Categoria: Cinema

  • Crítica | O Quarteto

    Crítica | O Quarteto

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    O Quarteto é o primeiro filme dirigido por Dustin Hoffman – excluindo o não creditado Straight Time de 1978 – e toma a 3ª idade e a velhice como cenário e ambientação para sua história. O lugar comum é um asilo especial para músicos e cantores aposentados e mostra o seu cotidiano, a rotina dos artistas com suas carreiras findadas.

    O quarteto de protagonistas: Tom Courtenay (Reginald Paget) Maggie Smith (Jean Horton) Billy Connolly (Wilf Bond) Pauline Collins (Cissy Robson) – concentra quase a maior parte das atenções emocionais do filme, e mesmo neste núcleo, mostra que Quartet tem lados opostos e distintos, que variam de abordagem, caráter e clima. Enquanto em um lado há uma postura de abordar-se a fragilidade, outro é quase todo cômico.

    Maggie Smith e sua Jean Horton mostram uma artista que não lida bem com as agruras da idade, e os problemas consequentes disso – principalmente a derrocada pela qual passou com a chegada da velhice. Em determinado momento ela diz a um serviçal: Tome cuidado com ela (uma de suas malas de bagagem), ela é frágil – o objeto era um símbolo de sua mudança para a casa de repouso, e serve de signo para a sua situação em que vivia, ela se sentia mal e decadente.

    Já para Wilf Bond, tudo é motivo para fazer gracejos ou comentários de cunho sexual – segundo o personagem, é isso que o faz ter ânimo para acordar de manhã. Billy Connolly é impagável e sua personagem é a coisa mais espirituosa da obra, possui as melhores tiradas e é ridiculamente engraçado e hilário – assim como a maioria dos outros residentes do Asilo, que encaram a velhice não como um fardo. São exploradas inúmeras variações de senilidade, e na maioria dos casos não se apela para a misericórdia, pena ou dó, tais coisas são só retratados como percalços rotineiros, fatos inexoravelmente inevitáveis aos seres humanos.

    Reggie também é um personagem riquíssimo – o que denota um padrão, Hoffman consegue retirar o melhor de seu elenco. O cantor é retratado como alguém antiquado, mas ao ministrar uma aula a uma classe predominantemente jovem, traça um paralelo entre o Rap e a Opera, mostrando que – guardadas as devidas proporções – não há tanta distância entre uma e outra.

    O roteiro de Ronald Harwood é repleto de mensagens reflexivas (é até natural que isso aconteça, devido ao tema), mas uma das mais fortes é a que, com o passar dos anos e com a velhice chegando, a reputação e memória dos tempos áureos ficam cada vez menos importantes, em detrimento do prazer e do pouco tempo de vida que ainda sobra – tal discurso é professado pelo inspirado Wilf Bond.

    A reconciliação que ocorre no final é um pouco forçada, mas não estraga o todo. O Quarteto é tocante e belíssimo, retrata um final de vida digno para artesões e artistas, que poderiam ser solitários e esquecidos, mas que mesmo nesse derradeiro momento, são figuras memoráveis, e esse acima de tudo é o caráter deste filme, muito bem realizado por Dustin Hoffman.

  • Crítica | Dose dupla

    Crítica | Dose dupla

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    O filme é uma adaptação da série de quadrinhos homônima publicada em 2007 pelo Boom! Studios. Escrita por Steve Grant e ilustrada pelo brasileiro Mateus Santolouco, a HQ conta a história de um agente do departamento de narcóticos (DEA), Robert ‘Bobby’ Trench (vivido no filme por Denzel Washington), e de um oficial da inteligência naval, Michael ‘Stig’ Stigman (no filme, Mark Wahlberg), que investigam um ao outro sem saber de suas reais identidades. No filme, trabalham juntos tentando se infiltrar em um cartel, mas algo dá errado e ambos acabam perseguidos por seus próprios empregadores.

    É um típico buddy movie, mas com algumas particularidades que incrementam a narrativa. A fórmula “dupla combatendo o crime”, apesar de bastante batida, funciona bem aqui. Isso se deve principalmente ao detalhe de que cada um deles não sabe da verdadeira identidade do outro, ao menos no início da trama. Trabalhando para agências diferentes, acham que o parceiro é um traficante de verdade, o que resulta em situações bem divertidas. Depois de descobrirem que ambos estão do mesmo lado da lei, a “graça” persiste ao se tornarem uma versão século XXI de Murtaugh e Riggs, discutindo o tempo todo feito um casal ranzinza.

    É uma pena que a estrutura “dupla age baseada em fatos que se revelam falsos / dupla se ferra / dupla se safa” repita-se tantas vezes durante todo o filme, a ponto de se tornar cansativa. Na segunda metade do filme, o espectador já assiste às cenas aguardando o momento em que o roteirista “puxa o tapete” dos protagonistas para ver como eles conseguirão escapar.

    Não fosse o carisma da dupla central e a ótima dinâmica entre os personagens, o filme seria um daqueles em que o espectador começa a checar o relógio passados apenas 40 minutos de projeção. O pavio curto de Stig, assim como a aparente carência de uma inteligência mais aguda, fazem o contraponto ideal para a malemolência de Bobby e seu distanciamento de relações sociais.

    Usando uma paleta de cores “estouradas”, a fotografia deixa o espectador o tempo todo com a mesma sensação de desconforto causada pelo calor e pela aridez do deserto mexicano. Trilha sonora bacana – composta pelo responsável pela trilha do ótimo Distrito 9, Clinton Shorter – complementa bem tanto as cenas de ação quanto as (poucas) cenas mais calmas. Não é daquelas que se sai cantarolando do cinema, mas é boa o suficiente para não ser notada quando não é necessário.

    Filme de ação quase ininterrupta, diverte sem ofender (muito) a inteligência do espectador. Basta relevar alguns exageros e nonsenses da trama – comuns a esse estilo de filme – e a diversão está garantida, com direito a muita pipoca.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Bully

    Crítica | Bully

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    Há muitas cenas gravadas sobre Tyler Long – a 1ª vítima retratada no esquete – algumas delas, filmadas pelo próprio garoto. O motivo da sua morte teria vindo de uma “ordem” dada por seus amigos de escola, para que ele desse fim a sua própria vida. Ele assim o fez, no closet de seu quarto, para ser encontrado por seu irmão mais novo. Bully começa dessa forma, sem muitos circunlóquios, e em momento nenhum é gratuito – ao contrário, se utiliza bem dos depoimentos para provar seu ponto.

    O diretor Lee Hirsch treme a câmera propositalmente, para grafar as cenas que acha mais emotivas. No anúncio do nome da película é mostrada uma criança sozinha em um ônibus escolar, como um signo de isolamento, a imagem seguinte compõe o quadro, com todas as outras crianças sentadas ao redor da primeira. A cena é emblemática e demonstra em poucos segundos toda a tônica do filme.

    Passar pelos maus-tratos que os infantes impõem uns aos outros e fazer somente isso seria óbvio. O que é interessante em Bully é o foco nas emoções dos vitimizados, que passam por um sem número de rejeições. Quase todas as crianças têm a mesma queixa em comum, a tratativa adjetivada como “não ser normal” – algo que naturalmente incomoda qualquer pessoa ordinária, mas que para um menino é ainda pior. Não se sentir parte de grupo nenhum é uma rejeição enorme para alguém de tão pouca idade, e só sofrer interação por meio de atos de humilhação esmaga a auto-estima do sujeito quase a zero.

    São entrevistadas vítimas de diversos tipos, e seus parentes também. Geeks, homossexuais, negros, algumas reagem às ofensas, outras encaram com bom humor – mesmo que por traz dessa reação se esconda uma profunda tristeza -, há até algumas que se vêem como culpadas, como se fossem responsáveis por tais abusos. Uma menina homossexual – que havia sido atropelada por uma mini van, por responder aos que a agrediam verbalmente – responde aos pais sobre sair da escola onde estudava: “Se formos embora, eles ganham!” – para ela, sair do ambiente onde ocorre o abuso seria uma fuga da realidade.

    Por parte dos pais, há em comum a reclamação do descaso, passividade e pouca interferência do Estado, onde há até a sugestão de que se um filho de Senador sofresse com isso, no dia seguinte haveria leis que coibissem tais atos hostis – claro que essa é uma crítica passional, mas dar voz a essas pessoas é válido.

    O objetivo desta fita é provocar no espectador um sentimento de revolta e de asco a essas práticas, visa render em quem vê uma reflexão ao modo de educar as crianças e como lidar com situações como essa, e nesses quesitos, Lee Hirsch acerta em cheio, com seu conteúdo emocionante, parcial, é claro, mas sem demonizar ninguém.

  • Crítica | Sharknado

    Crítica | Sharknado

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    The Asylum é uma produtora que, há bastante tempo, vem produzindo filmes baratos, bizarros e completamente falcatrua. Suas “obras” mais notórias são os famosos mockbusters, plágios descarados dos blockbusters de sucesso. TransMORPHers, Snakes on a TRAIN e um mais recente, ATLANTIC Rim, são alguns poucos exemplos do que a Asylum já cometeu no mundo cinematográfico.

    Nessa onda de bizarrices trash, a produtora já fez diversos filmes de animais assassinos, gigantes ou não, com efeitos dignos de filmes caseiros. A galhofa extrema torna os filmes da Asylum verdadeiros virais na internet que, por si só, já criam sua própria publicidade no boca-a-boca. E nos últimos meses, um dos grandes hypes do mundo trash foi Sharknado.

    A ideia de unir a perigosa catástrofe natural (tornado) com a máquina assassina dos mares (tubarão – shark) criou uma obra digna de estar no topo do pedestal trash do cinema.

    Afinal, o que esperar desse filme? O que esperar de uma ideia desse nível? Um filme merda, claro! A galera do tênis verde vai detestar, xingar, gritar, massacrar o filme. Já os amantes do malfeito vão adorar!

    O trailer faz imaginar que o filme será apenas um furacão trazendo tubarões que irão cair sobre as pessoas e mata-las alucinadamente. Porém, um ponto positivo foi criar um ambiente onde os tubarões pudessem passear pela cidade e se divertir. O tornado/furacão/tufão/ciclone traz inundação às ruas, e com isso os tubarões poderão ter acesso a grande parte da cidade, aumentando a carnificina.

    O filme custou uma mixaria para ser produzido, então não podemos esperar grande primor técnico. Os atores são horríveis, dentre eles a Tara Reid, que, dentre os trabalhos de maior destaque estão American Pie e o “excelente” Alone in the Dark, do mestre Uwe Boll.

    Em muitos momentos, a edição faz com que o céu escureça de repente, e logo depois se ilumine. Ed Wood ficaria orgulhoso!

    Sem contar que, em determinadas cenas, o trânsito de veículos está completamente normal, como se o mundo não estivesse sendo assolado por um Sharknado. Provavelmente seria muito caro conseguir um alvará da prefeitura pra fechar as ruas, então vai assim mesmo! A câmera ajuda na previsibilidade do filme, onde o personagem prestes a morrer é enquadrado num plano mais aberto, onde o espectador já espera o tubarão cair sobre o infeliz personagem.

    Para os amantes dos tubarões, do trash, do bizarro e dos efeitos especiais baratos, este filme é obrigatório, uma das grandes surpresas do ano.

  • Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    69 - Raul - O Início, o Fim e o Meio

    Provavelmente não existe um brasileiro que não saiba ao menos um trecho de uma música de Raul Seixas. Mesmo que ele esteja morto há mais de 20 anos e não seja fenômeno de mídia em tempos tão efêmeros, Raul ainda move multidões anônimas que sempre se manifestam em qualquer show com o irritante “Toca Raul”. Porém, há tempos que o cinema necessitava de contar a história por trás do mito, como foi chamado por várias figuras populares no Brasil, como Paulo Coelho e Caetano Veloso. E esse filme de Walter Carvalho faz jus ao personagem.

    Começando com uma estrutura reta de documentário, o filme se inicia contando a história do jovem Raul e seus amigos na Bahia, montando um fã-clube de Elvis Presley e aprendendo frases, trejeitos, penteados e roupas do Rei do Rock, mostrando um ótimo trabalho de levantamento da juventude de Seixas. O início romântico e conturbado da carreira se mescla a seu primeiro casamento com Edith, fato que se repetirá ainda diversas vezes na vida do cantor, que teve várias esposas e amantes. A cada novo sucesso, uma nova fase, com novo comportamento, nova mania e novo vício, o que mais pra frente se tornará motivo da decadência de Raul.

    Com entrevistas que vão desde suas ex-mulheres, filhas e amigos, o filme se foca mais na vida pessoal do cantor do que em sua carreira, ao mesmo tempo louvando a genialidade de Raul, mas ignorando aspectos práticos, como o processo criativo, as gravações, o nome dos discos, época do lançamento, e tudo o que poderia situar o espectador no entendimento das razões pelas quais Raul fazia tanto sucesso. Da mesma forma, o filme falha em explicar porque o ídolo, de uma hora para outra nos anos 80, passa a ser esquecido e não fazer mais sucesso como antes, necessitando da ajuda (ou aproveitamento, como é discutido) de Marcelo Nova para voltar aos palcos, mesmo que se arrastando, o que alguns dizem que prolongou a vida de Raul, outros, que a abreviou. O fato é que sua carreira foi tratada de forma menor em detrimento de sua vida pessoal, o que atrapalha um pouco o entendimento do tamanho de sua obra.

    Porém, o espaço enorme dado a Paulo Coelho e a tentativa intencionalmente falsa de deixar em segundo plano o enorme ego do escritor (que sempre tenta passar como humilde, mas não resiste em pateticamente se mostrar atirando flechas em sua casa na Suíça) mostra claramente como algumas feridas ainda estão longe de serem cicatrizadas, e talvez a batalha dos egos, mesmo com Raul morto, não tenha terminado. E nunca terminará.

    O fato é que Raul Seixas, como mito e como ser humano, é indecifrável, e por alguma razão, extremamente atraente a determinados tipos de pessoas, como os “malucos beleza” que todos conhecemos. Não à toa, todo ano em SP há uma reunião de fãs e sósias do cantor para se reunirem e saudarem o ídolo. Por mais que Raul não seja hoje o fenômeno da indústria cultural, basta ouvirmos um trecho de suas músicas para nos fazer ficar com ela na cabeça durante um bom tempo, pois esconde em melodias relativamente simples letras recheadas de simbolismo. Isso basta para definir um ícone. Ou como Paulo Coelho prefere, um mito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jobs

    Crítica | Jobs

    Jobs

    O filme enfoca a vida do sócio-fundador da Apple, desde sua juventude hippie, passando pela fundação da empresa que lhe garantiu a fama de inovador até sua volta à empresa como CEO, depois de ter sido relegado ao ostracismo durante alguns anos.

    Mesmo não conhecendo a fundo os eventos e nem tendo lido a biografia de Steve Jobs, percebe-se que parte das críticas feitas ao filme por Steve Wozniak (fundador da Apple junto com Jobs) procedem. Nota-se que é dada muita ênfase à figura de Jobs, às suas decisões, às suas ideias e ao seu modo de conduzir os negócios. Os demais personagens, apesar de provavelmente terem participado bem mais ativamente dos acontecimentos, ficam relegados quase a meros coadjuvantes. Não que Jobs não tenha seu mérito, isso é inquestionável. Mas o roteiro exagera ao tentar induzir o espectador a achar que Jobs foi o principal – senão, único – responsável para a Apple ser o que é. Steve Jobs vai de underdog a gênio inovador quase num piscar de olhos. Sim, é clichê. Assim como é extremamente clichê a cena em que ele tem sua epifania sobre o futuro a seguir.

    O filme tem um problema de ritmo. Apesar da duração ser de pouco mais de duas horas, tem-se a impressão de que se arrasta por muito mais tempo. Mesmo que aparentemente alguns eventos tenham sido “acelerados” a fim de caberem no tempo da narrativa – o que por vezes compromete o entendimento – o fluxo narrativo parece truncado, sem fluidez. Inevitavelmente, tentar condensar cerca de 25 anos num roteiro de duas horas incorreria em problemas dessa natureza. Há ainda falhas no roteiro que atrapalham a boa compreensão da estória. Em vários momentos, Jobs tem certas atitudes cujas motivações não ficam claras e o espectador fica com a impressão de ter cochilado por alguns minutos e perdido algo importante (talvez isso aconteça eventualmente).

    Contudo, discordo de Wozniak quanto à responsabilidade de Ashton Kutcher nessa visão de Jobs. O ator apenas interpretou o que estava no roteiro. Kutcher, aliás, apesar de bastante inspirado em alguns momentos – a ponto de fazer o espectador “ver” Jobs na tela – em outros, pende para a caricatura de um modo que chega a incomodar. É necessário ressaltar o excelente trabalho de Mary Vernieu na seleção do elenco. O “garimpo” deu um ótimo resultado, pois os atores escolhidos se assemelham bastante a seus correspondentes reais.

    Ainda sobre semelhança, a cenografia e o figurino remetem o público diretamente aos anos 70, logo no início. A reconstrução de época é muito eficiente, e mesmo o efeito “foto antiga” do filme não chega a incomodar demais. Para completar a imersão, destaque para a trilha sonora bastante emblemática. A fotografia também é boa, favorecendo ângulos que deixem Kutcher ainda mais parecido com Jobs.

    Para um filme que tem a missão de contar a trajetória de alguém responsável por uma revolução no modo como as pessoas encaravam a informática e os computadores, a obra passa longe de qualquer conceito inovador, beirando a mediocridade. Não há dúvidas de que se o filme fosse um produto da Apple, após o preview, Jobs enviaria o projeto de volta para a prancheta.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Wrong

    Crítica | Wrong

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    Começa sem som, sem nenhuma preocupação em explicar os fatos e com a câmera mostrando uma van em chamas. A obra realizada pelo francês Quentin Dupiex viaja por diversos estilos, é um drama que se utiliza de um ar de comédia bastante nonsense, parodiando filmes “sensíveis” como Eu, Você e Todos Nós, de Miranda July.

    A história mostra Dolph Springer (Jack Plotnick) um sujeito solitário e deslocado do mundo, que repentinamente perde o seu chão ao perceber o desaparecimento de seu melhor amigo, seu cachorro Paul. Dolph é um sujeito tão afastado de uma vida social saudável e de contatos minimamente satisfatórios com seus semelhantes – leia-se seres humanos – que os fatos que ocorrem com ele no decorrer da trama são até compreensíveis, mesmo com a natureza exagerada da obra. Sua insegurança latente o torna inofensivo, e por isso os outros personagens apresentam-se desarmados e até suscetíveis a suas palavras, mesmo os mais paranoicos e desconfiados, pois ele é um ouvinte convidativo.

    O roteiro de Dupiex passeia por um universo ilógico e absurdo, onde imperam a falta de razão e não muito motivo para as ações que se seguem. É uma metalinguagem do nonsense, uma vez que se usa de seus elementos comuns, mas também os satiriza. Tomando como exemplo Victor, o jardineiro (Eric Judor), em sua primeira ação com Dolph, o chama para verificar algo errado no jardim, e ao chegarem lá, observam que uma palmeira transformou-se num pinheiro – a discussão ocorre, eles acham soluções paliativas, mas  não há muitos questionamentos, não há nenhuma coerência ou fundamento. Absurdos como esses são bastante comuns, e o efeito delas é quase sempre muito engraçado.

    Dolph acaba sendo encontrado por um sujeito curioso, chamado Master Chang (William Fichtner) que possui poderes telepáticos – o que garante inúmeros momentos de hilaridade – e diz ter raptado o cachorro, para prevenir uma possível rejeição por parte do dono. Seu argumento passa pelo princípio de que a perda faz com que se valorize as coisas, inverte-se o “costume” e a “rotina” afim de que o sujeito perceba a necessidade pelo amor de seu animal. Fichtner é impagável, está excelente e é uma das melhores coisas do filme, assim como foi também em Fúria Sobre Rodas.

    O protagonista é tão ridiculamente isolado e incompatível com a realidade, que ele simplesmente não sabe dizer não aos absurdos propostos a ele. A possibilidade da quebra de sua rotina parece machucar seus sentimentos. Sua frágil estabilidade mental e emocional é posta em cheque a todo o momento.

    Wrong é um ótimo pastiche de comédias nonsense e filmes hipsters – subgênero bastante popular atualmente – tem um subtexto interessante, no entanto o mais importante parece ser a forma e não o conteúdo.

  • Crítica | Apenas o Vento

    Crítica | Apenas o Vento

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    Após a onda de bons filmes vindos da Romênia alguns anos atrás, entre os quais o ganhador de Cannes Quatro Meses, Três Semanas e Dois Dias, o cinema do leste europeu como um todo vem ganhando atenção. Filmes da Bulgária, Bósnia e Hungria ganharam mostras específicas, atraem filas nos grandes festivais e passaram a ser distribuídos comercialmente nos cinemas independentes do país. É o caso de Apenas o Vento, longa de Benedek Fliegauf, diretor experiente e conhecido em seu país, mas que só agora teve um de seus longas exibidos no Brasil.

    O filme se baseia em uma série de ataques a famílias ciganas ocorridos em vilarejos da Hungria um tempo atrás, mas ao invés de buscar construir um panorama largo, ou tentar explicar o problema do racismo no país, ele se foca em apenas uma família e acerta por causa disso. A protagonista é Anna, uma menina de 13 ou 14 anos que vive com o irmão, a mãe e o avô doente em um casebre em uma comunidade cigana enquanto esperam o pai, que se mudou para o Canadá, mande dinheiro para juntar-se a eles.

    Anna acorda o irmão, vai a escola, fala com o pai ao skype, cuida da menina pequena de uma vizinha e é, em linhas gerais, uma menina quieta e responsável. Ela não é particularmente diferente de qualquer outra adolescente e talvez isso seja importante para que a brutalidade dos fatos narrados alcance todo seu potencial. Anna cumpre suas funções e tenta fazer seu melhor, mas Rió, seu irmão menor, parece mais consciente do beco sem saída em que se encontram: ele falta aulas e constrói um esconderijo, ele sabe, melhor que qualquer membro de sua família, que eles vivem em perigo apenas por serem quem são e que agirem como “bons cidadãos” não os livra de nada.

    Fliegauf enfatiza o senso de comunidade dos ciganos, especialmente a preocupação deles em cuidarem da própria segurança, uma vez que a polícia do país nada faria por eles. Em uma das melhores cenas do filme, dois policiais visitam a cena de um dos crimes e um deles expressa, se não sua aprovação, ao menos sua indiferença para com o que está acontecendo. Esse policial é da região e sua cor de pele e feições indicam que ele provavelmente tem origem cigana, mas uma vez fora, uma vez incorporado pela sociedade oficial, ele já não se importa e chega mesmo a odiar o povo “primitivo” de onde saiu. Portanto, resta a comunidade criar sua própria milícia: homens armados vigiam as estradas, interrogam os passantes a respeito de movimentação estranha e tentam vigiar a casa das famílias, mas não tem sucesso.

    O diretor não tenta em momento nenhum explicar, ou investigar, o acontecido. Ele apenas o relata a partir do ponto de vista de uma menina. Tudo é filmado com uma câmera na mão e praticamente sem recursos de iluminação: a maior parte das cenas são externas e a internas são tão escuras que mal se consegue ver o que está acontecendo. Não é, a princípio, uma escolha estilística, é simples falta de recursos, mas o fotógrafo de Apenas o Vento sabe tirar o melhor de sua situação e constrói oposições entre os campos livres e a casa claustrofóbica, a escola ameaçadora e o aconchegante esconderijo de Rió. O ar documental conferido pela câmera manual também é útil e enfatiza o anúncio de “baseado em fatos reais” exibido antes do filme.

    Apenas o Vento acerta ao não tentar ser mais do que é, ao tratar de um tema social espinhoso e uma ferida profunda da Hungria sem pretensões sociológicas, mas a partir dos seres humanos envolvidos. É memorável a cena que dá título ao longa em que Anna, após ouvir um barulho, diz “é apenas o vento” e não sabemos se ela o diz como um desejo, ou para enganar-se. Rió, no entanto, é mais cínico que a irmã e não se deixa enganar. Entretanto, o filme é excessivamente arrastado, fazendo com que 86 minutos pareçam mais de duas horas, sua sutileza, embora bem feita, não é suficiente para sustentar a história, que é no fundo inexistente. Fliegauf tenta construir um retrato de uma situação e uma família, usando-os como metonímia para um povo, contudo, ele se recusa a dar algum tipo de conflito ou vida interior a essa família (a exceção relativa de Rió) e acaba perdendo o espectador, que é incapaz de se conectar com seus personagens.

    Por causa disso, no fim o que era uma história sobre o lado humano da coisa, acaba sendo fria e distante, um retrato de alguém de fora para pessoas de fora. Ainda assim, Apenas o Vento é um exemplo notável de um cinema feito fora dos grandes centros, com poucos recurso s e que ainda assim se recusa a cair nos clichês do cinema de “mazelas sociais”. É um bom filme, principalmente na cena final quando afirma que não importa o quanto aquelas pessoas sejam seres humanos, elas serão, para a Hungria, ciganos acima de tudo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Tabu

    Crítica | Tabu

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    O filme do português Miguel Gomes começa com uma trilha sonora composta por um piano frenético – que executa Insensatez, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – acompanhado de uma fotografia em preto e branco. Esse cenário, que lembra e faz referência ao cinema mudo, logo se “contradiz”, com escravos africanos fazendo seus rituais na floresta, com direito a muitíssimo barulho.

    Tabu se divide em atos (prólogo, dois capítulos e um epílogo). A primeira parte é intitulada Paraíso Perdido, e introduz um trio de personagens peculiares: Aurora (Laura Soveral), uma geriátrica e ranzinza senhora, Pilar (Teresa Madruga) uma vizinha de meia-idade interessada nos assuntos da primeira, e Santa (Isabel Muñoz Cardoso), serviçal da idosa, cabo-verdiana e semi-analfabeta. Nesta parte, é mostrada a senilidade de Aurora – na verdade a questão é um tanto ambígua – que em seus momentos finais cede à paranoia, acreditando que a “governanta” está tramando contra sua vida. O estado mental deficiente dela é discutido até o seu epitáfio, onde surge uma figura misteriosa, que passa a narrar outra trama.

    A segunda parte, em flashback, mostra Aurora ainda moça – interpretada dessa vez por Ana Moreira. Chama-se Paraíso, e encena a infância e juventude da moça, vivida no continente africano. A personalidade dela que já era introspectiva, e piorou ainda mais após a morte de seu pai, e tal característica só seria “aplacada” após seu casamento.

    A vida adulta de Aurora é envolta de muitas questões espinhosas, como relações extraconjugais, amores proibidos, gestação indesejada, rompimentos bruscos de paixões etc. A ausência de música em algumas cenas dramáticas destaca ainda mais a singularidade da película, e faz dela uma obra anacrônica, ao mesmo tempo em que ela é reverencial ao cinema de F. W. Murnau.

    Tabu fica “envelhecido” antes mesmo de ser exibido, pois não é um fruto de sua época – isso não é demérito nenhum ao produto de Miguel Gomes. Só pela coragem em fugir de fórmulas comerciais de se fazer cinema, já vale a pena ser conferido e o elogio ao realizador, mas é muito mais que isso. Em alguns períodos, o filme é verborrágico, em outros quase não há diálogo, as imagens mostram toda a mensagem, e para chegar-se a um equilíbrio desses é necessário muito talento e trabalho, predicados que sobram neste longa-metragem lusitano. Os maneirismos e brincadeiras com a estrutura do guião acrescentam qualidade à obra, e juntos aos temas propostos: esquecimento, amor, solidão e velhice – compõe um quadro belíssimo.

  • Crítica | Deixe a Luz Acesa

    Crítica | Deixe a Luz Acesa

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    Logo na abertura, expõe-se de forma criativa a temática que permeará este Deixe a Luz Acesa. Com pinturas e obras de arte retratando homens nus, seminus – ou simplesmente à vontade – em seus quadros. No seu quarto longa-metragem, Ira Sachs aborda o cotidiano de uma relação homo-afetiva, mostra suas agruras e sofrimentos, tanto os comuns a qualquer tipo de casal, quanto os problemas específicos deste nicho.

    Erik – Thure Lindhardt – é um cineasta, homossexual assumido, com uma carreira voltada pra documentários que retratam quase sempre a estética e vida gay em geral. O período histórico retratado nos primeiros atos mostra o seu árduo trabalho com uma fita que retrata o histórico da vida gay de Nova York, dos anos 40 aos 90, e em paralelo a isso, Erik é mostrado procurando parceiros sexuais. Nessa “busca” são mostrados alguns estereótipos, até que em um desses encontros a relação fica mais séria.

    O roteiro aos poucos desenvolve a relação entre Erik e Paul (Zachary Both), desde o encontro casual, até o ponto em que eles resolvem assumir a relação, mas não há flores ou um mundo cor de rosa, ao contrário, os fantasmas do passado estão presentes.

    Paul enfrenta problemas sérios. No começo, tem de lidar com seu namoro (hetero) mal resolvido. Após isso “superado” e já morando com seu novo cônjuge, o personagem passa por um grave problema de abuso dos entorpecentes, fato este que o faz perder até a estreia do documentário de Erik. Paul sofre intervenção, é internado a contragosto e seu companheiro sofre junto com ele, e esse período é retratado de uma forma sensível, e que foge de pieguismos. Nenhum dos personagens é vitimizado, nem pelas circunstâncias e nem pelas pessoas.

    É impossível não notar algumas semelhanças entre o personagem principal e o diretor, se não nas situações de conflito, ao menos há um paralelo com o background de ambos. Ira Sachs é judeu, homossexual , e tem propriedade para falar do tema. Seu roteiro – auxiliado por Mauricio Zacharias – aborda temas espinhosos do cotidiano de um homem gay sexualmente ativo, e passa pelas situações comumente constrangedoras deste nicho.

    Destaque para a cena em que o protagonista descobre se é ou não soropositivo, um momento de dramaticidade comovente por parte de Thure Lindhardt. As atuações de um modo geral emprestam muita credibilidade ao filme, pois são próximas demais do cotidiano contemporâneo.

    Aos poucos, a relação entre Erik e Paul torna-se algo degradante e obsessivo, e próximo ao último ato, é mostrado como ela chega ao fim, e o destino que cada uma das partes toma. O maior esmero em Keep the Lights On é em retratar um relacionamento de forma verossímil, real e autêntica, longe dos romances idealizados e fantasiados presentes em filme de romance água com açúcar. O universo gay de Ira Sachs não é cor de rosa, é composto de carne, alma, sentimentos e verdade.

  • Crítica | Heleno

    Crítica | Heleno

    66 - Heleno

    Heleno de Freitas foi uma das figuras emblemáticas de um Brasil pré-campeão da Copa do mundo, onde o futebol era vivido, mas sentido de forma diferente, ainda saindo do amadorismo e dando seus primeiros passos em direção ao profissionalismo.

    Assim como muitas figuras do futebol, Heleno viveu glórias dentro de campo e dificuldades fora dele. Sua personalidade narcisista e egocêntrica lhe arrumou inimigos e só foi suportada enquanto rendia frutos dentro do campo. Depois disso, passou a entrar em uma espiral de autoconsumo que culmina com sua morte em um sanatório em MG.

    Está aí uma história que daria um excelente filme, caso bem conduzido. O que não acontece com o longa de José Henrique Fonseca. Apesar de ter uma fotografia de grande qualidade (a escolha de filmar em preto e branco foi acertada) e uma produção também eficiente, o filme peca naquilo em que filmes brasileiros costumam pecar: na narrativa novelística e que carrega exageradamente no drama, deixando de lado outras características dos personagens, tornando-os unidimensionais. Não conseguimos acompanhar muito bem o Heleno mito, não sabemos por que ele se expressa tão bem, ou como fala um inglês tão perfeito, ou de onde vem tamanha educação e refinamento que sustentam seu ego. O personagem nos é dado já pronto.

    O filme conta a história de Heleno de forma entrecortada, desde seu auge no Botafogo até sua decadência, mas falha em ambientar melhor o espectador, que, caso não tenha conhecimento de história do futebol, poderá se perder em meio às poucas dicas da época retratada. Sua passagem pela Colômbia é citada, por exemplo, em uma única cena de poucos segundos.

    As melhores sequências do filme são quando Heleno já é uma figura decadente, internado em um sanatório. A maquiagem e as atuações de Rodrigo Santoro são fenomenais e nos convencem da condição em que o ex-atleta se encontrava então. Mas, como jogador de futebol, faltam justamente momentos retratando sua genialidade e visão dentro de campo, com menos cenas estilizadas (como câmera lenta na chuva) e mais clássicas do esporte.

    Com um roteiro que se preocupa mais em retratar a decadência da pessoa, sobra pouco tempo para nos relacionarmos com o atleta, já que essa decadência ocupa muito tempo de tela. Quando Heleno termina, fica a sensação de que não chegamos a conhecer de verdade o jogador e o mito.

    Com vários outros jogadores fenomenais com histórias ricas do Brasil antes de Pelé, como Friedenreich e Leônidas, fica a dúvida se produções para tamanhos ícones não terão um tratamento melhor.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Círculo de Fogo

    Crítica | Círculo de Fogo

    O mundo se tornou um lugar chato. Realismo e verossimilhança viraram palavras de ordem no cinema, e até os filmes de ação e aventura hoje estão acuados. Isso tanto por críticos que querem ver profundidade artística em tudo, quanto por grande parte dos fãs, que passaram a ter um alto grau de exigência com cada mínimo detalhe. A solução muitas vezes é cair na auto-paródia, como se o gênero tivesse vergonha de si mesmo e precisasse pedir desculpas por oferecer apenas entretenimento. Isto posto, OBRIGADO, GUILLERMO DEL TORO. Mais do que gratificante ver um diretor gabaritado entregar um produto tão sensacional quanto Círculo de Fogo. Um blockbuster no mais puro sentido da palavra, que diverte se levando a sério dentro de seu maluco universo particular – e não há absolutamente nada de errado com isso.

    O filme situa rapidamente o cenário: num futuro próximo, a humanidade está em guerra contra seres denominados kaiju (monstro gigante em japonês), que invadem nosso mundo através de uma fenda interdimensional localizada no fundo do Oceano Pacífico. De tempos em tempos, um dos bichos emerge e vai tocar o terror nas cidades costeiras. Quando armas convencionais se mostram ineficazes, uma nova solução se faz necessária. E já aqui, com poucos minutos de projeção, o longa rompe totalmente com conceitos tão mundanos e limitados como realismo ou lógica. Tentar desenvolver um novo tipo de bomba, ou até mesmo uma arma biológica (já que os inimigos são seres vivos)? Pra quê, se é infinitamente mais legal construir robôs gigantes pra dar porrada nos monstros?

    Só que nem tudo são flores. Após alguns anos de vitórias, os jaegers (caçadores, em alemão) e seus pilotos não estão mais dando conta do recado. Monstros maiores, mais fortes, inteligentes e adaptáveis passam a aparecer com mais frequência, e os governos mundiais decidem desativar a iniciativa e investir na construção de gigantescas muralhas litorâneas – ideia “genial” e pouco tranquilizadora. Porém, o comandante do projeto jaeger, marechal Stacker Pentcost (Idris Elba), decide tentar uma última ação desesperada pra salvar o mundo. Pra isso, ele vai depender de um talentoso ex-piloto, há anos afastado por conta de uma tragédia pessoal (Charlie Hunnam), e de uma novata promissora, mas com zero de experiência (Rinko Kikuchi).

    Tudo no filme é familiar, pra não dizer clichê, mas perfeitamente executado. O grande charme da produção é combinar a estrutura narrativa/dramática e de personagens tipicamente hollywoodiana com premissa e ambientação gritantemente japonesas. E ao contrário do que a galera mais leite com pera esperneou, não é uma simples cópia de Evangelion (como se este mangá/anime tivesse inventado robôs e monstros gigantes). As similaridades são grandes, mas Círculo de Fogo referencia toda uma tradição nipônica que remete a inúmeras animações, tokusatsus oitentistas e até os ancestrais filmes do Godzilla e afins. Desnecessário dizer o quanto isso dialoga com o coração de quem viveu a infância a partir dos anos 80 – e ainda não esqueceu dela.

    O roteiro, assinado por Del Toro em parceira com Travis Beacham, é muito preciso ao trabalhar tudo em função da própria trama. Como são necessários dois pilotos em perfeita sincronia mental para controlar um jaeger (um único cérebro humano não suporta a carga), o desenvolvimento dos personagens acontece na iminência de, e durante, os combates. Que por sinal, são vários e nem um pouco maçantes. O ritmo construído cria a tensão necessária, e a alivia sem exagerar, não perdendo assim o impacto das cenas de ação (exatamente, ao contrário de Transformers). As lutas são naturalmente o ponto alto do filme. O alto orçamento aliado ao apurado senso estético do diretor resultou em monstros e robôs com características distintas e marcantes. Os ambientes também variam, os quebra-paus acontecem em alto-mar, no meio das cidades, nas profundezas do oceano… e é um mais épico que o outro. Os kaijus impressionam por sua ferocidade, enquanto os jaegers, pesadões como seria de se esperar de centenas toneladas de metal, apresentam variadas armas que emocionam a criança interior de cada um. Como não amar um “soco foguete” ou um botão “ativar espada”?

    Dentre os atores, Charlie Hunnam (mais conhecido por estrelar a série Sons of Anarchy) faz um feijão com arroz como um protagonista padrão, que supera rapidamente suas inseguranças quando é chamado à ação. Kikuchi se sai até melhor, conseguindo retratar o turbilhão de emoções de sua personagem de maneira contida, também um padrão, só que oriental. Mas no caso dela, incomoda mais a superação relâmpago do trauma pessoal. Pra contra-balancear, a química entre os dois convence logo de cara, fazendo com ambos cresçam como dupla muito mais do que poderiam fazer individualmente. Dessa forma, nos importamos com os personagens, e as cenas de ação ganham em peso dramático.

    O bom ator Idris Elba mostra que Samuel L Jackson poderia se aposentar hoje, que o cargo de “boss negão mothafucka” estaria muito bem preenchido. Cabem a ele os inevitáveis discursos motivacionais com frases de efeito – “Hoje vamos cancelar o apocalipse”, impossível não seguir um cara desses. Charles Day e Burn Gorman servem como um bom alívio cômico com sua divertida dupla de cientistas que implicam um com o outro. Max Martini e Robert Kazinsky, como os pilotos australianos que são pai e filho, trazem uma dinâmica muito interessante no limitado espaço que têm. Por fim, Ron Perlman não consegue NÃO ser estiloso, mas seu personagem é um tanto quanto inútil. Hannibal Chau, o negociante de partes de kaiju mortos (um conceito curioso, mas nem um pouco explorado), na prática não serve pra nada. Provavelmente, o Hellboy estava lá só pra constar, na base da camaradagem com o diretor.

    Conforme o filme vai se aproximando do final, os problemas vão aparecendo. Não propriamente erros, mas situações um tanto forçadas e exageradas até mesmo dentro do contexto. Por exemplo, os robôs são arregaçados e rapidamente estão prontos pra outra. Isso, somado à já citada resolução muito repentina dos conflitos individuais dos protagonistas, até poderia tirar alguns pontos do filme. Só que o jogo, amigo, já está ganho há muito tempo. O espetáculo é tão magistralmente orquestrado e conduzido, que Círculo de Fogo se torna maior que suas próprias míseras falhas. A exemplo de Os Vingadores, é o ápice do massavéio bem executado. Mais uma vez, obrigado, Del Toro. O Gigante Guerreiro Daileon está orgulhoso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Star Trek (2009)

    Crítica | Star Trek (2009)

    61 - Star Trek (Jornada nas Estrelas)

    Quando foi anunciado que J.J. Abrams seria o novo responsável por trazer de voltas às telonas a franquia Star Trek, confesso que não me importei, porque nunca liguei muito para essa franquia (e também porque naquela época ele não era tão conhecido quanto hoje). Não sei bem as razões, mas nunca tive vontade de ver a série em qualquer das gerações ou nenhum dos filmes. Talvez pela quantidade e pela eternidade que iria levar ver tudo, mas, mesmo assim, algumas características dos personagens e bordões criados pela série eram familiares, tamanha é a influência de Star Trek na cultura pop. Portanto, eu era o público-alvo do filme tanto quanto qualquer pessoa que não tivesse o mínimo de conhecimento da saga.

    Nesse aspecto, posso dizer que o filme agradou. Ao dar uma nova roupagem e modernizar os personagens, J.J. Abrams consegue criar um universo verossímil, mesmo fazendo algumas alterações que poderiam causar estranheza aos fãs da série clássica.

    O filme se inicia contando a história do pai do capitão James T. Kirk (Chris Pine) e como ele é morto por um ataque de romulanos e consegue salvar a vida de milhares de pessoas. Logo depois, vemos Kirk crescendo como um jovem impulsivo e que sempre testa seu limite, e o dos outros, na busca por emoções e desafios. Também nos é apresentada a origem de Spock (Zachary Quinto) em seu planeta natal, Vulcano, contrastando sua metade humana com sua metade vulcana, e como isso afeta e afetará sua vida. O que faltou foi um maior desenvolvimento aos outros personagens, como Dr. Leonard McCoy (Karl Urban), tornando a trama excessivamente centralizada em Kirk e Spock.

    A trama é relativamente simples, porém se utiliza de subterfúgios muito comuns em filmes do gênero quando os roteiristas estão encurralados sem saber para onde ir: a viagem no tempo. Porém, a forma como ela é usada serve de propósito ao desenvolvimento da história, então neste aspecto soa natural, apesar de essa mesma história ser contada no ritmo frenético que a ação moderna exige, fazendo com que o espectador possa se perder às vezes.

    O assassino do pai de Kirk, o romulano Nero (Eric Bana), volta no tempo para destruir os planetas de todos aqueles que não fizeram nada para evitar a destruição de seu planeta no futuro, e consegue efetivamente destruir o planeta Vulcano, para o desespero de Spock. No entanto, seu próximo alvo é a Terra, e algo precisa ser feito para impedi-lo.

    Enquanto Kirk e Spock ainda não são amigos e lutam para conseguir se manter no mesmo ambiente, Kirk é colocado para interagir com Leonard Nimoy, o eterno Spock da série clássica, tanto para explicar a questão da viagem no tempo, como para agradar os velhos fãs, pois só mesmo uma pessoa totalmente alienada da cultura pop não reconhecerá o rosto do velho ator, que dá uma boa contribuição, juntamente ao personagem Scotty (Simon Pegg), que garante boas risadas como o alívio cômico. Porém, o vício de Abrams em explicar demais a história para não correr risco de nenhum espectador perder o fio da meada também torna a sequência desnecessariamente longa e arrastada em seu final. No final, Kirk e Spock percebem que se completam, assim como todo o restante da equipe que encaixa muito bem nos novos atores, e conseguem enfrentar o vilão Nero em boas sequências de batalhas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Espuma dos Dias

    Crítica | A Espuma dos Dias

    L'écume des jours

    A estranheza revestida de “cool” é um dos traços característicos de Michel Gondry: o cineasta ficou famoso dirigindo clipes em que Björk passeia por uma floresta encantada, os Chemical Brothers visitam os pesadelos de uma menina, e um stop motion feito de lego para o The White Stripes. Com a ajuda de Charlie Kauffman (roteirista de A Natureza Quase Humana e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças) o diretor fez uma boa transição para o cinema e sua tendência a estranhezas se traduziu em histórias incômodas, com pitadas de fantasia e ficção científica. Mas parece que ao ser seu próprio roteirista e perder as amarras que um baixo orçamento representavam, Gondry começou a patinar.

    A Espuma dos Dias e todo do diretor francês: ele participou da adaptação do romance de Boris Vian e é um dos produtores do longa; para a França, onde seu status de celebridade é muito maior que nos Estados Unidos, o filme é quase uma super-produção. Livre de constrangimentos, o cineasta pode se empenhar em criar o universo de imaginação que sempre habitou, mas ele o faz às custas da história.

    O filme conta a história de Colin, um jovem parisiense que tem a sorte de ter “nascido rico o suficiente para não precisar trabalhar para os outros” e alguns de seus amigos, o obcecado Chick, que recolhe tudo que se relacione ao filósofo Jean-Sol Partre, e o criativo cozinheiro/advogado Nicolas. Um dia, em uma festa, Colin se apaixona por Chloé e, após um breve passeio em um veículo-nuvem, os dois se casam. Já na lua-de-mel, Chloé começa a passar mal e descobre-se que a moça tem uma flor de lótus crescendo em seu pulmão direito e para curar-se precisa estar sempre rodeada de flores vivas. O tratamento drena as finanças de Colin e, após a operação que retira a primeira flor de lótus, os médicos encontram uma em seu pulmão esquerdo.

    Trata-se de uma tragédia, mas Gondry nunca a aborda como tal. Ele retrata muito bem a alegria infantil e fantasiosa dos personagens na primeira parte do filme, mas falta sensibilidade e envolvimento na dor que os consome na segunda parte. A direção de arte e a fotografia fazem um bom trabalho ao representar esse sofrimento: tudo decai, decompõe, os tons tornam-se cinza e a casa dos protagonistas literalmente apodrece, mas esse cuidado visual não se reflete em cuidado narrativo.

    O cuidado com a estética, em detrimento da história, é o principal problema de A Espuma dos Dias. Cada geringonça citada por Vian em seu livro aparece aqui, em detalhes e com alguma explicação de seu funcionamento, há uma longa sequência para o pianococktail, e outra para o bizarro método de casamento criado pelo autor. Por outro lado, falta tempo para que o espectador se envolva com os personagens. Tudo é corrido, apressado e os atores parecem incapazes de sair da “felicidade festejante” que criaram na primeira parte da história, talvez porque seus personagens não tenham personalidade, sejam apenas figuras que enunciam o que sentem, mas sem qualquer vida interior.

    Chick talvez seja o personagem mais bem construído de todos, sua obsessão é genuína e convincente, ainda que Gondry deixe de explorar o papel de “anúncio” que o personagem poderia ter. Deixar de explorar o potencial da história é o segundo grande problema do filme: a história é comovente, uma bela metáfora sobre o amor e sobre como organizamos nossas vidas em torno de sonhos que, ao se desfazerem, levam tudo com eles. Mas essas coisas aparecem apenas muito levemente.

    É uma pena que o responsável por Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças seja incapaz justamente de infundir humanidade em seu filme, mas é justamente essa a grande falha de A Espuma dos Dias. É tudo muito bonito, mas vazio, fruto de um diretor fascinado com a própria estética e que se esqueceu de contar uma história.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Olhe Para o Céu: A Incrível História do Superman

    Crítica | Olhe Para o Céu: A Incrível História do Superman

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    Roupa azul, capa vermelha – as primeiras cenas de Look, Up in the Sky! são cortadas por personificações do primeiro super-herói (como a sua editora gosta de chamá-lo). O documentário de Kevin Burns reúne depoimentos de fãs ilustres dos quadrinhos e de muita gente da indústria, além de rememorar momentos clássicos da trajetória do Superman em diversas mídias.

    Voltando a sua origem, o herói foi criado como uma resposta a grande depressão econômica pela qual passava o país. O Superman de Jerry Siegel e Joe Shuster teria surgido primeiro num escrito chamado O Reino dos Superman, em que era um vilão telepático. Revisitando a ideia, é que mudou-se o perfil, e se decidiria por tornar o personagem no ápice do poderio físico humano.

    O filme faz um resgate das aventuras do herói por mídias audiovisuais e dentro dos quadrinhos também. Mostra as famílias reunidas ouvindo o show de rádio protagonizado por Bud Collyer (que viria a dublar também o desenho animado de Dave Fleischer). O rádio-seriado foi responsável por popularizar e muito o personagem fora do nicho das tirinhas de jornais e revistas.

    O documentário gasta um tempo demasiado com a figura de George Reeves, que interpretou o herói no cinema (Superman and the Mole-Men, um filme lançado em 1951) e na televisão, em 102 episódios – Adventures of Superman (de 1952 a 1958). Reeves teria pretensões artísticas maiores do que ser simplesmente um herói fantasiado, e cogitava até o ofício de diretor, mas teve sua vida interrompida por um incidente suicida.

    Nos quadrinhos, é destacada a administração de Julius Schwartz como editor dos periódicos do herói, mas o foco mesmo é nas produções para o grande ecrã. O período de preparação para Superman: O Filme é retratado, e os detalhes são até esclarecedores até certo ponto. São mostrados Alexander e Ilya Salkind (produtores) tencionando em chamar Mario Puzo para escrever o roteiro, e depois contratando o diretor. Mas a questão de divergências entre Richard Donner e os Salkinds é citada muito de leve, de forma bem chapa branca. O único argumento “a favor” de Donner é a ênfase que se dá pelo fato de que o segundo episódio da franquia já estaria 70% filmado. Os outros dois filmes também são comentados, assim como os outros produtos dos Salkinds – Supergirl e Adventures of Superboy.

    Nos quadrinhos, é destacada a reformulação de John Byrne e  A Morte de Superman, além dos produtos televisivos dos anos 90 – a comédia romântica Lois e Clark, e os desenhos animados de Bruce Timm. Há um enfoque considerável em Smallville, e o documentário afirma que o sucesso da série é que possibilitou a volta do herói aos cinemas.

    A parte final faz um belo resgate da memória de Christopher Reeve, e sua luta contra a paralisia até a sua morte. O efeito é parecido com a abordagem com George Reeves, claro, com uma visão bem mais otimista do que a do suicídio.

    O último ato foca em Superman: O Retorno de Bryan Singer. Look Up in the Sky! The Amazing Story of Superman é interessante, apesar de ser superficial em alguns pontos importantes da trajetória do herói. Ainda assim funciona muito como memória afetiva nas poucas partes em que se aprofunda. Ao passar os créditos são mostradas cenas das muitas encarnações dos produtos de Superman, desde cenas de bastidores até erros de gravação, com Singer, Brando, Reeves etc.

  • Crítica | Wolverine: Imortal

    Crítica | Wolverine: Imortal

    The Wolverine (Wolverine Imortal)

    Após o desastroso X-Men Origens: Wolverine, de 2009, é natural que qualquer fã do mutante mais famoso dos quadrinhos ficasse com um pé atrás a respeito de um novo filme do personagem, mesmo que os primeiros boatos a seu respeito fossem de um projeto com um cineasta de renome, como Darren Aronofsky, que acabou não se concretizando (para alegria de uns e tristeza de outros).

    Porém, as notícias da adaptação do clássico arco de histórias de Chris Claremont e Frank Miller com Wolverine no Japão permitiram novas possibilidades e o diretor James Mangold acabou por entregar uma história que por mais que não envolva totalmente o espectador nem apresente nada de novo em relação ao protagonista, ao menos não ofende o fã dos quadrinhos, de cinema e qualquer pessoa com senso crítico, como a produção anterior.

    Na nova história, Logan (Hugh Jackman) decidiu abandonar de vez a vida de herói e passou a viver sozinho na selva. Deprimido, ele é rastreado pela jovem Yukio (Rila Fukushima), enviada a mando de seu pai adotivo, Yashida (Hal Yamanouchi), que foi salvo por Logan algumas décadas antes, na detonação da bomba atômica em Nagasaki (em uma bela sequência). Yashida a princípio deseja reencontrar Logan para se despedir de seu salvador (já que está em seu leito de morte), mas depois faz uma proposta: transferir seu fator de cura para ele, de forma que Logan possa, enfim, se tornar mortal e levar uma vida como uma pessoa qualquer. Logan recusa o convite, mas acaba infectado por Víbora (Svetlana Khodchenkova), uma mutante especializada em biologia que é também imune a venenos de todo tipo. Fragilizado, Logan precisa encontrar meios para proteger Mariko (Tao Okamoto), a neta de Yashida, que é alvo tanto da máfia japonesa Yakuza quanto de outros oponentes que surgirão no decorrer da história, um tanto quanto cansativa.

    A trama, apesar de simples, é problemática em várias maneiras. Primeiro ao abordar novamente a Yakuza e seus membros tatuados e especialistas em artes marciais. Acredito que esse clichê já foi suficientemente usado em filmes de ação demais nos anos 80 e 90 (aliás, outro clichê é exatamente este: será que todo oriental sabe lutar e manejar armas?). A tentativa de dar ao filme um tom realista ao adotar a máfia como vilã inicial até funcionaria caso isso se sustentasse ao longo da narrativa, mas após sermos apresentados a Víbora e ao Samurai de Prata, toda a sequência com a Yakuza parece perder o sentido. Segundo por adotar corretamente a postura de dar tempo para os personagens se desenvolverem nos dois primeiros atos, mas se esquecer totalmente disso no terceiro, que é inchado com sequências de luta longas demais e, de certa forma, desnecessárias. E terceiro ao transformar radicalmente as relações dos personagens entre si e suas motivações gratuitamente de acordo com cada situação de maneira preguiçosa, a fim de encaixar a trama com um trabalho menor, torcendo para que ninguém perceba a incongruência.

    Exemplos disso não faltam: Shingen é envenenado pela Víbora e sofre alucinadamente, para depois aparecer e lutar de igual para igual com Yukio e vencê-la. Ela que antes havia dito que ele lutava “para o gasto”. Depois de vencê-la, Shingen ainda luta ferozmente contra Wolverine, em uma tentativa de remeter a icônica luta dos quadrinhos, mas extremamente mal-executada, já que, de uma hora para outra, Wolverine solta uma frase de efeito e abandona a luta para, segundos depois, voltar e matar o vilão que nunca deixa nada passar. Harada (Will Yun Lee) também é outro que age em um padrão o filme todo para no final, tomar uma atitude totalmente descabida. Há também a excessiva aparição de Jean Grey (Famke Janssen) nos sonhos de Logan, na função de servir de guia e desnecessariamente explicar a plateia cada momento do filme e o estado psicológico do protagonista.

    Os pontos positivos do filme ficam nas cenas iniciais (como a do urso e o enfrentamento no bar) e nas de ação, durante o enterro de Yashida e, principalmente, no trem, rendendo algumas cenas engraçadas. São cenas que, apesar de faltar violência e sairmos com a impressão de que ninguém foi morto pelas garras de Logan, conseguem transmitir perigo e um senso de urgência, além de serem bem executadas de modo que consigamos acompanhar, passo a passo, onde cada personagem está em determinado momento e o que estão fazendo, o que muitas vezes não é feito por diretores atuais. Porém, a melhor parte do filme ainda é a cena pós-crédito, que liga diretamente o filme ao próximo filme da franquia, chamado “Dias de um Futuro Esquecido”, trazendo personagens e atores conhecidos do público em um momento empolgante.

    Ao final, fica a impressão de que talvez tenha chegado a hora de tanto Marvel quanto Fox (assim como Hugh Jackman) repensarem o que a superexposição do Wolverine pode causar no desgaste do personagem, já que o veremos novamente protagonizado a sequência do ótimo X-Men: Primeira Classe. Encerrar aqui este ciclo do herói a exemplo da trilogia Batman de Nolan/Bale, daria chance a outras pessoas retomarem o herói com outros olhos e revigorar a combalida franquia solo de “Wolverine” nas telonas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Tese sobre um Homicídio

    Crítica | Tese sobre um Homicídio

    tese-sobre-homicidio

    Analisemos o pressuposto seguinte: mesmo que cada obra de arte contenha uma intenção clara de seu artista, haverá interpretações subjetivas. A condição se justifica por elementos diversos e define a opinião de cada um que intenta produzir uma análise crítica de uma obra.

    O pretexto subjetivo em que me apoio é o apreço pelas narrativas policiais que tenho desde minha formação como leitor. Um motivo que me deixa em alerta quando vejo uma história que apresenta um mistério, seja ele tema central da história ou periférico.

    Tese Sobre Um Homicídio deve seu prestígio ao carisma talentoso de Ricardo Darín. O representante máximo do cinema argentino há mais de dez anos, onipresente em diversas produções, em parte porque tem reconhecimento internacional, e suas produções, sem exceção, ganham boa distribuição. Dando-nos a impressão de que somente o ator trabalha no mercado dos hermanos.

    A presença do ator e a história envolvendo um assassinato foram os responsáveis pelo sucesso em seu país de produção, com destaque para a personagem de Darín que se destaca desde sempre pela competência e entrega com que o argentino realiza.

    Roberto Bermúdez (Darín) é um advogado que, devido ao prestígio da carreira, realiza seminários no curso de direito da faculdade, escreve livros sobre a doutrina jurídica e possui laços com a polícia para consultas em casos que necessitam de maior atenção.

    Em sua primeira aula do novo curso, um assassinato ocorre no estacionamento da faculdade. Ao inserir na sala de aula a realidade do crime recém ocorrido, faz com que a suspeita recaia sobre Gonzalo Ruiz Cordera, aluno que chega atrasado no dia em questão

    A história se constrói ao redor destas personagens: Bermúdez, como grande advogado admirado desde a infância por Gonzalo, que esteve em seu seio familiar devido à amizade com o pai. As poucas aproximações entre professor e aluno produzem um discurso oposto sobre a força da justiça, a punição e a morte. Nascendo uma sombra de dúvida no advogado-mestre que o faz investigar de forma informal o homicídio.

    Se a margem da dúvida faz parte da investigação criminal, há outros fatores e procedimentos que determinam a investigação de um crime. A lacuna da suspeita é o espaço para que se compreenda que o crime em si se desenvolve a margem da história, como o gatilho para as dúvidas do advogado.

    A personagem de Darín foi comparada por alguns críticos a um clássico personagem noir por sua perdição. Mas vejo proximidade somente quando se observa que a personagem é maior do que a história em si, maior que o crime. Semelhante a muitas histórias do gênero citado, que fazem da morte apenas uma prerrogativa para apresentar um ambiente dúbio.

    Reconhecemos este elemento quando observamos que o advogado bem sucedido sente-se deslocado do curso natural da vida. Perdeu a esposa, não tem filhos, não vê mais planos futuros na carreira e passa a maior parte do tempo sozinho em sua casa bem decorada, bebendo e fumando.

    No vazio existencial nasce o jogo obscuro da dúvida alimentada pela obsessão de descobrir certa noção da verdade, suspeita que se volta para o aluno sem suspeita aparente. Tudo que vemos é modificado aos olhos do advogado. O elemento parcial convence o espectador de uma certeza não provada, cativada pela composição da personagem, induzido pela dúvida uma certeza.

    De maneira equilibrada, a decupagem trabalha a favor das inferências apresentadas pela dúvida. Em diversas cenas, a câmera passeia por espelhos, reflexos, vidros distorcidos, revelando que nem sempre observar um objeto é vê-lo da maneira como é, sendo impossível vê-lo com olhos imparciais ou, pressupondo-se que não há uma verdade absoluta, vendo da maneira mais fiel possível.

    Mediando a dúvida está o espectador, tão heroico como o personagem central, que deseja descobrir e acreditar que a suspeita da personagem é verdadeira. Ainda que, a parte a subjetividade, não há nada de concreto.

    A tese é apenas a enumeração de possíveis acontecimentos, cabíveis de interpretação pelo público. Um roteiro construído para equilibrar-se na dúvida.

  • Crítica | Passion

    Crítica | Passion

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    Brian De Palma é um diretor com carreira de sucesso indiscutível. Fruto de uma geração talentosíssima – formada por Scorsese, Coppolla etc –  não filmava desde Guerra sem Cortes. Este Passion é a sua versão para o suspense  Crime D’Amour, do francês Alain Corneau.

    Seu começo é lento, lotado de cenas contemplativas nos quartos das suas personagens principais, Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace). Tais pedaços demonstram alguns dos conflitos que serão futuramente explorados, como a solidão, a luxúria etc.

    O roteiro brinca com alguns distúrbios psicológicos sérios, mas vai expondo tudo de forma gradual. Há uma mini-rede de influência entre as personagens principais e outros membros do grupo corporativo onde estas trabalham, em que imperam basicamente a sedução por meio do sexo, posse e poder, além da traição ética e carnal. Aparentemente há um enfoque no Narcisismo por parte de um dos personagens, mas com o desenrolar da história, nota-se que esse é um problema comum a quase todas as pessoas retratadas em cena.

    A trilha sonora, assinada por Pino Donaggi – que já trabalhara com o diretor em Carrie, Dublê de Corpo e Vestida para Matar – é sensacional e ajuda a compor o quadro de angústia vivenciado por Isabelle. A pressão psicológica e a agressão à sua auto-estima vão aumentando com o decorrer da película. Mais uma vez De Palma utiliza-se da sua filmagem competente, deixando sua câmera em ângulos tortos em meio a ambientes pouco iluminados, mostrando a instabilidade de seus personagens e o incômodo pelos quais eles passam, sem revelar de forma óbvia quais são as suas intenções, o realizador ainda se apropria de elementos tipicamente hitchcockianos, como Macguffins. O repertório narrativo e visual de Passion lembra em muitos momentos algumas das últimas obras de Alfred Hitchcock, como Topázio e Frenesi.

    A obsessão é retratada em alguns momentos com uma docilidade ímpar: a admiração torna-se paixão, evolui para fixação, quando se soma a rejeição causa traição, frustração e humilhação. O destino final é a vingança, logo acompanhada de uma reticente confissão. A priori, a história parece ser sobre paixões não correspondidas, mas é muito mais que isso. Há distúrbios de comportamento como stalkers se valendo da tecnologia para praticar chantagens morais e subornos sentimentais entre outras anomalias de comportamento. Não há personagem que não tenha algum interesse escuso.

    Com o decorrer do filme, a atuação de Noomi Rapace vai evoluindo, de caricata a bastante realista, o que empresta muito caráter ao lado dramático e misterioso do filme. O final e as reações de Isabelle deixam em aberto algumas questões. Os fatos mostrados na tela podem ter ou não ter ocorrido, total ou parcialmente, é posto em dúvida se alguns dos personagens são ou não reais – o que põe a prova o testemunho da personagem, assim como contesta sua sanidade mental. Um suspense num ritmo clássico, que apela bastante para a sexualidade, mas sem vulgarizar.

  • Crítica | O Grande Lebowski

    Crítica | O Grande Lebowski

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    Que os irmãos Coen são especialistas em criar universos e personagens singulares e que se tornam antológicos não é segredo. Porém, em O Grande Lebowski, de 1999, a dupla se supera. Se em Arizona Nunca Mais ambos já tinham provado sua capacidade de criar protagonistas do sul americano estilizados ao máximo e que conseguiam arrancar risadas do espectador a todo instante, esse estilo atinge outro patamar, que transforma este longa em um dos filmes mais cultuados dos diretores. E não é à toa.

    O Grande Lebowski contra com um grande elenco. Jeff Bridges interpretando magistralmente Jeff Lebowski, ou, como gosta de ser chamado, The Dude (“O Cara”, mas a tradução literal não consegue abarcar o significado genérico do nome, que está ligado ao personagem). Preguiçoso, leniente, com extremas dificuldades em se expressar e com amigos igualmente problemáticos, o excelente Walter Sobchak (John Goodman) e Donny (Steve Buscemi), Dude é daqueles personagens que nos incomoda no início pela dificuldade em terminar uma simples frase, passando até uma falsa ideia de que não seja apto de uma grande inteligência.

    Mas, no desenrolar dos acontecimentos, ele vai se mostrando a figura mais lúcida do filme, que tenta a todo instante trazer as pessoas de volta à realidade. Walter é o amigo do Dude, veterano do Vietnã e com claros problemas de raiva; sua vontade de ajudar só é comparável a sua falta de percepção das coisas. E é justamente essa dificuldade em lidar com as situações com que se depara que garante as melhoras cenas do filme, com falas memoráveis, como “This is what happens when you fuck a stranger in the ass!” ou ”You are entering a world of pain.” Buscemi também fica muito bem no comedido e comportado Donny, que aguenta calmamente as grosserias e cortes de Walter. Detalhe também para a hilária e pequena participação de John Turturro como Jesus, um jogador de boliche rival de Dude, Walter e Donny.

    A jornada do Dude começa quando seu tapete é roubado. Algo tão trivial serve de gatilho para uma série de eventos e confusões que nos remetem ao termo clássico para definir grande parte dos filmes dos Coen, a “comédia de erros”, pois são os erros e interpretações errôneas da situação que garantem a criação de cenas tão engraçadas quanto icônicas.

    Do outro lado, temos o milionário também de nome Jeff Lebowski e sua filha Maude Lebowski (Juliane Moore), que brigam pelo dinheiro de sua falecida esposa e mãe, respectivamente, e ambos veem em Dude a chance para ajudarem em sua empreitada pessoal. Em um terceiro grupo de personagens, há os alemães niilistas, que garantem cenas também engraçadíssimas, retratando de forma satírica o submundo da cultura das grandes cidades alemãs e sua excentricidade.

    Porém, apesar de personagens excelentes, faltou um pouco de tempo para desenvolvê-los, o que acaba prejudicando um pouco a narrativa, que se preocupa muito, em alguns momentos, com a parte estética e com a comédia ao invés de aprofundar as relações dos personagens com o objetivo central da trama, que por vezes fica meio perdida. Mas isto não afeta a ponto de prejudicar a narrativa, que tem o seu ponto forte mais nos personagens do que na história que eles perseguem.

    O Grande Lebowski é daqueles filmes que a gente guarda para citar falas e recriar situações entre os amigos, e somente filmes com personagens tão bons conseguem fazer isso.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Um Golpe Perfeito

    Crítica | Um Golpe Perfeito

    Golpe Perfeito

    Um Golpe Perfeito (Gambit), começa com uma introdução animada, do que a princípio, seria uma comédia de erros. Com direção de Michael Hoffman, o roteiro de Ethan e Joel Coen apresenta uma proposta ousada, com um mirabolante esquema de falsificação e fraude com pitadas de humor, mas que com o decorrer da história, o espectador é desiludido.

    A princípio, Um Golpe Perfeito é despretensioso, explora uma sucessão de atos falhos no plano de Harry Deane (Colin Firth), que contrata a cowgirl PJ Puznowski (Cameron Diaz) a fim de ludibriar seu chefe, o colecionador de arte Lorde Shabandar (Alan Rickman). O filme é cortado por uma narração, que se torna enfadonha, e que não é nada mais que um incômodo na maioria das vezes em que é usada – pior, o personagem que a faz só consegue falas significativamente interessantes quando dita as emoções e agruras dos personagens.

    O tom da comédia é nonsense, mas está longe de ser escandalosamente hilário, em alguns pontos chega a ser entediante. Lembra bastante O Amor Custa Caro, uma comédia romântica dos próprios Coen, e repete também os seus acertos – o elenco é formidável. Firth e Rickman elevam o nível da película, e conseguem com suas atuações, elevar considerávelmente a qualidade de Um Golpe Perfeito, seus personagens são interessantes, de peculiaridades e personalidades curiosas. Stanley Tucci também não compromete nas poucas cenas em que aparece.

    Deane torna-se muito mais engraçado à medida que se embebeda. As cenas dentro do Hotel Savoy são disparadas as melhores coisas da obra, mas a solução de mostrá-lo enciumado com a relação entre seu chefe e PJ não funciona, primeiro por não haver química nenhuma entre Firth e Diaz, segundo, por não ter sido construída ou mencionada qualquer intenção amorosa/sexual antes, esta foi uma saída muito fácil e se mostrou uma péssima escolha, o que evidencia que o roteiro está longe de ser um dos melhores da carreira dos irmãos.

    É lastimável que o plot enverede pelos erros comuns das comédias românticas, seu resultado final é uma história de amor fraca, com elementos de filmes de assalto, que esconde um caráter sentimental e açucarado, que não cumpre nem mesmo a intenção básica de “filme cor de rosa”. Michael Hoffman não consegue fazer jus a filmografia dos roteiristas, nem mesmo nos seus piores momentos.

    Um dos pontos altos no desfecho é o alarme anti-furtos – tão ridiculamente inverossímil que se torna cômico, mas tal esquete não salva o todo, ainda mais com a reviravolta que ocorre com Harry Duane nos minutos finais, que é muito previsível e poderia ser melhor construída.

  • Crítica | O Cavaleiro Solitário (2013)

    Crítica | O Cavaleiro Solitário (2013)

    O-Cavaleiro-Solitario-poster-15Mar2013

    Mais um dos produtos Disney encabeçado por Gore Verbinski e acompanhado de Johnny Depp, este O Cavaleiro Solitário traz uma nova visão do clássico justiceiro mascarado do Velho Oeste. A história é contada por um índio ancião a uma criança fantasiada de Lone Ranger. Os fatos são contados por meio de flashbacks, recurso que parece estar cada vez mais em moda no cinema contemporâneo.

    Ao menos os cenários e figurinos condizem com o gênero Western, a Direção de Arte têm poucos erros e a atmosfera contribui para a imersão dentro da história, mesmo com a ausência de sangue nos tiroteios e execuções. O roteiro contém muitas gags hilárias e piadinhas físicas que, aos poucos, vão minando a paciência do espectador mais ranzinza.

    Depp está com todos os trejeitos típicos de seus filmes com Tim Burton e do próprio Verbinski, o que torna sua caracterização em algo completamente genérico, visto em quase todas as suas bombas recentes – quase sempre de cara pintada,  com atuações tresloucadas e caricatas. O próprio ator parece se incomodar com a repetição de estereótipos que vem fazendo, tanto que seu contrato não prevê sua participação numa possível continuação. O estilo canastra permanece irritante, principalmente quando este interage diretamente com o público, mas o fato deste filme ser voltado para o público infantil, faz relevar alguns de seus muitos defeitos de concepção.

    Armie Hammer também não acerta como Lone Rider, e é ainda mais canastrão que Tonto. Seu personagem e o índio revezam-se nos arquétipos de Mentor e Pupilo, mas a relação é tão mal construída e jogada, que não há como se importar com os percalços deles. Para colaborar ainda mais com a mediocridade da obra, é apresentada Helena Bonham Carter num papel de uma cafetina perneta, com uma prótese de marfim – objeto que gera uma cena fetichista totalmente descabida, que não é pesada, mas também não se encaixa num produto cinematográfico para crianças – não é sequer engraçada, é só de mal gosto.

    A ação empregada em Cavaleiro Solitário é muito semelhante a da série Piratas do Caribe: lotada de pirotecnias, com brigas “pouco violentas”, coisas explodindo pelo cenário,  e sem personalidade nenhuma, mais do mesmo. Verbinski se repete demais e aposta suas fichas no que sempre deu certo em sua filmografia, até nos erros o realizador tem a obsessão em se autorreferenciar, pois o romance entre John Ready e sua cunhada Rebeca Ready (Ruth Wilson) é muito fraco, e tem o desfecho parecido com o do casal de Piratas do Caribe: Fim do Mundo, onde Orlando Bloom e Keira Knightley também são impedidos por “forças maiores” de ficarem juntos. Neste, ao menos, havia um pouco de química, ao contrário da relação semi-incestuosa apresentada em Lone Ranger. Esta versão do O Cavaleiro Solitário carece de conteúdo, substância e relevância, e só não é absolutamente descartável graças a sua fotografia e direção de arte.