Categoria: Cinema

  • Crítica | O Incrível Mágico Burt Wonderstone

    Crítica | O Incrível Mágico Burt Wonderstone

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    Steve Carell ganhou notoriedade com seu papel de Michael Scott na versão americana de The Office, onde o principal mérito do ator era o fato de não emular a versão original – e muito mais constrangedora – encarnada por Ricky Gervais. No entanto, o que deveria ser apenas um papel tornou-se uma máscara, um modo de atuar, que fracassa algumas vezes e acerta em outros, e este é o caso de O Incrível Mágico Burt Wonderstone, onde o estereótipo funciona.

    Apesar de já ter flertado com filmes onde se exige uma maior capacidade dramática, dando mostras de que não é um ator incompetente, é no filão de comédias de conteúdo estúpido com uma mensagem fofa por trás que Carell se sente mais a vontade e agrada mais o público. Burt Wonderstone, seu personagem, é mais um desajustado, excêntrico, egocêntrico, sexista, além de ser um artista ultrapassado, que teme a novidade e tem óbvias dificuldades em mudar.

    A história mostra desde a sua infância, onde se inspira em Rance Hanson (Alan Arkin), um famoso mágico, para seguir seu caminho. Com o tempo, forma uma bela dupla com seu amigo de infância Anton Lovecraft, Steve Buscemi, com quem faz inúmeros shows em Las Vegas. Sua popularidade é consideravelmente alta, o que o deixa confortável até o surgimento de uma nova “espécie” de mágicos/ilusionistas, muito mais visceral e extrema do que ele, encarnado por Steve Haines.

    A nova forma da mágica não tem limites ou normas de segurança muito bem estabelecidas, pondo em perigo o profissional o tempo todo, e isso deixa o público maravilhado, mais por deixá-lo impressionado, confundindo o receptor, do que por sua qualidade em si. A escolha de Jim Carrey para o papel é curiosa e até emblemática por este ser um humorista de uma geração mais tradicional do que a do protagonista, mas fazendo um humor escatológico, que flerta com artistas novos, a exemplo, Jackass. Haines é um agente do caos, com um ar nonsense e bizarro, além dos limites do suportável, que evidencia que os tempos são outros.

    Em contrapartida, após cair em decadência e perder tudo o que tinha, Wonderstone se volta para um público antes desprezível, em um asilo de idosos, e para sua surpresa reencontra a paixão por seu ofício, através do seu mentor Rance Hanson, que com toda sua rabugice e insensibilidade restaura o seu amor pela mágica, fazendo-o lembrar que esta é a responsável pelo rompimento com a realidade dura e cruel.

    A prática do ilusionismo representa algo antiquado, que já foi adorado – em especial por crianças – mas está fora de moda, mais uma vez reforçando a mudança como dificuldade de vida, e rompimento com a rotina como um desafio quase insuperável. Don Scardino, acostumado a dirigir episódios de sitcom, consegue levar o tom de humor e equilibrar o elenco de estrelas de uma forma competente, e apesar da mensagem final ser um pouco piegas, não há  grandes motivos para reprimendas em sua direção.

  • Crítica | Carne de Cão

    Crítica | Carne de Cão

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    Segundo longa-metragem dirigido por Fernando Guzzoni, realizador do documentário chileno La Colorina junto a Werner Giesen, Carne de Perro narra a história de Alejandro, um ex-servidor militar de passado obscuro, ligado de forma indefinida ao regime de Pinochet e que segue sua vida de forma conturbada, sem muitos recursos e afastado daqueles que ama e que jurou cuidar – sua esposa e filha.

    Alejandro Goic, que interpreta o protagonista homônimo empresta muita veracidade ao drama presente na história, encarnando uma alma confusa e furiosa que tem muita força e agressividade para transmitir, mas não sabe como catalisar toda essa fúria. Em momento nenhum fica claro quais eram as motivações do passado de Alejandro, e isso até contribui para a construção da personalidade caótica dele. No primeiro momento em que é posto em cena, o protagonista tem um ataque de raiva ao receber um telefonema, quebra o aparelho e esmurra a parede quase pondo-a abaixo. Após isso ele lava sua mão ensanguentada enquanto a câmera foca o seu punho deformado e inchado graças as batidas, demonstrando com imagens a selvageria a que o personagem estava acostumado a viver.

    O motivo do rompante de ódio era a notícia do falecimento de um de seus antigos companheiros. No velório, Alejandro puxa o filho do defunto de lado e profere palavras de ordem com o dedo em riste, da forma mais convincente que conseguiria expressar: “Seja um bom chileno, como o seu pai foi!” – ao ouvir isso, o rapaz se desfaz em lágrimas. Mais tarde, a ordem dos fatos mostra que o motivo da morte foi um suicídio, algo que apavora demais a psiquê já combalida do personagem principal.

    Ele se sente abandonado também por seus companheiros do grupo de apoio a ex-combatentes, pois estes são incapazes até mesmo de providenciar para si auxílio médico. Ao finalmente conseguir uma consulta, é passado para a ala psiquiátrica, onde ouve a contragosto que o mal pelo qual passa são crises mistas, movidas por ansiedade e angústia. Apesar da obscurescência de seu passado, dá para traçar um paralelo com a situação dos mariners estadunidenses após a Guerra do Vietnã, pois neste retrato os dramas são muito parecidos: mentes perturbadas pelas atrocidades cometidas no passado, mas sem a compreensão nem por parte de seus iguais, representados pelos militares aposentados, e nem pela opinião pública, representada pela ex-mulher que faz questão de manter distância do antigo cônjuge.

    O carro quebrado, táxi em que Alejandro trabalha, simboliza a vida destroçada que ele insiste em manter, impedido até de conseguir o seu sustento de forma digna. Demonstra vulnerabilidade nas cenas em que deita-se no colo da menina, possivelmente buscando nela o amor que não tem na filha e na mulher. Nas cenas no chuveiro, através da água que escorre por seu rosto, permite-se chorar, seus sentimentos mais íntimos só afloram nas cenas em que a limpeza é o foco dos atos.

    A cena em que agride o seu cachorro, único ser remanescente de sua antiga rotina, demonstra todo o descontrole emocional pela qual ele passa, além de explicitar a sua vontade de não existir mais, o fato de cuidar das feridas do animal pode ser encarado como uma última tentativa de viver, que desemboca na sua mudança de atitude com relação a figura religiosa. A forma como Alejandro se agarra nisso demonstra sua vontade de viver, usando a crença no divino como avatar da mudança de atitude e de amor à própria vida. O roteiro de Guzzoni prioriza muito a mensagem pelo visual e acerta nessa escolha de uma forma delicada e pontual.

  • Crítica | Canibais

    Crítica | Canibais

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    A última pérola de Eli Roth, Canibais ( do original The Green Inferno), faz uma homenagem justa e muito fiel às fitas italianas de canibais, pautados numa realidade fantasiosa e absurdamente preconceituosa dos hábitos indígenas do lado de baixo da Linha do Equador. Sem realizar um filme há bastante tempo – o último, O Albergue: Parte II, havia sido registrado em 2007 – excetuando, claro, o segmento O Orgulho da Nação, em Bastardos Inglórios, o realizador demonstra que ainda possui uma mão forte para registrar o sadismo e a ferocidade inerentes e inexoráveis à existência humana.

    O roteiro escrito pelo próprio diretor em conjunto com Guilermo Amoedo (Aftershock, Que Pena tu Familia), mostra um bando de jovens idiotas e suas motivações batidas, quase todas voltadas para sexo com uma falsa capa de preocupação social. A história acompanha Justine, interpretada por Lorenza Izzo, uma menina bonita, rica, filha de um representante da ONU, que se aproxima de um grupo de ativistas por simpatizar com a figura de seu líder, Alejandro, Ariel Levy. A motivação banal cobra o seu preço e logo ela se vê viajando até o Peru para defender uma tribo indígena da extinção, acompanhada é claro por um grupo de jovens tão alienados quanto ela, com direito a estereótipos raciais e arquétipos toscamente construídos – tudo é feito sem razão aparente e zero motivação lógica, exatamente como os filmes trashs que o cineasta tenciona homenagear.

    O grupo que tenta levar a civilização americana aos pobres latinos não fica impune e tem seu avião abatido, aparentemente por acidente, caindo na selva amazônica. O show de xenofobia se agrava, mostrando os nativos como seres sem escrúpulos, primitivos, religiosos e claro, canibais. O show de goire é muito bem registrado, o elenco de desconhecidos é maltratado, dilacerado, decepado, tem seus órgão vitais postos a mostra, membros cortados ainda vivos e mais um sem número de barbaridades que tornam a fita incomodamente hilária para quem tem estômago fraco, mas que constitui um verdadeiro deleite para o cinema de mal gosto.

    Eli Roth mostra muita evolução na maneira de filmar, desde as cenas de tortura lancinante, até os registros no interior do avião com a gravidade em estágios anormais, numa “belíssima” cena de vômito em que os fluidos tomam a direção vertical a norte – sensacional, além, é claro, de brincar com a visão tosca do estadunidense médio sobre os perigos estrangeiros, tema abordado antes em seu Hostel. A câmera na mão emula a sua referência óbvia aos mockumentaries como Canibal Holocausto, não que isso seja um demérito, visto que sua habilidade de registro é primoroso.

    Se há alguma inteligência no roteiro, esta se esconde atrás dos diálogos absurdamente engraçados, em especial os de Alejandro, que revela a real intenção do ato rebelde como uma encenação para desviar os olhos da mídia do trabalho de seus contratantes. O mais tresloucado e sem noção do grupo – que em determinado momento se masturba na jaula para aliviar a tensão, claro recebendo a reprimenda de seus colegas – é por incrível que pareça o mais lúcido, ao dizer “Acha que o governo não sabia de 9/11, ou que ele combate o tráfico de drogas? Bons e maus são farinha do mesmo saco!

    A tribo de Yajes é um show a parte. Suas mulheres são recatadas e cobrem seus seios, mesmo que nenhuma seja esteticamente apetitosa, aliás, a única crítica negativa a obra é a quase que completa ausência de nudez. Como já era de se esperar, os jovens vão morrendo um a um, até que só sobre a protagonista, que em seu relato final exime os nativos da culpa, negando que eles sejam canibais, para no final, ela enxergar nos seus colegas de faculdade, camisas com a foto de Alejandro, seu nêmesis, como uma inspiração a la Che Guevara. Eli Roth mostra que está em sua melhor forma, trazendo o melhor produto de sua pequena porém relevante filmografia, superior até mesmo a Cabana do Inferno. Canibais é uma ode ao cinema exploitation, além de consistir num dos filmes mais engraçados de 2013.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

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    É muito difícil falar de É o Fim sem entregar um grande e vital spoiler sobre o filme. Talvez você diga: “Ah, mas filmes sobre o fim do mundo têm aos milhares por aí ultimamente”. Mas pode acreditar, nenhum deles é igual a esse. No meio de um mar de filmes com a temática “fim do mundo”, É o Fim consegue ser bem original (dentro dos filmes hollywodianos do gênero), por mais paradoxal que isso possa parecer.

    A história se passa num dia normal onde Jay Baruchel (interpretado por ele mesmo) chega a Los Angeles pra visitar seu amigo Seth Rogen (também interpretado por ele mesmo). Seth então convida Jay para ir a festa de inauguração da casa de James Franco (é, como você imaginou ele é interpretado por James Franco) ao qual Jay aceita relutantemente. E é quando eles estão lá, que o dito Fim do mundo começa a acontecer, deixando o trio preso ao local, junto com Danny Mcbride, o “senhor bom demais pra ser verdade”, Jonah Hill e Craig Robinson.

    E o mais legal é justamente ver os atores interpretando uma versão caricatural de si mesmos, sem medo de se mostrar como um bando de drogados, covardes e egoístas entre outras características mundanas. O filme inclusive lembra muito a pegada de Segurando as Pontas, filme do próprio Rogen, que inclusive é citado seguidas vezes no filme. Vale destacar as hilariantes pontas de outras estrelas de Hollywood como Emma Watson, Rihanna, e o doidão Michael Cera (no melhor papel de sua carreira, provavelmente).

    Obviamente está presente aquele humor escrachado, comumente imoral dos filmes de Rogen, além, é claro, de girar em torno de amizades masculinas (os chamados browmances) outra característica marcante nos filmes roteirizados por ele. Mas o humor nonsense é o principal atributo desse filme. E sim, é o fim do mundo, então vai ter sangue, membros amputados entre outras tiradas que apesar de darem um susto inicialmente, acabam te fazendo morrer de rir do humor negro bem aplicado no roteiro.

    Com sinceridade, no final me encontrei num clima total de incredulidade tentando acreditar no que esses caras foram capazes de fazer, sem saber o que esperar na próxima cena. E a cena final… A cena final só pode ser definida como “What the F#@$…???” Simplesmente a cereja do bolo de loucuras que o filme se propõe.

    É o Fim, dentro de um gênero que se repete exaustivamente com o mesmo tipo de situações e piadas repetitivas, é uma comedia com um plot diferenciado. Se você é menor de 18 anos e meio sensível a sangue, vai assistir qualquer outra coisa, esse filme não é pra você.

    Mas se você tem um humor afiado, sem frescuras e com uma pitada caprichada (bota caprichada nisso) de humor negro, assista, pois é de rachar o crânio (talvez literalmente).

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | Super

    Crítica | Super

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    O foco do filme, logo de início é em Frank Dabor, interpretado por Rainn Wilson, um sujeito de vida ordinária, sem quase atrativo nenhum, com pouco tato social e nenhuma noção do que é atrativo ou não para os outros seres humanos. Em suma é um loser, humilhado desde a infância, que só teve dois momentos dignos de nota: O dia do seu casamento, e a vez em que ajudou um policial a pegar um bandido apontando para onde o marginal foi.

    Super é o segundo filme dirigido por James Gunn, e mostra a rotina enfadonha de seu protagonista com a câmera na mão, explicitando uma realidade nua e cruel explicitando a vida patética e apática dele. Frank é tão desmotivado que acha em um programa de canal evangélico a inspiração que  provocará a mudança em sua vida, assistindo a uma esquete com um super-herói politicamente correto. A mensagem “sagrada” vai de encontro ao seu próprio ideal ético e o motiva a fazer a diferença ele mesmo. Frank se entrega ao vigilantismo, como se esta fosse a única forma de ser feliz e reconquistar a garota, e deixa claro que só opta por esta decisão porque é a única que conhece.

    O herói recusa o seu chamado indagando a Deus se Crimson Bolt é mesmo o desejo divino para o seu destino. O personagem não havia dado mostras até então de ser religioso, e escancara a total falta de motivação em sua vida, se agarrando a primeira solução que aparece a sua frente, o que é evidenciado ainda mais pelo fato de ele não cobrir nenhum rastro – usa o mesmo carro em sua vida civil e de combatente do crime, chama uma atenção desnecessária para si, é atrapalhado e estabanado, e acho que para fazer o bem só é necessário querer fazê-lo, mesmo que sem preparo.

    A trama envolve assassinato, uso abusivo de drogas, prostituição, tráfico de pessoas e uma violência cheia de grafismos, mas em uma tônica humorística como uma capa, que envolve o filme e o cristaliza, tornando-o um espécime curiosíssimo. Os golpes e hematomas são hiper-realistas se comparado com outros filmes de humor, há amputação de membros, deformações corporais, massas encefálicas à mostra e uma ultra violência bastante incomum.

    Apesar do pouco tempo em tela, a personagem Sarah, de Liv Tyler, parece ter tido na sua vida, a real escolha para a exploração de jornada do herói explicitada por Joseph Campbell e executada à exaustão no cinema hollywoodiano. Sua trajetória de vida passa por todas as etapas discutidas em Herói de Mil Faces e sua caracterização é a única que permite ter maiores nuances e detalhamentos de caráter, conduta e sensibilidade, o que faz analisar a história de Frank como algo acessório, um pastiche para fortificar a real história, que se torna ainda mais evidente com o final edificante do filme. Rainn Wilson parece funcionar melhor como coadjuvante, a exemplo de The Office, e como no seriado, ao máximo funciona neste Super, com seu ótimo desempenho em tela.

  • Crítica | Terra Prometida

    Crítica | Terra Prometida

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    Terceira parceria de Gus Van Sant na direção, com Matt Damon nos roteiros, dessa vez sem os irmãos Affleck como fora em Gênio Indomável e Gerry, o guião é assinado em conjunto a outro ator, John Krasinski e trata de um personagem reticente quanto aos rumos que sua carreira está tomando, especialmente porque seu trabalho passa por tentar vender uma proposta a uma cidade interiorana, que o faz lembrar em muitos aspectos a sua antiga vida no campo.

    Steve Butler, Damon, acompanhado de Sue, Frances McDormand, vai até um cidade interiorana tentar convencer a população de que a instalação de uma exploradora de Gás Natural seria bom para a região, usando o tacanho argumento – suficiente para alguns dos residentes – de que a exploração tornaria os moradores em pessoas ricas. O plano parece ir para frente, até a intervenção de Frank Yates, Hal Holbrook, um professor de ensino médio que esconde um background de alto gabarito e tenta organizar um foco de resistência, que mais tarde, “parece” ser engrossada pelo esforço de Dustin Noble, um ambientalista que busca alertar a cidade para não repetir os erros de outros tantos lugares explorados pelo grupo Global. Frank jamais admitira qualquer união ou parceria com Noble, talvez demonstrando seu poder de observação e semi-onisciência, a personagem de Holbrook serve como catalisador do lado bom da consciência de Steve, sem dúvida alguma as mudanças ocasionadas na vida dele partiram primeiro do exemplo dele.

    A direção de Gus Van Sant é correta, sem maneirismos de câmera, um autêntico exemplar de narrativa clássica americana, o que fortalece ainda mais o trabalho de atuação de todo o elenco, irretocável para dizer o mínimo.

    O papel que Krasinski faz é o completo inverso do de Damon, pois Dustin finge ser atrapalhado e inseguro para se aproximar dos anseios da população, e literalmente joga para a arquibancada, especialmente quando canta o clássico de Bruce Springsteen, Dancing in the Dark – conteúdo simbólico até demais para sua trajetória no filme. Enquanto Steve parece ser o decidido e auto-suficiente empresário, mas que carece de retórica e repertório, Dustin aparenta ser um idealista preocupadinho com o bem estar geral, mas na verdade possui toda a situação em seu controle absoluto, além, é claro, de ser muito carismático e irônico, características que Butler persegue sempre, sem jamais conseguir alcançar, ao contrário, seu estado permanece o de ingenuidade até o fim. A rivalidade entre os dois é um dos pontos mais altos do filme.

    Steve acabara de receber uma promoção que tanto queria, mas o dilema moral o consome, a todo momento ele busca aceitação e redenção, diante dos outros e de si próprio, inúmeras vezes repete a fala “Eu sou um cara bom!”, além de ter essa qualidade proferida por muitos dos moradores, que sequer o conhecem, mas consideram-no um sujeito legal, apesar de sua profissão escusa. Essa inquietação ocasiona uma virada repentina em sua vida, aparentemente inesperada, mas até óbvia para quem observou suas atitudes do começo ao fim da história.

    A jornada de Steve Butler é de inexorável derrota, o plot-twist faz ele trair seus ideais profissionais em nome do código ético impresso em seu próprio caráter, e responde a indagação presente na fala geral da população: “O que um sujeito bom como você faz num trabalho como esse?”, a resposta é a mais politicamente correta possível e fecha o ciclo redentório de vida de Steve, que passa a enxergar toda a sua carreira e a sua vida sobre uma outra ótica, como uma volta às suas origens, o que torna o produto final um tanto corretamente moralista, mas não chega a ser um incômodo.

  • Crítica | Ladrões de Bicicleta

    Crítica | Ladrões de Bicicleta

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    Em 1948, a Europa, e principalmente a Itália, estava sob a sombra do pós-guerra: viúvas e mães sem filhos, jovens feridos, pobreza, desemprego e a memória ainda muito fresca do nazismo formavam a paisagem. A Segunda Guerra representa, culturalmente, um marco tão importante não só pelo número concreto de mortos e feridos, mas porque simbolicamente foi o fim de um projeto, o fim da ideia da Europa como marco da civilização e progresso, o fim de um mundo que acreditava que ciência e racionalidade só podiam trazer o bem. No centro do velho continente havia mais barbárie que nos confins da África, foi a grande descoberta do povo europeu.

    Se é um novo mundo, é necessária uma nova arte e, consequentemente, um novo cinema. O pós-guerra marca o início dos movimentos de modernização que culminariam nas diversas “Nouvelle Vagues” ao longo da década de 60 e na liberdade de diretores como Federico Fellini e Ingmar Bergman. Na Itália essa mudança vem com o nome de Neorrealismo.

    O Neorrealismo, como a maioria dos “movimentos” do cinema, não era um grupo organizado ou unificado, mas sim um momento da produção italiana em que diversos cineastas, cada um de forma individual, pareciam caminhar na mesma direção. Embora não exista um manifesto, ou um conjunto de regras, algumas características marcam os filmes neorrealistas: eles saem do estúdio e passam a filmar em externas, trazem personagens “do povo”, buscam olhar para os problemas sociais da Itália da época, trabalham com frequência com não-atores. A ideia é, como o nome do movimento indica, captar a realidade o máximo possível.

    Ladrões de Bicicleta é tido como um dos filmes marcos do Neorrealismo e, a princípio, ele é de fato um ótimo exemplar. O filme narra as dificuldades que um operário desempregado enfrenta para sustentar a família, é quase todo filmado em externas e o protagonista é interpretado por um verdadeiro operário de fábrica. Mas são inovações apenas de produção e o longa de De Sica permanece, em narrativa e linguagem, um filme clássico.

    O que não quer dizer que não seja uma obra prima do cinema. Mas há, efetivamente, pouca novidade em Ladrões de Bicicleta, ainda mais quando comparado com os outros filmes significativos da época, como Roma, Cidade Aberta e A Terra Treme. A narrativa acompanha Antonio, um operário desempregado que encontra uma possibilidade de emprego como pregador de cartazes, mas que logo no primeiro dia tem sua bicicleta roubada. Mas De Sica, ao contrário do que faziam seus contemporâneos, não se satisfaz em deixar a realidade e a miséria falarem por si só, ele é didático, emotivo e aproxima seu filme de um melodrama: a cena no restaurante não é realista, é milimetricamente construída para emocionar o espectador.

    Mesmo o momento em que alguma ambiguidade moral entra em cena e Antonio ensaia ser um anti-herói (o anti-herói, o bandido charmoso e sem moral, seria o personagem preferido das Nouvelle Vagues) a coisa foi contada de tal forma que o protagonista não chega nem perto de ser um ladrão, ele é uma vítima, um mártir. Os personagens de De Sica não são figuras anônimas da massa romana, como nos filmes de Rosselini, mas personagens “especiais”, heróis de suas próprias histórias, mesmo que estas sejam tristes, como em qualquer narrativa clássica.

    O Neorrealismo é uma resposta a um mundo de menos certezas, menos preto no branco. Roberto Rosselini mata sua protagonista nos primeiros quinze minutos de filme, Visconti sequer elege um personagem principal em A Terra Treme, a cidade e a multidão invadem seus filmes. Mas não Ladrões de Bicicleta. O rosto de Antonio aparece em close diversas vezes, assim como o da criança, mas a miséria generalizada do país não aparece, o protagonista é construído como um ser azarado, um sofredor individual, e não como um exemplo de uma situação maior.

    Ainda assim, Ladrões de Bicicleta é um lindo filme, De Sica conduz sua história com delicadeza e simpatia. Há humor e a cena final é, sem dúvidas, um dos grandes momentos da história do cinema. É um drama muito bem feito, mas o tema e a forma de produção são apenas uma fachada de novidade, essencialmente é um filme clássico, ainda mais quando colocado ao lado de obras revolucionárias. Um dos grandes momentos do cinema, mas não um momento que mudou seus rumos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Liga da Justiça: Ponto de Ignição

    Crítica | Liga da Justiça: Ponto de Ignição

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    A animação que dá origem ao reboot do DCAU (DC Animated Universe) começa com um brutal assassinato que culmina num trauma infantil. Barry Allen, o protagonista, é marcado com fogo ainda criança. Já adulto ele se atormenta, pensando que se fosse mais rápido poderia ter impedido o crime. O roteiro é baseado na saga de Geoff Johns e Andy Kubert, e apesar de tomar algumas liberdades, mantém-se fiel ao espírito da trama original.

    O quadro pintado mostra grandes diferenças da realidade alternativa mostrada em tela com o universo que o grande público está acostumado a assistir. O herói, acorda na delegacia, sua última memória é a de ter lutado contra o Professor Zoom. Logo ao sair do posto policial, percebe que algo está errado, pois sua mãe – a pessoa assassinada nos primeiros minutos de exibição – o recebe. Logo ele percebe que não tem mais seus poderes, e as mudanças não param por aí.

    Cyborgue é o cão de guarda do governo americano, Batman utiliza armas de fogo e tem outra identidade, a Mulher-Maravilha é a soberana do Reino-Unido, Capitão Átomo é utilizado como uma arma apocalíptica, Aquaman não é um bucha – é um tirano belicista amargurado – há muita informação para pouco tempo de tela, o que faz com que o conteúdo fique bastante jogado. O visual dos personagens também é modificado, os designs destes são quadrados e há uma clara influência de animações japonesas.

    Deixando a história de lado, ao menos as cenas de ação são bem executadas. O ataque dos atlantes é muito massa véio, todos os guerreiros são fodões absolutos, mas ainda assim há muita gratuidade. Qual a real necessidade de mostrar Mera – legítima esposa de Aquaman – vendo o marido “consumando” o matrimônio com Diana? Seria para justificar o ataque dela a rainha de Temyscera e ganhar tempo? A solução é tosca e empobrece um dos bons argumentos da revista original. As memórias de Barry Allen entram em conflito, aos poucos suas lembranças são substituídas pelos fatos que ocorreram naquele universo. O motivo do paradoxo é mal explicado, a correria do roteiro só serve para mostrar como Back to the Future seria catastrófico num universo levado a sério.

    A batalha final entre Arthur e Diana é muito bem feita, principalmente quando há interferência dos outros heróis. As caracterizações do Capitão Trovão e de Kal-El são muito boas. O ato final do Morcego é bem emblemático, apesar de ser um pouco piegas. Flashpoint Paradox tem graves erros, mas compila de forma leve os acontecimentos da história de Johns e Kubert, e mesmo com todos esses erros ainda possui mais sentido que a Mega-Saga de quadrinhos.

  • Crítica | Machete

    Crítica | Machete

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    O Projeto Grindhouse de Tarantino/Rodriguez não foi um sucesso de público, mas conseguiu alavancar a feitura de um filme derivado de um de seus trailers fakes, que eram exibidos entre os episódios. Este Machete é um pastiche por completo, a começar pelo seu protagonista, o sexagenário e coadjuvante de inúmeros filmes de brucutu – e colaborador de quase toda a filmografia de Robert RodriguezDanny Trejo, numa clara alusão humorística aos heróis de ação e claro, com uma violência exageradíssima e repleta de testosterona.

    O personagem principal é resignado, aparenta querer ser deixado em paz, escondendo dentro de si uma incômoda espera a um novo chamado à ventura – a oportunidade de retornar ao seu estado normal e à natureza de seus atos violentos. Seu código ético é incorruptível, busca justiça acima de tudo, mas não é seduzido pelo moralismo estúpido, e tem na vingança – por sua esposa morta – a grande motivação da sua vida. Mais clichê impossível, mas ainda assim, é bastante ousado.

    Há uma discussão óbvia sobre o tratamento dado pelos americanos aos imigrantes ilegais, usando-se de arquétipos absurdamente caricatos e maniqueístas, mas que escancara através do absurdo idealizado uma realidade dura e cruel. O estrangeiro é demonizado, comparado a inimigos do Estado como Saddam Hussein, e são até alcunhados como terroristas pelos antagonistas do herói da jornada.

    Mas é obvio que quem assiste Machete procura a plasticidade das mortes que Rodriguez sabe registrar como ninguém, e isso ocorre das mais variadas maneiras e formatos. Machete está acostumado a ser sabotado e sua recuperação dos ferimentos é praticamente automática, ele fica invisível debaixo de uma maca de enfermaria, o que faz crer que ele possua superpoderes. A cena do rapel de tripas tornou-se um clássico instantâneo na época e produz a mesma hilaridade hoje. As outras gags de humor também são muito bem feitas – o comercial de Osiris Amanpour (Tom Savini) são demais, aliás o personagem some da tela do nada, sem nenhuma preocupação com explicação. Há baseados mexicanos gigantes da espessura de charutos cubanos, as propagandas eleitorais do senador McLaughlin (De Niro), exaltando seu combate aos chicanos, comparando-os a pragas, o retorno com os personagens de Planeta Terror (o Doutor Felix e as gêmeas Electra e Elisa Avellan), os capangas arrependidos, com um discurso pró-imigrantes, os cortes rápidos em uma cena de Jessica Alba falando ao telefone imóvel, mas com a câmera mudando o ângulo a todo o momento, sem nenhum bom motivo aparente – tudo é pretexto para fazer piada, não dá para levar a sério um filme em momento nenhum.

    O personagem de Jeff Fahey, Michael Booth, conta todos os detalhes dos seu planos, tem uma boca aberta conveniente especialmente quando está sendo filmado, fato que também é muito engraçado. A batalha final é uma farofada enorme, tem de tudo, gente com carrinho de sorvete, ambulância assassina, escrotos se redimindo e voltando-se “para o bem”, ataque aéreo de moto. Até o desfecho épico para o personagem de Steven Seagal é perfeito, pois resume a sua carreira de “sujeito invencível e intransponível”, sendo somente ele um adversário a altura de seu próprio desafio, mas que sucumbe diante do que é justo.

    Atrás de toda essa capa de filme B, trash e de baixo custo com orçamento milionário, há um conteúdo forte de contestação. She de Michelle Rodriguez é um dos poucos personagens que se permitem ter um background decente. Suas motivações são nobres e óbvias, o que reforça ainda mais a escolha do roteiro por arquétipos prontos, montados para passar a ideia central. Ela veste a máscara de mentor e é um dos motivos de Machete reacender em si a vontade de agir a favor da justiça. Rodriguez – junto com Ethan Maniquis, também editor de Planeta Terror – traz um exemplar competente de exploitation e com uma temática presente em muitos dos seus filmes, a ode ao seu povo nativo e a valorização do imigrante ao território americano, em especial os mexicanos.

  • Crítica | País do Desejo

    Crítica | País do Desejo

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    Mais um produto da boa escola de cinema de Pernambuco, País do Desejo é dirigido pelo paraibano Paulo Caldas – realizador também de Baile Perfumado e roteirista do ótimo Cinema, Aspirinas e Urubus – e é ambientado na cidade de Olinda. Conta uma história peculiar, a respeito de religião, depressão e espera da morte, tocando em alguns temas bastante espinhosos.

    A história começa mostrando uma musicista – interpretada de forma magistral e belíssima por Maria Padilha – chamada Roberta, que se sente deprimida por estar perto da morte. Em outra esfera, é mostrado o dia-a-dia do Padre José (Fábio Assunção), enfrentando alguns problemas em sua paróquia, tanto os comuns ao ofício sacerdotal quanto alguns não tão corriqueiros – mas ainda assim de suma importância. Apesar das atuações por parte do restante do elenco, fora os dois citados, serem em sua maior parte equivocadas, as sensações são passadas de forma fidedigna, emocional e interessante.

    A principal discussão proposta pelo roteiro é o conjunto de malefícios que a prática religiosa extrema traz ao fiel, por vezes até passando por cima das carências e necessidades humanas, das mais básicas como óbvia primordialidade do prazer, até a saúde dos vitimados e carentes. Uma cena em particular demonstra bem a dualidade da igreja retratada no filme, em uma entrevista, o personagem do português Nicolau Breyner é indagado sobre uma menina que fora excomungada, e em seu discurso há uma clara pendência para um moralismo exacerbado em detrimento da prática “pecaminosa”, ainda que a infante não tenha a “culpa toral” por seus atos, enquanto o vitimador segue impune, por seus atos maus – pelo menos na visão do Padre José. O estupro é passível de perdão, já o aborto não, ao contrário, é motivo de excomunhão. Algumas vezes, a aptidão dramática débil de Fábio Assunção serve a trama e demonstra sua perplexidade com as façanhas da igreja. Seu papel aos poucos se torna a de um padre arrependido e descrente com a instituição.

    Após ser o único a destoar da postura radical da arquidiocese, o protagonista se indaga se vale a pena continuar o ministério. O personagem tem um histórico de combate ao anacronismo da igreja, mas sempre em prol das vidas e sem deixar o cristianismo de lado. As trajetórias de Roberta e José se entrelaçam e causam mais algumas reviravoltas, e nesse ato a história cai um pouco, apelando para alguns clichês.

    O núcleo familiar do padre é bastante peculiar, sua família faz uma festa de aniversário para comemorar o aniversário de uma moribunda e quase não menciona isso. A virada no final é meio confusa e acompanha a perda de qualidade iniciada no começo da relação entre José e Roberta, mas não é de todo ruim. País do Desejo traz uma ótica interessante sobre os tabus religiosos e a contradição que acompanha tais rituais litúrgicos, e por discutir isso, vale a pena ser visto.

  • Crítica | O Homem do Tai Chi

    Crítica | O Homem do Tai Chi

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    Devo informar que se você é uma daquelas pessoas que curte os aspectos técnicos dos filmes, como angulação de câmera, fotografia, figurino, mixagem de som, direção de arte e todos aqueles prêmios que o Oscar não faz nem questão de mostrar, essa crítica não é pra você! Eu vou falar do “cinema pipoca”. Da história contada, da atuação dos atores, das cenas que valem a pena ou não serem vistas.

    O que? Você ainda tá aí? Então beleza, vamos falar de Man of Tai Chi.

    Começo por dizer que o filme tem uma premissa interessante. Tiger Chen, responsável por levar o legado do Tai Chi, (é uma arte marcial chinesa, que é reconhecida também como uma forma de meditação em movimento) precisa de dinheiro para salvar o seu templo da demolição, e para isso começa a participar de lutas underground organizadas pelo empresário do mal Donaka Mark, interpretado por nosso querido Keanu Reeves, que também assina a direção.

    Simples e direto, não é? A estreia na direção de Keanu Reeves não incomoda, o que é um aspecto positivo. O que realmente incomoda é a atuação do Sr. Reeves. Tá, você vai dizer que isso é chover no molhado, que todo mundo sabe que ele é péssimo. Mas o problema é que particularmente, eu não o acho péssimo ator. Gosto da atuação meio engessada dele em alguns papéis que combinam. Mas em Man of Tai Chi, chega ao ponto do insuportável. E digo isso como uma pessoa que gosta dele, então fico imaginando o que os que já não curtem o trabalho do cara devem achar.

    O filme entrega um roteiro simples, que tenta se mostrar como não sendo só um filme de luta, mas sim a jornada de um homem. Só que ele não consegue chegar lá. Falta carisma, falta profundidade, falta você realmente se interessar pelo Tiger. As lutas são muito bem coreografas, como é raro de se ver hoje em dia, mas estão longe de serem épicas. Vale muito mais a pena pegar um filme antigo do Jackie Chan pra ver lutas melhores e mais divertidas.

    Man of Tai Chi se mostra irrelevante no que se propõe, dando uma grande ênfase apenas no visual das lutas, mas acaba não chegando nem próximo disso.

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | Inocentes

    Crítica | Inocentes

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    Produzido em Singapura, Innocents de Chen-Hsi Wong mostra um cotidiano escolar muito diferente da realidade ocidental, ainda preso a valores considerados atrasados no hemisfério onde se situa a América, e por isso chega próximo de chocar o espectador, apesar de toda a sua singeleza e cuidado ao abordar temas polêmicos relacionados a infância.

    A história é narrada pelos olhos de uma menina aplicada aos estudos e vista pelo adultos como um modelo de conduta, Syafqah – Nameera Ashley. Quase todas as ações passam pelo elenco majoritariamente infantil, o que demonstra que essa é uma história sobre o “mundo das crianças”, o que evidente não torna a sua trama desinteressante para o público mais velho. Na escola onde estuda – um ambiente de forte repressão e ensino bastante antiquado – ela conhece Huat, feito por Cai Chengyue, um menino problema padrão, que além de ser um estorvo em classe é também maltratado pelos colegas no lado externo da instituição – às vezes até nas dependências do local. Os dois são obrigados a conviver juntos, como se posto ao lado de uma boa aluna, o rapaz seria constrangido a mudar sua postura.

    Syafqah não gosta desse gesto forçado num primeiro momento, e permanece distante do menino, observando-o de forma platônica, sem travar com ele relação nenhuma, como uma observadora passiva, mas ela cede ao clamor de Huat por algo mais, enxerga nele uma carência enorme e logo se simpatiza por ele. Ambos têm trajetórias de vida parecidas, mas ainda assim, distintas.

    Os pais são retratados como vilões, no caso de Syafqah há um excesso de severidade por parte de sua mãe. Na primeira tomada em que ela aparece, a figura de autoridade é filmada ao longe, evidenciando o distanciamento que tem com a própria filha, a única relação presente ali é a da figura autoritária que imputa obrigações a menina. Para Huat e sua irmã – uma menina com necessidades especiais – o problema é ainda mais grave, pois seu pai os rejeita e sofre de um grave vício, que faz o rapaz temer por sua segurança e claro a de sua irmã indefesa. Tais coisas são sugeridas de forma sutil, com muita leveza. Huat e Syafqah tornam-se cada vez mais próximos.

    A forma como menino é tratado pelas “autoridades” é sempre em tom de humilhação, e ele se sente compelido a desistir de tudo e é impedido por sua amiga, até um ponto em que fica insustentável sua situação. O desfecho é emocionante, e faz o espectador duvidar da amizade dos protagonistas, o que se prova um engano, pois a relação dos dois é de total cumplicidade. A conclusão faz doer, como um murro no rosto, pois explicita a imundície do pensamento adulto aos olhos das crianças inocentes e denuncia a hipocrisia no discurso, que se diz bom mas que é menosprezador e humilhante para quem é diferente do que “eles” acham correto.

  • Crítica | Era Uma Vez em Nova York

    Crítica | Era Uma Vez em Nova York

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    James Gray começa seu quinto longa-metragem retratando o drama de estrangeiros aportando nos Estados Unidos nos anos 10, focando principalmente na dupla de irmãs polonesas, Ewa Cybuslki (Marion Cotillard) e Magda. As personagem são impedidas de entrar no país por motivos diferentes, a segunda supostamente por ter contraído tuberculose, e a primeira em virtude de um boato que só se comprovaria mais a frente. Ewa é impedida de ser deportada por um agente da Ilha Ellis, chamado Bruno Weiss, Joaquin Phoenix, que é aparentemente um sujeito bom e respeitável, mas esconde uma faceta bastante sombria.

    O filme explora um assunto bastante controverso e não faz cerimônia ao mostrá-lo logo de cara: a prostituição de imigrantes quase como única forma de sustento para uma mulher solteira e recém-chegada à “terra das oportunidades”. O cotidiano é mostrado de forma horrenda para a maioria das profissionais, apesar de não haver nenhuma cena explícita dos atos ou abusos sexuais, nesse ponto o roteiro é bastante ameno, até porque o assunto a ser discutido é outro.

    O enfoque é em Ewa e nas ações que ela se vê obrigada a tomar, para obter uma pequena fortuna, no intuito de libertar sua irmã da deportação de volta à Polônia, ações essas que passam a reduzir a auto-estima dela a zero. A premissa é muito boa e a atuação de Marion Cotillard é esplêndida como sempre, mas a abordagem da temática é muito leve e morna, seu personagem sofre com uma construção de caráter mal resolvida, pois ela é absurdamente desconfiada de Bruno, e com razão, mas é completamente crédula na bondade das outras pessoas, se agarrando desesperadamente a qualquer chance de fuga do seu inferno. O seu erro persiste até mesmo em seu derradeiro final e na confissão de culpa de seu nêmesis.

    O filme é morno, apresenta uma rivalidade familiar que possui um passado interessante, mas que se perde em meio a uma confusão de roteiro. Alguns personagens não tem muito aprofundamento e tal coisa foi assim idealizada para manter uma aura misteriosa em torno deles, mas falha miseravelmente ao criar curiosidade no espectador, o que poderia ser um ponto fortíssimo no filme torna-se absolutamente desprezível, a despeito até das boas atuações de Jeremy Renner e Phoenix.

    Apesar da entrega de Marion Cotillard e da culpa que consome a alma de sua Ewa Cybulski, a maneira como o roteiro conduz até o final é tristemente mal executada. Apesar de não ser mal escrito e ter em seu conteúdo uma boa quantidade de situações emocionantes, falta ineditismo e sem razão, visto que o tema não é tão explorado de forma competente no passado. A temática contestadora e polêmica poderia ser mais visceral com facilidade, mas ao invés de ter um enfoque maior nas agruras e no sofrimento de Ewa, tem a atenção voltada para a confusão mental/emocional de Bruno, o cafetão apaixonado e arrependido de ter deixado o seu bem mais precioso escapar por entre seus dedos, da forma mais natural possível para um homem como ele, transformando um sentimento que poderia ser terno em puro ressentimento, carregado de sujeira e podridão.

  • Crítica | Amante a Domicílio

    Crítica | Amante a Domicílio

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    O filme começa com uma filmagem em Super 8, de aspecto bem caseiro, simbolizando um tom amadorístico, prenunciando a profissão que Fioravante – ou Virgil – teria. Também é possível interpretar isto como uma referência a carreira de diretor de John Turturro, com apenas cinco filmes, pouco se comparado a seu currículo como ator – que soma quase uma centena de obras. Quase tudo no roteiro de Fading Gigolo é carregado de mensagens ocultas.

    A direção de Turturro está muito mais madura, ele parece ter aprendido muito com seus amigos, em especial Joel Cohen. Seus ângulos são precisos e capturam todos os sentimentos em volta, a fragilidade, a dificuldade em se viver só, o humor característico e quase sempre racial, e é claro a sensualidade – aliás, o elenco feminino é de primeira qualidade, com destaque para a veterana Sharon Stone (passável, se comparada às bombas recentes) e a maravilhosa Sofia Vergara.

    A história é focada em dois amigos, Fioravante – o próprio diretor, numa demonstração de desapego sem igual visto com quem é obrigado a atuar – e o judeu Murray, interpretado por Woody Allen de várzea, engraçadíssimo, com toda a afetação, comportamento gestual exagerado e verborragia típica de seus papéis clássicos. Após ser obrigado a fechar o seu antiquário, Murray logo nos primeiros minutos faz uma proposta bastante incomum para que o amigo, um homem de meia idade e sem muitos atrativos físicos, participe de um ménage, e para isto seria pago e então ele se vê diante de uma “nova carreira”.

    Com o tempo, Fioravante pega gosto pelo ofício, e passa de um estado tímido e avergonhado a de um profissional decidido e à vontade com o seu trabalho. Não é só a direção que é excepcionalmente caprichosa, há um enorme cuidado também com a fotografia e departamento de  arte – com cores mais vivas nos quartos femininos e tons escuros no subúrbio judeu, onde há toda uma comunidade. A regência de atores também é primorosa, e o esmero com a parte visual não é um pretexto para descuidar da trama, que tem em si muito pouco moralismo. Seus discursos fogem da banalidade do complexo de bom mocismo.

    Na parte final acontece um evento emblemático, que pode ser encarado como a recusa ao chamado da aventura. A virilidade de Virgil, o gigolô, falha na eminência do “amor verdadeiro” que jamais se cumpre. Há uma análise do papel de submissão da mulher na religião judaica onde se contesta se a tradição deve passar por cima das necessidades humanas. Virgil se apaixona pela única pessoa que o recusa. Tal coisa o faz repensar sua vida, ainda que a história dê a entender que tal mudança é apenas temporária, como se a inexorabilidade fosse um fato consumado. Fading Gigolo é uma comédia de incômodos que estuda até onde é válido explorar a vulnerabilidade das pessoas.

  • Crítica | Teorema Zero

    Crítica | Teorema Zero

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    Para quem não está acostumado a filmografia de Terry Gilliam, talvez estranhe um pouco este Zero Theorem. A veia humorística nonsense e a estética peculiar e típica dos produtos do realizador talvez ajudem a confundir ainda mais o público. A história se passa em um mundo corporativo onde “homens câmera” fornecem imagens para uma criatura controladora que usa a alcunha de Managemente, interpretado por um mirabolante e pomposo Matt Damon.

    A direção de arte é de um trabalho primoroso e é bem típica se comparada a filmografia do realizador. O ambiente futurístico é, em alguns momentos, sujo e decaído, para exemplificar o estado social onde a solidão é uma prerrogativa valorizada e uma prática comum, e em outras é hiper-colorido e barulhento, grafando o consumismo desenfreado como parte do modus operandi daquele “universo”.

    A história segue Qehon Leth – Christoph Waltz – um hábil analista de entidades – sua profissão não tem um par ordenado com o universo comum – que vive numa atmosfera extremamente corporativista onde se vive para trabalhar. Se sente incomodado, mas não pelo exercício de seu ofício, mas sim pelo entorno de pessoas, prefere a solidão de seu lar e tenciona trabalhar em casa a fim de evitar o incômodo da companhia humana. Qehon é um sujeito decadente fisicamente e está a espera de algo que poderá mudar a sua vida – e eventualmente muda – enquanto recebe a incumbência de resolver uma equação que nem os maiores gênios da empresa conseguiram achar uma solução.

    A fotografia fica a cargo de Nicola Pecorini, – já havia trabalhado em Contraponto, O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus etc – o que garante um registro visual caracteristicamente típico de Gilliam. Segundo o realizador esta seria a sua terceira abordagem a universos distópicos satirizados, assim como em Brazil e Doze Macacos. Qehon teme viver, não permite provar nada em sua dieta que possua sabor, vive sua vida de forma absolutamente robótica e sem muita razão de existir. Está tão acostumado a sua rotina claustrofóbica que não percebe sequer quando acontecem coisas extraordinárias no seu cotidiano. Suas consultas com uma psiquiatra – Dra. Shrink Rom, interpretada por Tilda Swinton – só agravam a sua situação, o faz correr atrás de algo inatingível enquanto ignora o que pode lhe fazer feliz – a presença da belíssima Bainsley, estrelada pela estonteante Mélanie Thierry – até que seja tarde demais reaver o que ele ignora.

    A razão de “ser” ou “existir” e o sentido da vida parece só importar para o mercado empresarial, que faz uso dessas máximas para vender seus produtos. Os espécimes jovens, representados no filme por Bob (Radu Andrei Micu) têm uma relação esquisita com suas próprias crenças, podendo acreditar no conceito de alma, mas desacreditar em qualquer outra coisa – tal comportamento ilógico é flagrado atualmente também. No último ato como ser vivente, Qehon entende como faria sentido a sua própria existência, e se entrega ao nada e ao vazio, só então podendo provar da paz que tanto buscava.

  • Crítica | O Mordomo da Casa Branca

    Crítica | O Mordomo da Casa Branca

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    O filme se inicia com uma emblemática citação a Martin Luther King “A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso.”. The Butler mostra a trajetória do negro Cecil Gaines – Forest Whitaker – desde sua traumática e trágica infância, até a vida adulta, onde atuou como um servil mordomo na casa presidencial americana por longevos anos, passando por grande parte dos momentos marcantes da história americana, em especial pelos martírios e conquistas executadas pelo povo negro.

    No ato primeiro, Cecil é mostrado ainda como uma criança, aparentemente feliz, mas que logo teria sua vida marcada. Seu pai deixa claro como são as regras: “não se meta com esse homem (branco), o mundo é dele, e nós só vivemos aqui” – após essa fala a sua mãe é levada para fora de sua vista, para satisfazer o desejo de seu “patrão” e logo em seguida seu pai é morto, mesmo não apresentando nenhuma resistência. O trauma ocasionou nele a vontade de fugir, e garantir que seus herdeiros não tivessem acesso aquele mau, encarnado como o Sul dos Estados Unidos, uma região intolerante por si só.

    Cecil cresce, e se torna um “negro de casa”. Após consumar sua fuga, encontra em seu caminho um sujeito que o ajuda, lhe dá emprego e toma para si a máscara de mentor, dando-lhe um tapa no rosto ao ver o rapaz dizendo a palavra nigger – “este é um termo feito por brancos, carregado de ódio”. Já adulto, o protagonista passa a trabalhar em Washington DC, e graças à sua boa postura – cabeça baixa, submissão, e capacidade de invisibilidade – é convidado a trabalhar na Casa Branca.

    A magnífica atuação de Forest Whitaker faz o espectador crer em cada um dos seus dilemas, seja o medo de perder o bom emprego que tem, as preocupações com as reclamações de sua esposa – Oprah Winfrey, competente em sua proposta – ou com o bem estar de seus filhos. Louis, personagem de David Oyelowo, evolui de um menino próximo do pensamento rebelde americano, para um “revolucionário” membro dos panteras negras. A cena intercalada entre um protesto numa lanchonete no sul do país e o salão de jantar na casa branca é emblemática em mostrar a atitude geral do povo negro, alguns como inconformados, e outros serviçais leais ao homem branco.

    A trajetória de pai e filho vai em direções bastante opostas, mas igualmente emocionantes. A luta não é leve, é tratada como visceral e cheia de significados. A primeira-dama chorando após o assassinato de JFK, ensanguentada pelos restos do marido é de partir o coração, muito bem montada, e faz Cecil retornar à triste memória da morte de seu pai – mais uma figura inspiradora se foi.

    Os filhos de Cecil se engajam cada um para um lado, enquanto Louis torna-se um ativista político e evolui, deixando de lado a luta “rebelde” para se tornar um combatente intelectual, Charlie alista-se para a guerra do Vietnã. Quando indagado pelo irmão mais velho, o personagem, cômico a maior parte do tempo, diz seriamente que quer lutar a favor de seu país, e não contra ele, mostrando que ele enxerga a situação tão mal quanto o seu pai. A morte do filho faz Cecil rever alguns de seus conceitos. O convite do jantar impingido pelo presidente Reagan causa constrangimento no mordomo, que se sente como um mentiroso, um fantoche feito para exibição de uma falsa aceitação. A postura do político ajuda-o a enxergar o real valor de seu filho, igualando-o a um herói e não há mais um simples marginal. O reatar da relação acontece num primeiro passo com o pedido de demissão depois com o engajamento por parte do patriarca, e no último ato são os únicos dois que permanecem.

    O paralelo com os presidentes também é interessante, os mais importantes para o negro foram Jack Kennedy (James Marsden), que o fez começar a mudar o seu pensamento em relação à causa, e Ronald Reagan (Alan Rickman), que se mostra contra o término da segregação ignorando o apartheid – mesmo sobre protesto do seu próprio gabinete. Reagan é mostrado como um bufão, apresentado quase sempre de forma jocosa e pouco reflexiva, bastante parecida com a interpretação recente de George W. Bush, ambos encarados como imbecis por uma boa parte da opinião pública.

    Ao visitar Barack Obama – um novo tempo – Cecil lança mão dos presentes dados pela senhora Kennedy e por Reagan, e quando entra na sala de espera é enquadrado junto a uma foto de Abraham Lincoln, com um claro simbolismo de que ali começava mais uma etapa na guerra pela igualdade. O registro de Lee Daniels é muito bonito, repleto de simbolismo e demonstrações realistas da história, obviamente escolhendo o lado oprimido, mas em momento panfletário de forma gratuita. Tem todo o cunho político que a Academia tanto gosta e sem dúvida merece atenção especial por parte do espectador.

  • Crítica | Nebraska

    Crítica | Nebraska

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    A fita começa com um devaneio, focando o personagem Woody Grant – um brilhante Bruce Dern – caminhando, aparentemente sem rumo, até que é mostrado que o sujeito ancião está a pé a caminho de Lincon – Nebraska, pretendendo percorrer milhas de distância atrás de um prêmio que não existe. O novo filme de Alexander Payne tem uma premissa bastante emocional, onde traça a busca por anseios como parte fundamental da vida, tratando a falta de objetivos como algo ruim, mas bastante comum.

    Fotografia em preto e branco e repleta de tons claros remete a um passado nostálgico – para Woody – e há um jamais vivido – por David Grant, o filho caçula interpretado por Will Forte – também em um excelente momento. A trama transita entre os conflitos dos dois personagens na maior parte do tempo, e em alguns momentos, cruza o drama dos dois. A senilidade do pai, um problema tão pesado, é tratado de forma leve e cômica. Ele é facilmente enganado, o que se agrava com a teimosia típica da terceira idade. A criação executada pelo pai insensível e ausente tem consequências atrozes na vida da família, causando mágoa e insensibilidade na matriarca e no filho mais velho – June Squibb e Bob Odenkirk, respectivamente – e gera no filho mais novo uma personalidade passiva e covarde.

    A velhice é o retrato escolhido por Payne para mostrar a decadência inexorável à vida humana, e demonstra que esta pode ser encarada com bom humor. As conversas com o homem velho são francas, de uma forma que só um sujeito idoso pode falar. O diálogo franco sobre a rotina e os arrependimentos da vida – incluindo os fracassos – podem ser compreendidos como um estado de comodismo a respeito das experiências inevitáveis, mas é melhor lida como comentários anedóticos a cerca das coisas supervalorizadas na vida, como casamento, vida familiar etc.

    A busca incessante não é a respeito do dinheiro, o que fica óbvio, dado que o patriarca Grant não tinha direito a ele, apesar de sua forte e teimosa crença, mas tem a sina de manter acesa a fantasia de um sujeito que não consegue mais pensar por si só de maneira plena. Há uma sinceridade muito tocante na fala do personagem, bastante característica de quem não tem nada a perder. A cidade natal de Woody – Hawthorne – torna-se o cenário das lembranças de sua vida, e David pode acompanhar um pouco da trajetória de seu pai pelos olhos de seus antigos amigos, as histórias o aproximam ainda mais do velho.

    O malfadado dinheiro é visto como única coisa na vida do geriátrico senhor que valha menção, notoriedade e/ou reconhecimento. Rapidamente ele se torna uma mini-celebridade em sua terra. O “enriquecimento” sem merecimento causa inveja e produz nos conhecidos “mais chegados” sentimentos mesquinhos e de cunho aproveitador – o que faz incluir o resto do núcleo familiar na aventura, a fim de defender o homem senil dos possíveis abusos por parte destes. A jornada os faz viajar por todas as experiências que tiveram juntos, e os faz perceber a importância de cada um dentro do grupo, mas sem nenhuma tolice sentimentaloide ou piegas.

    O ridículo traz à tona um desfecho que beira o patético, mas ainda assim é comovente, há uma clara evolução para os heróis da jornada, David deixa de lado sua inércia e reage ao perceber que seu pai está sendo ridicularizado, a mãe demonstra muito cuidado com seu companheiro de vida – a unidade familiar antes considerada até como inexistente vem à tona, num resgate no momento mais propício possível. Woody termina sua história pessoal usando um boné com os dizeres “Prize Winner”, e tem por fim seus dois objetos de desejo – uma nova caminhonete e um compressor de ar, e para fazer jus ao seu próprio orgulho, desfila pelo cenário de seu passado. Nebraska é o retrato de uma vida comum, mas observada sobre uma ótica não pessimista, é realista mas de uma forma bela, terna e burlesca.

  • Crítica | Na Mira da Morte

    Crítica | Na Mira da Morte

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    Produzido pelo estúdio Aberto Entertainment, esta pérola do cinema de mau gosto tem em seu nome original Assassins Run, mas também foi vendido como White Swan, numa tentativa mequetrefe de angariar um público que não é o seu.

    A história gira em torno de um casal: Christian Slater interpreta o apaixonado Michael, que, por incrível que pareça, não é todo mau em sua atuação – o que por si só já seria um bom motivo para manter distância deste produto, o presságio é claro e forte – casado com a bailarina Maya (feita pela co-diretora Sofya Skya), que, entre outras coisas, é tachada de oportunista por ter um laço matrimonial com o milionário dono do teatro local. Tudo é bonito e a relação entre os dois não é sequer desenvolvida em tela, mas isso não é importante. O que importa mesmo é que a Máfia Russa vai acabar com a felicidade da família sob um ótimo pretexto: “Vocês americanos roubaram nossos recursos, nosso petróleo e nossas mulheres!”. Os gângsteres malvados assassinam Michael e perseguem sua esposa, tornando a vida dela e a da filha um inferno.

    A forma de narrar a história é em flashback, e a tentativa maior é a de esconder a total falta de qualidade e conteúdo deste roteiro, mas falha miseravelmente, até por conta dos diálogos risíveis – coisas como a fala de Skya:Eu sou um cisne!” – que seria melhor caso fosse substituída por “Eu queria ser Natalie Portman, mas tá faltando talento!” – e das cenas de luta, um show à parte, nas quais a personagem principal se utiliza de um “Ballet-Fu” para se livrar de seus opositores.

    A cereja do bolo de estrume é o combate principal, em que todo e qualquer golpe faz com que a zona de impacto inflame instantaneamente. Ela usa movimentos como Grand Écart e Grand Battement para se livrar dos agressores. A facilidade com que Maya entra e sai dos locais públicos após fugir da cadeia é única – “Como conseguiu fugir? Estamos na Rússia, não na URSS!” – justo!

    Não há uma atuação que não seja um excremento forte e mal cheiroso, com exceção da já citada de Chris Slater. Os personagens são completamente unidimensionais, maniqueístas e sem motivações críveis. Sofya Skya tentando passar emoção é ruim demais, seu choro é uma das coisas mais mecânicas já feitas para o mercado de home video. As cenas em que o drama é exigido são vergonhosas demais, e não só por parte da protagonista, mas também por seus coadjuvantes, tão insossos ou canastrões quanto ela, em especial Angus Macfadyen, que só aparece para tocar sua gaitinha infernal.

    O roteiro é tão bem construído que surpreende com a quantidade de situações forçadas, além de não deixar nenhuma dúvida: o óbvio sempre acontecerá. Palmas para Robert Crombie, que também comete o ato de direção. Ainda há uma enorme crítica ao sistema carcerário russo, que enfia suas detentas na solitária apenas por chorarem – falta muita civilização por aquelas bandas!

    O que é pior: gilette na sapatilha, ou a bailarina não sente que há uma lâmina em seu calçado até fazer ponta? As delegacias de pequenas cidades americanas só possuem um policial num dia normal. O vilão misterioso tem a sua identidade evidente desde as primeiras ligações que faz a Michael, e o desfecho é ainda mais surpreendente por terminar sem concluir o ciclo, pois Maya, após virar uma exímia assassina, sequer vai atrás de seu perseguidor, do assassino de seu amado marido.

    Enfim, Na Mira da Morte vale ser visto como uma diversão totalmente descompromissada com a razão, lógica, ética e principalmente com o cinema de qualidade. Ele explora de forma tosca e bizarra algumas das necessidades humanas, mas é tão mal realizado que se torna anedótico e burlesco.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    77 - This is the End (É o Fim)

    Qualquer pessoa que se identifique com os valores padrões da classe média branca tradicional do século XXI, com toda certeza irá se identificar com esse novo filme de Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis por outros filmes de sua turma como Superbad, Pineapple Express e Besouro Verde. Com um grande elenco de amigos (Seth Rogen, Jonah Hill, James Franco, Jay Baruchel, Jason Segel, Craig Robinson, Paul Rudd, Michael Cera, Rihanna, David Krumholtz, Mindy Kaling, Aziz Ansari, Danny McBride, Emma Watson, Kevin Hart entre outros), o filme é uma grande piada interna que não faz questão alguma de situar o espectador não familiarizado com as outras obras do grupo, pois é cheio de autorreferências e situações tipicamente vividas por atores ricos de Hollywood, também um grande foco do filme.

    A base do humor do filme é essa. Apesar de divertir e garantir boas risadas ao longo da projeção, This is the End (É o Fim), quem esperar algo a mais do que uma diversão adolescente com piadas de masturbação feitas por trintões poderá sair um pouco incomodado. Usando e abusando das referências tanto a seus próprios filmes, (principalmente Pineapple Express, que é recomendado ter visto antes para entender algumas piadas) quanto a clássicos de Hollywood, como O Exorcista e Mad Max, cada ator usa e abusa dos estereótipos que os consagraram em filmes anteriores, como Seth Rogen sendo o empolgado contido que grita sussurrando, Jay Baruchel e sua crítica a tudo e a todos travestido de um grito de solidão (o que rende um ótimo diálogo no início do filme, com Craig Robertson e Emma Watson), James Franco como o rico excêntrico, Jonah Hill como o gordinho tímido, afetado e orgulhoso pela indicação ao Oscar, Craig Robertson como o side-kick de sempre e por último o sempre desprezível e dispensável Danny McBride, antagonizando da forma mais baixa possível.

     A trama que começa com um clássico filme de desastre, vai se aprofundando até ganhar contornos bíblicos e um simbolismo religioso infantil, mas que nunca se leva a sério, então conseguimos comprar todas aquelas situações ridículas sem nenhuma sensação de culpa, até mesmo quando todos conseguem chegar ao céu e dançam junto com os Backstreet Boys (!!!). Porém, a maior qualidade do filme é também seu maior defeito. A despretensão com que é feito, na base do amadorismo e da “brincadeira”, faz com que falte a ele uma seriedade mínima na hora de considerá-lo uma produção, então o espectador o assiste da mesma forma que ele foi feito, sem dar muito valor. Mas só se sentirá ofendido com This is the End (É o Fim) aquele espectador extremamente desavisado e que estiver procurando um filme desastre clássico, como está na moda em Hollywood atualmente. Este não chega nem a ser uma sátira desse gênero clássico, mas apenas uma brincadeira entre amigos. Claro, uma brincadeira milionária, que todos sonhamos em fazer com os amigos de escola, mas nunca tivemos a chance.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Rush: No Limite da Emoção

    Crítica | Rush: No Limite da Emoção

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    Todo filme de Fórmula 1 no Brasil que não seja sobre Ayrton Senna (ou que não o transforme em semideus) será sempre tratado com um certo desdém pelo grande público, que costuma ver nele o único grande piloto da F1, mostrando um pouco de egocentrismo nacionalista e falta de conhecimento da história de um esporte que já teve seus melhores momentos em décadas passadas, e hoje sofre, assim como o boxe, de falta de fãs e credibilidade. Rush (com seu dispensável subtítulo brasileiro No Limite da Emoção) vem justamente para cumprir papel importante neste aspecto: o de mostrar que a F1 já existia e já era perigosa e emocionante antes de Ayrton.

    A história do filme retrata a rivalidade existente entre os pilotos Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth), portadores de personalidades bem distintas: enquanto Lauda era frio, metódico e brilhante, Hunt era um típico playboy, que adorava festas e os flashes da mídia. A disputa entre os dois se passa desde o início da década de 70 até 1976, quando Niki Lauda sofre um grave acidente no mesmo ano que James Hunt se consagra campeão mundial de F1, igualando o feito de Lauda no ano anterior.

    Com uma estrutura interessante, que insere flashbacks durante a narrativa tradicional, o diretor Ron Howard consegue contar uma história cativante sobre duas personalidades tão distintas, mas que rivalizavam e se completavam, de certo modo. Obviamente, certas liberdades poéticas foram tomadas para tornar o filme mais cativante. Porém, qualquer pessoa minimamente interessada no esporte, ou mesmo em conflitos humanos, saberá aprecia-la.

    Brühl e Hemsworth conseguem, cada um a sua maneira, passar um realismo na dinâmica entre os personagens, ainda mais Brühl, que parece ter estudado meticulosamente cada trejeito físico de Lauda, pois sua atuação impressiona. Hemsworth, limitado como é, se entrega verdadeiramente, mas ainda não consegue fugir do typecasting pelo seu tipo físico e padrão de beleza. Outro ponto positivo do filme é o figurino e os design de produção, que consegue passar nitidamente a sensação dos anos 70 a cada tomada, pelas roupas, penteados, carros, câmeras fotográficas, maquiagens e todos os detalhes.

    Porém, o que poderia ter trazido uma profundidade maior ao filme seria a inserção de outros elementos que pudessem tornar a dinâmica entre Lauda e Hunt menos linear, como talvez a interação de ambos com outros pilotos (momento só brevemente inserido na trama) e com a estrutura da F1. Com 2h03 minutos de projeção, desenvolver mais a história iria tornar o filme ainda mais longo pelo uso que se fez das cenas de corridas, muito bem feitas por sinal, assim como as sequências de transição entre os GP’s, mas sempre em detrimento da história, um vício cada vez mais comum na produção cinematográfica moderna.

    Ron Howard, ainda com essas limitações, consegue produzir um filme redondo, que satisfaz tanto quem está em busca de uma boa diversão com doses homeopáticas de profundidade quanto o fã de F1, que provavelmente irá fazer uma busca extensiva na internet para saber mais sobre essas figuras tão emblemáticas a respeito de uma época romântica de um esporte em crise, como a F1 atualmente.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Elysium

    Crítica | Elysium

    elysium

    Neil Blomkamp parece não querer sair do gueto. O cineasta utiliza uma ambientação bastante parecida com a de Distrito 9, especialmente no aspecto de favela, só que de uma forma mais “globalizada”, pois a comunidade carente em Elysium não se restringe somente a periferia de Joanesburgo, mas sim ao mundo todo, transformando a “aldeia global” num autêntico puxadinho sem reboco.

    A premissa tem em sua base um conceito bastante semelhante ao mostrado por Phillip K. Dick em Caçador de Androides – e que foi suprimido no filme de Ridley Scott. Como no conto, os ricos e aptos vivem fora da Terra, por esta não comportar mais a capacidade de estabelecer-se uma vida plena e saudável. A trama se passa em 2154 num futuro sujo e pessimista. A comparação visual com Mad Max, e seus filhotes bastardos, é inevitável, cenários desertos em meio ao que antes eram grandes metrópoles – e tal característica até ajuda a gerar empatia pela história contada.

    Polícia automatizada, agente da condicional robótico e repressor, sarcasmo como ato digno de punição, tudo isso para demonstrar a decadência da humanidade e também a inexistente compreensão às necessidades do próximo. A empatia está fora de cogitação, há uma valorização enorme do bem-estar puramente egoísta, sem importar com o social. A sociedade retratada sofre um controle coercitivo e de mão de ferro, que protege os ricos e estabelece normas rígidas aos pobres, punindo severamente os que não as cumprem. Temas como o combate à imigração, trabalho em regime semi-escravo e sem as mínimas condições de saneamento também são ventilados.

    O roteiro de Blomkamp é sem rodeios, pontual e preciso, isso é bom até certo ponto, até que as resoluções tornem-se coisas rápidas e fáceis de resolver, algumas até piegas. A construção dos personagens deixa a desejar. A atuação de Matt Damon é equivocada, mal dá para acreditar em seu drama e seu esforço dentro do emprego para fugir da marginalidade. Max, seu personagem, não parece o bandido arrependido que o script exige, e a ligação dele com Frey – Alice Braga na atuação mais lúcida do filme – soa forçada, assim como o laço afetivo automático de Max pela filha doente de seu antigo amor. Wagner Moura está histriônico e caricato, mas não compromete. Jodie Foster faz a encarnação da mulher autoritária, fria e insensível, mas que ao final parece resgatar um pouco de sua humanidade, recusando a ajuda da enfermeira, como que se punindo por seus atos errados. O filme trabalha com arquétipos demais, e o tema exigia algo mais profundo. O destaque vai mesmo para Kruger – Sharlto Copley – que faz um Chuck Norris rejuvenescido, que é até carismático, mas em momento justifica a virada que ele deu no final.

    Da terça parte para o final, o roteiro passa a apresentar um sem número de coincidências desnecessárias. Lembra muito os erros de Prometheus, com um ótimo início e um final aquém das expectativas, mas não tão desastroso quanto o primeiro. Elysium tem um amontoado de coisas boas, mas que  peca pela alta previsibilidade, problema que passa longe do excelente trabalho anterior do realizador.