Categoria: Cinema

  • Crítica | A Marselhesa

    Crítica | A Marselhesa

    A Marselhesa

    “A Marselhesa” é o nome dado ao hino nacional da França, composto em 1792 como uma canção revolucionária e que ganhou popularidade entre as unidades militares dos Marselheses na Revolução Francesa. Jean Renoir, notório cineasta francês, também conhecido pelos seus trabalhos nas películas La Grande Illusion (1937) e The Rules of the Game (1939), vai realizar uma rigorosa pesquisa histórica para retratar um dos mais significativos fatos históricos do mundo.

    O filme, produzido entre os anos de 1937 e 1938, vai acompanhar um breve intervalo que se inicia com a tomada da Bastilha em 1789 e que segue até a marcha do exército revolucionário na defesa das fronteiras em 1793 e a deposição do rei Luís XVI, dando ênfase para pequenos grupos de revolucionários da região da Marselha, os quais se dirigiram para Paris, somando forças de guerra para lutar contra os monarquistas – apoiados por tropas prussianas.

    O primeiro ponto a ser destacado do filme de Jean Renoir é a frase com que se inicia o longa metragem: “Crônica de alguns fatos que contribuíram para a queda da monarquia”. Desde o começo, Renoir deixa claro que não possui pretensão de fazer um relato histórico definitivo do período retratado. Diz isso mesmo tendo declarado posteriormente que foi o único trabalho da carreira dele em que se propôs a fazer uma intensa pesquisa documental, tendo criado apenas 1/3 das falas do filme.

    Guardas do rei marcham dentro do castelo e trocam de formação. A disciplina dos soldados e a beleza do ambiente do castelo é a primeira cena do filme. O Duque de La Rochefoucauld-Liancourt (William Aguet) pede um encontro com o rei Luis XVI (Pierre Renoir), que o recebe enquanto ainda estava na cama, recém-acordado e comendo. “É uma revolta?”, pergunta o rei. “Não, senhor. É uma revolução”. Esse simples diálogo é suficiente pra mostrar que estava por vir o maior medo dos monarquistas à época. Já era uma realidade.

    Na sequência, somos apresentados a Anatole Roux, mais conhecido como o “Cabrito” (Édouard Delmon), um velho homem miserável que acabara de matar, com um estilingue improvisado, um pombo que estava devorando sua colheita. Subitamente, um guarda real, juntamente de seus soldados, o aborda declarando a ilegalidade do ato de matar um suposto “pombo real”. Os soldados o levam a júri, onde o Cabrito poderia pegar uma sentença de morte na forca, se não tivesse conseguido fugir antes disso. Renoir explora a cena de maneira sutilmente cômica ao mostrar os exageros da suposta lei, que obviamente protegia a aristocracia e não o povo francês. Aqui já somos apresentados aos dois lados de tratamento e à predominante desigualdade social vivida pelos franceses. De um lado, uma nobreza que esbaldava toda a riqueza e o luxo de uma nação, enquanto no seu jardim jaziam pessoas miseráveis, sofrendo da justiça unilateral.

    Fugindo para as montanhas, Cabrito se encontra com Jean-Joseph Bomier (Edmond Ardisson) e Honoré Arnaud (Andrex), dois cidadãos que estavam escondidos nas montanhas por estarem fugindo “da justiça dos aristocratas”, os quais vão se tornar parte fundamental da história contada por Renoir. A ênfase à “justiça dos aristrocratas” por Arnaud deixa claro o descontentamento de um povo que já não aceitava mais os atos de ostentamento e tirania vindos de uma pequena parcela da população, que representava a elite francesa.

    A partir desse ponto do filme, Renoir vai acompanhar o caminho desses dois patriotas, lutando pela liberdade dos seus iguais. A maneira como o cineasta direciona a narrativa, passando de uma figura a outra até chegar nos dois personagens, é sutil e mostra qual a maior preocupação do filme: narrar a história através das pequenas ações de pessoas ordinárias. Nas reuniões dos agrupamentos revolucionários, suas assembleias fervorosas de ideais democráticos e pacifistas e o espírito patriótico de um povo que preza pela liberdade. Inclusive temos o surgimento do futuro hino nacional francês, que serviu de inspiração ao esforço de todos os cidadãos em igualdade e na busca de um futuro justo.

    Jean Renoir é um pacifista. Imagina-se que, em um filme que retrata um período tão conflituoso como a Revolução Francesa, seria mais violento em sua representação gráfica. Porém, Renoir prefere explorar outro lado do movimento. Há apenas uma sequência de cenas em todo o filme que representa graficamente uma batalha armada. Ao invés disso, na maior parte do filme, temos a exploração do espírito democrático e de união de um povo. Renoir, por ter participado de uma guerra e visto de perto as consequências trazidas pela mesma, rechaça as ações voltadas diretamente para a violência. Valoriza a vida humana e sua dignidade, e a violência existe apenas em forma de resposta, no caso do filme, quando os monarquistas tentam tomar a liberdade do povo francês. Inclusive, a escolha do cineasta em terminar o filme em 1792, com os soldados indo para mais uma batalha, demonstra que a violência da guerra não era o mais importante na análise daquele momento histórico. Os sacrifícios foram, sim, importantes, mas mais do que isso foram as histórias de cada um dos homens que fez parte da história da França.

    Renoir queria que seu filme trouxesse rejuvenescimento ao orgulho nacional e à unidade dos cidadãos franceses em um contexto de crise que a França sofria à época. A Marselhesa não conta apenas a história de uma revolução, mas dos dilemas pelos quais a França passava também em um período de crise e quase dentro de mais uma grande guerra.

    Texto de  autoria Pedro Lobato.

  • Crítica | Duro de Matar: A Vingança

    Crítica | Duro de Matar: A Vingança

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    Depois de uma produção mediana que, ainda assim, conquistou boa bilheteria, John McTiernan reassume a direção em uma trama que, como a anterior, foi desenvolvida a partir de um argumento prévio com a personagem central inserida em reformulações do roteiro.

    Duro de Matar: A Vingança dialoga diretamente com o primeiro filme. A cena de abertura dá o tom da produção, mostrando a caótica cidade de Nova York ao som de Summer In The City (John Benson Sebastian, Steve Boone, Mark Sebastian), com suas extensas ruas movimentadas, até uma grande explosão que interrompe as cenas panorâmicas.

    Em pouco tempo, compreende-se que, dessa vez, John McClane não é a vítima azarada dos acontecimentos, mas quem foi chamado para vir à ação por um terrorista que ameaçou destruir a cidade caso o policial não aparecesse.

    O filme inverte a lógica vista anteriormente para apresentar um novo fôlego para a história e introduz um elemento perigoso que se estabelece normalmente na parte final de uma trilogia: a adesão de um parceiro para a personagem central. Colocados ao acaso um do lado do outro, a parceria entre Zeus Carver e McClane, com um sempre irritado e bom Samuel L. Jackson, aproxima-se de outra dupla famosa no estilo: Riggs e Murtaugh de Máquina Mortífera.

    A dinâmica entre as personagens expande a ironia consagrada da personagem central, o que faz deste filme o mais engraçado dos três. Evidente que não há mais a intenção de se produzir uma história – ou personagem – verossímil. Tendo arrebatado grande público em suas duas histórias anteriores e transformado Bruce Willis em um astro de ação, tudo o que esta produção deseja é dar ao público mais uma história de sua personagem mais icônica.

    O roteiro feito por Jonathan Hensleigh (Jumanji, O Santo, Armageddon) equilibra-se bem entre McClane, seu coadjuvante, Zeus, e o bandido que, como infere o título, deseja, de alguma maneira, se vingar. O laço com a primeira história não é feito de maneira tão exagerada como vemos em filmes contemporâneos, parecendo uma sequência natural dos acontecimentos anteriores.

    Mesmo que a história esteja situada em uma época em que havia algumas experimentações nos efeitos visuais – que engatinhavam – com um resultado mal composto entre imagem e fundos computadorizados, a ação é ininterrupta e transforma este pequeno defeito em quase nada. Se em outras situações McClane tenta, à sua maneira, vencer as regras ditas pelo bandido, aqui passa a maior parte do tempo como um joguete e, aos poucos, vai percebendo as distrações impostas e as verdadeiras intenções do vilão, que tenta dominar a situação.

    Se não houvesse um retorno da personagem, a trilogia Duro de Matar fecharia com chave de ouro, sendo capaz de retomar elementos de seu próprio passado mas não entregando uma trama semelhante à anterior, costurando-a de maneira diferente e sempre apoiado em diversas cenas de ação.

    No país, o DVD lançado pela Buena Vista/Disney foi um dos primeiros da empresa, na época em que somente um menu com opções de legenda e dublagem estava disponível. O formato letterbox causa problemas para quem tem uma televisão em widescreen e a imagem do disco não é das melhores. É o único filme da série lançado pela Buena Vista/Disney. Embora esteja disponível nos boxes em DVD, ainda não há lançamento em Blu Ray, desfalcando a coleção em alta definição.

  • Crítica | Eu Vi o Diabo

    Crítica | Eu Vi o Diabo

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    Eu Vi o Diabo (I Saw The Devil), ou em seu título original Akmareul Boatda é o sexto filme da carreira do diretor sul-coreano Jee-woon Kim, o mesmo de Medo (Janghwa, Hongryeon ou A Tale of Two Sisters) de 2003 e que recentemente se arriscou no mercado norte-americano com o filme O Último Desafio, com Arnold Schwarzenegger.

    O cinema oriental e sul-coreano estão na moda faz alguns anos, e boas produções têm sido feitas neste país, principalmente nos gêneros suspense e terror. Eu Vi o Diabo, de 2010, vêm nesta mesma toada. A sinopse é a seguinte: Um policial de uma agência de elite da Coréia do Sul (que não é especificada) tem sua esposa (filha de um policial local) assassinada brutalmente por um serial killer. O marido então jura vingança e, com a ajuda do sogro, parte em busca dos suspeitos até encontrar o assassino e dar a ele uma dose de seu próprio veneno, até as coisas saírem do planejado. Até aí a premissa flerta com o desejo secreto de praticamente todos os seres humanos: a vingança nua e crua que todos desejariam colocar em prática caso algum membro de nossas famílias sofresse o mesmo destino da mulher do policial.

    Com 2h23 de duração, o longa estabelece muito bem os personagens, o conflito e a trama logo na primeira meia hora. O que segue a partir daí é o plano do marido, Kim Soo-hyeon, em perseguir o assassino como ele persegue suas vítimas. Porém, apesar de no início a premissa ser empolgante, as sequências de perseguição e violência vão aumentando e causando um certo desconforto, não só pela apelação gráfica, mas sim pela falta de tensão. De um cenário de mundo real, o filme vai adquirindo contornos mais americanizados de super-policiais que conseguem fazer de tudo a toda hora, desde manejar vários tipos de armas até lutar de várias formas com várias pessoas ao mesmo tempo, o que faz o filme destoar da proposta inicial.

    A fotografia, que mostra uma moderna Coréia do Sul em pleno desenvolvimento em contraste a uma pobreza tradicionalista que teima em sobreviver frente ao furacão do capitalismo, é interessante e ajuda a entender o embate entre o comportamento brutal de um lado dessa sociedade com a civilização, que falhou em compreender e cooptar as contradições desse processo.

    As cenas brutais de violência no começo também conseguem chocar pela maneira crua e fria que são filmadas, mas este mesmo excesso causa, no decorrer do filme, uma banalização dessas cenas, que ao invés de chocar, passam a incomodar, pois deixam de acrescentar algo que faria diferença na história e soa mais como apelação do que efeito narrativo. A suposta lição dada ao policial pela sua hesitação tanto em resolver o caso por conta própria, quanto para abandoná-lo e deixar nas mãos dos policiais, soou infantil, além de mal resolvida, pois sua vingança contra o assassino passa a atingir outros níveis, mas em momento algum oferece redenção ou mesmo uma explicação para as ações do protagonista, que deixa de ser um justiceiro passional para ser outro fora-da-lei sem razão.

    Em geral o filme possui bons momentos e uma boa premissa, mas o fetiche sadístico do diretor acaba prejudicando a excelente ideia inicial e o foco de sua narrativa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Grande Gatsby (2013)

    Crítica | O Grande Gatsby (2013)

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    Baz Luhrmann é um cineasta conhecido por seus filmes exuberantes: cenários barrocos, trilha sonora rica e cenas apoteóticas. Romeu + Julieta e Moulin Rouge, seus melhores filmes, são belos exercícios visuais onde a estética característica de Luhrmann reforça e ambienta a história contada. O Grande Gatsby é o oposto disso.

    O romance de Fitzgerald fornece uma história sutil, construída em detalhes e subtexto e cuja força está justamente naquilo que não é contado.  A trama é contada por Nick Carraway, jovem recém-saído de Yale com um emprego no mercado financeiro de Manhattan e um pequeno chalé em West Egg, região de Long Island onde vivem os novos ricos. Nick é vizinho de Jay Gatsby, o homem misterioso que dá festas homéricas, mas de quem ninguém sabe nada. Gatsby se aproxima de Nick para chegar em sua prima Daisy Buchanan, que vive com o marido em East Egg, o lado do dinheiro tradicional, e com quem Gatsby, anos antes, teve uma história.

    A história é simples, mas as relações entre os personagens, a relação deles com o dinheiro e o poder e a função desse dinheiro na identidade de um indivíduo são o que está realmente em questão Tudo isso presente apenas por baixo de diálogos ácidos e ações frívolas.

    No filme de Luhrmann não há nada por baixo. Ele constroi maravilhosamente a estética e o espírito dos anos loucos, seu filme não é apenas visualmente impressionante, é frenético e excessivo como foram os anos 20 e nisso o diretor acerta muito mais do que Jack Clayton, responsável pela morna adaptação de 1974.  A essa estética se alia a trilha sonora carregada de hip hop organizada por Jay Z: a estética de opulência do hip hop é quase a versão atual das festas desproporcionais do “novo rico” Jay Gatsby, é um paralelo interessante e uma ironia fina.

    Mas essa ironia é o único sinal de acidez, crítica ou descontrução em todo o filme. Luhrmann toma uma história sobre a podridão do sonho americano e as falsas promessas feita por ele e a transforma em ode à esperança. Gatsby não ama Daisy, ele a confunde com a identidade que deseja para si mesmo e o filme chega mesmo a explicar isso, de forma bastante didática, apenas para logo em seguida voltar a ser uma história de amor.

    O didatismo, aliás, é um dos maiores problemas do filme, comprovando mais uma vez o pouco talento de Baz Luhrmann para sutilezas. A narração em off é excessivamente presente e explica em detalhes o que os personagens pensam e sentem mesmo que os bons atores pudessem muito tem demonstrar isso de forma mais cinematográfica.  Essa necessidade de ser explícito e literal gera inclusive soluções feias e absurdamente clichês, como palavras surgindo na tela quando um personagem escreve uma carta.

    Por outro lado, enquanto o diretor retira toda sutileza e subtexto do filme, os atores injetam nuances em suas interpretações. A Daisy de Carey Mulligan é ao mesmo tempo frágil, vulnerável e sedutora, a sua consciência de si mesmo, exaustão e frivolidade convivem de forma ambígua e encantadora. Leonardo DiCaprio é um Gatsby artificial, duro, ansioso e pouco confiante e deixa o espectador vislumbrar todo o vazio de um personagem que tem muitas histórias.

    Há sem dúvida bons momentos em O Grande Gatsby, principalmente quando Luhrmann se afasta um pouco, dá tempo de respiro e deixa seus atores e o universo de Fitzgerald trabalharem. Entretanto, na maior parte do tempo tudo que vemos são milhões de planos muito curtos, uma montagem muito rápida e infinitos elementos em cena. É um videoclipe muito bonito, mas em que as cenas se sucedem tão rapidamente e há tantos elementos em tela que é impossível identificar, e mais ainda digerir, qualquer coisa.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Parte dos Anjos

    Crítica | A Parte dos Anjos

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    Robbie (Paul Brannigan), um jovem desempregado prestes a ser pai, é sentenciado a cumprir algumas horas de trabalho comunitário depois de espancar um rapaz na rua por um motivo banal. No grupo de infratores que cumprem pena ao mesmo tempo que Robbie, ele encontra outras pessoas com o mesmo problema dele – ter vivido sempre à margem da sociedade e ter dificuldade em arrumar emprego. Robbie encontra também, na figura do supervisor do serviço comunitário, um amigo e um mentor no conhecimento de algo até então ignorado por ele – a degustação e apreciação de uísque. E Robbie entrevê, nessa nova atividade, uma possibilidade de mudar de vida, de começar uma nova vida com a namorada, Leonie (Siobhan Reilly), e o filho recém-nascido.

    Para os abstêmios ou não apreciadores de destilados, vale uma explicação sobre o título. A parte dos anjos refere-se àquele percentual de uísque que evapora dos barris de carvalho durante o envelhecimento. Lógico, tem a ver com a bebida “descoberta” pelos personagens, porém tem mais a ver com algo que ocorre na segunda metade do filme, mas que me abstenho de contar para não tirar a graça da estória.

    É um filme singelo que talvez fosse lembrado como apenas mais um filme escocês sobre as dificuldades do ingresso na vida adulta não fosse pela guinada no roteiro que ocorre a partir da segunda metade da trama. O filme deixa de ser uma estória dolorosa sobre problemas sociais e jovens infratores para se tornar uma aventura no melhor estilo sessão da tarde, em que ideias mirabolantes são postas em prática e conseguem ser bem-sucedidas a não ser por um percalço ou outro. Esse novo rumo surpreende o espectador e é nele que reside a leveza do filme, apesar de todo o non-sense das situações vividas pelos personagens. A mudança de tom e a nova abordagem da estória fazem toda a diferença no resultado final.

    A trajetória de Robbie remete ao herói injustiçado que recebe um dom, que será responsável pela rendenção do personagem. Robbie consegue, usando sua aptidão recém descoberta, vislumbrar a possibilidade de sair da vida marginal e imersa em violência em que se encontrava até o momento. E, contrariando a máxima de que o ambiente molda o caráter, decide tomar as rédeas da sua vida nas próprias mãos. Mesmo tomando um atalho a princípio – que leva o espectador a questionar se os fins justificam os meios -, livra-se do passado e dá um novo rumo à sua vida junto à sua nova família.

    O filme não é longo, e assim consegue manter o ritmo do início ao fim, sem “barrigas”. Os diálogos ágeis e ácidos ganham o espectador principalmente nas cenas em que o grupo se inicia na degustação – que apreciador já não passou por isso? Ser ridicularizado ao afirmar que um vinho, cerveja, uísque tem determinado aroma ou sabor – e durante a excursão a uma destilaria, em que o uso dos kilts causa consequências desagradáveis. O elenco central, praticamente desconhecido, tem boa empatia e convence como gauches na vida que tentam de alguma forma dar certo.

    É um filme despretensioso cujo sucesso reside na ambiguidade entre drama e comédia e que se torna bem sucedido justamente por não tentar misturar os dois gêneros e ainda assim conseguir manter o estilo do diretor, Ken Loach, e não deixar de lado a crítica social.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Máquina Mortífera 4

    Crítica | Máquina Mortífera 4

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    Em 1998, a popular trilogia se tornou uma quadrilogia. Seis anos após o terceiro capítulo, a “gangue” toda se reuniu para uma última rodada de aventura e muita confusão. Sempre sob o comando de Richard Donner, Mel Gibson, Danny Glover e companhia entregaram um digno fechamento da saga com Máquina Mortífera 4. Como não poderia deixar de ser, uma grande homenagem àquilo que marcou a franquia: uma comédia de ação onde, muito mais do que trama, o foco são os personagens, sua humanidade e o (mais martelado do que nunca) fator família.

    Acompanhando a evolução do cinema de ação, tanto tecnológica quanto conceitual, temos aqui as cenas mais grandiosas e exageradas da série. A começar pela sequência de abertura, onde Riggs e Murtaugh enfrentam um incendiário blindado. A solução? Atirar no tanque de napalm do cara, causando um efeito dominó que explode o bandido, um caminhão tanque e um posto de gasolina. Coisa de fazer Michael Bay aplaudir com lágrimas nos olhos. A consequência inacreditável do evento é a promoção dos dois sargentos para capitães da polícia de LA. A “explicação” é que eles precisam ser retirados das ruas, pois o seguro do departamento se recusa a cobrir as constantes destruições do patrimônio público que eles promovem.

    Tal promoção acaba não fazendo nenhuma diferença, pra variar. Eles vão trombar por acaso com a ameaça da vez, uma operação de tráfico de escravos vindos da China que se desenrola numa grande conspiração envolvendo a Tríade, famosa máfia chinesa, falsificação de dinheiro e corrupção do governo chinês. Um plot confuso, que visivelmente é apenas uma desculpa para movimentar a história e colocar os personagens pra resolver algum conflito. Nada muito diferente dos filmes anteriores, se pararmos pra pensar.

    Na vida pessoal dos dois parceiros, a novidade é que agora inclusive Riggs se pergunta se não está “velho demais para essa m…”. Prestes a ser pai, considerando casamento, em quase nada ele lembra o maluco suicida de outrora. Essa evolução pode ser creditada tanto ao seu relacionamento com Lorna (Rene Russo) quando a longa convivência com Murtaugh e sua família. Roger por sua vez, não fala mais sobre aposentadoria, mas vai se tornar avô – e não sabe disso. Sua filha mais velha casou-se em segredo com o detetive Butters (Chris Rock, deslocado por estar num papel não assumidamente cômico, mas não compromete). Completando a turma, o veterano Joe Pesci mais uma vez como o surtado Leo Getz.

    E, em seu primeiro papel em Hollywood, Jet Li nos brinda com o melhor vilão da franquia. Com pouquíssimas falas (todas em chinês) e uma agilidade impressionante, ele passa o filme arrebentando a cara de Riggs. Além de criar uma aura tão ameaçadora que rende um momento impagável na batalha final, quando a dupla de heróis se borra de medo do chinesinho que tem metade do tamanho deles.

    Apesar de exagerar em alguns momentos, como a prolongada batalha final e a sequência pastelão/final de novela na maternidade, o filme se manteve fiel à sua proposta. Uma aventura movimentada e muito divertida, com o merecido final feliz para nossos velhos conhecidos. E ainda bem que a franquia não teve uma revisita que poderia estragar tudo isso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

    Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

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    O novo Além da Escuridão – Star Trek comprova que J.J. Abrams conseguiu o que parecia impossível: unir todo o universo da franquia sem atrair a ira dos fãs – que levam muito a sério o assunto e costumam não ser tolerantes com o que consideram infidelidade. J.J. fez uma reciclagem de temas, conflitos e personagens. E obteve o que muitos filmes recentes não alcançaram: pegar um universo incrustado na cultura pop, fortemente associado a atores diferentes dos que dispõe e, de alguma forma, fazer com que todos se importem como antes, colocando o entretenimento de qualidade para caminhar lado a lado com a inteligência.

    Se, no primeiro filme que assinou, o diretor introduziu personagens famosos da série, optando por contar de onde eles vieram e como se tornaram cadetes, até virarem heróis, neste, J.J. esmiúça como as relações de respeito, amizade e carinho entre eles foram pavimentadas. O diretor usa o passado para criar algo novo. Presta uma grande homenagem à série, aos filmes e aos personagens. Se já tinha adiantado isso em relação a Kirk e companhia, ele agora causa impressão com outro ícone da franquia, o vilão Khan, o mais famoso de Jornada nas Estrelas, que ganhou uma roupagem completamente diferente na ótima interpretação de Benedict Cumberbatch (o Sherlock Holmes do seriado homônimo atualmente no ar na TV). O caso é o mesmo do Coringa de Batman, que, quando feito por Jack Nicholson no filme de Tim Burton, em 1989, parecia imbatível, até que Heather Ledger se apossasse do personagem na trilogia criada por Christopher Nolan. Este, por sinal, também foi uma influencia para J.J., não só nos temas, mas também nas belas imagens capturadas em IMAX, depois que o diretor de Star Trek assistiu, a convite do próprio Nolan, a O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

    Apesar das várias referências que vão emocionar os fãs de primeira hora, Into Darkness também foi concebido para entreter o público que nunca foi ligado a esse universo. É um filme de ação feito com habilidade – um filme em que a ação está sempre a serviço da trama. É interessante que J.J., junto com o diretor de fotografia Dan Mindel, use o mínimo possível de truques de CGI nas cenas que envolvem atores e movimento – e, com isso, obtenha uma boa dose de realismo, mesmo nas sequências mais fantasiosas. Percebe-se que há uma aura de tensão constante sem que ela seja gratuita ou interfira na trama.

    Um grande mérito é que o novo filme faz exatamente o que a série sempre fez: usar um cenário futurista para fazer um comentário contemporâneo sobre algum tema em voga na sociedade – no caso, o terrorismo; suas causas e consequências; a legitimidade, ou não, de se criar uma guerra com o objetivo de eliminar uma ameaça futura; a necessidade bélica do ser humano; os limites do militarismo; e os que servem à guerra ao terror. Into Darkness apresenta alguns conflitos morais complexos, como os bons roteiros de Star Trek sempre fizeram. Um dos questionamentos parte de uma intenção de se matar um homem sem um julgamento justo, sob a alegação de que ele é terrorista. O filme é, em última instância, uma alegoria transparente de uma reação desproporcional contra um ato de terror. Bem de acordo com as crenças de Gene Roddenberry, a narrativa se concentra nos valores humanos e no papel do indivíduo dentro da sociedade. E, mesmo com tudo de espinhoso que o filme retrata, a visão otimista de Roddenberry está presente. Em Star Trek, o futuro convive bem com o passado: naves sobrevoam a cidade de São Francisco, enquanto os nostálgicos bondinhos continuam lá servindo a população.

    J.J. demonstra que, até a chegada desse otimismo, não foi fácil e houve uma longa caminhada. O roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman recebeu um tratamento de primeira de Damon Lindelof, parceiro de longa data do diretor e também um dos responsáveis pelo fenômeno Lost na TV. Outra característica desse estilo de roteiro, que também esteve presente em Os Vingadores, sucesso no ano passado, é o aprendizado de lições de vida por parte dos personagens icônicos, como a do papel de um líder, para Kirk, e a da complexa fronteira entre a lógica e a sensibilidade, para Spock, isso tudo entre outros temas que se prestam ao escrutínio, como a amizade, a lealdade, a ética e as regras. Por trás da mensagem de “explorar novos mundos”, existe o descobrir a si mesmo.

    A descoberta de Spock é um tema à parte. O ator e diretor Leonard Nimoy, apesar de muito grato à sua vida profissional e de ser um entusiasta de Jornada nas Estrelas, logo quando a série clássica foi cancelada, foi o que mais renegou seu passado a serviço de seu personagem (inclusive, com o livro Eu Não Sou Spock). Mas é ele a ponte para a chegada do novo elenco. Esta é sua oitava participação em um filme da franquia feito para o cinema. São as ironias do destino – que é altamente ilógico.

    O mestre de J.J., o cineasta Steven Spielberg, também recebe seu tributo, engendrado na cena inicial – uma clara homenagem ao começo de Caçadores da Arca Perdida. Não é à toa que a célebre revista Cahiers Du Cinéma aponta J.J. Abrams como legítimo sucessor de Spielberg. E J.J. Já deu mostras de pode ir além: onde nenhum diretor jamais esteve.

    Texto de autoria de Mario Abbade.

  • Crítica | Reality

    Crítica | Reality

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    Matteo Garrone ganhou projeção internacional  em 2008 com Gomorra. Sua adaptação do polêmico livro de Roberto Saviano foi elogiado em festivais como Cannes e Veneza, e celebrado como um retorno do cinema italiano ao neorrealismo: filmes voltados para a crítica social e tão comprometidos com um retrato acurado da realidade que diversas vezes utilizavam amadores em vez de atores profissionais.

    Gomorra é um filme cru e violento, um soco na cara do espectador que em momento nenhum pede desculpas ou tenta amenizar o terror daquilo que conta. Reality é exatamente o contrário. O novo trabalho de Garrone é novamente filmado com não atores, no sul da Itália e falado em napolitano, mas é uma comédia, uma sátira ácida e divertida, um filme agradável sobre um tema tão pertinente quanto a máfia italiana.

    Luciano é um pescador de Nápoles, querido no bairro. Ele vive com sua mulher e filhas, todas elas obcecadas com a versão italiana do Big Brother. Um dia, em um passeio pelo shopping, ele decide se inscrever para a seleção apenas para que elas fiquem felizes. Um tempo depois Luciano é chamado para uma segunda fase do processo de seleção e passa a ficar obcecado com a ideia de se tornar uma estrela de reality show.

    O filme acompanha o crescimento do delírio e da paranoia de Luciano enquanto espera a convocação para o programa. Ele vende a peixaria, compra roupas novas, age como se tornar-se uma celebridade fosse questão de tempo. Poderia ser ridículo e engraçado, e é, mas é também patético e dolorido e Garrone acerta ao balancear e explorar todos esses sentimentos.

    Aniello Arena, que interpreta Luciano, não é ator, mas seu carisma é um dos grandes trunfos do filme. O personagem é simpático, amável e extremamente humano. Luciano se veste de mulher no casamento dos amigos, diverte os clientes da peixaria, canta e dança nas festas locais. Em sua comunidade, Luciano é um homem especial e a queda que ele sofre é justamente a descoberta de que no fundo ele é apenas ordinário.

    Em oposição a Luciano, o filme apresenta Enzo, um desses ex-BBBs que acabam se tornando celebridades por um mês graças a uma mistura de beleza e clichês de auto-superação. Enzo tem apenas uma frase de efeito, nenhum carisma, nenhum talento, mas a televisão fez dele uma estrela. Enzo foi escolhido entre milhões de italianos e, portanto, deve ter algo de especial, algo que o destaca da multidão e é essa confirmação, a confirmação de estar destinado a grandes coisas que Luciano aguarda.

    Reality é uma comédia, Aniello e Garrone constroem um Luciano simpático e garantem que o espectador ria o tempo todo de seus delírios de grandeza. Ao mesmo tempo o diretor não poupa acidez e não hesita em desnudar o que realmente faz com que reality shows tenham tanto sucesso e causem tanto fascínio. Ao contrário de Gomorra, aqui o tema incômodo vem embalado em açúcar, mas isso não diminui em nada a sua força. Reality é um filme incômodo, forte e com um final maravilhoso.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Alvo Duplo

    Crítica | Alvo Duplo

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    Responda rápido: Qual o maior brucutu de todos, todos, TODOS??

    Só existe uma resposta possível para esta pergunta. O maior brucutu da história do cinema já correu por aí em uma corrida assassina, lutou contra todas as dificuldades num ringue de boxe, matou vietcongs na guerra,  foi a “cura” para o crime, já foi o campeão dos campeões, limpou seu nome ao lado de Kurt Russel, fez dupla com sua mamãe badass, foi congelado para lutar no futuro e explodiu a máfia com a ajuda de Sharon Stone. Esse cara já se provou o melhor assassino de todos, já foi a personificação da lei, já salvou pessoas em um túnel subterrâneo, vingou o irmão, ajudou a filha de um mafioso em busca de vingança e já salvou a Giselle Itié das garras de um ditador de republiqueta.

    A filmografia de Sylvester Stallone é a minha preferida de todos os astros de Hollywood. O termo “badass motherfucker” no dicionário informal do IMDB deveria ter uma foto do cara, pois ninguém é tão foda na telona importante para o “cinema brucutu” quanto ele. Com quase 70 anos, e a cara mais torta que a do Sloth, Sly continua mandando ver como um dos últimos brucutus vivos em atividade. Infelizmente, seu novo filme é a prova de que o estilo está mesmo com os dias contados, apesar de eu não ter desgostado totalmente de Alvo Duplo!

    No filme, Stallas interpreta Jimmy Bobo, um assassino profissional de Nova Orleans que é alvo de uma queima de arquivo da máfia após concluir um trabalho com seu parceiro. Implacável, Jimmy se alia a um policial de Washington (Sung Kang, o Han de Velozes e Furiosos) que é enviado para investigar o assassinato de seu ex-parceiro: o alvo do último trabalho de Bobo. Juntos, ambos devem descobrir o mandante dos assassinatos, mesmo sabendo que não podem confiar um no outro nem por um segundo enquanto estão juntos.

    O roteiro do filme é bastante normal, mas isso não é o importante. Quando “entrei no cinema” para assistir o filme, esperava apenas interpretações medianas e Sly mandando sua atuação mais canastra, e por isso não me decepcionei muito. Ao contrário do que sempre aconteceu em seus filmes de ação, o personagem de Stallone não se envolve em nenhum tiroteio com 30 caras mais armados que ele e que erram todos os tiros apenas porque ele é o principal. Um alvo de cada vez, Jimmy Bobo vai eliminando todos os envolvidos no plano para lhe assassinar sempre acompanhado de perto pelo policial que tenta impedi-lo de cometer os crimes. A relação entre os dois protagonistas, no entanto, é terrível e foi uma das coisas que eu mais odiei no filme.

    Sung Kang não é um ator internacionalmente reconhecido pelo seu talento nas frente das câmeras, mas nesse filme ele se supera no quesito ruindade e falta de carisma. Seu personagem (Taylor Kwon, o policial destacado de Washington) não estabelece nenhuma relação com o espectador durante o filme e seu papel como guru tecnológico e provedor de informação para o persona de Sly não possui nenhuma relevância. Quando eu digo nenhuma, é NENHUMA MESMO! Tudo que ele faz é atrapalhar Jimmy Bobo e dar informações que ele já sabia, sobre pessoas que ele já conhecia e sabia onde encontrar. Nenhum dos diálogos entre Kang e Stallone é digno de memória, e o máximo que ele conseguiu no filme foi ser comparado (devido à semelhança física e à inutilidade do personagem) com o Glenn, do The Walking Dead da TV.

    O vilão do filme, por outro lado, pode ser considerado um ponto positivo. Jason Momoa (O Conan, do NÃO TÃO RUIM “Conan, o Bárbaro”) manda bem como o assassino responsável por matar Jimmy Bobo e seu parceiro. Keegan é um assassino profissional que não se importa tanto com o dinheiro. Psicótico e descontrolado, o personagem de Momoa atua como assassino de aluguel apenas para receber alvos e poder saciar sua vontade de matar. Em duas ocasiões do filme, Keegan cai na porrada com seu alvo e ambas as cenas são bastante divertidas e bem executadas. Os demais vilões do filme são rasos e de pouca importância.

    A trilha sonora e a fotografia do filme são muito bem trabalhadas e contam, talvez, como o maior ponto positivo do filme. A trilha, composta por batidas e pela gaita com uma pegada mais Blues, e  por momentos de rock mais pesado, combina perfeitamente com o clima do filme, construído em boa parte pela fotografia mais escura e fria. A direção de Walter Hill não conta como um diferencial também, mas não prejudica o filme, o que por si só já conta como um ponto positivo já que o cara nunca chegou a emplacar como diretor. Vale lembrar que, contrariando ao que vinha acontecendo nos último filmes de Stallone, nada na produção deste filme possui seu envolvimento direto. Talvez se estivesse envolvido diretamente na construção do filme, a produção teria um ar verdadeiramente oitentista e um clima ainda mais “brucutu”, alcançando um resultado melhor na bilheteria e na crítica. Acho que nunca saberemos…

    O filme chegou sem barulho nenhum aqui no Brasil. Sem trailer (pelo menos nos GNCs de Santa Catarina), sem maior divulgação e com poucas sessões por aqui, o filme provavelmente não chegou a se pagar nas salas escuras. O boxofficemojo.com reporta um faturamento de quase 9,5 milhões nos Estados Unidos mas ainda não tem números do montante que o filme arrecadou ao redor do mundo, o que não parece ser boa notícia para um filme com nomes de peso como Stallone, Jason Momoa e Christian Slater.

    Como citei, Alvo Duplo não chega a ter um clima verdadeiramente “brucutu”, apesar de contar com a atuação canastra do maior ator da história deste gênero. No final, Sly e Momoa mostram bem que o último suspiro deste gênero tão apreciado por mim e por outros é, realmente, “Mercenários”. Parece-me que o cinema não tem mais espaço para filmes que se sustentam em cenas de ação e deixam o roteiro fora do centro. Uma pena, infelizmente…

  • Crítica | Máquina Mortífera 2

    Crítica | Máquina Mortífera 2

    Máquina Mortífera 2

    Dois anos após o original, Richard Donner repetiria a dose com a continuação de Lethal Weapon, e neste episódio começa a mil, não perdendo tempo com rodeios – o espectador é jogado logo de início no meio de uma perseguição de carro alucinante.

    Os absurdos do filme anterior continuam: corridas a pé, carros atravessando lojas, discussões enérgicas e infindáveis entre Murtaugh e Riggs – em que nenhum dos dois vence… O problema das continuações em geral é que se perde o elemento surpresa e o investimento maior é na maximização de tudo que deu certo no original. Maquina Mortífera 2 não é diferente nesse quesito. O tom é bem mais leve que o primeiro, solidificando ainda mais o clima de “filme para toda a família”, as piadas são mais frequentes, as gags engraçadinhas também aumentaram assim como o humor de teor racial – plenamente justificável, principalmente pelo contraste com os opositores.

    Um momento que certamente fica na memória de quem vê é cena da bomba presa a privada, enquanto Murtaugh estava… se aliviando, praticamente paralisado por 18 horas. Quando ele se desvencilha da armadilha, há um momento tocante com seu parceiro, mas isso é deixado de lado imediatamente, pois quando o artefato explode a privada cai inteira em cima do carro do policial, sem espalhar sequer um tolete.

    Os vilões são encabeçados por um diplomata sul-africano extremamente racista, que abusa do direito a imunidade diplomática, os absurdos que o bando comete beiram o impossível. Por não poderem “tocar” nos bandidos, os policiais encabeçados pela dupla dinâmica fazem um cerco psicológico aos terroristas, apelando para um tom jocoso, mas sempre político.

    É curioso hoje ver o Mel Gibon com uma placa na mão com os dizeres:
    “ End Apartheid Now!”

    A trilha de Metais continua pontuando os momentos importantes do filme, principalmente os de emboscada. Maquina Mortífera 2 investe mais em ação que o primeiro, em detrimento dos conflitos, e suas cenas são mais bem elaboradas e tensas.

    Com o decorrer da trama, Riggs se vê diante de seus fantasmas novamente, é confrontado e obrigado a reviver o trauma da morte de sua esposa e tem a chance de vingança que tanto buscava. Mel Gibson está muito mais a vontade no papel, assim como Danny Glover. O personagem de Joe Pesci (Leo Getz) é insuportável, mas sua chatice é proposital e serve bem a trama. Por vezes há oportunidades de Murtaugh se corromper e por as mãos no dinheiro sujo, mas o seu código moral não permite que ele caia em tentação, e apesar desta menção a abordagem ao tema é bem superficial. Ponto alto mesmo do tira veterano é a solução para o imbróglio da imunidade diplomática, resolvido com uma atitude típica dos filmes de brucutus dos anos 80.

    A mensagem no final mostra Martin Riggs decidindo por parar de fumar, escolhendo assim a vida, mesmo após enfrentar os seus medos. Máquina Mortífera 2 não é superior ao primeiro filme, mas faz seus personagens e as situações evoluírem, e por isso vale muito a pena ser (re)visto.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Máquina Mortífera

    Crítica | Máquina Mortífera

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    Em 1987 começava a franquia Máquina Mortífera. Dirigida em sua totalidade por Richard Donner, este episódio é roteirizado apenas por Shane Black, e apesar dos trabalhos anteriores de ambos flertarem com “histórias de Supertiras dos anos 80”, este Lethal Weapon oferece um pouco mais de conteúdo e substância em comparação com os seus primos cruzados.

    A começar pela dinâmica da dupla de protagonistas – que marcaram época e ditaram tendências. Roger Murtaugh, feito por Danny Glover e Martins Riggs com um Mel Gibson mais canastra do que nunca, são apresentados como dois policiais em momentos bastante distintos. Murtaugh é um afro-americano recém cinquentenário que vive no subúrbio de Los Angeles com uma família que concentra todo o seu foco e considera-se velho demais (clichê repetido muitas vezes em toda a cine-série) para o trabalho de policial em LA. Já Riggs é o novato realocado para o departamento de Roger por ser uma bomba relógio, com sérias tendências suicidas e total desprendimento social, mora em um trailer imundo, fuma como se não houvesse amanhã, não teme morrer, tem um passado trágico que o faz chupar pistolas o tempo todo e pra piorar é um exímio atirador. O grande trunfo do roteiro é a química entre os parceiros que se vêem juntos por obrigação – ao menos no início – mas tornam-se indispensáveis um ao outro, juntos eles aprendem a valorizar o que a vida e o trabalho podem lhe proporcionar, seja apenas a emoção e adrenalina no ofício ou um sentido um pouco maior do que apenas viver “um dia após o outro”.

    Além de ser bastante divertido, questões cotidianas importantes são abordadas: criação de filhos, união familiar, discussão de valores e segurança de entes queridos de policiais, corrupção de membros do alto escalão de órgãos governamentais, tráfico de entorpecentes, prostituição, violência urbana excessiva, mercado de vídeo erótico, ainda que alguns desses temas sejam apenas arranhados. Mesmo tocando nesses assuntos, o episódio ainda é apontado como uma diversão para “toda a família”, graças direção de atores, assim como as mil piadas e absurdos tão comuns nos filmes de brucutus.

    Tudo no filme é engraçado, a começar por um dos vilões, Mister Joshua (Gary Busey), caricato ao máximo e mau por natureza, que é tão ruim que odeia o natal. O ponto alto de sua existência é também onde o filme atinge a escala máxima do “Massa Véio”: após uma perseguição armada, Riggs e Joshua resolvem sua disputa na mão, no quintal de Murtaugh em meio a tempestade que lava os ombros ensangüentados dos heróis – nesse interim os outros policiais cercam os dois, não deixando escapatória ao bandido. O final do embate não poderia ser menos emblemático, com um tiro duplo de Murtaugh/Riggs, que serve como o batismo de sangue e como a representação gráfica de toda a parceria deles ao longo dos episódios seguintes da franquia: um sempre cobriria o outro, essa sempre seria a prioridade.

    A trilha sonora de Michael Kamen pontua muito bem os momentos de tensão, e ajuda a manter o clima do filme. Os solos de saxofone e guitarro em um estilo meio blue/jazz ressaltam as indagações e dúvidas dos personagens, seja as preocupações familiares de Murtaugh ou o instinto suicida de Riggs, sem as músicas de fundo certamente a aura de clássico de Maquina Mortífera não existiria.

    Lethal Weapon é uma metáfora sobre a história de amor e amizades entre dois homens, que descobrem novos sentidos para suas vidas, Murtaugh aprende a aceitar as agruras da idade avançada enquanto Riggs encontra uma nova família e mais motivos para viver além do trabalho. Foi imortalizado pelas atuações carismáticas de Gibson e Glover e funciona muito bem como uma diversão oitentista descompromissada.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Deus da Carnificina

    Crítica | Deus da Carnificina

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    Dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) encontram-se no apartamento dos Longstreet para conversar a respeito de uma briga em que os respectivos filhos se envolveram. E o encontro, comprovando o princípio entrópico, avança e degenera rumo ao caos, transformando-se na carnificina do título.

    A exemplo de Who’s Afraid of Virginia Woolf?, o filme é adaptado de uma peça de teatro em que dois casais estão confinados num único ambiente – casa ou apartamento. Contudo, diferente deste, em que os recém-casados Nick e Honey (George Segal e Sandy Dennis) presenciam a lavação de roupa suja do casal “mais veterano”, Martha e George (Elizabeth Taylor e Richard Burton), em Deus da carnificina os casais parecem ter mais ou menos o mesmo tempo de vida em comum e as batalhas verbais ocorrem entre todos. Mesmo assim, é difícil não traçar um paralelo, já que em ambos os casais usam o conhecimento advindo da intimidade para que suas palavras causem o maior dano possível. A ironia, o sarcasmo, a acidez de algumas falas revelam que cada um conhece o ponto fraco do outro e mira ali propositalmente. Contudo, o diferencial do filme de Roman Polanski é que as discussões vão além do relacionamento entre os casais – por exemplo, o capitalismo despudorado de Alan versus o idealismo esquerdista de Penelope.

    O fato de ser uma adaptação de uma peça poderia se tornar um complicômetro. Porém, o diretor soube usar a técnica cinematográfica a seu favor, fazendo algo que no teatro não seria possível e, assim, direcionando o olhar do espectador a seu bel-prazer. Os atores surgem em planos e contraplanos, aos pares, trio, quarteto, acompanhando, como num passo de dança, a intensidade dos diálogos. E, assim como Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (também baseado numa peça), Polanski usa a câmera para controlar o ponto de vista do público e intensificar sua reação ao que acontece em cena. É interessante notar que o confinamento dos casais nesse ambiente deve-se totalmente ao acaso – o café oferecido na hora de ir embora, o sinal do celular que falha a caminho do elevador, entre outros pequenos eventos que fazem o casal Cowan sempre voltar ao interior do apartamento.

    E, já que o desfecho não é inesperado (sabe-se desde o trailer para onde se encaminha a trama), o interessante é acompanhar como isso acontece. Ver a evolução dos personagens. A civilidade e as convenções sociais sendo deixadas de lado. A polidez dando lugar à sinceridade extrema. As máscaras caindo à medida que os ataques verbais se sucedem. Situações triviais deflagrando reações desmedidas e aparentemente irracionais. A conversa, que se inicia de forma trivial, evolui de tal forma que deixa o ambiente tenso. Comentários normalmente inofensivos tornam-se o estopim para uma saraivada de reclamações e observações sarcásticas. E as protagonistas das discussões vão se alternando – casal versus casal ou um contra um em todas as combinações possíveis.

    A tensão que se instaura desde o início gera até uma reação física em Nancy. É estranho lembrar-se de um filme e referenciar-se a ele por causa de uma cena de vômito. Mas a cena foi tão bem feita e encenada, tão verossímil – tem-se a impressão de sentir aquele odor acre característico – que fica difícil não citá-la. Principalmente por que é a partir daí que a situação degringola. Se o espectador fica ao mesmo tempo surpreso e chocado com a cena, o mesmo ocorre com os personagens. O vômito parece servir de gatilho para os bons modos serem abandonados enquanto todos se sentem no direito de, a partir desse momento, expressar livremente seus pensamentos.

    Kate Winslet está perfeita nesta cena. Mas não apenas nesta: destaque também para o declínio do seu grau de sobriedade após alguns goles de um ótimo scotch. Aliás, todo o elenco está acima da média. Mesmo não tendo mais nada a provar, há tempos não se via Jodie Foster tão bem num papel. Numa obra em que a trama é calcada em personagens e diálogos, a excelência das atuações é algo essencial e que garante a fluidez da narrativa. O espectador consegue acompanhar, em closes e planos-detalhe, os gestos, maneirismos, micro-expressões de cada um dos atores, nuances dos personagens que seriam impossíveis de observar num teatro.

    Não é o melhor filme de Polanski. Mas mesmo um filme menor do diretor consegue conceder ao espectador uma experiência cinematográfica gratificante, mesmo que incômoda. Afinal, enxergar-se nas atitudes dos personagens não é nada agradável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Um Porto Seguro

    Crítica | Um Porto Seguro

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    Não sou leitor de Nicholas Sparks. Conheço suas obras das adaptações cinematográficas, mas admiro seu entusiasmo. É um autor popular que vem compondo sua obra tendo como elemento principal o romance, sem nenhum medo de trabalhar com clichês e, a partir deles, produzir sua narrativa.

    Um Porto Seguro é a mais nova adaptação de sua obra, composta para conquistar tipos diferentes de público. A trama inicia-se com uma perseguição policial, criando um mistério que se desenvolve em paralelo com a história de amor, como se o autor unisse dois polos diferenciados em um mesmo elemento narrativo.

    Katie é uma garota misteriosa que foge de sua cidade até a pequena Southport, na Carolina do Sul, para recomeçar a vida. Mesmo evitando qualquer laço emocional, se envolve com Alex, um comerciante local, e, como costumeiro em histórias do gênero, o passado virá à tona como conflito.

    Não deve se assistir a uma produção do gênero esperando um arroubo de criatividade. As histórias de Sparks – e, basicamente, a maioria dos romances – são formatadas para se parecerem de alguma maneira. Dentro de um universo água com açúcar, há a quantidade necessária de conflito que se equilibra no mistério anterior vindo do passado, uma situação presente que dificulta a relação do casal e reviravoltas que, sem medo de utilizar clichês, se apresentam de maneira óbvia mas de forma que o espectador tão envolvido pela história não se importará.

    Sparks não tem medo de dar um golpe de realidade em seus românticos universos oníricos, seja uma história misteriosa a ser desvendada como nessa trama, uma amnésia traumática em Para Sempre ou uma doença degenerativa como em Diário de Uma Paixão. Nunca negando o estilo romanceado e os clichês, a maneira que compõe seu tecido narrativo de perfeição destruída pela realidade dá um novo fôlego para um gênero normalmente repetitivo.

    Evidente que não é a produção que agrada aquele que não suporta assistir filmes de romance. Mas satisfaz tanto quem gosta do gênero como não incomoda quem só está acompanhando alguém em uma sessão de cinema a dois. E isso é o suficiente para se compreender que, mesmo popular, Nicholas Sparks tem um talento em construir suas narrativas de amor.

  • Crítica | Um Bom Partido

    Crítica | Um Bom Partido

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    Em menos de dois meses, Gerard Buttler esteve presente em duas estreias nacionais: o longa de ação Invasão à Casa Branca e a comédia romântica Um Bom Partido, demonstrando a versatilidade do ator, que deseja ser reconhecido tanto como um herói como um personagem romântico – como é possível observar em sua filmografia.

    Um Bom Partido apresenta George, um jogador de futebol aposentado – elemento que é mais costumeiro a nós do que para estrangeiros – que, ao desejar um novo objetivo para sua vida, aproxima-se do filho e da esposa que o deixou.

    Em um primeiro momento, imaginamos que a trama será a típica história de rendenção de um homem que tenta anular os erros de seu passado. Há uma sensação de um leve drama familiar do pai que deseja aproximar-se do filho e conquistar seu amor. Mas, sem saber ao certo que rumo tomar, a história se quebra em diferentes vertentes.

    Há espaço para o humor exagerado que faz do pai um sedutor que consegue levar todas as mulheres que conhece para a cama, distanciando-se um pouco de uma provável intenção inicial do longa em ser um filme familiar, para, em seguida, deixar a personagem do filho de lado e concentrar-se no amor que George ainda sente pela ex-mulher, que está prestes a se casar.

    Mas a trama não sabe bem onde se encontrar. Sem ter um parâmetro definido em sua abordagem, não é possível estabelecer exatamente para quem está produção foi feita. O filme não pode ser assistido em família, por conta de algumas poucas piadas grosseiras. Não serve como um romance pelo cômico sexual da personagem. E, nas tentativas de se estabelecer em diversos elementos, o filme não consegue se manter em nenhum.

    Há coadjuvantes demais que desfilam seu talento sem necessidade, deixando sobras e pontas soltas em cena. Além de um Dennis Quaid como um marido infiel e paranoico que, de tão chato, chega a incomodar.

    A tentativa de Butler em não permanecer somente em um gênero é interessante, demonstrando seu interesse em ser versátil. Mas nada adianta se continuar realizando produções mal formatadas de que o público não se lembrará a longo prazo.

  • Crítica | Tudo Acontece em Nova York

    Crítica | Tudo Acontece em Nova York

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    Josh Radnor é um ator conhecido por interpretar Ted Mosby na sitcom How I Meet Your Mother. Esta película é sua estreia na direção de longas metragens, Happythanksmoreplease é um filme leve, com pitadas de humor com aparência de filme independente, mas com uma falsa cara de “história despretensiosa”.

    Sam Wexley, personagem de Radnor é em muitos aspectos a contraparte evoluída de Ted Mosby: inseguro, busca desesperadamente algo que não consegue alcançar, não sabe aonde quer chegar, distraído, enfim, a diferença básica entre Ted e Sam é a atmosfera, enquanto em HIMYM é o tom jocoso, em Happythanksmoreplease há um quê de subjetividade, o gênero oscila entre dramédia e história de amor e superação.

    O protagonista é um escritor que não consegue emplacar um romance, só escreve histórias curtas (contos), e que vai conversar com um editor sobre um dos seus trabalhos. No metrô a caminho da entrevista, ele encontra Rasheen, que se perde de sua família adotiva, e com o desenrolar do enredo, o menino vai morar com Sam. A relação dos dois poderia ser algo bonito e sensível, mas soa muito forçada, Rasheen “ajuda” o sujeito a se aproximar de uma garota e imediatamente depois eles ficam amigos – a transição entre completos desconhecidos que só tem a solidão como algo comum em grandes “amigos de fé” é muito rápida. Se Josh Radnor fosse um ator com uma capacidade dramática um pouco maior, talvez isso passaria despercebido.

    Há outros núcleos protagonizados por amigos de Sam, mas estes não são muito bem explorados, essas histórias paralelas deveriam ser melhores pensadas, como com a personagem de Zoe Kazan (Mary Catherine), que é prima de Sam e está numa encruzilhada com o namorado. Poderia ser legal, mas a história e a atmosfera em volta dela são tão descartáveis que se retirassem seu personagem e o de seu namorado do filme, quase não se notaria diferença, parece que eles estão lá apenas para preencher espaço no roteiro.

    Já com Malin Akerman – que interpreta a melhor amiga de Sam Annie – é diferente, apesar de seu drama ser ligado a um clichê (ela sofre um tipo raro de câncer, e não tem cabelos graças ao tratamento) e do romance do seu personagem ser meio piegas, sua atuação empresta muita veracidade a história, e o ponto alto do filme, méritos para a atriz, mais reconhecida pela beleza do que pelo talento.

    Tudo Acontece em Nova York é passável. Parece uma história pessimista e conformista mas sua máscara cai rapidamente, a mensagem final é extremamente otimista e sugere que o certo é esperar o melhor da vida, mesmo que a realidade momentânea aponte o contrário.

  • Crítica | Inatividade Paranormal

    Crítica | Inatividade Paranormal

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    Populares na década de oitenta, principalmente por causa de David Zucker com Apertem Os Cintos… O Piloto Sumiu e Corra Que a Polícia Vem Aí, a comédia pastelão sempre foi um subgênero do humor que baseava-se em histórias anteriores para produzir o riso.

    A grande demanda de Terror na década de noventa gerou Todo Mundo em Pânico, uma comédia dos irmãos Wayans que satirizava uma quantidade vasta de filmes de assassinos e, até hoje, se mantém com suas continuações (a quinta delas, com Charlie Sheen no elenco, tem sido apontada como uma das piores produções deste ano).

    Retomando as sátiras de terror, Marlon Wayans roteirizou, ao lado de Rick Alvarez (produtor de outros filmes do Wayans como As Branquelas e O Pequenino), Inatividade Paranormal. Uma sátira dos filmes mais recentes do gênero, hoje calcados em espíritos, exorcismos e no baixo orçamento de  filmes produzidos com a câmera na mão.

    Se o primeiro Todo Mundo em Pânico fazia rir por certo ineditismo, pelo retorno de um tipo de humor escrachado que não se via na época, o mesmo não pode se dizer desta produção. Na trama, filmada em estilo documental com câmera na mão, Malcolm anuncia ao público que dividirá a casa com a namorada, Keisha, sem saber que, além dela, um espírito será também um novo morador.

    É o cenário ideal para que surjam diferentes tipos rasteiros de piadas como repetição de escatologias, diversas insinuações sexuais e uma ou outra piada que, pela entonação dos atores, pode gerar certo riso. Afinal, é quase impossível que em uma hora e meia de piadas não haja uma que produza ao menos um risinho frouxo.

    Como elemento comum nos filmes de sátira, o roteiro se desdobra pela paródia, enumerando cenas que representam filmes diversos. De Atividade Paranormal a trama se transforma na possessão de A Filha do Mal, outra produção em estilo documental. E prossegue pulando de referência em referência, exagerando em piadas sobre cheiros e fluidos corporais, estimulos sexuais e outras piadas que devem ter um público, já que há uma continuação anunciada.

    Pode-se considerar a tentativa de Marlon Wayans em tentar produzir um filme tão significativo quanto foi Todo Mundo Em Pânico. Mas, justamente pela popularização desta obra, tantas outras paródias pastelões surgiram – como Espartalhões, Saga Molusco: Anoitecer, que não há mais espaço nem criatividade para se produzir um filme no estilo sem soar mal feito, caindo no pior defeito que uma comédia pode ter: não fazer rir.

  • Crítica | Sem Proteção

    Crítica | Sem Proteção

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    O estopim da trama é nebuloso. Não fica muito claro qual a motivação de Sharon (Susan Sarandon) para escolher se entregar naquele momento, depois de tantos anos. Além de não ficar claro como o FBI chegou até Sharon exatamente no dia em que ela resolve se entregar. Sua conversa com o repórter, na prisão, dá algumas razões, mas nenhuma delas convence, nem é forte o suficiente para justificar o abandono de sua família – seu marido e seus filhos. Apesar de carregada de um idealismo meio caduco, a visão de Mimi Lurie (Julie Christie) – de continuar levando sua própria vida – é mais convincente e bem mais realista.

    Não bastasse isso, alguns esclarecimentos sobre o passado dos personagens não chegam a causar suspresa. O espectador atento consegue, sem muito esforço, entender o que houve antes mesmo que Ben Shepard, o repórter vivido por Shia LaBeouf, explique suas conclusões ao editor do jornal em que trabalha. Aliás, no que diz respeito às pesquisas conduzidas por Shepard, há outro problema no roteiro. As respostas surgem tão facilmente, que fica pairando a dúvida: “Como o FBI não tinha conseguido qualquer pista sobre o paradeiro de Grant antes?”.

    Apesar da estória interessante, que lembra um pouco O Fugitivo (com Harrison Ford), o filme perde intensidade na segunda metade, que basicamente se resume à fuga de Grant (Robert Redford), seu encontro com antigos companheiros de grupo e sua perseguição pelo FBI. Além da estrutura encontra parceiro/obtém informação/foge antes do FBI chegar se tornar repetitiva, os eventos se sucedem muito lentamente. Em vários momentos, o espectador tem a impressão de que Grant não tem urgência alguma em chegar seja-lá-onde-for. E isso enfraquece bastante o envolvimento com a trama e o interesse pelo destino do protagonista.

    E o sucesso do filme acaba se calcando quase exclusivamente na qualidade do elenco peso-pesado, repleto de figuras tarimbadas, além de Redford e os já citados, temos ainda Nick Nolte, Chris Cooper, Stanley Tucci. Até LaBeouf está bem como o repórter que corre atrás da notícia seguindo seus palpites e pesquisando no Google. Conseguindo aos poucos se livrar da figura de Transformer Boy, desempenha com competência a função de ser o olhar do espectador dentro da trama.

    É uma pena que uma boa premissa tenha se perdido assim. E o que poderia ser um excelente thriller acaba sendo apenas um filme morno e um pouco cansativo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

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    As Vantagens de Ser Invisível é baseado no livro homônimo de Stephen Chbosky – que também assume a direção. É um drama leve, pelo menos à primeira vista, e conta a história de um adolescente que se vê sozinho em meio a todos os conflitos que esta fase proporciona. Essa é a sinopse básica, mas falar isso seria arranhar muito na superfície, a película é bem mais do que parece.

    A película toca em temas espinhosos, e de uma forma única, foge de clichês e em momento nenhum é piegas ou panfletário. As Vantagens de ser Invisível é basicamente sobre pessoas traumatizadas. Charlie tem um bloqueio devido a um trauma, e essa questão só é “solucionada” no final do filme. Sam, personagem de Emma Watson (deliciosa como nunca e sexual ao extremo) tem vergonha do seu passado, Patrick, seu meio irmão, tem um relacionamento amoroso escondido, e eles formam um grupo de desajustados, auto-nomeados como Invisíveis, por não se encaixarem no padrão de colegiais normativos americanos. Charlie se vê como parte de algo quando está com este grupo de amigos, e isso o ajuda a superar seus demônios e a se livrar de sua incômoda solidão. Na prática, os Invisíveis são como um grupo de apoio mútuo, onde todos sofrem, se descobrem e são felizes juntos.

    O filme é entrecortado pela narração do protagonista, mas ao contrário da praxe geral, as falas acrescentam muito a história e preenchem o que as imagens não “poderiam mostrar”, principalmente por causa do tom de confessionário, isso é um dos enormes acertos de Chbosky. A edição também é algo primoroso, a montagem no final do filme faz com que o espectador sinta-se tão angustiado quanto o personagem.

    Quantos as atuações, pelo menos nos papéis centrais não há do que se reclamar. Pequeno destaque para Tom Savini e Paul Rudd, que fazem dois professores com funções completamente diversas. Savini faz um mestre corretivo, um pouco fascista (pelo menos para um dos personagens) e que grifa as exclusões, enquanto Rudd faz um mentor na mais pura essência da palavra, incentivando Charlie e fazendo-o descobrir sua vocação, mas tudo isso é só pincelado. O destaque mesmo vai para Ezra Miller, já visto (muito bem por sinal) em Precisamos falar sobre Kevin, que faz aqui um papel completamente diferente do anterior citado, é um garoto irônico, ácido, que odeia obviedades e com uma personalidade forte, seu Patrick é um personagem riquíssimo, e só é crível graças à ótima atuação de seu intérprete.

    O tema central da história e as razões que levam o protagonista a ser o que ele é só são revelados com o decorrer da história, e a maneira como é mostrada é adulta, séria e sem rodeios – nesta parte parece até que ele muda de gênero, o que é ótimo. Quando Charlie se sente inseguro, ele sempre se vê como um garotinho, de volta a sua infância e de volta a relação conturbada que teve com a sua tia que faleceu – sua pessoa preferida no mundo. O molestado sente-se culpado pelo destino do molestador, e essa questão é uma analogia para muitas coisas, inclusive para questões do cotidiano.

    Outro ótimo ponto positivo é a exploração do relacionamento homoafetivo retratado como algo real e não caricato, mais uma vez toca no assunto rejeição/aceitação, ainda que o tom seja leve. As Vantagens de ser Invisível é um filme adolescente, mas que não subestima seu espectador. Quem dera que todos os filmes juvenis fossem assim.

  • Crítica | Chumbo Grosso

    Crítica | Chumbo Grosso

    hotfuzz

    Quem é familiarizado com o cinema “nerd” britânico deve conhecer bem o trio Edgar Wright, Simon Pegg e Nick Frost, pois ao contrário das produções homogeneizadas dos EUA que vão de Kevin Smith a Big Bang Theory, na Inglaterra o humor de referência atinge níveis mais maduros e com resultados bem mais inteligentes.

    Chumbo Grosso está nesse patamar. Depois do já excelente Shaun of the Dead (Todo Mundo Quase Morto), que faz uma sátira dos filmes de zumbi, agora o trio vem com um filme satirizando de forma inteligente os gêneros de ação/policial e investigação-de-um-homem-só-que-decide-fazer-justiça-com-as-próprias-mãos.

    Nicholas Angel (Pegg) é um dos melhores policiais de Londres, sendo bom ao ponto de causar inveja nos demais homens da lei. Por causa disso, é transferido por seus superiores para a pequena cidade de Sandford, que possui o menor índice de criminalidade de toda Inglaterra. Chegando lá, forma parceria com o curioso Danny Butterman (Frost) e começa a achar estranho o fato de acontecerem muitos acidentes na cidade, além de ninguém ficar preso e muitas pessoas simplesmente desaparecerem. Como bom policial que é, resolve ir a fundo na investigação desses eventos.

    Os dois primeiros atos são relativamente monótonos e se preocupam mais em nos situar geograficamente em uma vila no interior da Inglaterra, quando um policial exemplar de Londres é transferido pra lá. Depois, são somente descobertas em cima de uma possível grande conspiração na cidade.

    Porém, toda essa discrição só serve para o clímax final, que ao mesmo tempo subverte e se condiciona aos clichês do gênero, pois se em um filme tradicional o policial ao menos pediria ajuda, aqui ele encarna o “policial oitentista” (referenciado em filmes como Caçadores de Emoção) e parte para a guerra armado até os dentes, aproveitando cada momento para fazer uma piada em cima de uma piada (quando por exemplo, ao derrotar um dos vilões em uma briga, Frost pergunta a Pegg se após deixa-lo no freezer desacordado, falou a frase “fica frio”, típico fim de cena de luta no cinema de ação americano). Basicamente é um cinema de fãs para fãs, respeitando a originalidade de se contar uma história clichê, mas divertida e não ofensiva. Destaque também para as várias participações especiais, como por exemplo, Timothy Dalton, Martin Freeman, Bill Nighy, entre outros.

    O único aspecto negativo que percebi foi a forma que algumas cenas de ação foram filmadas. Com muitos cortes, sempre rápidos, e focados de forma a nos desviar de perceber algum erro de coreografia na luta, às vezes fiquei confuso tentando entender quem estava batendo em quem e com o que. Porém, nada que tenha estragado a experiência final do filme, pois cenas assim se repetiram em torno de duas vezes durante todo o longa. No modo geral, é um bom filme para quem gosta de uma boa comédia policial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Pietá

    Crítica | Pietá

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    Embora o cinema coreano seja conhecido por filmes de terror e uma violência bastante gráfica, Kim Ki-Duk tornou-se um de seus nomes mais conhecidos fazendo o que parecia o oposto. Filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera e Casa Vazia são extremamente líricos e habitados por uma violência que é mais psicológica e subjetiva. No entanto, em seu mais novo filme, Kim Ki-Duk abandona a delicadeza e se aproxima do conterrâneo Park Chan-Wook.

    O filme, ganhador do Leão de Ouro em Veneza, se centra em Gang-Do, um cobrador de dívidas extremamente violento e na mulher que aparece de repente afirmando ser a mãe que o abandonou.

    No início, Gang-Do é quase um animal: ele come, dorme, se masturba e cumpre seu trabalho com uma crueldade que, descobriremos mais tarde, é desnecessária. Quando um dia, uma mulher afirma ser sua mãe, ele reage com violência e rancor, mas aos poucos percebemos que sua dor e raiva são imensos e esses sentimentos serão o motor do filme.

    Dor, raiva e vingança são o que movem o filme de Kim Ki-Duk, mas tudo acontece em um nível visceral, quase primitivo. Há poucos diálogos, mas muito sangue e gritos de dor e o diretor nunca enquadra seus personagens por inteiro, reforçando a incomunicabilidade e desumanização das pessoas retratadas ali. A direção de arte coloca tudo em tons de cinza, exceto por Mi-Son, a mulher misteriosa.

    Mi-Son aparece para Gang-Do com uma echarpe verde viva e batom vermelho e todos os seus objetos possuem cores gritantes, se opondo à frieza cinza do resto do filme. A princípio, Mi-Son parece a única possibilidade de humanidade, afeto, piedade que o filme apresenta. Sua permanência ao lado do filho perturbado nos faz acreditar em um amor incondicional e um arrependimento genuíno. Contudo, para Kim Ki-Duk, não há escape, ou piedade.

    Mi-Son é realmente um símbolo do amor maternal e abnegado, profundo ao ponto da insanidade, ela é a única personagem verdadeiramente humana do filme, mas sua humanidade é, como se espera, falha, enviesada e cruel. Ainda assim, sua presença humaniza Gang-Do, seu amor torna-o finalmente um ser humano (ainda que perturbado) e coloca o dilema moral que, no final do filme, o espectador não é capaz de resolver.

    Pietá é um filme extremamente incômodo e, por mais gráfica que seja sua violência, é a força dos sentimentos demonstrados que fere quem assiste. Kim Ki-Duk foi estudante de artes plásticas e cada plano seu é de uma beleza incrível, que, quando a serviço de tal roteiro, aumenta o desconforto e o choque. No entanto, apesar de toda excelência plástica do filme, o roteiro de Pietá parece pálido perto de Oldboy, filme do mesmo país e que trata dos mesmos temas, mas de um diretor que parece mais disposto a colocar as mãos na lama.

    Kim Ki-Duk faz um filme limpo demais para seu tema, ascético quando quer falar de descontrole. É um bom filme, mas quando o diretor soube casar sua forma e seu roteiro (por exemplo em Casa Vazia) ele foi extraordinário.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Terapia de Risco

    Crítica | Terapia de Risco

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    Steven Soderbergh é diretor que trabalha com diferentes facetas em sua carreira. Há o diretor alternativo, que realiza produções de baixo orçamento como aquelas feitas em seus primórdios. Há o lado comercial e divertido que, ao lado do amigo George Clooney, produz histórias divertidas. E há uma terceira, que vem realizando panoramas temáticos em bons filmes como Traffic (sobre o tráfico de drogas) e Contágio (uma epidemia dissecada).

    Terapia de Risco parecia ser mais uma dessas produções que exploram um tema específico transformando-o em história, normalmente dividida em diversas frentes para produzir um panorama crítico. Dessa vez, porém, o diretor optou por concentrar-se em uma única história sobre a relação entre médico e paciente e o uso de remédios controlados.

    Na trama, devido a uma críse de ansiedade, Emily arremete o carro contra uma parede e é tratada pelo psiquiatra Jonanthan Banks, que, à procura de melhorar a condição da paciente, lhe receita um novo medicamento ainda em fase de testes.

    Tem-se a impressão de que vamos assistir a uma crítica pontual a respeito da relação entre a psiquiatria e o uso excessivo de remédios controlados. Há estatísticas que apontam que o número de usuários destes medicamentos aumentam a cada ano, nos fazendo refletir que ou a população está se tornando mais infeliz ou médicos têm receitado tratamentos em excesso, mesmo quando outros processos mais amenos, como uma terapia tradicional, fossem suficientes para resolvê-los.

    Médico e paciente estão em cena sem escolhermos um lado propriamente, até um grave acidente envolvendo a paciente que muda também a narrativa apresentada até aqui. O que poderia ser uma excelente trama sobre a potência industrial e comercial dos remédios controlados se torna uma trama de suspense em que médico tenta investigar o que de fato levou a paciente a provocar o acidente. Não bastando a mudança brusca, há uma reviravolta incômoda que parece improvisada.

    Até um momento inicial a narrativa permanece neutra, apontando fatos e deixando o julgamento para o público. Mas a imparcialidade muda, dando espaço para o tom policialesco e conspiracional que eclode em uma boba cena de revelação, com elementos tão melodramáticos que não possuem verossimilhança nenhuma.

    É como se o roteiro tivesse unido duas tramas distintas ou feitas por um roteirista que muda de personalidade no meio da escritura. Será essa a intenção de Soderbergh? Produzir um meta roteiro com um escritor bipolar para apontar como as doenças mentais estão presentes no mundo e que remédios podem ou não ajudar? Provavelmente não.

    Mas, compostas de uma maneira a causar um impacto ativo no público, a trama perdeu a potência de produzir mais um panorama crítico como aconteceu nos dois citados filmes anteriores, resultando em uma história de final tão rasteiro que a qualidade da direção de Soderbergh pode passar desapercebida por alguns.