Categoria: Cinema

  • Crítica | Elena

    Crítica | Elena

    elena_poster

    A definição fácil, e bastante incompleta de um documentário, é que, em oposição a ficção, se trata de um retrato da realidade. Há muito a dizer sobre o processo narrativo em documentários, o olhar do diretor e as escolhas de montagem, mas é senso comum dizer que são filmes que utilizam o real como matéria prima. Essa definição é a primeira coisa que Elena põe em cheque.

    O filme de Petra Costa é todo construído em cima do que não se sabe, mas completa-se no sonho, na memória, nas histórias. O desconhecido é Elena, irmã mais velha da diretora que aos 20 anos foi para Nova York ser atriz e consumida pela solidão, a angústia e a aridez da profissão que escolheu acaba se matando, deixando para trás a irmã de 7 anos. 20 anos mais tarde é Petra que se matricula no curso de teatro da Columbia e busca na cidade os rastros da irmã que não chegou a conhecer realmente.

    Elena é um misto de investigação e carta aberta, uma tentativa de reconstruir quem foi aquela jovem e o que a levou a seu fim e ao mesmo tempo uma confissão e desabafo em que Petra diz a irmã mais velha tudo aquilo que nunca teve chance. Poético, mais do que documental, ele se utiliza de depoimentos, imagens de arquivo e mesmo cenas gravadas que lembram video-arte.

    O documentário vai se construindo em fragmentos: ouvimos o nome de Elena já na abertura, mas é aos poucos que descobrimos quem é essa pessoa, qual sua relação com a diretora e o que afinal aconteceu com ela. Petra Costa constrói bem sua narrativa e prende o espectador, que se vê curioso para descobrir quem é essa moça, porque está sendo um filme sobre ela e onde está ela agora. Entretanto, conforme a história de Elena fica mais clara, sua personalidade se nubla e, assim como a irmã cineasta, nos vemos diante de um quebra-cabeça sem resposta, uma história que só se pode completar com ficção.

    Petra anda pelas ruas de Nova York, fala com a mãe, reconta a história da família e sua ida para a clandestinidade nos anos 70. Contudo, o filme nunca almeja ser sobre a cidade, ou sobre a ditadura, ou famílias na ditadura, é sobre aquela família, aquela moça, aquela história, excessivamente pessoal, Elena é um sopro de ar fresco no cinema brasileiro que busca sempre evitar o íntimo, o lírico e falar das grandes questões sociais do país. É corajoso da parte da diretora ignorar a tradição mais forte do cinema nacional e sem qualquer disfarce falar de si, construir um filme confessional ao extremo, um filme que expurga demônios e acaba entregando algo que falta.

    Porque Petra Costa é talentosa e sua poética é fluída e metafórica, o filme transcende a pequena crise pessoal de onde nasceu e se transforma em uma história sobre a arte, a necessidade da arte e os meios pelos quais as pessoas se perdem. Porque ninguém é absolutamente único e a experiência humana tem sempre algo de universal, ao falar de si e de sua irmã, a cineasta fala ao espectador, às dores e angústias daquele que a assiste e entrega um filme que comove, faz rir e chorar e que envolve quem assiste naquele mistério.

    Contar o que se sabe é algo muito pouco feito no cinema brasileiro, é mais comum vermos jovens de apartamento em bairros nobres falarem sobre uma vida no morro da qual tem pouca ideia, Petra assume seu próprio universo e constrói ali um mundo. Elena é um filme simples, despretensioso e delicado, mas que se torna memorável porque fala a algo de íntimo e sentimental com uma beleza óbvia. No fim, quando a autora abandona um pouco a história da irmã para contar a sua própria, o filme escorregue para algo meio “meu querido diário” que quebra a narrativa forte que vinha se construindo até então, ainda assim tem qualidade e é um dos acontecimentos mais únicos no cinema brasileiro atual.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Roda da Fortuna

    Crítica | A Roda da Fortuna

    A-Roda-Da-Fortuna

    A Roda da Fortuna (The Hudsucker Proxy) é o quinto longa dirigido e roteirizado pelos irmãos Coen (Sam Raimi também tem crédito como roteirista), e também um dos menos lembrados da filmografia de Joel e Ethan.

    A história começa com a chegada de um jovem entusiasta e idealista, Norville Barnes (Tim Robbins) à Nova Iorque dos anos 50, no auge do capitalismo americano, onde o sonho de vencer na vida movia gerações esperançosas após o pesadelo da 2ª Guerra Mundial. Paul Newman interpreta magistralmente o vilão e diretor das Indústrias Hudsucker chamado Sidney J. Mussburger, cujo objetivo era substituir o presidente da empresa, Waring Hudsucker, que havia se suicidado. Porém, como a empresa era valiosíssima, Mussburger decide abaixar o valor de suas ações e assim compra-la a um preço baixo. A fim de atingir seus objetivos, coloca como presidente Barnes, recém-contratado pelas indústrias Hudsucker.

    O filme apresenta bem os personagens, porém, a dinâmica entre eles e a demora na execução de seus planos, objetivos e interações, faz a narrativa perder um pouco do clima inicial. Os arquétipos clássicos são muito bem representados, como o trabalhador comum, o jovem idealista, o vilão poderoso, o conselheiro, dentre outros.

    Os diálogos possuem uma rapidez e fluência que remete aos filmes dos anos 50, ainda mais caracterizada na jornalista Amy Archer (Jennifer Jason Leigh). A linguagem corporal e trejeitos dos personagens, retratados de forma fiel, mas caricata ao melhor estilo dos Coen, nos faz acreditar que a Nova Iorque dos anos 50 foi mesmo um período mágico. Ainda assim a obra apresenta uma crítica ao capitalismo selvagem, em cenas ótimas, como a que os trabalhadores fazem um minuto de silencio pela morte de Hudsucker, mas são imediatamente avisados de que esse minuto será descontado de seus pagamentos. Além, é claro, da estilização do vilão e capitalista sem escrúpulos Mussburger e dos acionistas, tratados como meros instrumentos em suas mãos.

    Visualmente o filme atinge seus objetivos, com uma perfeita montagem e fotografia que lembra o cinema glorioso dos anos 50, com um ar de pastiche e comédia. Mas o drama de ascensão e queda de Barnes soa um pouco forçado, pois suas realizações e compreensões não parecem nos convencer em momento algum de sua veracidade, tornando tudo um pouco artificial. O humor negro e direcionado dos irmãos Coen aqui parece um pouco fora de contexto, não encaixando na história e no tom que a narrativa do filme sugere. As reviravoltas acontecem de forma artificial e uma rapidez que não fluem de forma natural para o espectador, tornando a boa experiência visual de seu início um pouco cansativa e enjoativa no final.

    Apesar de alguns defeitos, A Roda da Fortuna é uma história que envolve a sua maneira, valendo a experiência. Os Coen mesmo quando aparentemente erram, conseguem realizar obras acima da média.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Juan dos Mortos

    Crítica | Juan dos Mortos

    poster_juan_final_baixa

    O 1° filme do subgênero mortos-vivos – absurdamente em alta graças à famigerada série da AMC – produzido em Cuba não poderia ser mais emblemático. Juan de Los Muertos – ou Juan of the Dead – tem um letreiro que se assemelha propositalmente a de Dawn of the Dead.

    Juan (Alexis Díaz de Villegas) é um personagem acomodado e que não quer sair de sua zona de conforto de forma alguma, mas algo acontece na sua bela Havana e muda tudo – o esqueleto do roteiro é muito semelhante a um sem número de histórias, mas a forma como os fatos são narrados a partir de sua premissa é sem igual. A causa da infecção é sugerida como manifestação de divisionistas inspirados pelos EUA.

    A forma como Juan e seus amigos enfrentam os mortos é curiosa e jocosa. O nível de alienação dos nativos da ilha faz com que eles não percebam as diferenças entre antes e depois da volta dos falecidos a vida. Há mais elementos de humor do que terror, o que é um acerto, visto que o vilão está a muito saturado. Os efeitos especiais utilizados nas execuções tornam estes atos em eventos hilários. A fim de se redimir de ser um pai ausente e para ganhar pontos com sua filha, Juan resolve instruir as pessoas do seu bairro para combater os undeads, e claro, cobra um preço para que ele e seu esquadrão exterminem os parentes vitimados pela praga.

    As criativas formas de lidar com os infectados são geniais, e as cenas em CGI parecem retiradas de um filme da Global Asylum – são tão absurdas, toscas e inverossímeis, que geram um efeito contrário a sua péssima qualidade, tornando-se bem executadas dentro da galhofa que permeia o filme. Cumpre facilmente a tarefa de fazer o espectador rir. O lucro em cima da desgraça, e a graça em cima da tragédia tornam o humor negro uma das marcas da obra.

    O nível de deboche é tão grande que a crítica política fica apenas na superfície, mas ainda assim ela é presente em vários momentos. As piadas de baixo calão e de cunho sexual são implacáveis e extremamente politicamente incorretas.

    O grupo – cada vez menor – se vê cercado pelos mortos e diante da falta de perspectivas, decidem deixar Havana e rumar para Miami. Apresentam-se percalços e até alguns questionamentos éticos para Juan, mas isso é breve. O foco é outro, e Alejandro Bruguès proporciona ao espectador uma forma bem humorada de encarar o fim do mundo.

    Os créditos finais em formato de quadrinhos estilizados acompanhados da versão de Sid Vicious de My Way fecham Juan dos Mortos de forma “massa veio”, condizente com o resto da história, que possui um conteúdo, mesmo não dando atenção a ele. É um filme totalmente despretensioso e que precisa se tornar idiota para fazer rir.

  • Crítica | Bling Ring: A Gangue de Hollywood

    Crítica | Bling Ring: A Gangue de Hollywood

    bling-ring[1]

    O artigo em que se baseia o roteiro – The Suspects Wore Louboutins – foi publicado na Vanity Fair, um misto de Caras e Marie Claire, ou seja, o tipo de revista que não tenho hábito (ou vontade) de ler, nem em salas de espera. Aliás, antes de assistir ao filme, eu nem sabia que Louboutin é uma marca, ou melhor, uma grife de sapatos – meu conhecimento desse assunto resume-se aos Manolo Blahnik usados pela Carrie de Sex and the city.

    Resumindo, não conheço (praticamente) nada do universo retratado no filme. O que não me impediu de desfrutar de todo o resto. Certamente, quem conhece grifes, marcas e celebridades terá um divertimento a mais. Porém, o filme sustenta-se bem sem esse conhecimento prévio.

    Não foi difícil comprar a ideia de um bando de patricinhas entediadas não achar nada de mais invadir casas de celebridades para roubar. Até mesmo o fato de o endereço dos famosos se encontrar a apenas um clique no Google é aceitável. Se há algo que foi difícil acreditar é que essas mesmas celebridades – ao menos algumas delas – , ao saírem em viagem, deixassem suas casas, enormes por sinal, abandonadas, sem sequer um empregado e, pior, sem sistema de segurança, nem mesmo uma câmera com sensor de movimento.

    E o que dizer de Paris Hilton deixar a chave da casa sob o capacho da entrada? Acredito que nem alguém cuja residência seja bem mais modesta, sem tantos objetos valiosos, seria tão idiota a ponto de confiar tanto na boa índole alheia. E não apenas isso. Qualquer um com um pouco de bom senso, depois de ter sua casa invadida duas ou três vezes, além de não deixar mais a chave no local de costume, certamente instalaria um sistema de segurança ou contrataria vigilantes. Não que Paris Hilton seja um exemplo de alguém de bom senso, mas mesmo assim. A situação toda que propiciou os arrombamentos parece bastante irreal quando analisada racionalmente.

    Mas não há nada de racional numa cidade em que pessoas deixam carros destrancados na rua com carteiras cheias de dinheiro dentro; ou em que famílias saiam em viagem sem verificar se todas as portas e janelas da casa estão trancadas; ou em que adolescentes de famílias ricas achem moralmente aceitável abrir esses mesmos carros e arrombar essas mesmas casas para se apossar de algo que não lhes pertence, apenas por pertencerem a alguém famoso que elas admiram e, logicamente, invejam; e, em que, cometido o delito, ainda se vangloriem e se exibam pelas redes sociais sem qualquer remorso. E o roteiro consegue mostrar essa distorção na visão de mundo desses adolescentes e a corrosão da moral que ao menos a maioria de nós acredita ser inerente ao ser humano.

    Os diálogos parecem artificiais. Mas basta assistir ao reality show que Alexis Neiers (no filme, Nicki, Emma Watson) apresenta – Pretty Wild, no canal E! – para perceber que aquele jeito artificial e grandiloquente é característico do modo de falar desse grupo de jovens. Neiers foi a principal “consultora” a respeito dos eventos, mesmo não sendo a chefe da gangue. Ganhou notoriedade por ser menos reservada que os demais ao comentar o assunto. E Emma Watson representa-a muito bem. O ar de mocinha de boa família que foi influenciada pelas más companhias fica bastante evidenciado em suas entrevistas à imprensa.

    Enquanto as garotas não parecem sentir qualquer tipo de remorso, Nick Prugo (no filme, Marc, Israel Broussard) é o único que demonstra certo peso na consciência pelo atos cometidos. É interessante seu diálogo com a repórter em que se diz assustado com o fato de as pessoas valorizarem mais os atos de vandalismo cometidos por eles – inúmeros desconhecidos pedem para adicioná-lo no Facebook – do que valorizariam alguma atitude humanitária. Se tivessem feito algo bom e generoso, a notoriedade não seria tamanha. Essa atração do público pelo estereótipo de Bonnie & Clyde é doentia. Broussard, apesar de mais bem-apessoado que Prugo, convence bem como o rapaz deslocado que topa acompanhar Rachel Lee (no filme, Rebecca, Katie Chang) e as outras garotas apenas para ser aceito como parte de um grupo.

    O roteiro não tem como ser muito criativo, já que se baseia em fatos reais. O que se vê então é uma sucessão de invasões, o deslumbramento com as posses dos famosos, fotos tiradas no meio de ambientes luxuosos, festas, drogas, bebidas, exibicionismo. Como retrato de um grupo sem restrições morais se divertindo à custa dos bens alheios, o filme funciona muito bem. E apenas isso.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Em Transe

    Crítica | Em Transe

    Em Transe

    A narração de Simon – personagem de James McAvoy – conta como eram os assaltos a obras de arte no decorrer dos tempos. O recurso introduz satisfatoriamente o público no filme de assalto a seguir, no gênero, é comum ver uma estilização munida de uma aura cool e moderna, e Danny Boyle consegue passar isso muito bem, melhor do que a maioria de exemplares recentes.

    A princípio, Em Transe é um filme de roubo, que acompanha o bando que surrupiou uma obra de arte de valor pornograficamente alto, e as agruras do plano que falhou. O erro acontece por meio de um dos membros, que havia perdido o quadro e para lembrar-se onde o “deixou”, lança mão de um tratamento terapêutico a base de hipnotismo.

    A forma como são sugeridas as repressões psicológicas são bastante críveis e verossímeis, sem apelar para o lugar comum. O inconsciente é mostrado de forma pouco mística – sem clichês como ambiente esfumaçado e cheio de neblina, ou apelações nonsense gratuitas.

    No decorrer da trama, a hipnóloga Elizabeth – Rosario Dawson, irretocável em múltiplos sentidos – decide entrar no “esquema”. Os motivos que a levam a entrar na situação são obscuros, e talvez, este seja o maior motivo de desconfiança, tanto dos personagens, quanto para quem acompanha do lado de fora da tela. É bom frisar, suas cenas de nu frontal são absurdamente bem registradas!

    A ambiguidade do filme passa por muitos estágios, e é muito devido à ótima atuação de James McAvoy, pois Simon transita entre a realidade e a sua inserção no inconsciente. Isso só se dá em virtude do talento de seu intérprete. Ainda assim em alguns momentos, o observador pouco desatento pode acompanhar através dos signos e sinais quando Simon está hipnotizado ou acordado. O roteiro flerta de forma interessante com anomalias mentais, como transferência, paranoia, megalomania, auto-isolamento e suscetibilidade de mente.

    Os repentes da música de Rick Smith ajudam a tirar o fôlego do espectador, o que não aconteceria certamente sem a perícia de seu diretor. Boyle filma esplendorosamente, sua lente e edição cooperam demais com a narrativa que permite uma inserção perfeita e sem interferência externa, é como mergulhar nas tranquilas águas de uma piscina, e sentir o líquido sufocando o sistema respiratório e, subitamente, conseguir ar para respirar. Os closes, os planos abertos e as viagens que a câmera faz pelos interiores dos cenários são realizados com um esmero magnífico, e o resultado final é deslumbrante, nada é filmado sem um significado ou por acaso.

    O último ato reserva surpresas ótimas, e expõe uma verdade patética e até deprimente para um dos protagonistas. Possibilita ao espectador escolher o lado que quiser. Seus personagens são tridimensionais e sem compromissos com uma moralidade boba. As cenas de ação são implacáveis, cruéis e até violentas. É um thriller dos mais bem feitos e é uma das obras mais bem executadas de Danny Boyle.

  • Crítica | G. I. Joe: Retaliação

    Crítica | G. I. Joe: Retaliação

    GI-JOE-Retaliação

    Em 2009, G. I. Joe – A Origem do Cobra esteve em minha lista de piores estreias do ano. Mesmo para um filme pipoca, o roteiro mal executado me incomodou, em destaque para os diálogos risíveis e as cenas de ação que equivaliam personagens do bem compatíveis com suas versões malvadas.

    A qualidade duvidosa não impediu que a história dirigida por Stephen Sommers fosse rentável. Alcançou o primeiro lugar nos mais assistidos por semanas consecutivas e sua receita foi de aproximadamente 300 milhões de dólares. A quantia necessária para que uma continuação fosse obrigatória.

    Não é necessário ter assistido ao primeiro longa metragem para se compreender G. I. Joe – Retaliação. Logo após a cena inicial, em que vemos a equipe dos Joe, uma narrativa em off anuncia o grupo e seus principais soldados, com bom grau de didatismo. Também porque, embora sequência da trama anterior, a história é parcialmente renovada quando, em um atentado, quase todo o grupo é dizimado. Tirando de cena um elenco liderado por Channing Tatum e colocando um dos atores de ação mais divertidos dos últimos tempos depois de Jason Statham: Dwayne “The Rock” Johnson.

    O minguado grupo sobrevivente sai a procura dos responsáveis pela retaliação e se deparam com a organização Cobra que tomou o lugar do presidente dos Estados Unidos e, como bons e antigos vilões da década de oitenta, tem como pretensão o domínio global através do medo da destruição nuclear.

    A produção de G. I. Joe 2 sofreu com diversos atrasos.  Foi convertida em terceira dimensão e, por conta de exibições-teste negativas, a trama foi modificada, criando um novo personagem para sustentá-la. Coube ao veterano Bruce Willis trazer um pouco de atenção para o filme, sendo a representação máxima da trama como o soldado que inspirou o grupo dos Joe e que ajuda-os a realizar a ação.

    A presença de Willis em cena é bem burocrática. Está situada em poucos momentos da trama apenas para que se compreenda sua presença como um mentor que volta ativa. A leve mudança estrutural do roteiro deixa-o melhor e prova que Willis, mesmo repetindo o papel de sempre, ainda consegue ter um publico fiel.

    Ao contrário das cenas de ação da primeira produção, que exageram em colocar personagens emparelhados para lutar entre si, há pouca luta corporal nesta sequencia e muito menos efeito em câmera lenta. A ação é mais fluida e acompanha o desenvolvimento da trama, centrada em derrubar a ascenção dos Cobra, um grupo mais interessante do que o dos mocinhos, alias. Além da boa substituição de Tatum pelo combo The Rock + Bruce Willis que dá mais credibilidade a história de ação pipoca.

    Sem nenhum arroubo criativo, mas também sem cair em clichês demasiadamente risíveis e sem graça, o filme entrega a ação e o divertimento descerebrado que promete, deixando no ar a possibilidade de que o velhinho Willis esteja presente em mais uma continuação futura.

  • Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

    Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

    1991-barton-fink-poster2

    Barton Fink é um desses filmes que, em somente uma assistida, não é suficiente para captar toda a profundida da narrativa, seja com os detalhes inseridos na tela ou a complexidade de sua história. Qualquer um que acabe de vê-lo dificilmente consegue escapar de ficar pensando um bom tempo sobre todo o significado do que acabou de experimentar. Infelizmente o título em português Delírios de Hollywood acaba por estragar um pouco dessa experiência ao ter inserido nele um spoiler que está diretamente ligado a uma possível interpretação dos eventos ocorridos.

    O filme conta a história de Barton Fink (John Turturro), um escritor nova-iorquino de peças teatrais que acaba de atingir o sucesso com uma peça cujo tema é seu assunto preferido: o homem comum. Essa obsessão de Fink com o tema acaba gerando ótimas sequências e contradições na história, pois alfineta o escritor burguês e elitizado com sua obsessão por uma realidade concreta, onde a vida é uma batalha diária. Esse escritor, cansado da mesmice das mesmas histórias (simplesmente por não precisar se submeter ao desgastante trabalho do tal “homem comum”) procura nessa realidade uma nova fonte de ideias, conflitos e personagens mais conectados com a realidade. Porém, quando Fink encontra um desses sujeitos ordinários, não lhe dá ouvidos, pois está mais preocupado em ouvir sua própria genialidade do que a trivialidade de seu companheiro.

    Pois bem, Fink é contratado por um estúdio de Los Angeles para escrever um simples roteiro de um filme B de luta. Ele se hospeda de propósito em um hotel de qualidade duvidosa para não perder o contato com a realidade, coisa que os hotéis luxuosos de LA certamente fariam. Apesar de no início acharmos que o filme é sobre um escritor com bloqueio criativo – as cenas da máquina de escrever parada e as folhas de papel amassadas são constantes – logo ele se aprofunda na própria metalinguagem, a respeito das batalhas constantes entre roteiristas e suas ideias com os interesses comerciais de estúdios. Cada atitude e cada exagero dos diálogos, é milimetricamente calculado para mostrar o mundo artificial e paternalista dos estúdios com roteiristas, que supostamente irão trazer idéias novas a um mercado saturado. Da mesma forma que Fink é tratado muito bem no início, é escorraçado no final quando entrega a obra pronta – que não era sobre o que o estúdio queria.

    Mas, o ponto de destaque do filme é para Charlie Meadows (John Goodman), vizinho de quarto do hotel de Fink, que se apresenta como um simples vendedor de seguros, o tal homem comum sonhado por Fink, cuja gentileza e bondade transbordam em cada expressão. Após uma reticência inicial, Fink se rende a amizade com Meadows e ambos desenvolvem uma relação interessante, onde o primeiro está sempre preocupado em falar, mas nunca em ouvir.

    Após dois atos acompanhando a jornada do protagonista na busca pela criatividade, o 3º ato inicia-se com uma mulher morta ao seu lado. Nada mais do que a secretária e amante de W. P. Mayhew, um de seus escritores favoritos e que havia conhecido alguns dias atrás. Ao acordar em desespero, Fink recebe a ajuda de Meadows, que o ajuda de forma misteriosa e desaparece. Fink então recebe uma visita da polícia, afirmando que Meadows era na verdade um assassino com um histórico grande de vítimas, inclusive Mayhew.

    A partir daí, segue-se uma linha de questionamentos que fogem a  racionalidade que o filme estava seguindo. Fink realmente existe da forma como normalmente se pensa? Onde se situa a linha de sua sanidade e insanidade? Meadows realmente existe ou é um produto de sua imaginação mais profunda e sombria? Seria isso uma fuga ou uma forma de ele não ter de se assumir responsável por atos tão atrozes? Texto nenhum faria justiça ao espetáculo visual proporcionado pelos Irmãos Coen, que aqui referenciam Orson Welles a Hitchcock, de pequenas pistas até resolução de cenas com um profundo significado. O caráter da obra chega a flertar com alguns dos produtos de David Lynch.

    Considerado por muitos como o trabalho mais autoral dos irmãos Coen, fica difícil chegar a alguma conclusão sobre a história, os simbolismos, os personagens, e tudo o que o universo criado por eles representa. Extremamente personalista, intimista e subjetivo, Barton Fink (o filme e o personagem) refere-se a essa nossa tentativa de sempre estarmos em contato com o nosso pensamento e o que ele significa na prática, pois como ele cita no longa: “I gotta tell you, the life of the mind… There’s no roadmap for that territory. And exploring it can be painful”.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ninguém é Perfeito

    Crítica | Ninguém é Perfeito

    flawless - poster

    Um ex-policial ultraconservador, Walt Koontz (Robert De Niro), sofre um AVC enquanto tenta socorrer um vizinho. Com metade do corpo semi-paralisada, torna-se um recluso. Por indicação de sua médica, a fim de melhorar suas condições de fala, começa a ter aulas de canto com o vizinho do andar de cima, Rusty (Philip Seymour Hoffman) que, por acaso, é uma drag queen.

    A estrutura “dois personagens opostos que não se dão bem, vêem-se obrigados a conviver devido a alguma circunstância (aparentemente) imprevista e passam a enxergar o oposto com outros olhos” é bastante manjada, mas ainda funciona muito bem em estórias em que os personagens, e seu desenvolvimento, são o foco. Referente à forma como cada um encara o outro, é interessante reparar, logo no início do filme, quando Koontz discute com Rusty através do vão central do prédio, o ex-policial grita de dentro do apartamento e vê Rusty distorcido pelo vidro da janela. Se o espectador tem alguma dúvida sobre o preconceito de Koontz, essa cena mata qualquer incerteza.

    Há algumas cenas externas, contudo a maior parte do filme passa-se dentro do prédio sujo e decadente. Os apartamentos minúsculos atulhados de memórias (Koontz) e de sonhos (Rusty) – acentuam a solidão de cada um deles. O espectador consegue sentir a claustrofobia do ambiente, mas Schumacher poderia não ter exagerado tanto nos ângulos holandeses e nos closes para obter esse efeito.

    O filme poderia facilmente pender para o dramalhão, já que os diálogos são pouco inspirados e muitas vezes suscitarem aquela impressão de “Hmmm, acho que já ouvi isso em outro filme.” O que salva a trama desse destino são algumas tiradas cômicas – e bastante sarcásticas – que arrancam risos do espectador ao mesmo tempo que o deixam ligeiramente desconfortável por compartilhar da visão preconceituosa de um ou de outro.

    Apesar de Schumacher não constar da minha lista de diretores/roteiristas prediletos (longe disso), há que se reconhecer um mérito dele neste filme: conseguiu não interferir na performance dos atores. Sim, pois mesmo considerando-se que os personagens – Koontz e Rusty – serem um tanto caricatos, De Niro e Hoffman têm atuações primorosas. Atuações que per se carregam o filme nas costas, já que o desenrolar da estória é bem previsível para qualquer um que já tenha assistido a muitos filmes. Ambos estão muito bem, mas Hoffman realmente se destaca como Rusty. Percebe-se isso nitidamente numa cena mais sóbria em que, mesmo vestindo um terno, ele ainda é uma drag queen. E ele obtém isso ‘apesar’ do exagero do punho desmunhecado e dos trejeitos clichês, está tudo em sua maneira pausada de falar e na entonação de sua voz.

    É um daqueles filmes em que as atuações compensam o roteiro mediano e pouco envolvente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Universidade Monstros

    Crítica | Universidade Monstros

    universidade-monstros-poster2

    Não é de hoje que percebemos a grande indústrias de cinema infantil pegando o péssimo hábito de se apoiar em franquias ao invés de criar produtos novos. Tivemos três sequencias de Madagascar, Toy Story, A Era do Gelo e ainda Shrek. E é claro que, por mais que saiamos do cinema satisfeitos devido a baixa expectativa para um filme infantil, sempre fica aquele ranso, e não raras vezes profere-se: “eu ainda prefiro o primeiro”.

    Em 2001 tivemos Monstros S.A., que mostra a história de Mike Wazowski (voz de Billy Crystal) e James P. Sullivan (voz de John Goodman) trabalhando em uma companhia de energia, que tem como matéria-prima o grito das crianças que eles assustam. Tudo flui normalmente até que a pequena (e fofa) Boo (voz de Mary Gibbs) consegue entrar no mundo deles, causando um pânico imediato, já que eles consideram crianças um elemento mortal. Depois de perceber que ela não causa nenhum mal, acabam se apegando a ela, o que vai causar uma das principais partes dramáticas do filme, que é quando Boo precisava voltar pra casa. Chega ao final do filme, Boo retorna ao seu lar, e tudo volta ao normal. Há margem para uma continuação? Não. Mas espera aí.

    E então 12 anos depois a Pixar lança Universidade Monstros, um prequel – já que essa segunda parte resolve contar como Mike e Sullivan se conheceram na universidade (digamos que nada mais é do que buscar o ouro no fim do poço).

    Resumindo a sinopse: Desde pequeno, Mike sempre estudioso e esforçado sonha em estudar na Universidade Monstros e virar um grande assustador, e para isso, se inscreve no programa de sustos. Lá ele conhece Sullivan, que por vir de uma família famosa, não se preocupa em estudar para se formar e quer apenas viver de fama. Logo de primeiro encontro, é possível ver que para a amizade dos dois se concretizar e virar a união que é em Monstros S.A., é necessário que algo mude. É quando a diretora do curso entra em cena, que as coisas mudam e os dois finalmente terão que aprender a trabalhar juntos e superar as diferenças para conseguirem se formar.

    Como a maioria dos filmes infantis sempre traz uma lição de moral, e a de Universidade Monstros não é tão boa assim. Apesar de Mike sonhar em ser um grande assustador, foi preciso tempo para que ele enxergasse que nem sempre o sonho é necessariamente uma vocação (como vemos em Monstros S.A. ele não trabalha assustando crianças, ele fica como treinador de Sullivan). Mas fora essa triste (porém real) lição de moral, o filme também aborda outros valores como trabalho em grupo e o respeito  as diferenças.

    Ao longo do filme, que gira em torno de uma competição entre fraternidades da universidade, o filme é voltado para um humor familiar (claro, por se tratar de um filme infantil) e que agrade a todos os tipos de público. Porém, é sentida a falta do elemento fofura, já que estávamos acostumados com a presença constante de Boo no primeiro filme – e que sem dúvida foi a personagem mais fofa já criada pela Pixar – que tentou ser preenchida por 2 minutos de um Mike quando criança logo no começo do filme.

    Quanto ao visual gráfico, Pixar é Pixar, e como era de se esperar, o trabalho é simplesmente magnífico. Houve cenas externas que cheguei a imaginar que eram reais (sem a presença dos monstros, óbvio) e a criação de todos os elementos, de todos os monstros é como se você pudesse enxergar a textura de que são feitos.

    E após sair do cinema com a famosa sensação de “eu ainda prefiro o primeiro”, acredito que não há mais como criar um novo filme para Mike e Sullivan, e caso aconteça, por favor Pixar, nos surpreenda.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Depois de Maio

    Crítica | Depois de Maio

    apres mai - poster

    Retratando a efervecência política do início dos anos 70, o filme acompanha Gilles (Clément Métayer), estudante do ensino médio, e seus colegas de escola – Christine (Lola Créton), Alain (Felix Armand) e Jean-Pierre (Hugo Conzelmann) – que militam num grupo que defende ideias revolucionárias. Depois que uma “ação” dá errado, com desdobramentos imprevistos, os amigos se vêem forçados a sair dos arredores de Paris.

    Gilles, apesar de engajado politicamente, está mais interessado em adquirir conhecimento para levar adiante sua arte – sua intenção é fazer cinema. E essa sua escolha causa discussões acaloradas com os amigos, que respiram política e não entendem como ele pode privilegiar a arte em detrimento da luta pela mudança da situação do país em que vive. E é interessante ver como ele defende seu ponto de vista, afirmando que a arte, a expressão artística deve acompanhar e dar vazão a essas ideias. Um dos diálogos que mais me agradou foi entre Gilles e Christine em que discutem sobre um filme de ideais revolucionários a que acabaram de assistir. Enquanto ele questiona que se a temática é revolucionária, a estética e a linguagem utilizada também deveria ser revolucionária; ela, já absorvendo o posicionamento dos autores do filme visto, afirma que o intuito é atingir as massas, e manter a linguagem “tradicional” é a única maneira de fazer essas ideias serem compreendidas. Fazer algo experimental não obteria o mesmo resultado.

    Christine:
    Ils ont des convictions, ils vont jusqu’au bout.
    Et toi? tu fais mieux qu’eux?
    (Eles têm convições, vão até o fim.
    E você? Faz melhor que eles?)

    Os personagens são rasos, e a atuação superficial do elenco também não colabora. Entendo que a maior parte  é composta de não-atores, salvo por Lola Créton. Mas isso não é desculpa – vide Cidade de Deus. Exceto por algumas cenas, em que os atores parecem genuinamente envolvidos e imersos nos personagens e na trama, a maior parte do tempo tem-se a impressão de que todos estão entediados, posando para a câmera enquanto recitam seus diálogos.

    Três elementos se destacam positivamente. A trilha sonora, simplesmente deliciosa de ouvir, composta em sua maioria de músicas menos conhecidas da época. Merece ser desfrutada independentemente do filme. A direção de arte, responsável por uma reconstrução de época bastante eficiente, com cenários e figurinos que remetem diretamente ao período retratado. E a fotografia de tirar do fôlego de Eric Gautier (On the road e Into the wild). Praticamente todos os fotogramas do filme merecem ser emoldurados e exibidos como obras de arte. Se o elenco não fez sua parte, conquistando o público, a fotografia compensou – e muito – fazendo o espectador mergulhar naqueles enquadramentos.

    O filme não tem uma estória fechada, com começo, meio e fim. A trama é bem solta e não há as estruturas características da maioria dos filmes – pontos de virada, arcos dramáticos, etc. O espectador vai acompanhando cada um dos personagens em sua jornada de descobrimento e passagem para a vida adulta. O rumo que cada um deles toma, suas escolhas, suas amizades, seus interesses, seus amores. O diretor optou por não dar um fechamento ao arco dos personagens, já que a vida deles continua, não termina ali. Enfim, o filme acaba, mas a estória não.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Superman II: The Richard Donner Cut

    Crítica | Superman II: The Richard Donner Cut

    Superman 2 Donner CUt

    Richard Donner – que dirigiu o primeiro filme da franquia – foi impedido de realizar a sequência de seu Superman. Os filmes foram rodados em paralelo, e seu sucessor – Richard Lester – teve de refilmar muitas sequências, rever partes inteiras do roteiro. Em 2006 foi lançada esta versão de Superman II, se valendo até mesmo de imagens de testes de cenas.

    A história começa revisitando o julgamento de Zod, Ursa e Non. Esta versão contém algumas cenas com Marlon Brando ainda – o que não ocorreu com a versão lançada nos cinemas em 1980. Os personagens parecem ter evoluído. O núcleo de Lex Luthor (Gene Hackman) continua sendo o alívio cômico. Lois Lane (Margot Kidder) consegue em minutos de cena algo que demorou décadas de quadrinhos para descobrir: deduzir que Clark Kent esconde alguma coisa, e para isso bastou somente olhá-lo.

    Há algumas incongruências, como a falta de explicação de como Lex encontrou a Fortaleza da Solidão. O herói é tão onipotente que mesmo nas Cataratas do Niagara seu cabelo permanece intacto e engomado. Algumas das sequências mostram os atores com visuais completamente diferentes – o que não chega a ser um erro de continuísmo, visto as condições de algumas tomadas resgatadas. O ataque do General Zod a Casa Branca começa muito mal, mas aos poucos vai melhorando, demonstrando que resistir ao trio de bandidos é inútil. Uma ótima fala é de um sujeito espantado com os feitos dos alienígenas que diz “Oh, God”, e o general prontamente responde “ZOD”.

    A histriônica atuação de Terence Stamp é muito icônica. Seu vilão afetado, arrogante e soberbo é muito bem realizado, ainda que seja bastante caricato. Um dos problemas que Zod parece enfrentar é o tédio. A total falta de desafios em sua vida abre brecha para a atuação de Luthor, que aparece magicamente na residência presidencial. Até então o tirano sequer sabia da existência do filho de Jor-El.

    Há uma explicação bem mais plausível para o retorno do herói a sua forma poderosa, após renunciar aos seus poderes. O fato ocorre após um discurso emocionado de Jor-El, pontuado com uma boa demonstração dramatúrgica de Marlon Brando e Christopher Reeve. No final Superman destruiria a Fortaleza da Solidão, e o desfecho do casal é melancólico, e outra vez o recurso de viagem no tempo seria utilizado, o que é uma pena.

    Esta versão é mais como uma colcha de retalhos, está longe de ser algo comparável a Blade Runner: Versão do Diretor, por exemplo. Ao menos dá um vislumbre de como seria Superman 2: A Aventura Continua pelas mãos de seu idealizador primário.

  • Crítica | Os 300 de Esparta

    Crítica | Os 300 de Esparta

    the-300-spartans-extra-large-movie-poster-image-internet-by-impawards.com-1962-posters-three_hundred_spartans_xlg

    Em 1962 chegava às telas de cinema a película de Rudolph Maté sobre a batalha das Termópilas entre helenos e persas. Como era de praxe, a trama não tem quase nenhuma fidelidade histórica, mas a fidedignidade e veracidade não são os maiores problemas desse 300, a ambientação não é diferente de seus contemporâneos, seja nos figurinos espalhafatosos e em seus defeitos maiores.

    O filme é lento, o protagonista demora a aparecer até para dar certa importância ao vilão e a pseudo-união entre os estados gregos. Os espartanos no discurso são retratados como guerreiros bravos, honrados e cheios de frases de efeito, mas com o decorrer da trama essa imagem é desconstruída.

    Há uma forte carga moral, completamente incompatível com a época da batalha, e mais ligada ao momento dos anos 60. Um casal grego estabelecendo voto de castidade até o casamento seria um contra-argumento ao estouro da liberdade sexual, associada a movimentos ultra-culturais, mas as mensagens não param por aí. As alegorias passam também pelo confronto ideológico EUA x URSS na Guerra Fria. Espartanos são puritanos, corretos, se valem da força física para demonstrar sua superioridade ao resto mundo e acima de tudo, só se manifestam belicosamente após serem confrontados. Seus soldados são convictos da vitória, chegando a citar que uma vez que quando um “espartano entra na guerra” não há como perdê-la, essa arrogância é típica também do pensamento norte-americano, que se julga superior a tudo e todos.

    A trama da possível traição também serve a questão da paranoia estadunidense, que via em muitos o ideal vermelho. O exército persa lembra em alguns momentos os selvagens índios que antagonizavam os Westerns clássicos. Há até um regimento no esquete grego que está lá unicamente para tocar flauta. As lanças jogadas parecem retiradas do jogo infantil pega-varetas.

    Os discursos de união entre os estados proferidos por Leonidas (Richard Egan) são infantis e ufanistas. Os personagens são mal construídos, o drama apresentado por Ellas (Diane Baker) é bipolar, uma hora ela quer que seu futuro marido seja um guerreiro espartano na linha de frente e na outra quer uma vida tranquila no campo.

    A redenção do suposto traidor serve unicamente para justificar o clichê do roteiro, de que todo espartano é um bravo. A esperança grega é toda pautada em fé, religião e visões inspiradas pelos deuses – semelhantes ao conhecido conservadorismo republicano.

    A batalha final apesar de ser a mais bem filmada, ainda é mal feita. O maior erro do filme é não exprimir em tela a vantagem do desfiladeiro, claro, devido aos escassos recursos da época. O lendário batalhão não possui qualquer imponência, a força intransponível só foi demonstrado nas falas do “Rei Nicolau”.

    A única demonstração de coragem real, foi a recusa em entregar o cadáver do nobre Leonidas aos persas. O rei é pueril, mas pode ser encarado como patriótico e inspirador. Os erros da produção são honestas, por isso não são tão gritantes. The 300 Spartans inspirou Frank Miller a escrever a Graphic Novel 300 de Esparta, e vale ser assistida para ter noção do que movia o cinema popular dos anos 60, antes da era dos blockbusters.

  • Crítica | Finalmente 18

    Crítica | Finalmente 18

    finalmente18_1

    Finalmente 18 pode ser considerado uma versão adolescente de Se Beber, Não Case!. Conta a história do garoto Jeff Chang (Justin Chon), que no dia de seu aniversário – e as vésperas de uma importante entrevista para a faculdade de medicina – resolve sair pra tomar uma cerveja com seu dois melhores amigos. Passando por vários bares do campus onde Jeff estuda, os três adolescentes vivem várias situações engraçadas, e que os deixam cada vez mais encrencados.

    Se tratando de um roteiro criado pelos mesmos gênios de Se Beber, Não Case! (Jon Lucas e Scott Moore), que são conhecidos por pegar um tema clichê e exaustivamente usado no cinema e a partir disso, criar algo novo, não obteve êxito dessa vez, visto que o enredo se mostrou um pouco fraco. O filme mostra situações engraçadas mas por pouco tempo. Coisas previsíveis se mostram na cenas que se passam, sem ter o elemento surpresa para o espectador, do tipo:  levar um búfalo para uma festa de universidade e esperar que nada aconteça com ele. Você basicamente assiste 10 minutos de filme, ri durante uma cena, e já pode voltar a conversar com o colega do lado sobre o que pretende fazer no dia seguinte, por que a próxima parte interessante vai demorar a se apresentar.

    Além das situações engraçadas, o filme também conta com um lado voltado para o emocional. Não só com os amigos de infância, mas com um casal que se forma e se apaixona perdidamente em apenas uma noite de aventuras (e sendo no século 21, qual a chance né gente?), o que na minha opinião, toda essa parte do mimimi amoroso quebrou o pouco que não tinha de batido no filme.

    Justin Chon (A Saga Crepúsculo) interpretou bem o papel principal de um nerd alcançando a maioridade e aproveitando todas as regalias de 21 anos de idade em uma noite só. Skylar Astin (A Escolha Perfeita) fez a interpretação perfeita do amigo bom moço, que faz o tipo “quero me divertir sem deixar o bom senso de lado” e sempre se deixando levar pela paixonite que acontece em 10 minutos de conversa. E é claro que é impossível não comentar do já famoso papel festeiro non-sense de Miles Teller (Projeto X)  sempre levando todos pra farra e tocando um descontrole geral na noite dos três amigos.

    Então, se você está procurando aquele típico filme para assistir em uma quarta-feira (e sim, pagar meia) essa é uma ótima escolha. Dá pra dar umas risadas, mas como disse, sem novidades.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Monstros S.A.

    Crítica | Monstros S.A.

    monsters_inc

    Monstros S.A. (Monsters INC, EUA, 2001, Dir: Pete Docter) lançado dois anos após o último longa da Pixar, Toy Story 2 (Idem, EUA, 1999), foi talvez o filme que ajudou a mostrar para Hollywood que a era das grandes animações estava de volta, mas de uma forma diferente, agora computadorizada. Ou seja, era o tradicional se travestindo de novidade.

    Sinopse: Mike e Sully moram em Monstrópolis e são empregados da Monstros S.A., uma empresa que funciona a base de uma linha industrial automatizada que gera energia para a sua cidade através de gritos de crianças, pelas portas de armário das mesmas. Até que a criança Boo passa para o mundo dos monstros causando uma enorme reviravolta.

    O roteiro sem grandes furos ou golpes aparentes talvez seja um dos melhores já apresentados em um filme da Pixar desde que ela começou a sua parceria com a Disney, ao lado de Procurando Nemo (Finding Nemo, EUA, 2003) e o mais recente Toy Story 3 (Idem, EUA, 2010). É um dos filmes da companhia que mais tem referências, só que ao cinema em si e ao seu início.

    A estrutura escolhida não é por acaso: a humana Boo chega no mundo estranho dos monstros, e, com os seus poderes especiais (gerar a energia que alimenta o seu mundo) e a ajuda de Mike e Sully, acabam por destronar o tirano Waternoose e seu lacaio Randall. Monstros S.A. segue o molde que se tornou célebre com “Viagens de Gulliver” de Jonathan Swift, e “Uma Princesa de Marte” de Edgar Burroughs, mas que talvez tenha tido origens na mistura dos mitos gregos dos heróis Perseu, Orfeu, Belerofonte e as andanças de Héracles. Esse também foi um dos moldes que estruturou alguns filmes de aventura de Errol Flynn dos anos 30 como os faroestes de John Wayne.

    As referências ao início do cinema não param por aí. Os monstros podem ser associados obviamente aos filmes de terror clássicos da Universal. A função principal da Monstros S.A. é assustar os humanos, mesmo que sejam crianças, para conseguir o que desejam. Da mesma forma que a catarse dos espectadores em forma de grito alimenta o cinema de terror através de ingressos comprados, aqui o mesmo grito é um dos principais bens que sustentam aquela sociedade.

    Outra curiosidade apresentada no roteiro é o vídeo institucional que Mike e Sully assistem assim que são apresentados pela primeira vez ao espectador. Logo depois, os protagonistas saem de casa e vão até a fábrica, e assim podemos ver como os habitantes de Monstrópolis se comportam. Aqui pode ser visto como uma referência aos filmes de ficção científica dos anos 50: uma sociedade harmônica que vive o sonho americano, e de uma hora para outra é invadida por um ser horrível, no caso uma criança, que promove o terror e o pânico nos seus habitantes.

    Na parte final do longa ocorre uma sequência onde Mike, Sully e Boo fogem de Randall e Waternoose no meio dos mecanismos que levam e trazem as portas. Cenas de perseguição vieram dos filmes de perseguição, uma das fórmulas mais antigas que fizeram com que D.W. Griffith ajudasse a consolidar o cinema narrativo a partir do ano de 1908. Cria-se uma tensão dramática ao intercalar três cenas: a donzela em perigo amarrada na linha do trem, o trem andando cada vez mais rápido e o herói chegando para resgatá-la.

    Outro dado curioso é quando Roz exige de Mike os relatórios para que continue a trabalhar. A simples menção da burocrata dentro da empresa não é por acaso. Relatórios são registros de alguma atividade, e o registro foi uma das funções primordiais que manteve o cinema em atividade e o impediu de ser extinto enquanto não havia se estabelecido como narrativa ficcional. Desde visitas a chefe de estado, até viagens para países africanos, o cinema teve que percorrer estes caminhos para não ser dominado pelas outras formas de entretenimento da época. Entenda mais aqui.

    A linha de montagem que mostra como os gritos das crianças humanas são produzidos e armazenados, pode ser interpretada como menção a própria industrialização que o cinema sofreu no final dos anos 10 e início dos 20 quando a era dos grandes estúdios começou. Neste caso, a inserção de uma criança neste universo pode ser uma referência ao início da indústria do cinema em si, por mais que o revisionismo histórico através do Simpósio de Brighton critique os primeiros historiadores que associavam a arte cinematográfica a “uma criança que não sabia o que estava fazendo”.

    A primeira cena de Monstros S.A. é uma simulação gravada de como se deve assustar uma criança, para que os monstros possam treinar melhor. É assim que o cinema ficcional age: ele simula uma série de inverdades encadeadas cheias de significados para que no fim a sociedade reflita e debata sobre os conceitos que ali estão. Em uma das últimas cenas, a mesma simulação revela o caráter do vilão Waternoose. E este é um dos pilares do cinema documental: expôr as outras facetas de um mesmo tema para gerar o mesmo debate. Em Janela Indiscreta (Rear Window, EUA, 1954), Hitchcock fizera um ensaio ao demonstrar a curiosidade do espectador e o quanto ele deseja quebrar a sua condição passiva e se inserir naquele universo, ao ponto do personagem de James Stewart se intrometer para impedir um assassinato. No longa não é diferente, os monstros, que são os próprios espectadores da simulação, a manipulam da forma que assim necessitam no momento.

    Outro fato curioso é a inversão de valores ao mostrar que monstros tem muito mais medo das crianças, o que os levam a sofrerem a descontaminação e limpeza por uma equipe especial caso sejam tocados. O medo dos monstros permite que eles sejam manipulados através de uma mentira, como vemos nas cenas finais: crianças não os contaminam. O medo das crianças a eles é a mesma forma de alienação, por mais que o fim maquiavélico tente justificar a imposição de limites auxiliando a sua educação, com a típica frase: “Se você não comer este prato, o monstro vai vir te pegar”. Essa premissa pode ser entendida também como uma crítica à imposição de uma verdade absoluta em uma sociedade através da manipulação promovida pela mídia, religião, política ou morais sociais rigorosas.

    No final do filme, os monstros percebem que a tão valorizada energia que vinha antes pelo grito de medo se torna dez vezes mais poderosa quando gerada por uma risada infantil. A mensagem é clara: o humor é uma das melhores formas de se lidar com o medo das crianças. Se for expandido para todas as idades: enfrente com bom humor o seu medo para que ele não vire um monstro incontrolável.

    296096_10150328050257051_2057535198_n

    Para a psicologia, a maioria dos temores infantis são estados emocionais que representam uma etapa do seu próprio amadurecimento, e conforme vão crescendo eles se alteram tanto no tema quanto de intensidade. Da mesma forma que o medo vem da imaginação, é também dela que surgem as melhores formas de combatê-los. Ao expressá-los para seus pais seja de que forma for, as crianças conseguem conviver melhor com eles até entendê-los e superá-los. Não a toa Boo, com a ajuda de Sully, no final do filme consegue derrotar o seu próprio monstro, Randall.

    O problema surge também quando muitos pais falham em não conseguir se comunicar com os filhos pequenos, ainda mais na sociedade moderna onde permanecemos horas no trabalho, perde-se muito tempo no trânsito das grandes cidades e acaba se passando menos tempo do que gostariam ao lado dos filhos. Não a toa as crianças acabam se afeiçoando as vezes mais as suas babás do que aos próprios pais. O filme trata disso quando Boo se afeiçoa a Sully chamando-o de “gatinho”. A simples menção a um animal de estimação projeta nele a figura de um protetor e o apelido carinhoso mostra que ela consegue superar a sua condição de monstro se comunicando e interagindo com ele, já que ele não é seu monstro. São as funções básicas que as crianças veem em seus pais: carinho e proteção.

    A única hora em que existe quebra de confiança é através da representação máxima do cinema no filme: a simulação. Boo fica com medo quando Sully assusta uma criança robótica a mando de Waternoose. No cinema, a impressão de realidade tem o poder catártico de revelação ao espectador, transformando os personagens em tridimensionais através da psicologia dos seus atos. Sully é carinhoso, mas ainda assim é um monstro, Boo é uma criança destemida, mas também tem medo, e Waternoose é um bom chefe até aquele momento, depois vemos que é maquiavélico. Personagens humanizados através da psicologia são a base de boas narrativas.

    A maioria das obras de arte mais impressionantes que a humanidade já produziu trazem traumas dos artistas, feridas tão profundas que muito provavelmente tiveram início em sua infância. As obras surrealistas de Salvador Dali e Magritte são um exemplo, apenas dois exemplos rápidos ficando somente na pintura. No cinema não é diferente: os diretores do expressionismo alemão importados para Hollywood nos anos 20 e 30 fizeram com que a narrativa da sétima arte atingisse um nível superior, superando qualquer gênero.

    As vozes dos atores foi outro acerto. Não a toa Billy Cristal e John Goodman foram escalados para serem os protagonistas, já que fizeram muita comédia. James Coburn como vilão no seu penúltimo filme pode ser encarado como outra homenagem ao passado do cinema, mais especialmente aos anos 60.

    Por fim, a animação do filme impressiona. A qualidade e atenção à todos os detalhes não deixam os mais puristas reclamar do que tenha faltado. A textura dos pêlos de Sully, a movimentação dos personagens e a iluminação das cenas são o ponto forte. As cores escolhidas para a pele dos monstros e a vestimenta de Boo foram também bem feitas, junto dos cenários. Detalhe para a impressionante cena de perseguição no mecanismo que levam e trazem as portas.

    Monstros S.A. não é uma simples animação para crianças. Ele tem tantas referências a diversos temas que o tornam um dos melhores filmes já feitos, sem dúvida está no topo da Pixar, além de ser uma declaração de amor ao cinema.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Despertar dos Mortos

    Crítica | Despertar dos Mortos

    dawnofthedead

    Sem enrolação nenhuma, George Romero já joga na mesa todas as suas cartas, mostrando ao público o estado de nervos alterados que tomou os vivos, através das reações de uma equipe de TV que transmite informações aos cidadãos americanos sobre a praga dos mortos. Em meio ao caos presente no estúdio, alguns personagens se recusam a passar em rede nacional uma lista de abrigos fornecida pelas autoridades, que está desatualizada. Pouco tempo depois disso, é mostrada uma incursão da polícia em um prédio e no meio da ação um policial surta e passa a atirar em pessoas vivas, só sendo detido por fogo amigo. Essas experiências todas acontecem em menos de 10 minutos corridos e deixam claro o caráter deste filme.

    Há um claro antagonismo em relação ao cenário do primeiro episódio da Trilogia Zumbi de Romero. Ao contrário de Noite dos Mortos Vivos, este Dawn of the Dead não se passa numa cidade do interior, mas sim em uma metrópole, o que proporciona um olhar ainda mais atual para o apocalipse que se instaurou. Outro fator novo é a demonstração das memórias dos zumbis, que faz com que hábitos de sua vida normal voltem, mesmo após terem sido transformados.

    Segundo um cientista, interpretado por Richard France – um dos personagens mais curiosos, mesmo com poucas cenas –  os undeads não são canibais, pois não comem seus semelhantes, só carne humana fresca. É com esta fala que a questão da inteligência das criaturas é discutida pela primeira vez: ele afirma que os infectados têm por hábito repetir o que faziam em vida, dizendo que podem fazer uso de objetos e ferramentas de fácil manejo, mas não teriam perícia o suficiente para utilizar-se de armas de fogo. Aqui é demonstrado, ainda que timidamente, que estes seres estão em evolução.

    Apesar do clima trash e das maquiagens pouco convincentes – que funcionavam melhor com a  fotografia preto e branco –, o roteiro de Romero toca numa temática atual e critica o consumismo, associando o ato de comprar a um instinto primitivo humano – por isso o shopping estaria cheio de descerebrados. A forma de filmar o grupo de sobreviventes – em algumas passagens – andando lentamente, quase se arrastando, semelhante aos zumbis, faz discutir quem são os mortos na realidade. Isso é resquício da inspiração no romance de William Matheson, Eu Sou a Lenda. O agente que faz com que os protagonistas abandonem seu porto seguro não são os ressuscitados, mas sim os vivos, que tentam saquear o shopping. O bando de mercenários encabeçados por Tom Savini arromba tudo, inutilizando um bom esconderijo. O grupo em sua maioria age como seres irracionais, querendo unicamente tomar os pertences das lojas.

    Mais uma vez Romero põe um negro como protagonista e último sobrevivente, assim como no episódio anterior, reforçando o caráter crítico de sua filmografia. Despertar do Mortos não é um filme perfeito, carece principalmente de um orçamento razoável, mas é uma das primeiras amostras da genialidade do pai de um gênero de filmes hoje copiado à exaustão.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

    o homem de aço - cartaz

    É fato que todos conhecem a estória do Superman, nem que seja apenas em linhas gerais. Bebê chega à Terra sozinho numa espaçonave oriunda de Krypton. Criado pelo casal Kent, Clark cresce tendo que aprender a lidar com suas habilidades sobre-humanas.

    Apesar de ser mais um filme da franquia Superman, este não é uma continuação dos demais, mas sim, um filme de origem. E, sendo assim, é em torno do início da estória de Clark que gira a trama do filme. Claramente superior a Superman: O Retorno de Bryan Singer ( morno demais, demasiado entediante ) , este investe suas fichas num personagem mais realista, mais sombrio e, contrariando o senso comum, mais alienígena que todos os anteriores. E por conta disso, pode-se arriscar dizer que este não é um filme do Superman – de um homem com superpoderes –  mas sim de um herói ou um deus  em processo de construção.

    O prólogo, interessante mas excessivamente longo no meu entender, nos mostra o conflito que causou a destruição de Krypton e que levou Jor-El (Russell Crowe), um cientista do alto-escalão, a enviar seu filho recém-nascido, Kal-El – que virá a ser Clark Kent (Henry Cavill) – numa espaçonave à Terra. Não conheço os quadrinhos – aliás, o personagem em si não me agrada muito – e, portanto não faço a menor ideia de como “deveria” ser retratado o planeta. Mas a direção de arte acertou ao optar por um aspecto biomecânico, lembrando um pouco os desenhos de H.R.Giger utilizados em Alien.

    E, desde o início, já começam a aparecer os típicos buracos de roteiro, quase inevitáveis nesses filmes de super-heróis. Se, conforme é esclarecido tanto por Jor-El como pelo General Zod (Michael Shannon), todos os kriptonianos já nascem com papéis pré-definidos, o espectador um pouco mais observador certamente se pergunta como Jor-El, predestinado a ser um cientista, luta tão bem quanto (ou quase melhor que) Zod, um soldado nato. Isso e mais a cena “ironman style” em que Jor-El veste sua armadura, diminuem o impacto da sequência do confronto entre eles, enfraquecendo a imersão na trama. Mas ainda assim, esse primeiro terço do filme consegue prender o público o suficiente para querer assistir ao desenrolar da estória.

    A opção de retratar a infância e adolescência de Clark através de flashbacks, ao invés de seguir uma narrativa linear, deu certa leveza e dinamismo à estória. Desse modo, o espectador vai, aos poucos, sendo apresentado ao personagem, conhecendo seu passado, seu convívio com os pais adotivos – Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), e o modo como descobriu e aprendeu a controlar seus poderes. Algumas sequências poderiam ser mais curtas, mas não chegam a comprometer o ritmo do filme.

    Aproveitando a deixa, vale ressaltar que a tentativa de reafirmar o personagem como sendo o “homem que veio do céu para salvar a humanidade” é forçada e fora de contexto. O tom messiânico incomoda bastante em vários momentos. O discurso de Jor-El sobre o destino do filho, afirmando que seu papel é ser um “guia” para os humanos atingirem a paz e a felicidade eternas – algo como um nirvana – soa piegas e até meio ingênuo. Como se já não bastasse Clark falar, sem mais nem menos, que tem 33 anos, a cena em que ele aparece numa igreja conversando com um padre, que surgiu do nada na estória, é patética, além de totalmente desconectada da estória.

    O filme não é feito só de cenas intimistas e familiares, logicamente. O que todo fã espera são as sequências de ação, que são inegavelmente muito boas. O problema é que, devido à escala megalomaníaca (justificável), as cenas lembram demais Os Vingadores – principalmente o momento de embate entre Superman e Zod em Metrópolis. E, assim como o prólogo, esta sequência acaba sendo cansativa pela duração extensa e pela falta de estratégia do vilão que afinal, é um militar. E não apenas isso, tem-se a impressão de que toda a ação, a luta, a destruição está concentrada demais nesse momento da estória, quase saturando o espectador.

    Interessante reparar que, apesar de não haver semelhança física, em alguns momentos Cavill lembra um pouco “O Superman”, Christopher Reeve – convenhamos que não é muito difícil ser mais expressivo que Brandon Routh – e o ator consegue dar ao personagem tanto a insegurança de quem ainda não tem certeza de que rumo irá tomar, quanto o carisma do herói que vai “salvar o dia”. Não é atuação digna de prêmio, até pela quase bidimensionalidade do personagem, mas é convincente na medida certa. Kevin Costner e Diane Lane estão ok como os pais adotivos de Clark. Amy Adams consegue tirar de Lois Lane aquele ar de mocinha indefesa em perigo. Mas quem se destaca é Michael Shannon, construindo um vilão a seu modo incorruptível e ao mesmo tempo bastante ameaçador.

    É natural que um reboot  gere estranheza e divida opiniões, e também é natural que não agrade a gregos e troianos – isto é algo inerente aos filmes do gênero. É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar a estória palatável aos “leigos” e agradar aos fãs de carteirinha. E, apesar de alguns defeitos, Man of Steel é um filme que cumpre sua função de entreter.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • FLIP 2013 | Eduardo Coutinho e seu jogo de cena

    FLIP 2013 | Eduardo Coutinho e seu jogo de cena

    Abre-Coutinho

    Eduardo Coutinho é o grande documentarista brasileiro. Responsável por filmes como Peões, Edifício Master, Santo Forte e Jogo de Cena, Coutinho se tornou um nome central no cinema mundial ao investigar em seus filmes o olhar do diretor no documentário. Seu cinema é complexo, os últimos filmes repletos de teorização que alguém menos talentoso teria colocado em livro, mas Coutinho reflete sobre seu próprio cinema enquanto o realiza, criando uma obra única.

    O diretor é conhecidamente rabugento e arredio a entrevistas, mas a Flip acertou ao coloca-lo para conversar com Eduardo Escorel, amigo de longa data e montador de Cabra Marcado Para Morrer (além de Terra em Transe, São Bernardo e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro). Cabra é um dos filmes lendários do cinema brasileiro (nossa história tem alguns, filmes perdidos ou não terminados e que ainda assim influenciam profundamente a produção nacional): deveria ser uma ficção sobre movimentos de resistência camponesa na década de 60, mas teve suas filmagens interrompidas pelo governo militar; em 1984, Coutinho retornou aos lugarejos da Paraíba onde havia começado a filmar e fez um documentário sobre o filme que não foi.

    Mas Coutinho não é um mal-humorado, é, isso sim, um rabugento divertido. Durante 1:15 o cineasta foi escrachado e engraçado, contou sobre seu processo criativo, soltou pérolas de sabedoria ranzinza e pareceu se tornar um de seus personagens: um misto ambíguo de honestidade e atuação. Coutinho falou sobre isso, a diferença entre ter uma boa história e contar uma boa história e a todo momento chamou seus entrevistados de personagens e reforçou “é isso que eles são”. Eduardo Coutinho conta narrativas cuja matéria prima é a ficção.

    Foram exibidos dois trechos de filmes seus: a entrevista final de Peões, filme sobre os metalúrgicos da região do ABC Paulista, e um momento de Cabra Marcado Para Morrer. Depois de ambos, Coutinho contou sobre a filmagem dos longas e refletiu sobre suas próprias escolhas com clareza impressionante, talvez ele seja a pessoa mais consciente do processo cinematográfico que eu já ouvi falar (e já vi palestras de ícones como Abbas Kiarostami e Wim Wenders).

    Aos 80 anos, o diretor esbanjou energia, consciência, citações a Walter Benjamin e Marcel Mauss, Coutinho é um erudito e um teórico, mas tem a maravilhosa capacidade de condensar sua teoria em concretude. Na mesa do autógrafo, elogiei efusivamente Jogo de Cena e ele me respondeu com um entusiasmo genuíno e um sorriso afetuoso, assinou meu livro e escreveu “sem jogo de cena”, mas avisou “você sabe que isso não existe”.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal

    Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal

    SuckerPunchPoster250101

    Existem ocasiões em que é melhor deixar as lições de moral, as críticas sociais e as grandes mensagens de lado. Ao contrário do que muita gente diz por aí, eu acredito no entretenimento por entretenimento e não vejo problema em “desligar o cérebro” para curtir um game, quadrinho ou um filme meio sem noção. Alguns diretores de cinema tem esse “cinema pipocão” como sua marca registrada e, mesmo quando adaptam obras bastante profundas, acabam não se importando com o conteúdo e capricham mesmo é na forma. É o caso, na minha opinião, de Michael Bay e do diretor encarregado do filme de hoje: Zack Snyder.

    Sucker Punch – Mundo Surreal é a primeira obra original de Snyder. O roteiro, a produção e a direção ficaram nas mãos dele e, justamente porque é um dos maiores exemplos recentes do “cinema pipocão” (superado apenas pelo, dizem, FANTÁSTICO Velozes e Furiosos 6) não foi muito bem aceito pela crítica. Não sou crítico, não entendo nada de cinema mas gosto bastante da sétima arte e afirmo, em caixa alta e negrito: SUCKER PUNCH É ANIMAL!

    A história acompanha uma jovem de cabelos loiros que, após a morte da mãe, é internada pelo padastro em uma instituição psiquiátrica para ser lobotomizada e não interferir nos planos do homem de ficar com toda a herança deixada pela falecida. Apelidada pelos responsáveis do sanatório de Babydoll, a jovem alia-se a outras 4 internas em um plano para escapar do manicômio antes que o responsável pela operação de Babydoll chegue de viagem.

    Qualquer história, até mesmo essa, possui capacidades infinitas contidas em si. Um diretor mais preocupado com transmitir uma mensagem poderia fazer dezenas de críticas e conduzir até mesmo este roteiro de forma reflexiva e encorpada. A habilidade que Snyder tem de se esquivar de tudo o que poderia fazer deste filme menos vazio, entretanto, é bastante impressionante. Confesso que, se ele buscasse qualquer coisa mais profunda, eu ficaria bastante decepcionado. Os trailers e os cartazes de Sucker Punch são extremamente honestos quanto à proposta do filme: Uma aventura fetichista e lisérgica, incoerente e bastante pirotécnica. Era isso que eu esperava, mas até mesmo eu fiquei boquiaberto com a maluquice que é esse filme.

    A história, na verdade, não passa de uma aventura mental de Babydoll, que substitui sua realidade triste por uma aventura muito mais emocionante. Em sua cabeça, Babydoll substitui o sanatório comandado pelo corrupto agente penitenciário por uma espécie de bordel com garotas escravas e gostosas que se prostituem para clientes ricos e as pessoas mais poderosas da cidade. Em sua realidade paralela, Babydoll possui uma habilidade incomparável para “dançar” (entenda como quiser) que faz com que todos à sua volta fiquem “hipnotizados” (entenda como quiser de novo) e permite que as amigas da loirinha consigam os objetos necessários para implementar a tão desejada fuga: Um mapa, um esqueiro, uma faca e uma chave. Quando começa a “dançar” (essas aspas estão ficando chatas…), Babydoll transporta as amigas e ela mesma para uma nova realidade paralela dentro da realidade paralela (qualquer semelhança com A Origem não é mera coincidência) onde elas precisam enfrentar os “monstros” que protegem os artefatos necessários para a fuga.

    As sequências de ação acontecem todas durante o enfrentamento das garotas e desses “guardiões” dos objetos que estão, de alguma forma, ligados aos artefatos em questão. Assim, as meninas enfrentam soldados nazistas mortos-vivos para recuperar o “mapa de um bunker alemão”, um dragão gigantesco para roubar a “pedra de fogo”, robôs humanoides em um trem futurista para “desarmar uma bomba” e roubá-la, e desafiam o cafetão do bordel para finalmente imprimir a tão esperada fuga. Todas essas sequências de ação são filmadas em mundos com estéticas bem diferentes entre si e tem elementos “massavéisticos” transbordando na tela que vão desde espadas, metralhadoras e um avião de guerra até robôs gigantes e seres mitológicos como orcs e dragões. Tudo isso interpretado por jovens gostosíssimas talentosas em trajes maravilhosos minúsculos. Como não poderia faltar em um filme de Zack Snyder, a câmera lenta aparece em todas as “missões”, geralmente quando uma das gostosas garotas salta ou desvia de um golpe inimigo.

    A trilha sonora é composta por versões de músicas famosas e é bem aproveitada nas sequências de ação do filme. No geral, as músicas ajudam a embalar as violentas batalhas de Babydoll, Sweat Pea, Blondie, Rocket e Amber contra os seres imaginários da cabeça doentia do Snyder. Computação gráfica que não atrapalha mas também não impressiona demais fecha a conta deste que foi um dos filmes mais doentios e confusos que eu já vi. É impossível afirmar de onde Snyder tirou toda essa maluquice, mas obviamente Christopher Nolan e seu inteligentíssimo A Origem tem uma parcela de culpa. A estrutura que Snyder utiliza em seu roteiro lembrou-me, em partes, a forma como o personagem Pi conta sua aventura no filme de Ang Lee. Quando a realidade é tão sem graça que não interessa a ninguém, nega-se a realidade…

    Como falei no início, o filme não é inteligente, não é reflexivo e muito menos profundo. Na minha opinião, é um filme muito bonito, com uma fotografia caprichada e puramente visual. Não era o intuito do Snyder trazer nenhum tipo de mensagem, como eu também acredito que não era a ideia dele quando dirigiu 300 ou Watchmen. Snyder e Bay são dois diretores que, quando trazem algum tipo de profundidade em seus filmes, o fazem de maneira totalmente inconsciente…

    Sucker Punch foi um fracasso no cinema, mas pra mim é um ótimo filme “snyderiano”. Ninguém fala bem do filme por aí, mas acho que o diretor poderia salvar essa página do Vortex nos favoritos do Internet Explorer dele para mostrar pra família que pelo menos uma pessoa gostou do filme. Entretenimento por entretenimento: Tamo junto, Snyder!

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | 300

    Crítica | 300

    300-poster

    Zack Snyder é um diretor tão criticado por suas últimas realizações, que torna-se fácil esquecer-se de suas qualidades. Uma delas é o talento que ele tem em retratar cenas introdutórias. A abordagem da criação do guerreiro espartano e o consequente endeusamento do seu protagonista aliado a trilha sonora retumbante, que eleva os ânimos e torna o clima de 300 em algo naturalmente épico.

    Tudo na película é estilizado: Fotografia, cores em tons sujos que fazem com que o sangue coagulado sobressaia, o excesso da câmera lenta – claramente inspirada por Sam Peckinpah – que já era presente em Madruga dos Mortos, aqui é ainda mais abundante.

    Aspectos comuns a história e um pouco deixados de lado na HQ são abordados por Snyder, como a maior autonomia que a mulher espartana teria em relação às outras helenas. Uma boa demonstração disso é a interrupção que a Rainha Gorgo (Lena Headey), faz a primeira conversa entre os espartanos e o mensageiro persa.

    A principal discussão do filme é a forma como o Rei Leônidas (Gerard Butler, no papel de sua vida) encara a questão religiosa. Para ele, o misticismo deveria dar lugar à razão. Os éforos são retratados como corruptos, que aceitam suborno persa – diferente da Graphic Novel de Frank Miller. Os vilões de Snyder têm um sério problema por serem retratados quase sempre com um estereótipo de homossexual afetado, Xerxes foi o primeiro deles, o tom imponente se torna motivo de piada. Na verdade, quase toda a parte do roteiro que foge da história baseada passa por erros crassos e é lotada de incongruências. O corcunda Ephialtes por exemplo teve grande parte da sua motivação reduzida, graças ao fato dele só trair seu povo por ter sido rejeitado por Leônidas, quando na trama de Miller ele tenta se suicidar sem sucesso – fato que o faria culpar seus pais, os deuses e é claro, o Rei. A sub-trama envolvendo a Rainha e Theron também é muito equivocada. A entrega e pouca resistência de Gorgo, e a cena em que ela desmascara o político na frente do plenário em meio a uma audiência, fazendo cair uma bolsa com um punhado de moedas persas é ridícula, fraca e trata o espectador como um imbecil.

    Mas o foco de 300 é a Ação, sem dúvida nenhuma. As cenas de batalha são magistralmente filmadas, começando pelas “formações em tartaruga”, as execuções e o combate corpo a corpo, até o despencar do despenhadeiro. O céu coberto pelas flechas fazia o dia parecer noite, e os brados de Leônidas eram inspiradores e encorajavam seu exército. O Slow Motion bem utilizado funciona muito bem, ainda mais nas cenas de decapitação, e a vantagem espartana das Termopilas é mostrada visualmente em uma execução muito competente.

    O sacrifício dos guerreiros gregos, aliado ao estilo videoclíptico e ao clima massa veio, garante a 300 ser um sucesso de público, retrata os espartanos como um grupo de sádicos sedentos por sangue e como assassinos profissionais que não temem a própria morte. É uma história de bravura e resistência, além de ser um ótimo trabalho de Zack Snyder.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | A Lenda dos Guardiões

    Crítica | A Lenda dos Guardiões

    a-lenda-dos-guardioes-poster

    Após Watchmen, Zack Snyder se refugiou em uma animação, baseada no romance de Kathryn Lasky, A Lenda dos Guardiões é a chance do realizador em fazer penas de corujinhas caírem no seu ritmo conhecido, regado a muito slow motion.

    Desde 300, Snyder demonstra um enorme esmero com o visual e fotografia em seus filmes, e este não é diferente. O contraste entre as inúmeras espécies e subespécies de aves, suas cores, seu visual de asas abertas é algo estonteantemente belo.

    Apesar da maioria da filmografia do diretor ser de qualidade discutível, seus filmes ainda eram um bom entretenimento, conseguiam prender a atenção do individuo desatento, que pouco se importa com coesão ou de baixa expectativa em relação a consumir uma história bem construída. Era um entretenimento minimamente divertido, totalmente diferente desse Legend of the Guardians. O roteiro não é mal feito, mas a animação não distrai, não faz rir e não emociona. O alívio cômico só aparece depois de decorrido mais de um terço da trama, e ainda assim é não é nada demais. A trajetória dos aventureiros até encontrar os seus heróis é muito curta, falta perigos reais em sua jornada, os personagens são insossos e nada carismáticos, não há como se importar com o destino deles. As virtudes e auxílios se aproximam muito facilmente do grupo de alados.

    Ao menos, é passada uma mensagem muito boa, através do mentor do protagonista. Soren, a coruja dublada por Jim Sturges (do também “excelente” Cloud Atlas), ouve do seu herói idealizado, que um guerreiro não recebe louros após as batalhas, o que perdura e marca suas vidas são as cicatrizes, contudo, o importante é ter o foco em fazer o que é correto.

    As batalhas em câmera lenta entre corujas vestindo armaduras e armas brancas contra morcegos devem ser interessantes em algum lugar mas não aqui, torna-se ainda mais difícil se importar com o destino dos passarinhos, principalmente por causa do protagonista Loren – uma ave que só faz chorar, que é insegura e extremamente chata. A tentativa em tornar o herói em um ser mais humano esbarra no fato básico dele ser um animal. Falha miseravelmente no quesito, e torna todo esse drama deveras maçante.

    Os efeitos especiais não deixam a desejar, e infelizmente mal dá para analisar o estrelado – Geoffrey Rush, Helen Mirren, Hugo Weaving, Sam Neill – que estão no automático e quase não são acionados. A Lenda dos Guardiões é fraco e tem dificuldade em descobrir qual é o seu público.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Watchmen

    Crítica | Watchmen

    Watchmen-1sht1200

    No inicio Edward Blake assiste um comercial de Nostalgia antes de ter sua casa invadida. Fica claro que ele sabia que seria atacado. A luta é muito bem filmada, como poucas em filmes de super-heróis e a música na trilha – Unforgettable de Nat King Cole – deixa tudo com o ar de suspensão e até incredulidade. O começo promissor tende a enganar, faz parecer que Watchmen de Zack Snyder seria algo bom e que o velho Alan Moore estava errado, mas logo na cena posterior as ilusões são esmagadas.

    Snyder tem um talento nato para montar introduções, percebe-se isso em 300 e Madrugada dos Mortos, e seria assim também neste Watchmen, não fosse pela sutileza de rinoceronte com que ele trata alguns fatos apenas sugeridos na revista: o caso JFK, o beijo na enfermeira após o dia D e o encontro entre um “herói”, Mick Jagger e Ziggy Stardust em uma festa rosa – aliás essa é a primeira de uma série de cenas irritantes com o personagem.

    O filme não é um desastre completo por duas atuações distintas. A caracterização de Rorschach feita por Jackie Earle Haley é quase perfeita, seu personagem gera medo e emula toda a sociopatia de sua contraparte dos quadrinhos. Jeffrey Dean Morgan também faz um Comediante muito bom, suas cenas são disparadas as melhores do filme. Blake bate indiscriminadamente em mulheres e crianças, é cínico e se vale do argumento de estar em guerra. Apesar de ser até meio babaca, o personagem consegue ser o mais sóbrio da história, o que mais entende para onde o mundo está indo. Nem Patrick Wilson – que nunca foi grande coisa – compromete, seu Coruja 2 é crível, assim como os “veteranos” Carla Gugino – deliciosa nos anos 40 – e Stephen McHattie. Outro ponto positivo nesta versão é a cena de assassinato de Hollis Mason, intercalando os socos nos trombadinhas com suas ações na Era de Ouro – que gera outro bom momento,  com um rompante de raiva do Coruja II num bar no submundo. A Sala de Guerra onde Nixon faz suas reuniões também é uma ótima referência ao Dr. Fantástico de Stanley Kubrick.

    Os maiores problemas do roteiro não são as incongruências, mas sim as obviedades. No apartamento do Comediante há mil fotos das duas Espectrais. Para caracterizar o isolamento do Dr. Manhattan, decidiu-se retratá-lo como um altista, gerando assim a segunda pior atuação do filme – a sua cena vencendo o “Vietnã” é risível, tanto pela explosão dos adversários quanto pela música mal escolhida – que dá um tom de paródia que não cabe a atmosfera que Snyder pretende – este é outro problema, a seleção de músicas é ótima, mas o encaixe nas cenas em si é equivocado na maioria das vezes, vide o Hallelujah de Leonard Cohen numa cena de sexo.

    Watchmen é muito bem filmado, mas sua trama é repleta de furos. Seus poucos acertos são méritos da história original, o que faz a película se assemelhar a uma paródia da HQ. O pior de tudo está guardado para Ozymandias. O herói é transformado em vilão na primeira cena em que aparece, é afetado, franzino, fraco e não parece carismático em momento nenhum, é como uma versão reduzida e decadente do original, ele não aparenta arrependimento ou reticência nenhuma por seus atos. Todas as tentativas de Matthew Goode em melhorar isso falham miseravelmente. Nem seus feitos como pegar uma bala com as mãos faz sentido e sua nova versão do “plano redentor” é cheia de falhas. A culpa recair sobre os ombros do Dr. Manhattan justificaria um ataque soviético imediato aos americanos, não haveria porque gerar uma união mundial. O script de Alexsei Trotsenko e David Hayter privilegia a ação e reduz a ambigüidade dos personagens a movimentos óbvios.

    O Axaque de Daniel e seus socos em Veidt são demonstrações patéticas e piegas de moralidade – motivadas supostamente por desejos dos produtores. O “vilão” tem que ser retratado de forma isolada, solitária e triste. A Versão do diretor, com suas 3 horas de duração, melhora um pouco a obra, mas ainda está muito aquém da história de Moore. As cenas extras dão mais sentido a algumas pirações do realizador, mas esse filme custou a Zack Snyder o posto de “visionário”, tornando-o apenas “elegante”.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.