uma vez que eles disputavam a Taça de Prata. A inflação piorava, o medo de faltar alimento na mesa do pobre aumentava, enquanto o modo de reger via repressão parecia cada vez mais tacanho, com uma trilha sonora que começava a falar mais abertamente sobre a hipocrisia da lei. Viriam Edgard Scandurra com o seu IRA!, a letra de Selvagem dos Paralamas, que louvava o monstro que somente crescia, e claro, o disco de Paulo Miklos e seus Titãs Cabeça Dinossauro, que não mais via o amor como a via para caminhar o povo, e sim mostrava através dos riffs de guitarra como era truculenta a realidade do país. O rock de Frejat, Cazuza, Renato Russo, Ultraje e outras turmas mostravam o que era o pensamento do jovem, como ele via as direções sociais que a nação tomava.

    Sob a tutela do administrador técnico – e também sociólogo – Adilson Monteiro Alves e de Sócrates, começava o que Juca Kfouri e o publicitário Washington Olivetto nomeariam como Democracia Corintiana, onde todos tinham o mesmo poder de voto e peso. Jogadores como Zenon, Wladimir e Casão eram politizados, e ajudariam a quebrar os paradigmas de concentração pré-jogo e do bom-mocismo como método de tratar o esporte. A civilização do time de Parque São Jorge não era obrigatoriamente moralista, ao contrário: Era evoluída, madura, sabendo bem o que se queria.

    Para Sócrates, foi o movimento político dos jogadores que manteve o time bem dentro das quatro linhas. Esta era a base do bom futebol deles, além claro do acesso aos shows de músicos amigos, Blitz, Rita Lee, Maria Bethânia entre outros. A relação dos esportistas com os músicos era bastante intrínseca e íntima, de modo que era quase indistinguível a identidade de um e de outro. A busca pela liberdade de expressão era comum aos dois segmentos, a música era o canal para a liberação, o que não ocorria desde 1968, com o jovem falando para o jovem.

    O pensamento evolui, como dito na narração por Lula, e o advento da Democracia Corintiana passaria a falar também do voto do povo, do voto direto que finalmente ocorreria. A campanha mudaria para DIA 15 VOTE, grafada acima dos números dos jogadores de futebol, o que visava quebrar a deseducação política do torcedor comum, desde os geraldinos e arquibaldos até aos já conscientes de que era preciso modificar o quadro político, e mobilizar a opinião pública.

    Os comícios para as Diretas Já começaram bastante tímidos, com poucas pessoas. E aos poucos o movimento aumentaria, até desembocar no comício da Praça da Sé, de um caráter suprapartidário, com discursos de Ulysses Guimarães, Brizola, Lula, Fernando Henrique, em uma união completamente impensável atualmente, unidos pela quebra da tutelagem do povo brasileiro, para que a população pudesse enfim andar sozinha, reconquistando sua democracia. A rejeição da emenda em 1984 foi um duro golpe na população brasileira; o sentimento de comoção logo deu lugar a sensação de que foram iludidos, inclusive Sócrates, que aceitaria a proposta de venda para a Fiorentina, da Itália.

    Os integrantes daquele time preferem encarar todo aquele tempo com um saudosismo tocante, de que o país voltaria a sorrir, e que havia começado ali a redemocratização do Brasil. No entanto, a sensação de que o pior da ditadura ainda permanecia não poderia ser ignorado, uma vez que o modus operandi policial prossegue semelhante ao do Regime. Até pela última música executada – Até Quando Esperar, da Plebe Rude -, a sensação de Democracia em Preto e Branco não é de otimismo, e sim de uma amálgama entre a melancolia e a objeção, de um país que apesar de um pequeno progresso, ainda tem muito a evoluir; muito esforço a ser executado para que se torne uma república minimamente digna, sendo esse viés o que faz da fita ser algo muito a frente dos documentários contemporâneos.

  • Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 2

    Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 2

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    Em 1981, o cinema ganha a continuação do slasher que havia feito certo sucesso no ano anterior. Sexta-feira 13 – Parte 2 começa como sequência direta dos eventos do filme original. Alguns meses após os eventos ocorridos no acampamento Crystal Lake, a única sobrevivente do massacre luta para ter uma vida normal e superar o trauma pelo qual passou. Essa sequência de abertura traz uma série de flashbacks recontando toda a história para quem não assistiu ao primeiro filme, e é a mais longa introdução de toda a franquia, com quinze minutos. Pela primeira vez, Jason Vorhees (interpretado por Warrington Gillette) é o assassino da saga, mas ainda não usa a icônica máscara de hóquei. Jason não parece, a princípio, um morto-vivo como nos filmes mais recentes da série. Embora sua cabeça esteja coberta com um saco de pano, vemos frequentemente suas mãos, que não estão em decomposição e nem nos dão nenhuma dica de que ele seja um ser sobrenatural. Pela aparência de sua roupa (camisa xadrez, macacão jeans, botas), Jason surge com um visual de “caipira”. De alguma forma, ele encontra e mata a sobrevivente do filme anterior, que tinha cortado a cabeça de sua mãe, Pamela Vorhees. Após essa longa introdução, o filme começa de verdade.

    O filme se passa cinco anos depois do massacre de Crystal Lake, que ficou conhecido como “Acampamento de Sangue” (ou Camp Blood, no original). Apesar do título, nada indica que a história se passe em uma sexta-feira 13. Mais uma vez, um grupo de jovens se reúne para começar seu treinamento como monitores num acampamento de verão. A fórmula é a mesma do filme anterior, mas dessa vez temos um background se desenvolvendo desde o início. As pessoas falam sobre o massacre, conhecem a trágica história do garoto Jason e sua morte no lago, bem como a vingança de sua mãe. Os personagens desenvolvem até algumas teorias sobre Jason e contam histórias assustadoras sobre ele. Em uma dessas suposições, uma das personagens chega a sugerir que o garoto não morreu no lago e que cresceu sozinho na floresta se alimentando de ódio por tudo e por todos. Essa fala é bastante elucidativa de como, a princípio, o assassino não seria um monstro sobrenatural, mas sim um psicopata deformado.

    A história se desenvolve numa colônia de férias vizinha a Crystal Lake, onde Paul Holt (John Furey) treina os novos monitores. A princípio, não sabemos quem será o protagonista do filme, o que é uma sacada inteligente que se espalhou pela série e tem sua origem no filme Psicose, de Alfred Hitchcock, quando a personagem principal é assassinada logo no começo da película. Gina Field (Amy Steel) aparenta ser uma garota fútil, mas, surpreendentemente, é ela quem termina o filme ainda respirando. Os primeiros personagens a quem somos apresentados são os primeiros a morrer quando o banho de sangue começa. Isso é, de certa forma, uma boa característica do filme, pois ao fazer com nos frustremos com essas mortes, o diretor já deixa claro o ritmo do filme. Ninguém está a salvo.

    Com cenas de morte mais elaboradas, a trama se desenvolve em torno dos assassinatos, conforme vamos descobrindo mais sobre Jason. Em uma cena, descobrimos que ele mora em um barraco improvisado com restos de madeira e materiais de construção, onde mantém um altar adornado com velas acesas ao redor da cabeça de sua mãe. Jason ganha um pouco de profundidade aqui, pois o motivo de sua matança se torna mais claro. O homem com a mentalidade de uma criança traumatizada, que se recusa a aceitar a morte da mãe e faz aquilo que acha que a agradaria. Seus assassinatos são uma espécie de sacrifício em honra à sua sagrada mãe, única pessoa que se importava com ele. Tanto que até mesmo a trilha sonora reproduz essa devoção: o refrão “ki-ki-ki-ki, ma-ma-ma-ma”, assustadoramente sussurrado durante os momentos mais tensos, origina-se na frase “kill her, mommy” (mate-a, mamãe).

    Sua confusão mental é percebida por Gina, que, ao ser encurralada, ao fim do filme, no barraco onde está a cabeça da Sra. Vorhees, percebe a devoção de Jason à sua mãe. Percebendo que ele guarda ainda o suéter de lã da falecida, veste-se com ele, prende o cabelo e se passa por ela, deixando o assassino ainda mais confuso. Jason acata  as ordens de quem ele pensa ser sua mãe, demonstra-se dócil e subserviente, até avistar a verdadeira cabeça sobre a mesa. A fúria assassina volta e Jason ataca, levando aos momentos finais do filme.

    A morte é o motivo do medo nesse subgênero de filmes de terror. Não é a crença em seres do além, não é um terror psicológico e intimista, não é o diabo ou outro ser religioso/mitológico. É a morte, pura, simples e sem sentido, que pode chegar de qualquer lugar e acontecer com qualquer um. Mas a morte nesse filme tem suas vítimas favoritas: jovens que fazem sexo, que bebem, que usam drogas. A morte vem associada a um senso de moral conservadora, que julga e executa aqueles que fazem algo considerado “errado”. E temos em Jason o arauto da morte, uma espécie de Ceifador Sinistro do século XX, punindo aqueles que considera pecadores.

    Sexta-feira 13 – Parte 2 é, para todos os efeitos, o verdadeiro primeiro capítulo da franquia e aproveita-se do sucesso inesperado do primeiro filme para criar um dos mais assustadores e memoráveis filmes de terror de todos os tempos.

  • Crítica | O Presidente

    Crítica | O Presidente

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    O novo filme de Mohsen Makhmalbaf explora uma história fictícia cujos desígnios remetem a tragicômica veracidade do sistema político de muitos países. O início, com uma música clássica, remete a um sistema governamental deveras arcaico.  O lugarejo simulado apresentado na fita é localizado no Cáucaso, e governado com punhos de aço por um presidente totalitário, vivido por Misha Gomiashvili.

    Os dias do mandante são vividos quase na totalidade em uma frieza atroz, normalmente nos palácios e bastidores do poder. O Presidente se permite demonstrar humano e suscetível à sentimentos quando está com seu neto Dachi (Dachi Orvelashvili). Ao expor de maneira exibicionista o seu poder ao “herdeiro”, o estadista enfim nota a contestação do povo em relação à política, e observa o início de um motim.

    O modo desconjuntado como anda o menino emula a dificuldade em governar de seu antecessor. O fogo flagrado pela câmera mostra a violência das manifestações e a tomada de poder contrária aos personagens focados pela lente de Makhmalbaf . A tentativa é de mostrar as vidas, tanto a do ditador por trás da figura de poder, quanto dos mártires assassinados pelo autoritarismo exacerbado.

    As cenas que se seguem após a fuga da família do soberano misturam elementos de horror e thriller. O receio é passado ao público e a troca de poder é rápida. As forças armadas mudam de lado instantaneamente deixando de tocar com banda para mudar a farda e caçar seus antigos empregadores. Enquanto o presidente troca de veículo após se ver em meio a um bando de ovelhas, seres dóceis e obedientes, diferentes das recém-tomadas atitude do povo.

    O contraste entre a vida rica e cheia de luxos do outrora rei, e as condições econômicas dos camponeses fazem o antigo político sentir na pele o mau governo que realizou, incapaz de dar sustento necessário as famílias. Sem as vestes militares, é a empáfia que segue firme no caráter que o diferencia dos homens comuns.

    Aos poucos a trajetória do ex-mandatário o dobra, fazendo se arrepender – ao menos de ter sido tão teimoso ao não fugir com o resto de sua família – pondo em risco a vida de seu progênito. A rotina muda até os nomes das personagens, em consequência a isto. Saem os títulos oficiais para alcunhas menos pomposas, o rei posto se mostra penitente, ele chega até a assumir seu péssimo gênio, antes de seguir em seu teatro pessoal, fingindo ser um músico nomadista.

    Ao viver alguns dias na miséria, o ex-governante observa uma outra visão. Ao perceber o flagelo de uma mulher injustiçada, o Presidente prefere fechar os olhos, provando que algo mudou em si. O dilema moral que sofre não se iguala a queda vertiginosa de conduta de grande parte do povo, que em meio a selvageria sem liderança, regride e agride os seus iguais, o que prova que a malignidade não habita somente o coração do Líder, mas também dos concidadãos que residem no país. A companhia que resta ao antigo poderoso é composta por presos políticos. Homens que sofreram por suas péssimas ações governamentais, cujos posicionamentos são variados, uns sendo revanchistas e outros mais conciliatórios. Ali ele reparte tudo o que tem, e até confronta os “terroristas” que mataram parentes seus.

    O quadro ultrarrealista pintado por Makhmalbaf é pior que qualquer imaginação de um ficcionista, por escrutinar um lado recorrente das repúblicas não democráticas de países periféricos ao cenário da elite mundial. Os ecos de terceiro mundo são vistos em cada cenário, paisagem, vestimenta, na fome e nos corpos das vítimas conterrâneas do desolado lugar, causados pelas baixas da guerra civil.

    As partes finais são em descenso, quase sem alívios cômicos, degradantes como a existência dos populares do fictício país, podre como a alma do seu antigo mandatário. Apesar de uma cena epilogar um pouco aquém do plot de fuga – mas absurdamente emocionante e trágica -, o rei se faz parte do povo, o que não o exime da culpa e nem da fúria dos explorados e desmazelados. A ânsia pelo sangue do tirano é tanta que uma morte só é pouco, e o modo da execução muda de acordo com os vitimados secularmente por seus anos de domínio. Para não esquecer a abordagem dos olhos de um menino, o destino do ancião não é mostrado, mesmo após as quase duas horas que tentam fazer o público se afeiçoar, mas sem permitir que o salário do protagonista seja finalmente cobrado, tendo como fim seu irremediável destino.

  • Crítica | O Juiz

    Crítica | O Juiz

    Filmes de tribunal sempre foram recorrentes na história do cinema. O ótimo 12 Homens e Uma Sentença, de 1957, provou que é possível fazer um filme com assuntos jurídicos ser interessante para o público. Mas foi em 1993 que o gênero explodiu com A Firma, estrelado por Tom Cruise e Gene Hackman. Hollywood viu no autor John Grisham uma fonte quase inesgotável de roteiros vindo de seus livros. Grisham, até hoje, é bastante respeitado pelos seus romances extremamente competentes, recheados de intrigas, mistérios e com histórias bem diferentes umas das outras. Com isso, pudemos assistir a O Dossiê Pelicano, O Cliente, Tempo de Matar, A Câmara de Gás, O Homem que Fazia Chover, Até Que a Morte Nos Separe e, mais recentemente, O Júri, todas adaptações dos livros do autor.

    Quando O Juiz foi anunciado, os atores estavam no primeiro estágio de negociação. O astro Robert Downey Jr., além de confirmar presença como protagonista, assina também como produtor executivo e, para contrabalancear com ele, o nome de Jack Nicholson chegou a ser cogitado. Infelizmente, as negociações não avançaram e coube ao veterano Robert Duvall dar vida ao juiz Joseph Palmer, ou juiz Palmer, como é chamado.

    O que difere O Juiz das adaptações de Grisham é que o filme tem uma premissa extremamente simples, e até mesmo clichê. Porém, o diretor e roteirista David Dobkin, que tem no currículo filmes como Bater Ou Correr em Londres e Penetras Bons de Bico, surpreende ao inserir um humor pouco convencional à trama, além de outras situações extremamente sutis que acabam funcionando por completo.

    Hank Palmer (Downey Jr.) é um advogado bem-sucedido que há anos abandonou sua cidade natal por não se dar bem com seu pai, o juiz Palmer (Duvall). Embora Hank more numa mansão e seja casado com uma bela jogadora de vôlei, ele se vê no meio de seu próprio divórcio e, para piorar a situação, durante um julgamento, recebe uma ligação de que sua mãe havia morrido. Era hora de retornar à sua cidade depois de tantos anos. Era hora de confrontar o seu pai depois de tantos anos.

    A sutileza do diretor já é percebida logo quando Hank chega ao velório. Somos apresentados ao seu caçula e especial irmão, Dale (Jeremy Strong), e o irmão mais velho, Glen (Vincent D’Onofrio). O juiz Palmer, ao chegar, cumprimenta todos, menos seu filho, mostrando que nem o luto da esposa amoleceu seu coração. Aliás, a maneira como Hank é tratado pelo pai faz que ele resolva ir embora no dia seguinte ao funeral, sendo que, dentro do avião, ele fica sabendo que seu pai foi acusado de homicídio por ter atropelado um ex-condenado que agora está solto.

    Com o sucesso de Homem de Ferro, Downey Jr. resolveu de vez assumir a identidade de Tony Stark, tanto que nas junkets de divulgação do filme do ferroso, o astro ia praticamente vestido como o gênio, bilionário, playboy e filantropo da Marvel, usando o mesmo cavanhaque e os mesmos ternos, algo que faz até hoje. Essa fusão entre ator e personagem atrapalha o primeiro ato de O Juiz, pois não se enxerga Downey Jr. como Hank Palmer, mas sim como Tony Stark.

    Isso muda quando Hank decide ficar e ajudar seu pai. Ele encontra na sua antiga bicicleta e numa camiseta surrada do Metallica um propósito para poder relembrar a sua infância e sua adolescência, revendo, inclusive, seu antigo amor, Samantha (Vera Farmiga), que hoje é dona de um restaurante e mãe solteira de uma bela jovem, que morde o cabelo da mesma forma que a filha de Hank.

    A química entre Downey Jr. e Robert Duvall funciona bastante, rendendo ótimos momentos de tensão e drama, o que pode levar o telespectador a diversas emoções. Aos poucos, também conhecemos o motivo pelo qual os dois se odeiam e como isso interfere diretamente no curso do processo e do julgamento do juiz Palmer.

    Aliás, a relação entre todos os personagens e suas boas subtramas acaba deixando a trama principal em segundo plano, o que faz com que um dos personagens fundamentais, o promotor Dwight Dickham (Billy Bob Thornton), fique meio apagado, o que de certa forma não chega a ser ruim, já que o filme, como dito, tem uma premissa bastante simples. E isso talvez seja mérito do diretor por escrever e filmar ótimas cenas que intercalam drama junto ao humor de forma sutil e delicada sem ficar chato ou fora do lugar. Não há nenhuma cena cômica que não se encaixe.

    O Juiz, por ter participado de festivais, poderá ser um dos nomes do Oscar em 2015, rendendo indicações para Downey Jr. como melhor ator, Robert Duvall, como melhor ator coadjuvante, e talvez para melhor roteiro e direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Blind

    Crítica | Blind

    Tomando por base a privação do (talvez) mais importante e notório sentido básico humano, Blind, do norueguês Eskil Vogt, narra a história de Ingrid (Ellen Dorrit Petersen), em adaptação muito recente a sua perda da visão. Até o preto, predominante na maior parte dos anúncios cinematográficos de créditos serve a narrativa, antecipando alguns detalhes típicos do costume visual, e da observação minuciosa das particularidades e pormenores do cotidiano em meio a cidade grande.

    O modo de contar a história, com uma relato direto de Ingrid empresta uma pessoalidade enorme a fita, maximizada pela experiência de seu diretor em estabelecer roteiros onde o drama do recomeço é presente – como em Começar de Novo e Oslo, 31 de Agosto. A reinvenção de Ingrid passa por todas as outras sensações inerentes aos quatro sentidos que lhe restam, o que faz com que seus toques sejam mais profundos, na tentativa de intensificar o tato, e que os sons predominem bastante na sua rotina, fato que naturalmente exige uma mixagem e edição de som.

    É engraçada como a movimentação da observação e do julgamento do mundo e daqueles que o habitam é muito mais sereno pelos “olhos” de quem não mais vê. As conclusões de Ingrid a respeito de Einar (Marius Kolbenstvedt), seu parente, por exemplo, não são amenizadas por nada: Ela o enxerga como um coitado, ao se deparar com a pornografia e com o desejo a todas as mulheres existentes, como uma ode ao corpo feminino sem fim, mas que esbarra no platonismo intransponível, não transgredido apesar de toda a vontade contida em seus movimentos e em seus olhares. A vagina e tudo que a acompanha é exibida em um pedestal, que se torna ainda mais alto graças a culpa que ele sente ao não conseguir agir além da masturbação e da culpa por não fazê-lo, já que até o desejo a outras mulheres é tecnicamente pecado, ou um movimento no mínimo antiético.

    Outra história exibida pelo julgamento fugaz de Ingrid é o de sua vizinha, Elin (Vera Vitali), que mesmo morando a poucos metros dela, existe em uma realidade muitíssimo distante da protagonista, especialmente por sua vida familiar ser conturbada e repleta de sofrimentos, impingida pelas ações egocêntricas de seu ex-marido, que consegue afastar dela o que é mais importante – seu filho. O vazio do seu espírito e a tristeza de sua alma são muito bem classificados dentro da fita.

    O modo como Ingrid analisa vidas alheias é bastante evasivo, com cotações morais e um enorme juízo de valor, ainda que isto sirva mais para catalogar as vidas do que para achar soluções para aqueles dramas. Ingrid tenta a todo custo ser invisível em sua própria história, esboçando uma neutralidade de quem aparentemente desistiu da própria vida, já que grande parte dela se foi com a perda de um bem elementar.

    Logo, essa insensibilidade é justificada e mostrada como a resposta a rejeição que sofreu por parte de seu ex-parceiro, Morten (Henrik Rafaelsen), que não tinha qualquer receio de flertar com outras mulheres via internet ao lado de sua recém cega esposa, que entregava sua bela nudez a ele, não tendo em troca sequer uma mínima atenção sexual. A autoestima dela conhecia cada vez mais o sentimento de recusa e até de repudio, por uma categoria de “invalidez” não escolhida por ela. Dadas as condições, é natural que prefira somente tecer comentários sobre a vida alheia.

    Os destinos manifestados em tela se confundem próximo ao final, mostrando uma vitimização das personagens femininas, não mais somente de Ingrid. Os ecos deste reclame vão desde ao machismo a uma profunda misoginia, intensificada pela vulnerabilidade das personagens estrogênicas, sepultadas ante a predominância do mandamento masculino, que até as faz sentir como inferiores diante do poderio destes. A sensação de auto-culpa acabar por injustamente predominar, fazendo da fuga antes citada uma boa maneira de agir ante a uma auto-comiseração.

    Blind consegue abranger muitos assuntos, ainda que sua ótica seja parcial, de entrega e de um temível conformismo ante a um paradigma praticamente imutável, seguindo a lógica da trajetória de sua protagonista.

  • Crítica | Motor Psycho

    Crítica | Motor Psycho

    O início, um tanto pacato, mostrando a rotina de um casal deveras normativo, comprova algo que vai contra o texto do qual Russ Meyer falará: uma contraparte feminina muitíssimo insatisfeita sexualmente pelo homem conservador que a possui. Seu reclame de que a transa seria um passatempo melhor que a enfadonha pescaria é quase tão gritante quanto a volúpia de seus seios, que estouram a lente do diretor. Logo, sua fome não mais seria um problema.

    A moça de feições deleitosas recebe de Brahmin (Stephen Oliver) um beijo forçado e assiste ao espancamento de seu par pelos asseclas de seu agressor pessoal. Após um registro de violência moderada, é exibida uma sugestão de cena de estupro, claro, de modo velado, algo que, mesmo com todo o caráter de filme B da obra, ainda não seria totalmente permitido para a fita.

    A sexualidade, antes sugerida nos filmes de Marlon Brando e repetidas nas histórias de rebeldia sem causa de James Dean, encontra neste uma paragem segura. Quase todas as mulheres apresentadas em tela são extremamente erotizadas, quando não, vítimas claras de violência sexual – esta característica até parece glamourizada em alguns momentos. A trilha rockabilly tenta, em vão, aplacar as constrangedoras situações registradas pela câmera de Meyer, que não poderia exibir seu filme em cinemas frequentados pelo americano médio e crente nos valores conservadores.

    É incrível como apenas a apresentação das sugestões de agressões atinja tanto o público quanto este faz. A ambiguidade do roteiro e o modo como o diretor realiza o ângulo de suas cenas fazem com que o espectador se pergunte sobre de que lado os produtores estão, e se realmente há qualquer partido destes dentro da discussão, uma vez que, fora alguns pontos na música do filme, não há um juízo de valor completo ou moralista por trás das intenções do cineasta.

    Brahmin e seus asseclas seguem cortando o deserto californiano, deixando uma trilha de vítimas numerosas, humilhando os homens – algumas vezes matando-os sem se preocupar muito com o lado humanista, somente cobrindo seus rastros para não pararem na cadeia – e explorando as mulheres em suas orgias regadas a álcool. Do outro lado da lei, há o ranger Corey Maddox, interpretado por Alex Rocco, cujo único aliado é a trilha incidental repleta de metais, que demonstra que, no caráter do personagem, há um quê de bom mocismo, em muito diferenciado do comportamento dos motoqueiros vândalos, que fazem questão de se posicionar fora do contrato social.

    No entanto, nem o policial é livre da sexualização de seu personagem, uma vez que este protagoniza uma forte cena em que obriga uma moça a chupar o veneno de uma cobra em sua perna, fazendo com que os movimentos e urros de dor do agente se assemelhem às manifestações de um homem que recebe o sexo oral. Mesmo nas suas primeiras aparições, ele é mostrado em um momento de intimidade, com uma mulher, fazendo dele uma figura longe do ideal puritano que o convívio social gostaria.

    Mesmo com as condições precárias de orçamento, e com a difícil aceitação do público da época, que dificilmente compraria uma fita tão violenta e descompromissada com a tradição familiar, o roteiro de Meyer, James Griffith, Hal Hopper, Ross Massbaum e Billy Sprague contempla uma sociedade violenta, não muito diferente do quadro social atual.

    A guerra travada no asfalto pós-anos noventa foi profetizada pelo roteiro, que tomou emprestada a grafia visual de outros embates, como o conflito do Vietnã. Além de ser uma referência no quesito mortes desnecessárias e também o catalisador de um trauma que tomou a nação americana, o conflito tem em seus veteranos de guerra uma boa parcela de facínoras, cuja condição mental não os permitia viver pacificamente, a exemplo do líder do bando Brahmin, que antes lutou por seu país mas que prossegue assassinando os seus em nome da difícil missão de viver junto à comunidade, a qual o fez lutar por uma causa perdida.

    O assassino, que impinge os próprios pecados sem qualquer remorso, demonstra uma síndrome psicopata enorme, a despeito dos parcos talentos de Rocco enquanto ator. É notável a dificuldade por parte dele em sentir qualquer emoção que tenha em relação a outra pessoa que não ele mesmo. Seu cinismo, que pode ser encarado como simples canastrice, parece ser o artifício decidido por Meyer para demonstrar que ser mal encarado não faz do sujeito um justiceiro acima de qualquer suspeita. A aproximação do anti-herói e vilão é discutida, mostrando que a distância entre os dois estereótipos é deveras curta, o que remete a Dirty Harry e seus filhotes, vividos pelos brucutus dos anos oitenta. A discussão a respeito do comportamento fascista de ícones do cinema já havia sido feito nesta fita de Russ Meyer, que não guarda amarras ou convenções públicas tradicionais.

  • Crítica | O Mundo Segundo Lula

    Crítica | O Mundo Segundo Lula

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    Ao iniciar seu filme com um passeio por Brasília, German Gutierrez demonstra um pouco do que seria a incerteza da subida ao poder por Luiz Inácio Lula da Silva rumo ao palanque máximo do país brasileiro. A cerimônia de passagem de faixa de Fernando Henrique Cardoso, claramente contrariado, simboliza um pouco do que a narradora diz, os resquícios do que a burguesia pensava ao assistir a ascensão de um membro do proletário ao poder.

    Para Lula, sua vitória após tanto tempo é a mostra de uma evolução do pensamento do povo brasileiro, finalmente rompendo com a mentalidade de país colonial e colonizável, sempre subordinando-se às economias de países mais ricos e claramente exploradores. O começo da carreira do político foi feito em plena ditadura militar, em meio a um regime opressor que esmagava o homem.

    De família pobre, demorou a se alfabetizar, o que claramente se reflete nas suas falas tacanhas e repletas de vícios linguísticos, como a supressão do plural. Este defeito serviu bem para ele, ao menos num segundo momento eleitoral, uma vez que o aproximava do povo com quem ele tencionava falar. Aos trinta anos, tornara-se líder sindicalista, apoiando as eleições diretas, ao invés do regime ditatorial, como “único modo do povo se manifestar”. A partir daí, se explora o começo da trajetória do metalúrgico enquanto um governante.

    O horizonte mostrava o povo como um parceiro do político, feliz com o seu modo de tratar as relações exteriores, alguns até surpresos pelas origens humildes de sindicalista, mas as críticas também são devidamente documentadas, ainda que o cunho destas seja deveras tímida e comedida.

    A feitoria do filme foi logo após a reeleição de Lula, e não menciona em nenhum momento os escândalos políticos de seu partido, como o Mensalão, ainda que haja uma pequena menção nos letreiros ao final, claro, destacando-se o crescimento do país em um cenário mundial. A sensação de O Mundo Segundo Lula é um filme institucional é enorme, ao analisar-se seu caráter chapa-branca, mas é importante de ser analisado na contemporaneidade, especialmente pela avalanche de desinformação que corre a rede mundial em relação aos avanços do país nos anos em que Luiz Inácio foi presidente da República Federativa do Brasil, e a respeito de quem tem ou não lutado ao lado do proletariado brasileiro. Nisto, o filme de Gutierrez traça um bom prospecto, obviamente atentando para o bom mocismo do político.

  • Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Rafael (Rickson Tevez) treme com um revólver na mão, uma ânsia de fazer ou não justiça com as próprias mãos. O drama certamente seria melhor aceito caso não predominasse na retórica de Trash: A Esperança Vem do Lixo uma abordagem artificial, em uma das menos inspiradas fitas de Stephen Daldry. O tema da violência urbana, com uma perseguição de policiais a pessoas de classes menos favorecidas e secularmente marginalizadas surge com dois dos atores brasileiros com mais sucessos comercias no currículo.

    Wagner Moura vive José Angelo, um morador do subúrbio, perseguido por ter informações importantes sobre um poderoso político. Ao se livrar de sua carteira, ele condena o menino Rafael, que acha a bolsa com dinheiro e outros objetos misteriosos. O lado repreensivo do filme começa por apresentar arquétipos muito estereotipados dos moradores da favela, que embalam seu trabalho no lixão ao som do sugestivo Rap da Felicidade, cujo conteúdo é ofensivamente óbvio. A situação piora com as crianças da comunidade nadando em um rio imundo, repleto do mesmo lixo que os moradores de lá coletam, como se entre os meninos e homens não houvesse qualquer noção de saúde ou civilização. A postura de um dos garotos é de completa subserviência com a polícia, fundamentado em cima de um vocábulo pobre, baseado em gírias que mais taxam pejorativamente os jovens do que os faz parecer reais e com voz ativa.

    A sucessão de preconceitos segue, apresentando personagens sem profundidade, pessoas que moram no subterrâneo de uma estação de trem (Central do Brasil), semelhantes aos Morlocks das revistas mutantes da Marvel, mas com a pretensão de mostrar uma história real, mas que evita a todo custo o uso de palavrões, já que seria esta uma história para toda a família. Demonstrar mazelas sociais e delinquência juvenil com uma abordagem conservadora só piora o escopo do filme, que simplifica todas as relações com soluções muito fáceis.

    O Brasil para exportação exibe a civilização dentro da comunidade para os estrangeiros, vividos por Rooney Mara (Olivia) e Martin Sheen (Padre Julliard), que são os únicos dentro do complexo com acesso a internet, o que não impede os meninos de acessarem o Google como se fossem especialistas nisto, mesmo não tendo acesso a internet em casa. A verossimilhança não parece ser a pauta principal do filme, já que não há a mínima preparação de background dos personagens, ou uma maior preocupação com os cenários envolvidos. A concepção de República das bananas é a base para a maioria das ações dentro do cenário do país.

    Uma vez que o entorno é mal construído, nem os atos ultra violentos de tortura conseguem retornar a fita a uma séria abordagem. As injustiças sociais mostradas no país são tão pueris como eram em Velozes e Furiosos 5, tendo em comum com o filme de assalto até a ingerência de estadunidenses como os portadores máximos da justiça, arautos de uma civilização que a subdesenvolvida nação jamais conseguiria alcançar sozinha.

    A ótica das crianças talvez seja a maior desculpa para as incongruências, falhas de concepção e falta de lógica, mas até isto esbarra na tacanha narrativa, que é cortada pelas falas dos meninos, que quebram a quarta parede e ajudam a revelar ainda mais os problemas da história. Para alcançar o vilão e deputado Santo (Stepan Nercessian), os meninos agem como miquinhos amestrados, que invadem casas e passeiam pelos esgotos da cidade; na cadeia, mais parecidas com as dos filmes americanos do que com a realidade dos presídios de Bangu. Tudo isso para exibir uma mensagem emocional, de cunho redentor, de luta pelo povo, ainda que retratar bem a população mazelada não fosse a prioridade de Daldry.

    A tentativa de explicar tudo por meio de um documentário filmado por Olivia é o tiro de misericórdia nas motivações e intenções do filme em se levar a sério, já que convenientemente consegue registrar não só as palavras dos meninos, mas também um dos muitos pecados de Frederico (Selton Mello), um policial que faz da justiça a justificativa para qualquer miséria que pense em impingir aos personagens. Nem mesmo ante a destruição de seu mísero patrimônio os jovens conseguem se emocionar de um modo que pareça real. A triste realidade brasileira que tencionava ser finalmente exposta é risível ante toda a fantasia presente no guião de Richard Curtis.

    O costume de habitar a sujeira é comum aos personagens infanto-juvenis, uma máxima tão torta quanto a ideia genial de que o dinheiro puro e simples resolveria os problemas sociais de um país tão atrasado que permite os mandos e desmandos de estrangeiros em sua própria terra. O modo estúpido como a renda é redistribuída só é superada em tosquice pela ingênua noção de que basta a boa vontade para vencer o mal da corrupção instaurada no país. Trash revela muito de como a opinião pública internacional vê o brasileiro, de maneira xenófoba, evidenciando o quanto subestimam a inteligência do cidadão médio, se valendo de uma trama fraca sobre uma realidade que não pode ser modificada, tampouco reavivando as manifestações de Junho de 2013 através deste viés tão simplista, e pueril.

  • Crítica | Amantes Eternos

    Crítica | Amantes Eternos

    Os filmes de Jim Jarmusch têm um gosto de improviso, de um autodidatismo irresistível; uma liberdade que começa com apelido de amadora, libertina, se o início não é dos melhores, rumo ao selo individual de um Cinema autoral, como já o é, unificado com o registro de uma realidade em que Jarmusch parece ligar sua câmera de repente e capturar apenas o que for indiscutivelmente real nos mundos internos de cada um. Realidades encenadas para resolver o caos “que o mundo tem de sobra para resolver no momento”, como de fato é apontado pela persona de John Hurt à frente de Tilda Swinton, enquanto o irmão de Thor (Tom Hiddleston) em Os Vingadores não busca, todavia, o consolo de quem o entende por sua condição peculiar, mas o néctar da eternidade pra colocar na mesa e sentir seu coração bater na ingestão vital. Depois de meia dúzia de Crepúsculos da vida, o mundo estava precisando de um filme de vampiros de Jim Jarmusch.

    Amantes Eternos não é promessa, mas não deixa de ser a afetividade do sueco Deixe Ela Entrar ao tom de Blue Valentine, clássico álbum de Tom Waits, cuja amizade do cantor consiste com a de Jarmusch.

    A única vez que o diretor de Daubailó usou o pretexto de fazer um filme para explorar, humilde e elegantemente, os extremos do efeito widescreen, até então, teria sido no ótimo Dead Man, o faroeste must-see dos anos 1990, quando na verdade, em Amantes Eternos, o suspense que Wes Anderson gostaria de fazer se pudesse deixar na gaveta sua fanática precisão estética, qualquer movimento de câmera por mais leve que seja, faz ditar, tal fosse a concepção do plano a encarnação do sensorial, o clima e o forte sentimento existencial do filme, por dentro da intimidade de um casal que não sabemos (enquanto visitantes de seu universo, submissos ao surreal estranhamente real de tudo o que sai e entra em cena), ao fundo, jamais, onde começa ou termina sua humanidade, a benevolência e a brutalidade de ambos; banhados em mistério perpétuo que luz alguma haverá de traduzir.

    Não seriam tais vampiros, perdidos no tempo e motivações, um retrato de uma classe de cineastas já muito marginalizados por serem autorais até os ossos? Sim, talvez ou com certeza? E com uma história frágil, de propósito e intenção ligados ao valor dispensável de vidas já perdidas há séculos de vício e penitência, resta a Jarmusch, mestre em ritmo e narrativa, nos dar uma lanterna em forma de trilha sonora e situações contextuais por entre a riqueza oculta dos antagonistas de sua produção hipersensível, mesmo que só nos seja permitido acompanhar essas almas penadas por meras duas horas, mais sob a sombra de hipóteses, do que sobre a luz de qualquer certeza. A sessão condiz e reafirma o poeta: Não há eternidade senão a eternidade que convém alimentar, para que tudo não fique ainda pior do que ficou, sem o efeito maré para voltarmos no tempo e rever nossas brevidades; ó, utopia!

    A dependência pelo mundano atinge bela e melancólica antítese na filmografia do cineasta que já explorou quase todos os vícios do ser humano moderno, impondo em Amantes Eternos, agora, várias faces do entretenimento, a música, o xadrez e a literatura feito nobres exercícios de autoafirmação. São as últimas escolhas de expressão de autonomia e direito natural de quem nem mesmo detém mais da morte como certeza e amiga fidedigna. Em certo ponto, Hiddleston e Swinton, Adão e Eva, chegam a expulsar de sua casa, velha por fora mas vintage por dentro, o exato contrário dos moradores, num modelo habitacional de Detroit, cidade dos Estados Unidos, chegam a distanciar de si a irresponsável jovem irmã de Eva (Mia Wasikowska) por aparecer e desperdiçar pescoços alheios feito café barato em bares sujos – até o néctar rubro ser jorrado em gozo pelo tapete da sala do casal. Acontece que o jardim do Éden atrai, mas tem regrinhas que poucos conseguem seguir. A sobrevivência vem a ser para esses poucos, e acima de tudo: Àqueles que sabem que estão vivos, e podem continuar assim a todo preço. A vida vicia, longo transe perante a morte que é.

  • Crítica | Por Uma Mulher

    Crítica | Por Uma Mulher

    Parado em algum lugar entre a nostalgia das lembranças fotográficas de uma geração anterior e a descoberta de laços familiares possivelmente não conhecidos por parte dos narradores da história, Por Uma Mulher (Por Une Femme) é fundamentado em um quebra-cabeças que se pauta no pretérito para elucubrar um triângulo curioso, que tem na busca/ode pela origem de Anne (Sylvie Testud) o seu cerne.

    O roteiro é contado através dos elementos da recém-falecida mãe de Anne, e passa a expor um conto sobre a Grande Guerra, remontando ao início do duradouro matrimônio entre os dois: Lena (Melanie Thierry) acabara de descobrir sua gravidez, o que deixa seu marido Michel (Benoît Magimel) obviamente preocupado. Já com a criança nascida, ele consegue expandir seus negócios, e finalmente abrir sua loja de tecidos, explorando seu belo talento e produzindo seu sustento e de sua família.

    Tudo corre como manda a tradição, Michel consegue lograr êxito com seu negócio, até que a entropia adentra o seu cotidiano. Inesperadamente, seu irmão retorna de um “campo”, de onde todos achavam que não poderia sair vivo. A existência de Jean (Nicolas Duvauchelle) não era de conhecimento geral até então. Ele era um párea mesmo entre seu clã, por motivos políticos, evidentemente.

    Logo Jean junta as suas forças ao seu irmão, auxiliando-o a tocar a loja. Seu passado é posto em crédito, com uma preocupação de que ele tivesse uma vida borrada ou boêmia, ligada a ilegalidades, já que para todos os efeitos, ele estava foragido. Surpreendentemente, ele acaba sendo de um auxílio valioso a Michel.

    Com o desenrolar dos acontecimentos, Jean não consegue esconder seus interesses relacionados a contestação, tampouco consegue esconder sua natureza, apresentando um comportamento e carisma demasiado sedutor, cooptando até aqueles a quem “usufruir” dele seria proibido. Não demora muito para o ideal utópico vermelho cair sobre ele, fazendo-o correr perigo de vida novamente, o que obviamente enfia seus familiares também à deriva no cenário político francês, além, é claro, de explorar uma gama de sabores condenados.

    Anne não se contenta em somente verificar os relatos via memorandos, e vai encontrar seu genitor, para tentar desmistificar o fato de não ter tido até então o conhecimento sobre um parente tão próximo, mas que, por falta de qualquer menção, jamais foi conhecido. A sequência de reencontro, apesar do caráter agridoce, guarda momentos um tanto vergonhosos, seja pela maquiagem forçada de Benoît Magimel, ao tentar emular um senhor geriátrico, ou por sua incômoda sensação de estar descoberto, ante a verdade inconveniente que se aproxima de ser exposta.

    O ato anterior parecia excessivamente moralista para esconder as indiscrições incestuosas, sempre sugeridas e consumadas ante a câmera recordatória de Diane Kurys. O rememorar resgata as lembranças afetivas, e as tristes também, como todo álbum de fotografias, que ao registrar os momentos mais felizes, não faz esquecer o espaço em branco entre os retratos, os episódios menos glamourosos e não tão dignos de nota ou recordação. O roteiro, apesar de alguns percalços, consegue apresentar uma história bastante humanizada, que equilibra bem momentos de infidelidade sentimental, um pecado moral e condenável com a dificuldade em manter um ideal essencialmente político e social, exibindo curvas dramáticas das mais viscerais, especialmente pela fita ser conduzida em sua integridade por uma abissal leveza de espírito.

  • Crítica | Annabelle

    Crítica | Annabelle

    O sucesso Invocação do Mal começa com a primeira entrevista feita por Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga) às estudantes de enfermagem Debbie (Morganna May) e Camilla (Amy Tipton), que falam a respeito da misteriosa boneca que estava lhes causando problemas. Acreditava-se que a boneca estava, de alguma forma, amaldiçoada. A cena termina com Ed Warren dizendo que irá ajudar as meninas. No decorrer do filme, a boneca reaparece dentro de um vidro e sua história é contada rapidamente aos personagens pelo casal Warren. Quando Annabelle se inicia, a mesma cena se repete, com Debbie (novamente vivida por Morganna May) falando da boneca. Então, logo se imagina que a fita contará a história da futura enfermeira, juntamente com o trabalho do casal Warren no caso, (considerado baseado em fatos reais), certo? Errado.

    A história volta ainda mais no tempo para contar um fato que se passa antes da boneca ir para as mãos de Debbie, e, consequentemente, antes do casal Warren entrar em cena, o que, de certo modo, decepciona. Porém, o episódio em questão nos apresenta o jovem casal Mia (Annabelle Wallis – onde qualquer semelhança é uma estranha coincidência) e John (Ward Horton), prestes a ter seu primeiro filho, passando por um trauma muito forte quando sua casa é invadida por Annabelle Wallis (Tree O’Toole) e seu namorado (Trampas Thompson), que fazem parte de uma seita satânica. O casal assassino tinha acabado de matar os pais de Annabelle e passaram a atacar Mia que teve sua barriga esfaqueada. Com a chegada da polícia, Annabelle acaba morrendo no quarto do bebê, tendo parte de seu sangue derramado dentro de uma boneca que estava lá. Assim, a família, que agora possui um bebê saudável passa a experimentar em sua casa estranhos acontecimentos, encerrando um ótimo primeiro ato.

    É uma pena que o filme perde muito de seu fôlego. Por conta das experiências vividas na casa onde ocorreram os assassinatos, Mia e John se mudam para um apartamento, porém a televisão insiste em dar defeito, as portas continuam a bater e a boneca insiste em aparecer numa posição diferente da que foi deixada. É o bastante para Mia buscar conhecimento sobre entidades, demônios e tudo relacionado ao ocultismo numa livraria perto de sua casa. Lá, ela é auxiliada por Evelyn (Alfre Woodard), dona da livraria e com a cabeça bem aberta por já ter passado por experiências estranhas. E quando descobrem a real ameaça, decidem procurar a ajuda do padre Perez (Tony Amendola), conhecido do casal por ser o padre da igreja que frequentam.

    Talvez pelo fato de toda a equipe técnica de Invocação estar diretamente envolvida (emocionalmente, inclusive) com a produção de Velozes e Furiosos 7, a direção ficou a cargo de John R. Leonetti, responsável pela fotografia de Invocação, sendo o único a retornar juntamente com o responsável pela trilha sonora da franquia, Joseph Bishara. Com isso, o roteiro escrito pelo estreante na tela grande Gary Dauberman não se sustenta, trazendo soluções manjadas e experiências idem, vindo, inclusive a adaptar, de certa forma, o final de um grande clássico do horror. Pelo menos, deixa uma ponta para o aparecimento do casal Warren em um eventual segundo Annabelle, contando então a história da estudante de enfermagem mencionada no começo deste texto. Não custa sonhar.

    Apenas a título de curiosidade, recomenda-se uma pesquisa na internet sobre a boneca Annabelle, bem como do casal Warren. É possível, inclusive, visitar o local onde a boneca está guardada na caixa de vidro, além de outros artefatos recolhidos pelos Warren nos seus 50 anos de investigações paranormais. Também é possível encontrar gravações reais de entidades se comunicando com os Warren em algumas de suas investigações.

    Desta forma, chega-se à conclusão que Annabelle foi mais uma tentativa do estúdio faturar algum dinheiro com o sucesso de Invocação, enquanto o diretor James Wan, ao terminar VF7, decide ou não fazer a sequência de seu maior sucesso.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Clube da Luta

    Crítica | Clube da Luta

    Clube da Luta 1

    Por vezes, a humanidade passa por períodos de conflitos. Do antigo com o novo, do espiritual com o material, do “certo” com o “errado”, dentre outros. Também nessas épocas, a humanidade tenta produzir obras para interpretar esses fenômenos e as angústias do homem. Atualmente, em uma sociedade pós-industrial e com gerações de jovens com cada vez mais recursos e cada vez menos perspectivas, o livro de Chuck Palahniuk oferece uma visão singular sobre nós. Adaptado para o cinema em 1999 por David Fincher, o filme Clube da Luta não fez sucesso em sua estreia, e foi muito mal falado por muitos dos principais críticos de cinema do planeta. Porém, hoje, é cultuado por jovens e adultos que identificam na obra a crítica ao vazio existencial de milhões de pessoas frente a uma cultura de consumo em massa, que propõe definir personalidades através da compra de produtos.

    A história gira em torno do narrador (Edward Norton), um funcionário de uma indústria automobilística nos EUA e que leva uma vida tediosa, enquanto descarrega suas frustrações consumindo itens para decorar sua casa, mesmo que não use nada disso. Ao conhecer o excêntrico Tyler Durden (Brad Pitt) em uma viagem de negócios, sua vida irá mudar completamente.

    Dividido em três atos, o primeiro se concentra em detalhar o vazio da vida do narrador (fazendo uma analogia com a vida moderna da humanidade em geral) e sua tentativa de vencer a insônia que lhe impede de dormir. Quando passa a frequentar os grupos de ajuda a pessoas com doenças graves, encontra um certo conforto na profundidade de emoções de pessoas perto do fim, até sua hipocrisia ser desmascarada por Marla Singer (Helena Bonham-Carter), uma mulher atormentada que também procura os grupos de ajuda, segundo ela, por ser mais barato que cinema e ter café de graça.

    O primeiro ato tem como maior mérito a direção de David Fincher, e a edição, com cortes rápidos e usando artifícios para exemplificar o vazio existencial do narrador. As luzes da máquina de xerox se relacionando com a passagem do tempo, e a correria do aeroporto para hotéis com a velocidade dos aviões fornecem um importante elemento de como sua vida está passando, e ele parece sempre estar correndo atrás dela.

    O segundo ato, quando o narrador conhece Durden em um avião, é focada em estabelecer a relação entre ambos. Enquanto o narrador, que já conhecemos, mantém se mostrando superficial e preocupado com bens materiais, Durden oferece outra perspectiva ao fazer uma série de críticas ao consumismo e a forma como somos programados para simplesmente fazer o que a propaganda manda.

    O ponto alto dessa sequência é quando Durden pede para que o narrador lhe dê um soco, o mais forte que conseguir, pois nenhum homem sabe muito sobre si até que tenha entrado numa briga. Tal ato desencadeia a principal linha narrativa do filme a partir de então: a de autodescoberta e autoconhecimento do homem enquanto atinge seus limites físicos e mentais no chamado Clube da Luta, que consiste em pessoas comuns lutando de forma crua e brutal, com as famosas 10 regras, replicadas à exaustão na cultura pop. Funcionando como válvula de escape do homem selvagem preso dentro do reprimido homem moderno, o clube funciona como um elo entre todas aquelas vidas sem sentido, e a camaradagem ali surgida, além da devoção a Durden, servirão também de elemento principal da construção do terceiro ato.

    Simplesmente a libertação individual através do clube da luta não adiantava mais. Era necessário levar essa etapa adiante com o Projeto Caos, onde atos de vandalismo e depois “terrorismo” eram cometidos seja para mandar mensagem, seja para realmente tentar mudar a lógica da sociedade moderna ao explodir os prédios e os centros de informação das empresas de cartão de crédito para zerar as dívidas de todas as pessoas do sistema.

    O terceiro ato, então, se dá exatamente na construção e clímax das ações do “Projeto Caos”, onde o narrador acorda assustado para uma realidade que foi construída sob seus olhos. Quando descobre o que está realmente acontecendo em sua volta (e consigo mesmo), é tarde demais.

    Um dos segredos do sucesso de Clube da Luta é se focar justamente em uma geração que tem todas as necessidades materiais satisfeitas, e como isso não consegue satisfazê-los por completo enquanto seres vivos, ao contrário de toda a propaganda do século XX. Cada vez mais doenças comportamentais como obesidade, associadas ao consumo de drogas prescritas (além de uma nova geração de doenças como depressão, TDHA, DDA, etc.) indicam que o homem moderno não está feliz onde se encontra. Utilizando-se fartamente de metalinguagem, a história tenta mostrar por um lado tragicômico esse quadro. A sequência criada unicamente para o filme, dos protagonistas levando sacos de gordura de lipoaspiração feitas em madames ricas para fazer sabão, que será revendido a elas, demonstra a genialidade agressiva e brutal de um círculo tão simples de acontecimentos.

    A narração, ferramenta tão criticada e tão comumente mal usada, é perfeita no objetivo de clarificar ao espectador o que se passa na cabeça do narrador, aflito por tantas questões no início, e depois nos acompanhando em sua descoberta de um novo mundo, apresentado por Tyler Durden.

    Também importante são os diálogos milimetricamente pensados. Nenhuma fala está desconexa junto ao contexto do filme, ou apresenta contradição. Cada personagem tem sua personalidade e funções definidas, e suas interações representam esse universo de forma crível, fortalecendo a história. Por vezes usando passagens literais do livro, às vezes alterando-as, e até mesmo criando outras totalmente novas, Fincher consegue criar novos elementos dentro deste universo que avança a discussão colocada pelo livro de Palahniuk, o que também é bem raro na indústria cinematográfica. As atuações de Pitt e Norton, talvez as melhores de suas carreiras, também contribuem para isso.

    A música dos Dust Brothers, com toques eletrônicos e industriais (que lembra um pouco o que Fincher iria buscar depois na parceria com Trent Reznor), também contribui para criar o clima seco e caótico do filme, também construído pelas cores de tom alaranjado, azul e cinza usadas, cada um com seu propósito.

    Além da parte técnica, os méritos do filme vão para as citações, iconizadas e reproduzidas por fãs no mundo todo. Frases como “As coisas que você possui acabam te possuindo”, “É somente após perder tudo que você está livre para fazer qualquer coisa” e outras simbolizam essa dicotomia entre uma humanidade que consome para preencher um vazio, mas que nunca consegue. A atração por ideias tão radicais também se dá pela necessidade do espectador procurar um contato com sua natureza interna, ao mesmo tempo em que nega a propaganda a que foi submetido por toda a sua vida. A ação direta contra o sistema, passando longe dos gabinetes políticos e discursos oficiais vazios soa como música para uma geração intermediária, que não construiu nada, não lutou contra nenhuma ameaça real, e aproveitou todos os frutos dessas conquistas. Como o próprio Tyler diz, a falta de desafios reais torna essas vidas uma grande depressão. O próprio conceito de luta de classes é ressignificado não só como interpretação teórica da realidade, mas na ação direta, no puro caos criado pela classe trabalhadora na vida dos ricos através de ações como urinar em sua sopa ou colocar cenas de filmes pornográficos em filmes infantis.

    Clube da Luta funciona, então, como um retrato não só de como as atuais gerações jovens se sentem, mas como elas gostariam de se sentir, e experiências que gostariam de viver. Os clubes da luta e a violência física funcionando como um abandono a toda a sofisticação da vida moderna, e a busca pelo contato com o lado selvagem perdido da humanidade. Talvez o filme não fale para todos. Para aqueles poucos que se sentem confortáveis frente a imensidão do planeta, soe tudo bobo, inocente e negativo demais. Porém, análises profundas da realidade social soam negativas e atraem antipatia ou indiferença de quem não compreende, não se importa ou ainda não se viu em contato com essas questões. Mesmo nestes casos, Clube da Luta pode ser muita coisa, mas não é “simplista”. Nem perto disso. Sua mensagem, produzida nos anos 90, ainda menos “moderno” do que hoje, continua atual e profunda, atraindo novos fãs que também sentem em si esse eterno desconforto com a sociedade. E a tendência deste desconforto é a de só aumentar.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Candidato Honesto

    Crítica | O Candidato Honesto

    Utilizando a desilusão do povo com a política prolixa, falastrona e mentirosa praticada no Brasil, O Candidato Honesto apresenta um produto típico das comédias da Globo Filmes, mais uma vez tentando remontar o sucesso das velhas chanchadas e chamar o público com seu astro principal, Leandro Hassum, conhecido especialmente pelo humor físico e desbocado, além de integrar programas televisivos de qualidade duvidosa.

    A plateia embevecida abraça a trama desde o início ao sorrir com piadas bobas, repletas de trocadilhos com seguimentos escatológicos. O background do político João Ernesto é semelhante é ao do presidente Lula com passado um sindicalista ligado ao setor dos transportes. Em meio a trilha que destaca a corrupção eleitoral, a campanha de Ernesto é mostrada com situações repetidas entre minorias, desde o Movimento de Sem Terra, operários, paraguaios e assim segue.

    A fotografia acompanhada da luz chapada aumenta o escopo de desfaçatez, tanto do candidato quanto no roteiro e direção de Roberto Santucci. A imprensa que envolve João é complacente com seus atos, tratando-o de forma tranquila, sem discussões de qualquer proposta ou questão espinhosa. A vida pessoal, pautada num estilo playboy bon vivant é tratada sem qualquer viés denunciativo, que só não é pior composto do que o costumeiro hábito de Hassum em fazer piadas com sua voz abaixando tons inteiros ao mentir, acompanhada de um vocabulário chulo para referir aos seus aliados e familiares.

    O erro crasso do roteiro é fomentar a estupidez na discussão de ideias relativas ao rumo político do país, apelando a piadas típicas de redes sociais e frases de subcelebridades para garantir o riso do público. Nem mesmo a curva dramática, envolvendo a lição de moral dada por sua convalescente avó, Dona Justina (Prazeres Barbosa), se sustenta. Aos moldes do filme de Jim Carrey, O Mentiroso, um feitiço é lançado para que o plenário fale sempre a verdade. No leito de morte a anciã promete conversar com Deus para mudar o destino do antigo netinho querido.

    A atmosfera de total falsidade não é aplacada sequer pelo montante de palavrões presente nas palavras de João. O modo como o personagem age com a adimplência na câmara e com o mulheril é semelhante ao boatos envolvendo candidatos reais, como Aécio Neves. Diversas analogias rasteiras são mostradas como compras de ministérios por parte de partidários religiosos que convenientemente carregam uma mala com dinheiro.

    Como esperado em um roteiro padrão a redenção do personagem principal surgirá em algum momento, uma prerrogativa praticamente anunciada desde o primeiro minuto de exibição. O arrependimento surge na figura da repórter Amanda ( Luiza Valderato) que acredita na honestidade do político e fica desolada ao saber que este é corrupto e mandante do esquema de compra de influência chamado Mesadinha.

    O ultramoralismo da produção é elevado a alta potência até mesmo para a previsibilidade de sua abordagem com momento convenientes para a trama como o discurso do honesto João assistido por boa parte da população. O nível do poder do candidato é tanto que é capaz de falar para as câmeras até mesmo sem microfone, em horário não programado pela emissora. Tudo em nome de um discurso contra a corrupção, apelando ao final para um argumento bobo, louvando a nulidade do voto e a retirada da campanha de candidatos ficha suja. O paraíso existente nas palavras de João são capazes de anular a eleição e tamanha alienação contida neste seguimento sugere que a sequência foi escrita por João Revolta, um personagem revoltoso de um canal do You Tube. Candidato Honesto consegue se impor abaixo da linha de mediocridade em comparação com as outras comédias ruins de Hassum e de Santucci.

  • Crítica | Sexta-feira 13 (1980)

    Crítica | Sexta-feira 13 (1980)

    Sexta feira 13 - poster

    Quando o maníaco Ghost Face fez a pergunta “Quem é o assassino no filme Sexta-feira 13?”, em 1996, na primeira parte do filme Pânico, muitos na plateia provavelmente teriam cometido o mesmo erro que a personagem de Drew Barrymore fez ao responder. Jason Voorhees é um dos mais icônicos vilões de filme de terror, e sua máscara de hóquei é facilmente reconhecível como uma das mais assustadoras do cinema. Um assassino sanguinário, frio e calculista, que surge do nada e desaparece da mesma forma, levando consigo uma trilha de sangue e vísceras. Nada parece detê-lo: nem balas, nem facadas, e – diacho! – nem mesmo explosivos podem acabar com esse monstro silencioso. Só que ele nem mesmo aparece em Sexta-feira 13, primeiro filme da série de horror lançado em 1980!

    O filme começa no verão de 1958, em um acampamento chamado Crystal Lake, onde jovens cantam e tocam violão, enquanto um casal de monitores dá uma “escapadinha” para o andar de cima. Enquanto o casal está envolvido em seus “amassos”, uma câmera em primeira pessoa sobe as escadas, criando um clima de suspense que culmina na morte dos dois jovens apaixonados. Essa sequência inicial dá o tom do que seria o resto do filme, nunca mostrando o rosto do assassino, nem suas motivações para os assassinatos em série.

    Após os créditos iniciais, temos um salto no tempo para uma sexta-feira, 13 de junho do “presente” – provavelmente 1980, já que foi esse o ano de produção do filme, embora pudesse muito bem ser 1975 (dois anos em que 13 de junho caiu numa sexta-feira). Em uma pacata cidade do interior, uma jovem procura pelo acampamento Crystal Lake, onde será monitora no período de férias. As pessoas na cidade não se sentem confortáveis em falar sobre o local, mas ela acaba conseguindo uma carona até uma estrada próxima. Enquanto isso, os novos monitores começam a chegar ao acampamento para a semana de treinamento que antecede o início da temporada de verão. Os jovens então se divertem em seu primeiro dia, avisados de que o treinamento de verdade começaria no dia seguinte.

    Enquanto isso, a garota que procurava pelo acampamento no começo do filme consegue uma nova carona, mas dessa vez não vemos o rosto do motorista. Ela percebe que há algo errado quando a caminhonete em que está ultrapassa o limite de velocidade, e salta do veículo em movimento. A garota é então perseguida pela floresta, horrorizada, numa sequência novamente em primeira pessoa, na qual não vemos mais uma vez o rosto do assassino.

    A matança começa no cair da noite, dando início ao padrão da série: anoitece, chove, cai a energia, casais fazem sexo e morrem. Não há muito que falar sobre as mortes em si, exceto, talvez, que um dos garotos assassinados era Kevin Bacon antes da fama. É estranho nesse primeiro filme não sabermos absolutamente nada sobre a identidade do assassino, o que causa certa falta de empatia no espectador. Não há como se importar com nenhum personagem. E, após um a um morrer, sobrando apenas a última vítima, é que descobrimos que o assassino é, na verdade, Pamela Voorhees, uma senhora de meia-idade interpretada por Betsy Palmer. O problema é que não fazemos ideia de quem diabos é a Sra. Voorhees! Ela não aparece durante o filme, e sua história trágica só nos é contada nos minutos finais. Se tivéssemos algumas dicas durante o desenrolar da trama de que um garoto havia morrido por negligência dos monitores anos antes, e que depois disso coisas estranhas vinham acontecendo, talvez nos preocuparíamos mais com o destino dessas pessoas. Mas não sabemos nada disso até que a Sra. Vorhees revele sua motivação à última vítima, que consegue fugir e decapita a assassina com um facão. A jovem então dorme num barco, no meio do lago, e quando a polícia chega ao amanhecer, um garoto emerge abruptamente das águas e a puxa para baixo. Ao fim do filme, fica a dúvida se isso realmente aconteceu, pois os policiais que a resgataram dizem não terem visto garoto algum.

    Sexta-feira 13 foi bastante influenciado pelo filme Halloween: A Noite do Terror, de John Carpenter, lançado em 1978. A fórmula narrativa é basicamente a mesma. Além disso, é basicamente um Psicose ao contrário (sendo aqui a mãe viva e o filho morto!), mas, apesar de não ser o primeiro do subgênero slasher films (filmes de suspense ou horror baseados em assassinos em série), é um dos mais queridos. Isso justamente por causa de suas sequências, que foram ficando cada vez melhores até piorar de vez! Talvez o maior mérito do filme seja justamente ter semeado o caminho para os próximos capítulos da série e o impacto no imaginário da cultura pop.

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