Categoria: Cinema

  • Crítica | Os Mercenários

    Crítica | Os Mercenários

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    Stallone está de volta e, com ele, toda a truculência dos brucutus dos anos 80, que tanto nos proporcionaram entretenimento. Após alguns anos de ostracismo, Sylvester Stallone conseguiu se renovar ao retornar às telas dos cinemas com Rocky Balboa, reinventando não apenas seu personagem mais conhecido – tachado por muitos como ultrapassado e parte de uma lembrança já esquecida -, como também ele próprio.

    Em 2010, Sly abandonou completamente o aspecto intimista contido em Rocky Balboa ou até mesmo Rambo IV, que mesmo com seu roteiro raso ainda proporcionava reflexões acerca da temática política abordada e uma interessante conclusão na construção de um personagem criado ao longo do tempo. Em Os Mercenários temos um retorno aos filmes de ação que o consolidaram como um ícone anos atrás e, acima de tudo, uma grande homenagem ao gênero que o consagrou.

    E para esse retorno aos “velhos tempos”, Stallone convidou um time de peso para participar do elenco. Entre eles temos Dolph Lundgren (o eterno Ivan Drago), Mickey Rourke, Jason Statham, Jet Li, Terry Crews, os lutadores Steve Austin e Randy Couture, Eric Roberts e a brasileira Gisele Itié. Além dos já citados, muitos outros nomes foram cogitados, mas sem dúvida o ponto alto do longa são as aparições de Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis em uma reunião com Stallone, em que todos eles se auto-satirizam em um diálogo cheio de tiradas sarcásticas.

    É bom deixar claro que o roteiro de Os Mercenários está repleto de clichês dos filmes do gênero, mas a proposta é justamente essa: ser um bom filme de ação e, acima de tudo, não se levar a sério; afinal, o próprio título original já deixa isso claro (The Expendables = Os Descartáveis). Os Mercenários nada mais são do que um grupo de especialistas contratados pelo governo, ou quem quer que pague, para realizar trabalhos que ninguém mais quer fazer.

    O grupo é liderado por Barney (Stallone), que é contratado para derrubar um governo ditatorial na América do Sul. Ao chegar no país, o grupo percebe que a missão não seria tão fácil quanto o esperado e decidem não aceitá-la, mas o personagem de Barney se apaixona pelo seu contato no país, Sandra, personagem vivida pela Gisele Itié, e decide levar a missão até as últimas consequências.

    Como já falado, a trama é simples, girando em torno da remoção do Ditador Garza (David Zayas), da lealdade dos companheiros de Barney e de seu amor por Sandra. Apesar de uma motivação um tanto medíocre, Stallone traça uma linha entre os filmes de ação dos anos 80 e seu novo longa: se antes a motivação desses personagens estava apenas em suas convicções políticas, aqui temos o amor repentino e o companheirismo de seus parceiros, deixando de lado o discurso panfletário para ser apenas um grande blockbuster.

    O ponto forte do elenco fica por conta de Statham, Rourke e Jet Li, que se mostram carismáticos, além do próprio Stallone, que, apesar de toda sua deficiência, convence com toda sua canastrice. Os demais personagens são bastante inexpressivos, inclusive Gisele, que tem função única de servir como exaltação à beleza feminina e nada mais.

    A direção tem algumas tomadas aéreas e de explosões muito competentes, além de um um close-up durante um momento bastante interessante do personagem do Mickey Rourke, mas para por aí. No geral, ela peca pelo excesso ao tentar filmar cenas de ação desenfreada. Convenhamos, Stallone não é um Paul Greengrass, e as tomadas soam confusas, dificultando o acompanhamento dos movimentos em certos momentos.

    Os Mercenários não veio para reinventar a roda do cinema de ação, mas é ótimo rever um time desse calibre não se levando a sério, rindo deles próprios e, diferente do seu título original, ele não é descartável.

  • Crítica | 360

    Crítica | 360

    360

    Fernando Meirelles ganhou projeção mundial em 2002, quando Cidade de Deus tornou-se um relativo sucesso de bilheteria na França e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Depois disso, o diretor se focou em co-produções entre sua produtora brasileira e estúdios de Hollywood; 360 é resultado de um desses esforços conjuntos.

    O filme apresenta vários núcleos localizados em diferentes partes do mundo, que se entrelaçam formando uma espécie de ciclo de relações humanas. Há a moça eslovaca que se prostitui, o casal inglês em que a mulher tem um caso com um fotógrafo brasileiro, a namorada do fotógrafo que o abandona e volta para o Brasil e o senhor em busca da filha desaparecida.

    À primeira vista o filme se parece incomodamente com Babel, mas Meirelles, ao ser menos pretensioso, acerta mais do que Iñárritu. As histórias contadas aqui não falam de grandes eventos ou questões mundiais, mas são o retrato de pessoas comuns, narrativas íntimas e delicadas que se entrelaçam de forma natural. A estrutura do filme, que apresenta cada núcleo como um episódio ao invés de ir e voltar várias vezes entre eles, também funciona melhor.

    O cinema de Meirelles sempre olhou para o cinema marginal brasileiro e a nouvelle vague francesa, e essas referências se manifestam aqui na simpatia por alguns personagens do “submundo”, na fotografia granulada e no ambiente cru que abrem o filme e, principalmente, em alguns recursos de câmera e montagem. Mas, para um diretor que vem de movimentos que romperam de forma tão forte com o cinema clássico, falta ousadia em 360. Desde a beleza da fotografia até a resolução das histórias, tudo parece correto demais, higiênico e bem resolvido demais; falta no próprio filme o caos que ele busca retratar.

    360 fala de pessoas quebradas, angustiadas, de partes que faltam, e de busca. Cada um dos personagens tem o sentimento de algo perdido e os encontros raramente acontecem como esperado. No entanto, essa sensação de um mundo desencontrado e um pouco fora do eixo não se traduz no filme – nem esteticamente, nem no tratamento da narrativa. Falta o encontro entre tema e forma que Meirelles alcançou em Cidade de Deus e mesmo em O Jardineiro Fiel.

    Além disso, as histórias são irregulares: a das moças eslovacas é consideravelmente melhor explorada e desenvolvida que as outras. Algumas ficam soltas, outras um pouco sem sentido porque falta profundidade e sutileza. No caso do núcleo protagonizado por Anthony Hopkins e Maria Flor, a atuação fraca dela prejudica o que poderia ser o melhor momento do filme.

    360 não é um filme ruim: é um filme bom nos seus melhores momentos e regular quando erra, mas é um filme esquecível. O conceito é interessante e funciona, a fotografia é excelente e a direção de Meirelles é eficiente, mas falta algo que impressione e marque o espectador.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Os Mercenários 2

    Crítica | Os Mercenários 2

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    Quando Sylvester Stallone decidiu não dirigir a sequência de seu sucesso de 2010 (ele passou o cargo para Simon West e apenas co-assina o roteiro), deve ter pensado em ter menos trabalho e mais diversão. Isso já entrega o tom de Os Mercenários 2: muito mais do que o primeiro filme, esse mergulha com gosto na auto-ironia e se assume de vez uma comédia, na qual a ação é apenas uma desculpa pra toda a galera se divertir fazendo o que mais gosta.

    A história é o mais simples e clichê possível. Após uma missão aparentemente fácil acabar muito mal, o bando de Barney Ross sai em busca de vingança, aproveitando o embalo pra salvar um inocente vilarejo do Leste Europeu – afinal, eles são os mocinhos: matam geral, mas só quem merece. O plot envolve qualquer coisa relacionada a armas nucleares soviéticas, só pra ajudar na cara de anos 80 do filme, mas a verdade é que o roteiro parece algo escrito às pressas durante as filmagens das cenas de ação, só porque alguém ali lembrou que precisavam de uma “liga” entre elas.

    E, para desespero da ala hipster, isso não tem importância diante do que o filme se propõe a fazer, não se levando a sério em (quase) nenhum momento. Diversão honesta, regada a tiroteios nos quais a contagem de corpos chega a níveis astronômicos e piadinhas e mais piadinhas sobre as carreiras e as idades dos envolvidos. Ainda que visualmente este fique aquém do antecessor, em termos de impacto massa véio, a pegada humorística e as participações mais especiais acabam compensando.

    Falando sobre o elenco (até porque não há muito mais o que dizer sobre o filme), nosso herói Sly não seria ele se não jogasse uma carga dramática em seu personagem, basicamente por conta do novato sniper vivido pelo irmão do Thor (que não é o Loki), o que resulta num problema, nem tanto pela execução mas pelo fato de isso destoar de todo o resto no filme.

    Jason Statham mais uma vez co-protagoniza e garante os bons momentos de porradaria ninja, já que os outros se dedicam mais a atirar. E também porque Jet Li apareceu só pra constar, imagino que estava obrigado por contrato. Dolph Lundgren é o símbolo maior do novo direcionamento, pois deixa completamente de lado o tom sombrio do filme anterior e se torna o alívio cômico dentro da comédia. Randy Couture (quem?) e Terry Crews já tinham pouco espaço e agora têm menos ainda – no caso do segundo, uma pena. Fechando o time, uma mercenária, a chinesa feiosa que teve até mais destaque do que merecia.

    Em relação aos astros convidados, Schwarzenegger tem um papel maior (surgindo de qualquer jeito na trama, mas enfim) e cumpre o que se esperava dele: metralha igualmente inimigos e piadas com “exterminar” e “eu voltarei”. Bruce Willis é intimado pelo Sly e também vai pra linha de frente, porém tudo meio burocrático. Faltou alguém falar que ele é “duro de matar”.

    Van Damme faz o vilão (chamado Vilain, é sério) e, apesar da cara derretida e dos braços de Popeye, parece à vontade, convence como um cara mauzão. E finalizando com o melhor, a lenda, o mito, o… eu ia dizer Deus, mas isso seria rebaixá-lo: Chuck Norris. Vale o ingresso, só isso. E daí que sua aparição não tem a menor lógica na história? Se sua entrada em cena com trilha sonora de western já não fosse digna de aplausos, o filme ainda brinca da forma mais gratuita possível com os Chuck Norris Facts!

    Depois dessa, pode-se dizer que um terceiro Os Mercenários seria desnecessário. Mas, enquanto houverem medalhões a serem chamados para brincar com si mesmos, há “conteúdo” a se explorar. Sly pode continuar reunindo a turma pra se divertir, e nós pegamos carona com eles.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | O Dia em que Eu não nasci

    Crítica | O Dia em que Eu não nasci

    O Dia em que Eu não nasci

    Logo no início do filme somos apresentados a Maria Falkenmayer (Jessica Schwarz), uma garota alemã que, em escala no aeroporto de Buenos Aires em sua viagem pela América do Sul, ao ouvir uma canção de ninar desaba em lágrimas sem sequer saber o motivo. Compelida a descobrir o que significava aquele sentimento misterioso que havia surgido dentro de si, Maria resolve se aventurar na capital argentina sem nem ao menos perceber que está entrando em uma jornada perturbadora de autoconhecimento.

    O inexplicável leva a protagonista a descobrir que seus pais biológicos na realidade são argentinos e que eles foram vítimas da ditadura no país, ocorrida em meados dos anos 80. Anton Falkenmayer (Michael Gwisdek) tenta convencê-la a aceitar a realidade e desistir de sua busca pelo seu passado, mas não encontra êxito, pois Maria está obstinada em saber a verdade.

    Um filme que explora a obscuridade da verdade do começo ao fim. O espectador está tão perdido quanto a protagonista do filme, que também se atrai em querer saber a verdade. Jessica Schwarz ganha destaque em sua atuação, cujo expressivo semblante consegue carregar as emoções que estão contidas por toda a extensão da projeção. As filmagens sempre feitas próximas ao corpo da atriz ajudam a fazer com que o espectador se apegue cada vez mais aos sentimentos e à forma que Maria age.

    Não é possível falar de O dia em que eu não nasci sem dar grandioso destaque para a ambientação de suas filmagens, mescladas com uma trilha sonora melancólica que ,por mais clichê que seja em filmes do gênero, se encaixa perfeitamente na atmosfera do filme dirigido por Florian Micoud Cossen.

    É perceptível uma certa crítica à falta de informações que muitos países possuem (inclusive o próprio Brasil) em períodos de autoritarismo por que passam. Fantasmas desses tempos obscuros que são carregados por várias pessoas no mundo todo, incluindo Maria.

    O dia em que eu não nasci é um filme encantador que faz com que nos percamos nas ruas da Argentina junto com a protagonista do filme. Uma verdadeira imersão ao desconhecido.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Os Imperdoáveis

    Crítica | Os Imperdoáveis

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    Clint Eastwood é, por si só, uma instituição do cinema americano: seus personagens e sua pessoa se misturam e como diretor ele é responsável por grandes clássicos. Em 1992, Eastwood retorna ao Western, gênero que o deixou famoso, mas que vinha esquecido há um tempo considerável.

    Os Imperdoáveis gira em torno de William Munny, um antigo assassino que adota uma vida reclusa com seus filhos e vive assombrado por seu passado violento e pela morte da mulher. Munny é encontrado por Kid, um jovem interessado em ganhar uma recompensa de 1000 dólares oferecida por um grupo de prostitutas que buscam vingança. Interessado no dinheiro para os filhos, Munny encontra seu antigo parceiro Ned Logan e segue para a missão.

    O oeste, nos filmes clássicos do gênero, sempre representou a ameaça da natureza sobre o homem e o herói é aquele capaz de colocá-la sob controle. O cowboy americano é o homem capaz de, por sua própria força (física e mental), civilizar forças perigosas e desconhecidas. Munny não é esse homem.

    O personagem é apresentado pela primeira vez já com algum tempo de filme. Vemos então um Clint Eastwood de cabelos brancos, enrugado, e é impossível não contrastar essa imagem com sua imponência nos filmes de Sergio Leone. O envelhecimento e a passagem do tempo rondam os personagens principais: eles já não atiram ou montam da mesma forma, dormir ao relento os deixa doentes. No final a passagem do tempo, o envelhecimento, a natureza enfim, parece estar ganhando deles.

    Em diversos momentos, Munny é jogado no chão por animais: ele não consegue controlar seus porcos ou seu cavalo. O personagem também não pode controlar a si mesmo. A vida regrada, o afastamento das mulheres e do álcool são a tentativa desesperada de encontrar do lado de fora aquilo que ele parece saber que está dentro. Munny teme que a crueldade esteja em sua própria natureza, teme que a crueldade anterior não seja mais do que parte dele mesmo.

    O código moral em uma terra sem lei é mais um elemento onipresente nos Westerns e é outro ponto que Eastwood coloca em discussão nesse filme. Em um dos diálogos finais, Beauchamp afirma que não merece morrer daquela forma; Munny lhe responde que merecer tem pouco a ver com aquilo. O personagem de Eastwood, ainda que atormentado, sai ileso enquanto Ned, o “melhor” dos dois, incapaz de matar a sangue frio, morre espancado. A moral e a virtude de um atirador são objeto da longa sequência em que Little Bill e Beauchamp conversam na prisão e o motivo pelo qual o biógrafo se desencanta com English Bob.

    Ao contrário de um faroeste clássico, aqui o destino dos personagens tem pouco a ver com seu comprometimento moral e a morte raramente vem acompanhada de nobreza. O universo de Os Imperdoáveis não tem lei, nem aquela certeza de sentido que acompanha boa parte do cinema americano.

    O filme é construído em grandes planos abertos, como esperado do gênero, mas aqui eles não servem para mostrar a terra a ser conquistada, e sim aquela que destrói e endurece os personagens. As cenas internas são sempre escuras, os planos fechados, cada personagem limitado por si mesmo e a moça mais bonita do filme tem seu rosto marcado por cicatrizes.

    Eastwood não chega exatamente a desconstruir o gênero, mas o elemento de tragédia e o pessimismo que insere em seus filmes subvertem os clichês. É um esforço notável e prova de sua excelência como diretor que os elementos mais fortes em Os Imperdoáveis não sejam os pertencentes ao faroeste, mas as características marcantes do cinema de Eastwood.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Movimento Browniano

    Crítica | Movimento Browniano

    Movimento Browniano

    Um quarto vazio, ordenado e silencioso. Os primeiros minutos de filme já indicam perfeitamente o ritmo da narrativa que vai se suceder a partir de então em Movimento Browniano, da diretora holandesa Nanouk Leopold: lento e inexpressivo.

    Charlotte (Sandra Hüller) é uma médica que vive em Bruxelas com seu marido Max (Dragan Bakema) e seu filho pequeno. Divide sua vida familiar e de trabalho com os encontros íntimos que tem com os pacientes que atende no hospital. Quando Max descobre as traições de sua esposa, passa a levá-la a consultas psiquiátricas, além de ter que lidar com a perda da confiança de sua mulher.

    Ausência de expressão, frieza e distanciamento são palavras que ilustram bem a atmosfera do filme. Os poucos diálogos da obra dão lugar à escolha estética narrativa de suspensão de informação. Não há trilha sonora alguma no filme, apenas sons ambientes. Olhares, sorrisos e respirações. Os sons dão lugar às sensações na maior parte do tempo. Assim como Max, somos levados a tentar entender as motivações misteriosas de Charlotte, porém o filme nos faz acreditar que tudo aquilo é mais profundo do que podemos imaginar. Não há nada certo. Tudo permanece em suspeição.

    Os planos abertos, de longa duração, a direção distante e a utilização da câmera de maneira imparcial são todos usados com o intuito de dar uma entonação reflexiva ao filme. Movimento Browniano arrisca em escolhas que poucos filmes possuem coragem de fazer. Leopold é corajosa e abstrai as aparências externas para causar reflexão nos espectadores, quase como se estivesse invadindo a mente destes mesmo sem perceberem.

    Existe muito mais no vazio do que aparentemente acreditamos. No vazio existem pensamentos e estes são tão grandiosos quanto qualquer outra forma de expressão do ser.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Vingador Do Futuro

    Crítica | O Vingador Do Futuro

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    Na onda interminável dos remakes hollywoodianos, chegou a vez de uma das maiores pérolas das traduções brasileiras, O Vingador do Futuro (tudo a ver com o nome original, Total Recall). Não vou entrar em comparações com o clássico de 1990 dirigido por Paul Verhoeven, pelo simples motivo de que não o vi, shame on me. Mas não precisa ser nenhum gênio pra deduzir que a nova versão já sai perdendo ao colocar Colin Farrell no papel que foi de Arnold Schwarzenegger.

    Num futuro não tão distante, uma guerra química tornou inabitável a maior parte do planeta. Os dois únicos locais povoados são a Federação Unida da Bretanha e a Colônia (Oceania). Superpopulação é apelido, e na segunda área há um movimento de resistência contra o Estado opressor da primeira, exigindo direitos iguais para os explorados trabalhadores. Nesse cenário, Quaid é um operário atormentado por uma rotina maçante e sonhos recorrentes nos quais é alguém importante. Buscando um escape, ele vai até um local chamado Total Recall, que implantará em sua mente memórias falsas a título de “férias”. Porém, antes que o procedimento comece, ele é atacado por agentes do governo e a correria começa.

    Correria, aliás, é a definição do filme. Apesar de bem executadas, as cenas de ação são inúmeras, permeadas por breves momentos de respiro. Meio na linha Michael Bay de ser, o que inevitavelmente acaba cansando lá pelo meio da história. O diretor aqui é Len Wiseman (da franquia Anjos da Noite e Duro de Matar 4.0), na melhor das hipóteses apenas competente na parte visual, mas sem qualquer brilho. E isso se reflete nesse novo O Vingador do Futuro, que sugere potencial para ter um algo a mais, algum conteúdo, mas de cara já opta por se dedicar inteiramente à ação desenfreada.

    A crítica social é de um capitalismo tão agressivo que evolui pra um novo imperialismo, mas isso fica apenas como um raso pano de fundo. Os aspectos de sci fi são mais dignos de nota, apesar de estarem presentes somente na ambientação. Os cenários urbanos são muito interessantes, uma extrapolação da nossa própria realidade em termos de moradia, trânsito e cidades cosmopolitas. Nada original, porém: é fácil encontrar elementos de Blade Runner Minority Report. Não por acaso, todos inspirados em contos de Philip K. Dick. Outra possibilidade do filme seria uma discussão sobre identidade, realidade e ilusão, subconsciente e o diabo a quatro nesse viés psicológico. Os próprios trailers e pôsteres sugerem isso – que é incrivelmente mal trabalhado! Em momento algum surgem dúvidas sobre a veracidade da situação do protagonista, e tudo se resume a algumas frases soltas dignas de filosofia de biscoitos da sorte.

    Dentre os atores, Farrell se esforça, mas a seriedade do papel o impediu de usar sua melhor faceta, a de canalha irônico canastrão. Jessica Biel está apagadíssima, Bill Nighy faz pouco mais que figuração, e o vilão vivido por Bryan Cranston ficou muito abaixo do potencial do ator. O destaque vai mesmo para a esposa do diretor, a linda e maravilhosa Kate Beckinsale. Como uma vilã incansável, cachorrona e determinada a ferrar o herói, ela rouba a cena ao definir o que é uma “ex-mulher”. Antes que me acusem de machista ou coisa parecida, é o filme que sugere isso, gerando um humor que não decidi se foi ou não involuntário.

    No fim das contas, O Vingador do Futuro versão 2012 serve apenas como uma boa distração entre Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Os Mercenários 2, e dificilmente será lembrado como um destaque dos gêneros ação ou ficção científica.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Mary e Max

    Crítica | Mary e Max

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    O que aconteceria se você recebesse uma carta de um completo estranho que mora do outro lado do mundo? É com essa premissa que o filme Mary e Max se desenrola. Trata-se de uma animação em stop motion em estilo massinha (como em O Estranho Mundo de Jack e Fuga das Galinhas), baseada em fatos reais. Dirigido e roteirizado por Adam Elliot, o filme conta com a participação das vozes de Toni CollettePhilip Seymour HoffmanBarry Humphries entre outros.

    A história se inicia a partir do momento em que Mary, uma garotinha de oito anos, que mora na Austrália, resolve enviar uma carta a uma pessoa aleatória nos Estados Unidos da América ao ver uma lista telefônica do local. Em Nova York, Max, um senhor de quarenta e quatro anos e vítima da síndrome de Asperger, recebe a carta da garota e resolve respondê-la. A partir desse momento, inicia-se uma amizade por correspondência entre duas pessoas diferentes e que vivem em contextos de vida completamente diferentes.

    A narrativa do filme é precisa e envolvente e com certeza fará com que muitas pessoas se identifiquem com situações, sentimentos e pensamentos, os quais são muito bem explorados já que a todo instante o filme abre espaço para definir características dos personagens apresentados. Mesmo apresentando requintes de humor durante a história, é com certeza uma animação voltada para o público adulto, pois apresenta temas como suicídio e uso de drogas. Os cenários combinam com a trama melancólica do filme, sendo apresentada uma contraposição em tons de marrom (na Austrália) e cinza (em Nova York). Essa contraposição de cores é interessante, pois explicita as diferenças entre as personalidades dos personagens, já que de um lado encontramos uma garota curiosa por descobrir o mundo, e do outro lado temos um homem que tem medo de explorar o mesmo.

    Mary e Max é uma história sobre solidão e amizades. Em um mundo imperfeito, temos que aprender a viver com nossos defeitos e conviver com os outros. Por mais que as pessoas sejam diferentes entre si, Mary e Max nos mostram um belo exemplo de que no fundo temos mais em comum do que realmente imaginamos.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Da Vida das Marionetes

    Crítica | Da Vida das Marionetes

    Da Vida das Marionetes

    Ingmar Bergman é um cineasta conhecido por seus temas densos e complexos, mas apesar da melancolia seus filmes normalmente apresentam lirismo e beleza. Não é o caso de Da Vida das Marionetes, realização sua para a televisão alemã em 1980.

    O filme começa com Peter Egerman assassinando brutalmente uma prostituta e em seguida fazendo sexo com seu cadáver, evento a que o diretor se refere como “a catástrofe”. A partir daí o filme investiga os dias anteriores ao crime e acompanha os depoimentos no processo contra Egerman.

    Peter e Katarina Egerman já haviam aparecido em Cenas de um Casamento, minissérie de 1973, como um casal histérico e em crise que briga violentamente na frente de Johan e Marianne, os protagonistas, e faz com que esses se sintam gratos pela estabilidade e sucesso de seu casamento. Aqui nós somos levados para a intimidade do casal e as coisas se tornam mais sutis e complicadas.

    Em público Peter e Katarina se detestam, atacam e traem sem pudores, ainda assim ela afirma para um de seus amantes (e psiquiatra de Peter) que ama o marido. A cena em que ambos conversam na cozinha durante a madrugada mostra que existe carinho e cumplicidade ali, talvez mesmo amor, mas ao mesmo tempo se coloca um abismo intransponível.

    O filme é todo construído em cima desse paradoxo: o desejo de proximidade e afeto e a vulnerabilidade e dor que isso pode causar. Tim, um amigo homossexual de Catarina, explica em um brilhante monólogo (filmado, não por acaso, com o personagem se olhando em um espelho, sua imagem duplicada) como se sente quebrado em dois, uma parte ansiando por contato e a outra reprimida frente a possibilidade de horror e violência.  Esse sentimento é comum a todos os personagens do diretor, mas aqui isso se expressa claramente. Bergman sempre utilizou muito close-ups de seus atores, se aproximar tanto dos rostos permite que os sentimentos sejam expressos em toda sua sutileza e dimensão, mas em Da Vida das Marionetes quase sempre esses rostos estão divididos, metade visível, metade na sombra.

    A fotografia em preto e branco aliás reforça esses sentimentos contrastantes: o escritório de Peter, lugar da burocracia e do distanciamento,  é quase todo preto, enquanto seu sonho com Katarina inteiro branco. Além disso, filmar em preto e branco evoca os primeiros filmes do diretor e coloca Egerman como uma releitura, mais moderna e pessimista, dos personagens anteriores, especialmente Antonius Block, protagonista de O Sétimo Selo.

    Ambos se perguntam sobre a possibilidade de paz e sentido, mas ao contrário de Block, que afirma várias vezes nunca cansar de perguntar, Egerman desistiu. Ele conta para Katarina que seu desejo é morrer, ou ao menos não sentir mais nada, uma espécie de morte em vida tão criticada por Bergman em seus primeiros filmes.

    No fim, o diretor reforça o paralelo ao colocar Peter, em uma clínica psiquiátrica, jogando xadrez com um computador, um eco de sua cena mais famosa em que Antonius Block joga com a morte. No entanto a enfermeira afirma que o paciente sempre joga no modo mais difícil, Egerman, de novo ao contrário de Block, não faz questão de ganhar.

    Da Vida das Marionetes talvez seja um filme menor de um grande diretor e com certeza é um dos filmes mais atípicos da obra de Ingmar Bergman,  mas é citado como influência por cineastas como Lars Von Trier e David Cronenberg. Nele Bergman revisita seus temas e personagens recorrentes e constrói seu filme mais pessimista, mas também o mais claro deles, em que todas as questões que antes se instalavam na narrativa ou em longos diálogos metafóricos aqui são destrinchadas. A presença da figura do psiquiatra e os testemunhos em julgamento ajudam nisso, é um filme quase didático para se entender as questões que norteiam o cinema de Ingmar Bergman.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Corvo

    Crítica | O Corvo

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    Explorando a mente singular do famoso romancista do século XIX, Edgard Allan PoeO Corvo, do diretor James McTeigue (V de Vingança), mostra muito potencial nos 30 primeiros minutos de filme, o qual, infelizmente, é totalmente exaurido no decorrer do filme.

    No último ano de sua vida, Allan Poe está afundado em dívidas em bares e fracassos na sua carreira literária, porém acaba sendo obrigado a ajudar o Inspetor Fields a desvendar os crimes de um Serial Killer, que aparentemente se inspira nas obras do autor para cometer seus crimes. Poe se vê obrigado a participar das investigações quando sua amada Emily é sequestrada pelo assassino.

    Nos 30 minutos iniciais do filme, quando nos é apresentado um Allan Poe beberrão, arrogante e um tanto quanto genial (não que isso não seja um retrato da realidade), a trama parece se mostrar sólida. Poe com toda sua genialidade passa por dificuldades financeiras e por um lapso de criatividade – a versatilidade do personagem é um ponto forte que chama bastante a atenção -, mas sua versatilidade acaba lhe causando problemas. Em certos momentos o personagem se passa por bobo da corte, o que acaba tirando um ar de seriedade que seria muito mais interessante a ser atribuída ao personagem. Ora temos um Poe totalmente profundo e lírico, ora temos o oposto se sujeitando até a situações cômicas. Por todas essas questões, acaba restando prejudicado o desenvolvimento do personagem na trama, pois começa com um tom misterioso – com aquele contraste de facetas – e conclui na mesmice dos filmes de suspense que envolvem serial killers.

    O roteiro tem vários problemas. O suspense que não te deixa tenso a nenhum momento é realmente o elemento principal para deixar essa obra tão pobre. Pistas são deixadas em todas as cenas do crime, porém a resolução das charadas deixadas nas pistas são instantâneas (com a desculpa de que é o autor reavaliando suas obras), o que tira totalmente a tensão exercida pelo momento. Cenas desnecessárias são usadas como via de escape para pontas soltas deixadas do desenvolvimento da história.

    Os personagens parecem perder sua motivações a partir da metade do filme. Um exemplo disso é o pai de Emily que a todo momento culpa Poe pelo sequestro de sua filha, porém em um determinado momento esquece totalmente a raiva que sentia por ele, colidindo assim com o que foi apresentado anteriormente e com um desenvolvimento fraco. Outro ponto é que as características que marcavam Allan Poe desde o início do filme somem, deixando no lugar um personagem desesperado e sem rumo na trama.

    A atuação de John Cusak como o protagonista não é ruim, pois consegue personificar um personagem histórico de uma forma muito interessante, porém acaba sendo prejudicado pelo mal desenvolvimento do personagem no roteiro. Outro ator que deve ser destacado, porém negativamente, é Luke Evans, que interpreta um inspetor com um semblante estático e inexpressivo.

    Em algum lugar desse filme desmotivador há um filme lírico que pincela muito bem a imaginação poética de Poe. Infelizmente o roteiro de Ben Livingston e Hannah Shakespeare não foi feliz tentando fazer isso. A direção de James McTeigue  não chama muita atenção mas é competente na parte técnica, principalmente pela sua fotografia (ambiente sombrio e uso frequente de neblina). O Corvo é um filme que tinha algum potencial escondido, mas que preferiu beber da fonte dos filmes de Serial Killer que evidentemente não expressam mais nenhuma surpresa no público.

    Texto de autoria de Raphael Wisnesky.

  • Crítica | Onde Vivem Os Monstros

    Crítica | Onde Vivem Os Monstros

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    Onde Vivem os Monstros é o último filme de Spike Jonze, diretor de Adaptação e Quero ser John Malkovich.  Trata-se de uma adaptação de um clássico da literatura infantil americana e conta a história de Max, um menino endiabrado que foge de casa e vai parar em uma ilha fantástica onde vivem “coisas selvagens”.

    Jonze toma uma história muito curta e adiciona elementos conhecidos de seu cinema, uma certa estranheza e uma tendência para o obscuro, e confere profundidade e melancolia a fábula infantil, tornando-a um filme sobre amadurecimento e solidão.

    Desde o início  Max é apresentado como uma pequena coisa selvagem: quando os amigos da irmã destroem seu iglu, a raiva que ele sente só pode ser extravasada destruindo o quarto dessa; quando ele vê a mãe com o novo namorado sua reação é vestir uma fantasia de lobo, correr pela casa e mordê-la. A mãe de Max está certa quando diz ao menino que ele está fora de controle, as coisas começaram a mudar e ele é só uma criança que ainda não sabe lidar com fato de que o mundo nem sempre responde as expectativas.

    A ideia de um abrigo percorre todo o filme: Max constrói um iglu e uma tenda em casa, já na ilha ele desenha um forte (que é na verdade um enorme casulo) e dorme com os monstros em um bolinho. Os próprios monstros são fofos, peludos e aconchegantes. O que o menino busca é a sensação de proteção e cuidado, a certeza de que estará seguro não importa o que aconteça.

    É isso que ele acredita achar na ilha, os monstros o acolhem, selvagem como ele é, e o amam e elegem rei apenas por ele ter prometido um “escudo anti-tristeza”. Jonze contrasta muito bem o mundo real ao de fantasia: a primeira parte do filme tem cores frias e uma textura quase de vídeo caseiro, enquanto na ilha a luz é dourada e a fotografia tem uma beleza notável.

    No entanto esses monstros são bastante humanos e Carol se parece demais com o próprio Max, principalmente na violência com que reage ao abandono. Ao nomear Max como rei o que essas criaturas buscam é exatamente o que o menino também quer, alguém que os projeta e evite que machuquem uns aos outros, alguém que nunca se decepcione ou fique bravo, mesmo quando eles são terríveis.

    Ao cuidar de seres tão vulneráveis quanto ele mesmo Max percebe a fragilidade e a solidão da própria mãe e começa a entender que não tem nada que ela possa fazer para evitar que sua vida mude, ou para que ele lide melhor com os próprios sentimentos. Ele então volta para casa, consideravelmente mais velho.

    Jonze contrasta a violência das coisas selvagens com a organização exigida pela vida adulta e cria um filme repleto de nuances, símbolos e sutilezas, mas que ao mesmo tempo é engraçado e divertido. Onde Vivem os Monstros talvez seja seu filme mais complexo e um dos mais subestimados dos últimos tempos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Valente

    Crítica | Valente

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    Após a união dos estúdios da Pixar com a Disney, muitas foram as reclamações e críticas por parte de uma parcela do público, sob o argumento de que esta união traria a ruína às grandes obras da Pixar. Com o fracasso de Carros 2, os ânimos abaixaram ainda mais, porém Valente , dirigido por Mark Andrews e Brenda Chapman, chega aos cinemas para renovar o conceito e o valor da união destes dois grandes estúdios.

    O filme conta a história de Merida, filha do Rei Fergus e da Rainha Elinor, a qual está para atingir a maioridade e, por isso, com o intuito de seguir os costumes da época, ela terá sua mão disputada pelos príncipes de outras famílias. Merida não hesita em mostrar descontentamento com os costumes de seu povo e acaba causando tensão entre as famílias. Após encontrar-se com uma bruxa e realizar um pedido que acaba causando mais problemas do que soluções, Merida deve correr contra o tempo com o intuito de evitar os conflitos entre os reinos e salvar a vida de sua mãe.

    O primeiro aspecto a ser levantado do filme é que Merida é a primeira princesa da Pixar. Muitos irão falar que isso é influência direta da Disney, porém a personagem deste filme tem uma personalidade muito diferente daquelas personagens clássicas como Bela Adormecida ou Branca de Neve. Merida é guerreira, astuta, rebelde e independente. Por outro lado é uma representação muito mais firme e contextualizada de uma mulher que possui seus próprios valores e os defende, em contraposição a uma princesa que apenas está aguardando para ser salva por um príncipe encantado.

    Merida é uma jovem com pensamentos e valores contemporâneos, por isso a todo momento bate de frente diretamente com os valores conservadores de sua mãe. Os personagens são carismáticos, possuem profundidade, possuem desejos e anseios humanos. Juntos ilustram uma belíssima história que indaga sobre os significados de liberdade (e a forma como a buscamos em nossas vidas) e de família.

    Os aspectos técnicos obtiveram um resultado muito positivo. A tecnologia 3D utilizada na animação ficou bem encaixada com os cenários da Escócia, em que foi baseado, e suas vastas florestas, as quais dão uma profundidade envolvente à atmosfera do filme. A animação por si só já é o suficiente para criar uma beleza estética muito proveitosa. Isso é facilmente visualizado ao observar a sutileza de detalhes na modelagem dos cabelos da protagonista: rebeldes, soltos e vermelhos como fogo (inclusive tendo relação com a própria personalidade da mesma), que se compõe juntamente com a beleza gráfica de todos os demais detalhes.

    Valente é um bom filme e divertido. Possui uma qualidade estética muito grande e uma narrativa redonda. Não foi dessa vez que a Pixar superou outros de seus sucessos (como Wall-E, por exemplo), porém é uma obra respeitável para abrir os olhos dos mais céticos em relação ao futuro da empresa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    OBS: Para os céticos que estão reclamando das cópias dubladas, a dublagem desse filme ficou muito bem feita e não diminuiu nenhum pouco a beleza da obra. Podem conferir sem medo.

  • Crítica | Following

    Crítica | Following

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    Following, filme de 1998, primeiro longa de Chistopher Nolan, trata de um jovem desempregado, creditado apenas como the young man (Jeremy Theobald), apesar de se apresentar como Bill, em dado momento da história. Este deseja se tornar escritor, mas nunca fez nada relevante. Tem uma vida solitária e sem grandes perspectivas para nada. Para suprir o seu vazio e solidão, passa a seguir pessoas aleatórias pela rua. Com um pretexto inicial de encontrar inspiração para suas histórias, porém isso passa a ser motivado por um desejo de se sentir parte de algo, conhecer pessoas, nem que seja por uma via única, preenchendo seu vazio interior.

    Entre suas “perseguições”, ele conhece, Cobb (Alex Haw), veja você. Um habilidoso ladrão de residências. E também uma mulher (Lucy Russel), creditada apenas como, the blond. No caso de Cobb, é impossível não fazer um paralelo com A Origem, e assim notar, que mesmo utilizando de outros meios, a idéia central abordada, sobre o consciente e inconsciente, o que é realidade o que não é para aqueles personagens, dentro de seu espectro limitado de conhecimento sobre o todo.

    Outro tema que também viria a se tornar recorrente, na obra de Christopher Nolan, que são as amarguras dos seus personagens, buscando uma resolução, um recomeço, e que acabam por se afundar ainda em seus próprios problemas e fraquezas nessa busca. Tudo isso já está presente em Following, talvez de uma maneira mais leve, e implicita. Mas que já faziam parte da assinatura, desse que viria a se tornar um dos maiores diretores, dessa nova geração de Hollywood.

    Além disso, o filme é um neo-noir passado em Londres, com elementos clássicos do gênero, como a loira fatal. Ambientes escuros e “sujos”. As roupas usadas pelos personagens. Ser filmado todo em preto e branco, contribui ainda mais.

    A edição não linear, que veríamos ser usada com maestria em Memento. Também marca presença aqui, sendo inclusive artifício para que o espectador se sinta perdido, dentro de um mundo complexo e que não se pode compreender sem antes saber do todo, justamente como se sente o jovem escritor.

    No mais, um último ponto a se ressaltar, não tem uma ligação direta com o filme por si só. Mas sim, como é semelhante o início de carreira do Nolan, e de Daren Aronofsky. Following e Pi, são de 1998. Os dois filmados em preto e branco. Obviamente por uma questão de custo, mas que os diretores, brilhantes diga-se de passagem, viram essa dificuldade em seu favor. No caso de following, optando por um filme noir. Pi, com aspectos de sonho e pesadelo. Os dois lidam com temas, apesar de diferentes que tem ligação entre si. Aronofsky com sua obsessão pela obsessão, já bastante marcada. Nolan, aqui um pouco mais contido em comparação com o outro, mas já impondo suas assinaturas, traçando a linha entre realidade e imaginação. A trilha sonora dos dois filmes, também tem uma boa semelhança.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

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    Inestimável é a primeira palavra que se pode ter em mente ao falar de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O terceiro filme da trilogia dirigida por Christopher Nolan dá fim a um projeto que mudou a forma como as pessoas enxergam e lidam com filmes de super heróis. Uma forma mais realista e sombria foi apresentada a um público que estava acostumado a um Batman mais “super-herói” e menos próximo à realidade. Nesta conclusão temos o melhor filme da trilogia e provavelmente um dos melhores – se não o melhor – filme de super herói já feito.

    Dark Knight Rises se passa 8 anos após os acontecimentos do filme que o antecede. Somos apresentados à uma Gotham City em paz, com um índice de criminalidade baixo, uma polícia acomodada à tranquilidade e um Batman aposentado (além de um Bruce Wayne recluso). Porém, surge Bane (Tom Hardy), um mercenário que resolve aproveitar esse momento de aparente tranquilidade e fragilidade para colocar em ação seu plano sombrio de destruir Gotham City.

    Primeiramente, é importante ressaltar que a escolha da palavra “Rise” no título – aqui sendo pensada no sentido de “ascender”, ao invés de “ressurgir” como na tradução realizada no Brasil – é muito importante pelas várias formas que ela assume ao longo do filme em diversos momentos. Isso é só um pequeno exemplo com o intuito de dizer que trata-se de uma obra com detalhes muito importantes e que se unem a um todo sem pontas soltas. O roteiro é sólido e extremamente meticuloso, fruto de um trabalho excepcional por parte de Christopher Nolan, Jonathan Nolan e David S. Goyer.

     A trama é forte, tensa e envolvente. Dessa vez, temos um Batman que passa por piores dificuldades, tem seu corpo e sua alma destroçados, mas que ressurge como o verdadeiro herói. Ao mesmo tempo, temos um Batman que se ausenta das cenas pra dar lugar a um personagem também muito importante: a cidade de Gotham. Não somente o protagonista é abalado, como também a cidade se vê obrigada a reagir a um ditador extremista que quer fazer com que o povo conquiste a liberdade através da violência. Em contraposição, temos Batman se tornando um símbolo para que a cidade busque sua própria liberdade e justiça.

    Nolan não só acertou em um bom roteiro como, novamente, acertou em todas suas escolhas de elenco. Christian Bale continua com sua excelente atuação do herói principal, que cativou pessoas do mundo inteiro ao longo dessa franquia. Anne Hathaway, interpretando a Mulher Gato, demonstrou profundidade na atuação de uma personagem que estava em conflito sobre os valores que deveria defender. Tom Hardy interpreta um vilão amedrontador e de personalidade forte e cativante. Seu olhar penetrante ajuda a construir um ar de poder ao personagem que o carrega e sustenta durante toda sua participação no filme. Joseph Gordon-Levitt, por sua vez,  faz o papel do braço direito do Comissário Gordon e esbanja uma impressionante atuação em um personagem de excelente desenvolvimento e de grande importância na trama.

    Toda a trilogia se completa com este final. Todas as pontas se unem e formam uma obra completa e fantástica. Christopher Nolan eternamente será lembrado como o homem que eternizou o Batman nos cinemas. Um verdadeiro presente para todos os fãs.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

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    Depois do impressionante primeiro ato, Christopher Nolan retorna à franquia de Batman para realizar uma produção épica. A consagração que romperia o gênero filme de super-herói para tornar-se um grande filme por excelência.

    Introduzido como gancho na produção anterior, entra em cena a personagem antagônica do Cavaleiro das Trevas, o Coringa. Sua figura é representação máxima da potência de Batman e se popularizou até nas frases que se tornaram seculares entre os fãs.

    A trama se aproxima novamente de histórias conhecidas do herói sem deixar de lado elementos inéditos.  Trabalhando com diversos níveis narrativos, a composição de suas camadas é exemplar. Injusto afirmar que Coringa é a personagem central, sendo claro três polos distintos na narrativa: Harvey Dent como a manutenção da paz perante a lei, Batman como o vigilante que age no limiar desta, e a figura do palhaço como a não-regra, o caos.

    Os enredos se apresentam de maneiras distintas e paralelas, culminando no ápice sem volta em Gotham City. Sob esse aspecto, o diálogo entre Batman e Gordon em Begins já inferia que o surgimento de um super-herói implicaria em uma escalada criminosa. E o que assistimos é justamente uma força impossível de ser sobrepujada.

    Heath Ledger incorpora um Coringa crível e conveniente também com os quadrinhos. O espaço para a piada só se realiza por meio do grotesco, da figura abominável sem limites. Embora a personagem se encontre pouco com o seu rival, definitivas são as cenas em que estão juntos.

    O interrogatório no quartel de Gordon é a chave central do significado entre herói e vilão, uma cena brilhante que, além de seu impacto, tem significado como análise do bem que necessita do mal para existir.  A moeda que trafega nessas vias é o promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), que vai de um extremo a outro, conduzido por Coringa.

    A consistência do elenco comprova que é possível realizar um filme com grandes astros sem a sensação de deslocamento, impressão que tenho assistindo aos diversos filmes da Marvel. Sendo possível trabalhar com um bom elenco sem a sensação de ele estar presente só como divulgação do filme.

    Mesmo que o texto apaixonado não abrace todos os expectadores da produção, uma afirmação é correta: Batman – O Cavaleiro das Trevas tornou-se exemplo a ser copiado. Produziu um marco grandioso nas histórias em quadrinhos que tanto será comparado como tentará ser copiado. Exemplo parecido com o que aconteceu com Matrix, em 1999.

    Mais do que o filme em si, sua força é medida quando, além de uma simples história, uma produção transforma-se em método a ser seguido. Some a isso o fato de que o elemento dramático fez milhões de nerds chorarem no final da trama, que você encontra um épico moderno com a elementar jornada de um herói.

  • Crítica | O Grande Truque

    Crítica | O Grande Truque

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    A obsessão humana transcendendo os limites do agente que a gerou.

    Quando Christopher Priest foi abordado por produtores interessados em transformar o seu romance em filme através da visão de Chrisptopher Nolan, ele ficou bastante impressionado, pois o autor apreciava os filmes anteriores do diretor (The Following e Amnésia). Em meados dos anos 2000 Nolan terminou de ler o romance e envolveu o seu irmão na produção de um roteiro. Nascia assim O Grande Truque (The Prestige).

    Nolan pretendia terminar este filme antes mesmo de Batman Begins, mas a pressão do seu projeto do morcego era maior e o diretor teve que esperar um pouco para poder finalizar o seu “projeto paralelo”. O que se pensarmos bem, fez muito bem à produção de O Grande Truque (mais grana liberada pelo estúdio), além de facilitar o casting do mesmo, muito graças ao sucesso de Batman.

    O plot inicial soa quase despretensioso: Dois ilusionistas, após terem sido afastados por um trauma em um truque do passado se sucedem em uma obsessão dantesca na busca pelo truque de mágica máximo, gerando tragédias para ambos assim como para as pessoas próximas a eles. Mas dentro deste enredo Nolan explora diversos conceitos interessantíssimos da natureza humana, e extrapola para a ficção gerando inclusive dilemas filosóficos da representação do ‘’Eu’’ e sua natureza transcendental, ou não.

    Robert Angier (Hugh Jackman) e Alfred Borden (Christian Bale) são algumas das peças que Nolan tem para revisitar temas que marcariam toda a sua carreira. Um indivíduo obcecado e que está disposto a ir além do que muitos iriam, para alcançar de alguma forma a sua realização, o sentimento de ter cumprido a sua função existencial. Se aqui temos a busca pela fama e o reconhecimento como melhor ilusionista de Londres como foco, em Amnésia esta busca seria a vingança do assassinato de sua mulher, ou mesmo a obsessão de um vigilante mascarado em querer “limpar” uma cidade (e com isso amenizar as dores que o afligem desde criança). Todos eles em diversos momentos transitam em uma linha muito tênue do que consideram moral. Angier e Borden são constantemente questionados pelas pessoas ao seu redor sobre as suas ações, sobre a obsessão que os corrói, mas eles seguem sempre em frente, sempre na busca por algo que os libertará disso tudo. Ingênuos, eles se esquecem de que o caminho espinhoso percorrido deixará cicatrizes permanentes, não importa o quão gratificante seja ter atingido o seu propósito inicial.

    Outro tema recorrente em Nolan é o seu modo de brincar ou questionar a realidade. Seja através de uma lesão cerebral na qual as memórias não se fixam mais, seja através da insônia e um estado mental perturbado ou simplesmente com um truque de mágica. Aqui a metáfora do que é ou não real nunca foi mais clara. Nolan brinca em várias cenas com os truques de ambos, isso somado as reviravoltas do roteiro justificam assistir a obra mais de uma vez.

    Integram o cast de peso Michael Caine, Scarlett Johansson, Andy Serkis e a mais que curiosa participação de David Bowie como o cientista e inventor Nicola Tesla. A fotografia e a produção de arte são fidedignas a Londres do final do século IXX (o que rendeu 2 indicações ao Oscar), cores frias permeiam quase toda a película, representando em grande parte a racionalidade de nossos protagonistas, seus maquinários para os truques e sua amoralidade quando levado em conta seus objetivos. Essa frieza é contrastada em pequenos momentos que clamam mais do emocional humano, principalmente nas cenas de Michael Caine e a linda filha de Borden (Samantha Mahurin), um misto de ingenuidade e deslumbramento ao se deparar com os truques mais simples do mundo ilusionista.

    Vemos aqui que há um preço enorme a se pagar caso não haja limites para a sua obsessão. Seja ele pequeno (um pássaro que morre para o sucesso dos truques de desaparição) ou até mesmo os que podem comprometer de forma irreversível a sua vida. Direta ou indiretamente, Angier e Borden sofrem e muito com isso. Mas dentro deles há impulsos fortes demais para serem ignorados. Fica fácil perceber que não importa se eles serão alcançados ou não, o impulso sempre estará lá, forte e ainda devastador. Os sacrifícios decorrentes de tal perseverança são impactantes e é difícil se manter indiferente. A reflexão resultante de tais atos por si só já valem o filme. Pena que ele muitas vezes acaba passando ao largo da filmografia do diretor como algo menor. Ao meu ver, ele consta entre os melhores filmes de Christopher Nolan.

    Texto de autoria de Amilton Brandão.

  • Crítica | Batman Begins

    Crítica | Batman Begins

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    Demorou certo tempo para a Warner trazer o Cavaleiro das Trevas novamente às telas, após a destruição causada por Schumacher com Batman & Robin. Ao descobrir sobre o interesse da produtora, Christopher Nolan demonstrou sua vontade em realizar um longa-metragem e esboçou breves ideias iniciais a respeito do projeto.

    Antes mesmo de realizar longas reuniões com executivos, Nolan convidou o roteirista David S. Goyer para juntos trabalharem em uma versão do roteiro, ao mesmo tempo em que seu desenhista de produção concebia visualmente as ideias criadas por ambos.

    Quando os executivos puderam conhecer a história de Nolan / Goyer, também tinham em mãos diversos protótipos desenvolvidos a respeito do uniforme e carro da personagem, e também da cidade de Gotham City. Elementos que começaram como testes na garagem de Nolan e tornaram-se presentes no filme.

    Batman Begins não só narra a origem do herói como também é o primeiro marco da narrativa de Nolan. O filme explora a lacuna de sete anos em que Bruce Wayne ficou fora da cidade. Lacuna que, diz o diretor, nem mesmo foi explorada em gibis.

    A personagem dos quadrinhos aproxima-se daquela vista nas telas: um homem que realizou uma jornada interior e teve maciço treinamento com diversos mestres para tornar-se aquilo que ambicionava. Além da composição como um herói, conhecemos também o pequeno círculo de confiança de Bruce Wayne: Alfred, o paternal mordomo, Lucius Fox, mentor tecnológico do morcego e Jim Gordon, o policial que lhe inspira confiança.

    Antes de o personagem vestir o manto, a história apresenta a jornada de Bruce Wayne. Nela, é desenvolvida a psicologia desde sua infância, com seu medo pelos morcegos, e as maneiras necessárias para explorar o terror interno. Antes mesmo de o público ver o Homem Morcego, há confiança e credibilidade na jornada estabelecida por Wayne.

    As tramas apresentadas são costuradas com perfeição. Inicialmente, Batman desenvolve uma luta contra a máfia da cidade, tentando ajudar a promotora Rachel. Conforme adentra as investigações, descobre que o Dr. Jonathan Crane aproveita-se do contrabando para desenvolver uma droga própria que impele o medo. A jornada do morcego constitui-se em uma luta com elementos ainda desconhecidos por ele.

    Batman foi criado para ser um tanque de guerra em forma de homem. Tem o aparato necessário e conhece as lutas marciais mais definitivas. Nolan não queria transformar a violência em espetáculo, mas sim em um elemento que assustasse o público. Dessa forma, oferece-se credibilidade à composição da personagem.

    A produção foi rodada quase inteiramente em locações ou estúdio, utilizando muito pouco do CG. Boa parte da cidade de Gotham foi levantada em grandes estúdios; a cena da caverna possui, de fato, um lago submerso e até mesmo o batmóvel foi construído como um veículo funcional de verdade, com quatro metros e mais de duas toneladas.

    Os elementos constituem uma realidade crível para o espectador. É retirado da personagem seu conceito colorido dos filmes anteriores, compondo um ambiente sombrio e real. Por conseguinte, estabelece-se com eficiência a composição de Christian Bale entre Bruce Wayne e Batman. Dando vazão e justificativa a um homem que a noite vira um símbolo.

  • Crítica | Insônia

    Crítica | Insônia

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    Depois de um início arrebatador, quando Christopher Nolan lançou ao público, Amnésia em 2000, as expectativas para seu próximo filme se tornaram grandes, talvez por conta disso, Insônia seja a grande decepção para os entusiastas da carreira do cineasta.

    Amnésia se tornou uma das grandes surpresas do mercado cinematográfico, um filme pequeno, com um roteiro instigante e original. Ganhar o público e a crítica em seu primeiro filme (Se desconsiderarmos seu primeiro longa mais independente, The Following) é tarefa para poucos, no entanto, manter esse público é ainda mais difícil (M. Night Shyamalan é um ótimo exemplo). A verdade é que Insônia se mostra como um filme mediano, onde seus méritos maiores estão na ambientação de sua história e o elenco poderoso com que Nolan trabalhou (três ganhadores do Oscar), demonstrando o quanto o diretor já era respeitado, mesmo em início de carreira.

    O roteiro de Insônia narra a história de um detetive que parte para uma cidadezinha isolada do Alasca para investigar o misterioso assassinato de uma jovem. As coisas saem do controle durante uma perseguição ao assassino (Robin Williams) da jovem, o personagem de Al Pacino acaba matando acidentalmente seu parceiro, e a única testemunha do crime é justamente o próprio assassino que estava perseguindo. A trama se desenvolve como uma grande caçada de gato e rato, repleto de chantagens, do tipo em que os fins justificam os meios. Vale ressaltar que Insônia é um remake de um filme norueguês de 1997, dirigido por Erik Skjoldbærg, sendo assim, o primeiro (e único até o momento) onde não houve colaboração alguma de Nolan no roteiro.

    Insônia retoma temas utilizados em Amnésia, seus personagens são anti-heróis que buscam uma redenção em suas vidas. Se em Amnésia, a perda de memória do personagem de Guy Pearce é a escolha utilizada para o desenvolvimento narrativo, em Insônia é o clima do Alasca que acaba tendo um papel fundamental no desenvolvimento do roteiro, funcionando quase como um personagem à parte, aliás, esse cenário remete ao meu trabalho favorito dos irmãos Coen, Fargo: Uma Comédia de Erros, um filme policial, com traços neo-noir que se passa em um ambiente desolado e gélido.

    Os personagens do longa desencadeiam uma série de eventos onde caberá somente ao espectador determinar o caráter de cada um. Insônia desenvolve bem os seus personagens, muito parecido com o que já havia sido feito em Amnésia, transformando um filme policial com pontos de vista interessantes no que remonta a índole dos seus personagens, algo muito além da linha que tange o bem e o mal. Como um noir moderno, onde a escuridão é substituída pela claridade do Alasca, mas as trevas de verdade estão imbuídas dentro daqueles que participam da trama e não em seu ambiente.

    Al Pacino entrega um trabalho retumbante ao interpretar um detetive pragmático e amoral, completamente desgastado mentalmente, quanto fisicamente. Robin Williams demonstra um dos seus poucos papéis como antagonista, conseguindo assustar o espectador com seu olhar vazio e perturbador. Hillary Swank, ainda que discreta, se mostra fundamental como uma possível “balança” na trama.

    Apesar de ser considerado como um filme menor na filmografia de Nolan, Insônia se mostra como uma grande análise de comportamentos e nuances da mente humana travestida de thriller policial. Nolan faz tudo isso com uma direção mais clássica, não precisando retomar um estilo de narrativa não-linear para se firmar como um grande diretor.

  • Crítica | Amnésia

    Crítica | Amnésia

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    Em 2000, Cristopher Nolan, então um diretor estreante, movimentou os festivais, surpreendeu a crítica e foi indicado a dois Oscars com um filme contado ao contrário.

    O primeiro plano de Amnésia nos mostra uma polaroid que desaparece gradualmente e a primeira cena estabelece toda a estrutura do filme: essa é uma história contada de trás para frente, em que o diretor nos apresenta as consequências antes das causas.

    O protagonista de “Amnésia” é Leonard, um homem incapaz de armazenar novas memórias após ser agredido pelo mesmo homem que estuprou e matou sua mulher. Em busca de vingança ele desenvolveu um sistema de notas, fotos e tatuagens para se lembrar do que é importante e do último propósito que ainda o mantém funcionando.

    Em determinado momento Leonard diz que sua condição é como estar sempre acordando, sempre naqueles poucos minutos em que o mundo ainda não entrou em foco e você não sabe exatamente quem é ou onde está. E a estrutura do filme simula exatamente essa sensação: cada vez que um novo fragmento começa o espectador não tem ideia de como chegou ali.

    No entanto, mesmo ao contrário, a informação se acumula e conforme o filme avança nós passamos a interpretar a origem dos atos de Leonard sob a ótica de suas consequências. Nolan domina muito bem esse efeito ao inserir reviravoltas e tornar duvidosas as origens de atos que até então julgávamos certos. Ao final do filme o lugar do espectador é de novo muito parecido com o de Leonard: ele viu a conclusão de uma história, mas não pode confiar plenamente nela.

    Dessa forma “Amnésia” usa as possibilidades do cinema para reforçar e construir a historia que conta, e Nolan se prova desde o início um diretor particularmente consciente de seu ofício. No fundo, o filme fala sobre as diversas possibilidades de uma narrativa e, principalmente, da forma como alguém constrói sua identidade a partir das histórias que conta a si mesmo.

    Nolan voltará nesses temas em seus filmes posteriores. Ainda que ele nunca revisite a mesma ousadia de forma, seu cinema se constrói em reflexões sobre identidade, manipulação e as histórias que escolhemos contar para nós mesmos.

    “Amnésia” é ao mesmo tempo um filme não-convencional e um noir, um dos gêneros mais clássicos do cinema, sua estrutura aparentemente difícil é dosada com cenas intermediárias que a tornam mais fácil de absorver. É um excelente filme de estreia e marca Nolan como um grande herdeiro de Hitchcock, tanto nas escolhas narrativas e formais, como na capacidade de andar na linha entre o autoral e o comercial.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Na Estrada

    Crítica | Na Estrada

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    Walter Salles é um diretor que gosta de road movies: Central do Brasil e Diários de Motocicleta, seus dois filmes mais conhecidos, se passam quase inteiros na estrada. Foi provavelmente o sucesso na biografia de Che Guevara que fez com que Francis Ford Coppola (detentor dos direitos do romance e produtor executivo de Na Estrada) desse a Salles a direção de um filme que parecia impossível de ser feito (Gus Van Sant e Joel Schumacher já haviam desistido da adaptação).

    Salles prova que sim, Na Estrada era um livro adaptável e inclusive bastante cinematográfico, mas talvez sua vontade de ser fiel ao romance impeça o filme de ser extraordinário.

    Na Estrada é um bom filme e, principalmente, uma boa adaptação: é fiel ao espírito do livro e a maior parte de sua trama, bem atuado, com fotografia impecável, edição eficiente e bons planos na maior parte. Mas é um filme que poderia ser excelente.

    Salles constrói bons contrastes: entre Sal e Dean; Marylou e Camille; Nova Iorque e a Califórnia; entre planos fechados, cheios, quase claustrofóbicos e enormes paisagens abertas; a linguagem direta, simples e apressada de Jack Kerouac e as frases longas e pomposas de Proust (Sal carrega No Caminho de Swann por quase todo o filme). Mas tudo isso não parece se achar no filme que não explora a fundo as contradições e os personagens que tem na mão. Da mesma forma a beleza da fotografia acaba servindo apenas pra isso, não tem função narrativa, não ajuda na construção de uma ideia, o que é uma pena vindo do diretor de Abril Despedaçado.

    Em diversos momentos o diretor faz mais literatura do que cinema, se apoia mais em diálogos e na narração em off do que nas imagens que possui e na boa atuação dos protagonistas. Aliás, um dos grandes méritos do filme é o trabalho dos atores, com um destaque surpreendente para Kristen Stewart, que  equilibra bem o apelo e a fragilidade de Marylou e consegue não ficar apagada perto do trabalho Kirsten Dunst.

    A impressão final é de um diretor com medo de seu material original: um medo de se distanciar do livro, que faz com que o filme perca em linguagem, e medo de cortar passagens, o que o torna um pouco longo e cansativo. Não é um filme ruim, mas não é o filme que Walter Salles poderia fazer, há um encantamento e um frescor em Diários de Motocicleta que deveriam estar presentes aqui, mas não estão.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Vida em Um Dia

    Crítica | A Vida em Um Dia

    A Vida em Um Dia

    Você consegue imaginar um filme feito com cerca de 80.000 clipes de vídeo e mais de 4.500 horas de material fornecido por milhares de pessoas do mundo inteiro? Acredito que é um pouco difícil para qualquer um imaginar e conceber isso, mas A vida em um dia (Life In A Day) está aí em toda sua grandiosidade para mostrar que a ideia não só é possível como também é preciosa.

    Produzido da parceria entre a Scott Free UK (do aclamado diretor Ridley Scott) e o YouTube, o filme conta o que estava se passando ao redor do mundo no dia 24 de julho de 2010 através dos olhos de pessoas ordinárias. Adentramos o íntimo da vida pessoal de pessoas que talvez jamais venhamos a conhecer, mas que nem por isso deixamos de ter um sentimento de empatia por elas.

    O filme é belo e inspirador. As mais diversas cenas são apresentadas, desde a hora em que todos estão se levantando para mais um novo dia até o momento que a noite cai e as pessoas se despedem dele. Diversas culturas e costumes são reunidos mostrando as mais diversas formas de existir enquanto ser humano neste planeta. Somos todos pessoas diferentes e com pensamentos diferentes, porém unidos pela humanidade.

    O diretor brinca em diversos momentos do filme fazendo perguntas como “O que você ama?” ou “Do que você tem medo?” e o mundo responde em mais sequências de cenas simples, porém intensas. Intensidade essa provocada pela sensação de que existe um mundo gigantesco lá fora muito maior do que aquilo que conhecemos. Um dos personagens mais marcantes do filme é um ciclista coreano, o qual já inicia dizendo que não importa saber se é do norte ou do sul, que está viajando o mundo descobrindo novas culturas e engrandecendo a si mesmo enquanto pessoa.

    A vida em um dia é uma epifania de que ninguém nesse mundo está sozinho e nenhuma vida que nele está presente é dispensável. Através dos fatos mais comuns e simples do dia a dia de várias pessoas do mundo atingiu-se a grandiosidade. Muitas vezes nada de especial precisa acontecer para fazer com que um determinado dia valha a pena. Viver é enxergar a beleza nas pequenas coisas e nos pequenos momentos. É basicamente isso o que A vida em um dia nos mostra: a vida em sua plenitude.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.